dos no Brasil) e mestiços. A “nação” irá tornar-se, então,uma designação da tradição religiosa predominante adotadapelo terreiro, sem que necessariamente todos ou amaioria de seus membros sejam daquele grupo étnico ouseus descendentes. Na própria estrutura do culto tambémocorrerá um amálgama de tradições e práticas religiosasafricanas, homogeneizando de certa forma o modelo ritualsob a influência yoruba, porém mantendo em geral o predomíniode uma das tradições.De uma “nação de candomblé” para outra, mudam as divindadescultuadas: os terreiros de tradição congo e angolacultuam inquices, os de tradição jeje cultuam voduns eos de tradição nagô ou ketu cultuam orixás. Mudam tambéma língua usada nas cantigas e saudações, as cores dascontas, o nome dos cargos das autoridades religiosas, ascomidas oferecidas... ou seja, há muita diversidade dentrodo próprio candomblé.Na história dos estudos afro-brasileiros houve uma predominânciados estudos acerca dos terreiros nagô ou ketue uma maior valorização destes frente aos de matriz bantu.Grandes especialistas da área, desde o próprio Nina Rodriguesa Arthur Ramos, Manuel Querino, Roger Bastide,Pierre Verger, Ruth Landes, entre tantos outros, dedicaramsequase exclusivamente ao estudo da tradição dos orixáse pouca atenção deram aos candomblés congo-angola emesmo jeje. O Museu Afro-Brasileiro também é fruto destatradição intelectual, o que se reflete em nosso acervo, compostoem sua grande maioria por peças africanas da regiãodo Golfo do Benin (yoruba e fon) e por peças do candombléketu, usadas no culto de orixás. Cientes desta lacuna, ressaltamosa importância de evidenciar a existência de diversastradições culturais e religiosas no candomblé, cadaqual com suas especificidades, nem sempre passíveis detradução ou equivalência entre si. Sem tal reconhecimento,não se pode considerar de maneira efetiva a diversidadeque constitui a riqueza das religiões de matriz africanana Bahia. Há, porém, pontos fundamentais que as unem,permitindo que o povo-de-santo se articule na defesa datradição do culto aos orixás, voduns e inquices.Na África, a religião não era uma esfera separada da vida,mas sim uma forma de ver o mundo que articulava os aspectossociais, econômicos e políticos da vida das comunidades.Seria mais preciso, segundo alguns especialistas,falar não em religião, mas em religiosidade, ou mesmo emcosmovisão, ou seja, visão de mundo africana, já que nãose tratava apenas de relação ou religação com Deus oucom o sagrado, mas de uma forma de conhecer o mundo,de classificá-lo e compreendê-lo, uma forma de estabelecerhierarquias sociais, de exercer e legitimar o poder, de regularas trocas de mercadorias e as trocas simbólicas.A despeito das significativas diferenças entre os povos quepara cá vieram, todos têm em comum uma cosmovisãobaseada na existência de um Deus todo-poderoso, que éa fonte de toda a vida e de toda a força vital. Na tradiçãonagô e ketu chama-se Deus de Olodumare ou Olorum; natradição jeje chamam-no de Mawu e na congo-angola deNzambi. É comum a todos, também, a crença na existênciade intermediários entre Deus e os homens. Acredita-se queDeus é distante e poderoso demais para poder se chegardiretamente até ele, por isso precisa-se de intermediários,que são os orixás, voduns e inquices. Eles representam aomesmo tempo forças da natureza, como entidades patronasligadas a certos locais sagrados, e ancestrais muitoremotos de diversas linhagens ou de um subgrupo étnico,que por isso são divinizados. Para todos os africanos vindospara cá também era importante o culto aos ancestraismais recentes, membros da família ou da comunidadereligiosa, que ao morrer passam a zelar pelos vivos,assim como os orixás, voduns e inquices.Todas estas entidades precisam, em contrapartida, sercuidadas e homenageadas, através de oferendas de co-
midas e bebidas e da realização de cerimônias nas quaisa música dos atabaques faz com que elas se manifestem,dançando e transmitindo sua força vital – seu axé – eproteção aos homens. Assim podemos entender aspectospouco compreendidos das religiões de matriz africana, osacrifício e o transe. Acredita-se que as plantas, animaise minerais possuem força vital (axé). A materialidade éum aspecto fundamental das oferendas, pois a matéria éveículo da força vital, especialmente alguns fluidos, comoo sangue animal e a seiva dos vegetais. Estas substânciassão consagradas e oferecidas, ou seja, sacrificadas, aosorixás/voduns/inquices ou aos ancestrais, estabelecendouma troca entre eles e os vivos, visando a manutenção doequilíbrio e do bem-estar na Terra. A negligência com oscuidados, na forma de oferendas, para com as divindades eancestrais rompe este equilíbrio e deixa os vivos sujeitos aacontecimentos desfavoráveis ou perigosos, à doença, esterilidade,infortúnio e morte.É importante saber que os animais sacrificados são depoisconsumidos na refeição ritual durante a cerimônia.Com exceção das vísceras e algumas partes específicas,como pés e cabeça, as que contém mais força vital, quesão reservadas às divindades e colocadas em seus altares,o resto é preparado com o delicioso tempero da cozinhaafro-brasileira, complementado por feijão fradinho, milho,caruru, acarajé, abará, e compartilhado por todos que comparecemà festa, sejam eles membros do terreiro ou não.Outra coisa também é necessária: trazer as divindades àpresença dos vivos, incorporadas em seus filhos iniciadosem seu culto. Neste momento de comunhão, que constituias cerimônias públicas, os vivos celebram e partilham,dançando e comendo, a transmissão da energia vital comsuas divindades. Isto faz com que a festa seja um aspectocrucial das religiões afro-brasileiras. Estendemos assimde onde vem o “jeito festeiro” dos baianos, nossa culturade festa, na qual não se pode facilmente separar aspectos