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SEGURANÇA PÚBLICA

02 - Marcos Rolim

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REVISTABRASILEIRADE<strong>SEGURANÇA</strong> <strong>PÚBLICA</strong>www.forumseguranca.org.br ISSN 1981-1659 Ano 1 Edição 2 2007


REVISTABRASILEIRADE<strong>SEGURANÇA</strong> <strong>PÚBLICA</strong>Ano 1Edição 2


ExpedienteexpedienteEsta é uma publicação semestral do Fórum Brasileiro de Segurança PúblicaISSN 1981-1659Comitê Editorial:Paulo de Mesquita Neto e Renato Sérgio de LimaConselho Editorial:Elizabeth R. Leeds (New York University)Antonio Carlos Carballo Blanco (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro)Chris Stone (Harvard University)Fiona Macaulay (University of Bradford)Luiz Henrique Proença SoaresSérgio Adorno (Universidade de São Paulo – USP)Revisão de textos: Vânia Regina FontanesiRevisão Geral: Adriana Taets (Fórum Brasileiro de Segurança Pública)Ilustrador: URBANIAProdução Editorial: URBANIA • Tiragem: 700 exemplaresTelefone: (11) 3081-0925 • e-mail: revista@forumseguranca.org.brGráfica: BartiraAs opiniões e análises contidas nos textos publicados pela Revista Brasileira de Segurança Pública são de responsabilidade de seus autores,não representando, necessariamente, a posição do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.Versão digital disponível no site www.forumseguranca.org.br/revista2Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


SumárioSumárioNota do Editor ............................................................................................................. 5PolíciaAbordagem Policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o público ....................................................................................... 6Tânia PincUso não letal da força na ação policial: formação,tecnologia e intervenção governamental .......................................................... 24Wilquerson Felizardo SandesDiscutindo cidadania com a Polícia Militar da Paraíba .................................... 40Rosália CorrêaAutonomía profesional y liderazgo civil enlas policías de América Latina y del Caribe ........................................................ 50Lucía Dammert e Liza ZuñigaSegurança públicaO conselho de segurança pública no âmbitoda administração pública municipal ................................................................... 64Vânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereirae Virgílio Cézar da Silva e OliveiraPolítica de segurança pública: o direito à intimidadena era da videovigilância ...................................................................................... 82Gustavo Almeida Paolinelli de CastroLevantamento da percepção do medo e do crime em Santa Catarina ........ 94Aldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutrae Daniel Bernardo da Silva FilhoDrogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduais ........ 120José Siqueira Silva, Danielle Novaes de Siqueira Valverde,Rodney Rocha Miranda e Francisco Valverde de Carvalho FilhoMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violência ..................................................................................... 136Guilherme Assis de AlmeidaConflito, violência e tragédia na cultura moderna:reflexões à luz de Georg Simmel ....................................................................... 150Giane Alves de CarvalhoEntrevista“Nossa missão é salvar vidas” ............................................................................ 164Entrevista com bombeiros do Corpo de Bombeiros da Polícia Militardo Estado de São PauloAbstracts/Resumen.................................................................................................................................... 184Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública3


Lorem ipsum dolor sit ametJoséphine Bourgoisnononon4Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


REVISTABRASILEIRADE<strong>SEGURANÇA</strong> <strong>PÚBLICA</strong>Osegundo número da Revista Brasileira de Segurança Públicapublica artigos agrupados em três temas: polícia; segurança pública;drogas, conflito e violência. Os temas não foram pré-selecionadospelos editores, que apenas agruparam os artigos, mas refletem as preocupaçõese o trabalho realizado pelos autores que submeteram artigos parapublicação.Nos artigos publicados, é notável a preocupação com as questões douso da força pela polícia e da relação entre polícia e comunidade na áreada segurança pública. Também é notável a preocupação com a prevençãoda violência, diante da magnitude dos conflitos sociais, nas esferas dafamília, escola ou comunidade, e do problema específico das drogas.Temas de interesse geral são, entretanto, tratados de forma diferentepor profissionais de diversas organizações e pesquisadores de diversasáreas, ainda que sempre de uma perspectiva que valoriza os princípios dademocracia, legalidade e direitos humanos. Valorizando o debate público,técnico-profissional e acadêmico, a Revista Brasileira de SegurançaPública procura, assim, promover a troca de idéias e experiências entrepoliciais, gestores de segurança pública, estudiosos, pesquisadores e liderançasda sociedade civil.Uma entrevista com praças do Corpo de Bombeiros da Polícia Militardo Estado de São Paulo mostra qual é e como é realizado o trabalhodos bombeiros, e ajuda a compreender a boa imagem da organização e aconfiança da população nos seus profissionais.Apresentação nonononBoa Leitura!Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública5


PolíciaAbordagem policial:um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincTânia Pinc é mestre e doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, pesquisadora do Núcleo em PolíticasPúblicas da Universidade de São Paulo – NUPPs/USP e 1º tenente da Polícia Militar do Estado de São Paulo.taniapinc@uol.com.brResumoEste artigo explora a relação entre a polícia e o público durante a abordagem policial, com o objetivo de oferecer maiortransparência a esse encontro, dando ênfase à conduta individual dos atores envolvidos.A análise apresentada nesteestudo é baseada em uma amostra de 90 abordagens, realizada no período de dois meses do ano de 2006, na cidadede São Paulo. Os dados foram coletados por meio da técnica da Observação Social Sistemática, que consiste em ummétodo de observação direta, porém não participante. Esta técnica permitiu observar o policial desempenhando suasatividades de policiamento sem que soubesse que estava sendo observado.Palavras-ChavePolícia. Abordagem policial. Uso da força. Observação Social Sistemática.6Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Aabordagem é uma ação policial quedesagrada, se não todas, a grande partedas pessoas que passam por essa experiência. Pareceimpossível imaginar alguém agradecendoa um policial ao término de uma abordagem.Essa é uma atitude compreensível, porque ninguémgosta de ter seus direitos cerceados e suaprivacidade invadida, mesmo que seja por algunsminutos.De maneira geral, as pessoas ou já passarampor essa experiência, ou conhecem o relato deoutros abordados, ou ainda tiveram contatocom esse assunto pelos meios de comunicação.Em qualquer condição, as notícias e comentáriossobre a abordagem costumam dar maiorênfase ao excesso da ação policial. O resultadodisso tende a ser a construção do imaginário comumem torno do fato de que esse procedimentopolicial é, via de regra, violento.Diante da possibilidade de a abordagempolicial causar um efeito tão negativo, porquea instituição policial a mantém no rol das açõesde seus agentes? A resposta é simples: porque aabordagem policial é necessária para manter aordem pública e controlar o crime.Da mesma forma que nem todos os remédiossão amargos, nem todas as abordagens policiaissão abusivas. Este artigo tem por objetivo:desconstruir alguns mitos sobre a abordagempolicial; apontar caminhos que possam aprimoraro preparo profissional do policial durantea interação com o público; despertar o entendimentodo cidadão sobre os procedimentosadotados pelos policiais; e mostrar maneiras dopúblico se comportar durante esse encontro.Abordagem policial: o que é isso?Apresenta-se a seguinte definição para aabordagem policial: “é um encontro entre apolícia e o público cujos procedimentos adotadosvariam de acordo com as circunstâncias ecom a avaliação feita pelo policial sobre a pessoacom que interage, podendo estar relacionadaao crime ou não” (PINC, 2006).Na relação cotidiana entre a polícia e o público,a abordagem policial é um dos momentosmais comuns da interface entre esses dois atores.Qualquer pessoa, durante suas atividades de rotina,está sujeita a ser abordada por um policialna rua (RAMOS; MUSUMECI, 2005).Indicadores confirmam a alta freqüênciacom que o policial decide pela abordagem.Dados da Polícia Militar demonstram que, noEstado de São Paulo, 7.141.818 pessoas foramrevistadas, durante 2006, o que representa18% da população paulista, estimada em 40milhões pela Fundação Sistema Estadual deAnálise de Dados – Seade. Nessa mesma direçãoaponta uma análise feita com dados dapesquisa de vitimização, 1 no município de SãoPaulo (2003): selecionada a população de homensjovens, na faixa de 16 a 29 anos, equiva-PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública7


PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia Pinclente a 1.092 indivíduos, o resultado mostraque 55,8% desses homens foram abordadospela polícia. No mesmo ano, no Rio de Janeiro,um survey 2 foi aplicado a 2.250 pessoas, nafaixa etária entre 15 e 65 anos, e indicou quepouco mais de um terço (37,8%) dos cariocasentrevistados tiveram alguma experiência deabordagem policial.Considerando que a abordagem policial éum evento que qualquer pessoa está sujeita aser submetida, um fato para o qual muitos nãoatentam, entre eles, pesquisadores, organizaçõesnão-governamentais, meios de comunicação e,principalmente, o cidadão, é que em uma interação,em que se espera alcançar a congruênciana relação entre os atores, há regras que ambosdevem seguir, principalmente se existe previsãolegal. No caso da abordagem policial, tambémhá um comportamento esperado por parte dapessoa abordada.Para esclarecer essa idéia, é preciso destacartrês pontos. O primeiro é que a abordagempolicial compreende uma ação respaldada emlei, 3 sendo que o policial tem o poder de iniciare conduzir o encontro. O segundo é que setrata de uma situação de risco para o policial,pois, se a pessoa abordada estiver armada, suasegurança fica exposta, sendo esta uma situaçãoconsiderada em todas as circunstâncias, ouseja, o policial sempre atuará ponderando suaconduta na possibilidade de a pessoa abordadareagir contra ele. Por fim, a pessoa abordadadeve seguir todas as orientações do policial,procurando manter a calma e realizando movimentosde forma lenta, enfim, cooperandocom as instruções recebidas, por mais que issoa desagrade.Se levarmos em consideração a concepçãoweberiana de Estado, que atribui à polícia o“monopólio da violência legítima”, o termoviolência adere fortemente à imagem da instituiçãopolicial. Alguns estudiosos brasileiroscontribuem com essa idéia em seus trabalhos(PINHEIRO, 1991; ADORNO, 1993; ZA-LUAR, 1994; CALDEIRA, 2000). Ocorreque a violência abrange atitudes e ações quepodem resultar em lesões e mortes de cidadãos.Por representar um resultado grave e indesejado,dificilmente alcançará o reconhecimentotácito, por parte dos não-policiais, deser essa uma ação legítima.Por outro lado, o foco demasiado nessaidéia contribui para formar a percepção deque a polícia sai às ruas usando apenas a forçafísica e a força letal. Isso tende a reduzir aabordagem policial aos eventos que excedemo limite da ação legal, generalizando esse encontroa situações em que o policial vitima ocidadão com truculência, infligindo um danomoral ou físico.Dessa forma, a abordagem policial tendea ser percebida como violação dos direitos dapessoa humana. Não se pode negar que açõesabusivas compõem o universo cotidiano do trabalhopolicial, mas trata-se de uma parte quenão representa o todo.Para demonstrar a importância da realizaçãodessa ação policial no contexto urbano,é relevante mencionar que, de acordo coma Secretaria de Segurança Pública – SSP, em2006, foram apreendidas em todo o Estadode São Paulo 32.493 armas de fogo. Grandeparte dessas armas foi encontrada pelos8Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


policiais durante as abordagens. Retirar umaarma de fogo de circulação implica prenderalguém que cometeu, ou tem intenção decometer um crime, impedindo que mais crimesocorram. Prender criminosos e preveniro crime é papel da polícia e uma das formasmais eficientes para cumprir essa função é pormeio da abordagem policial.Esse dado mostra a face dessa interaçãoentre a polícia e o público, tão pouco explorada– a abordagem policial como um eventoque pode contribuir para o controle do crimee da violência, ou seja, um fator concertante,do ponto de vista da ordem pública. Sendoassim, por mais desconcertante que seja o caráterdesse encontro, a pessoa abordada temobrigações a cumprir.Para deixar essa idéia mais clara, apresentasea descrição de uma abordagem feita recentemente,em uma blitz:Numa noite de agosto de 2007, nodistrito da Freguesia do Ó, na cidade deSão Paulo, foi abordado um veículo dotipo utilitário em um bloqueio policial.Neste carro havia um casal, o motoristaera o homem. Ele desembarcou logo apósa determinação do policial, enquanto elarecusou-se a descer. Sua atitude era depura indignação, ela nunca havia sidoabordada antes. Uma policial femininase aproximou. Após insistir, a mulher desceucom a bolsa e o celular na mão, masnão obedeceu quando a policial mandoucolocar as mãos sobre o carro, começou afazer uma ligação. Neste momento, outrapolicial se aproximou e explicou a ela,com firmeza, que se não obedecesse seriaconduzida à delegacia por desobediênciaà ordem legal. A policial realizou a revistapessoal e pediu que ela abrisse suabolsa, ela titubeou, porém obedeceu. Foipossível visualizar um sutiã rendado emseu interior, junto com os demais pertences.Nada foi encontrado com eles ou nocarro que indicassem qualquer ligaçãocom o crime. Ao final, foram liberados. 4Embora este não seja um estudo antropológico,a descrição dessa abordagem ajudará adesenvolver o argumento.Um bloqueio policial é realizado comaproximadamente 12 policiais e duas viaturas.O local é sinalizado com o objetivo deos motoristas diminuírem a velocidade doveículo para, entre outras coisas, não atropelaremos policiais e permitirem que o selecionadorpossa ver o interior do carro. Oselecionador é o policial que escolhe os carrospara a abordagem. A decisão da abordagem ésempre tomada em fração de segundos, poressa razão o selecionador será um policialexperiente, ou seja, o que tem mais tirocíniopolicial. 5 Alguns critérios norteiam suadecisão: carros com película nos vidros, cujograu de transparência impeça ou prejudiqueenxergar o lado de dentro; três ou mais ocupantes;alta velocidade ao se aproximar daárea do bloqueio; algum tipo de reação domotorista ou ocupantes que somente o olharatento e treinado do policial pode detectar;entre outros.Um veículo ocupado por duas pessoas seráabordado por, ao menos, três policiais, porqueum dos princípios da abordagem é a superio-PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública9


PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia Pincridade numérica de policiais em relação ao deabordados. Os ocupantes do carro serão consideradossuspeitos até o momento em quenada for constatado. Importante frisar que adesconfiança do policial, seja de alguém ematitude suspeita seja de um infrator, não deveprovocar qualquer conduta agressiva em relaçãoà pessoa abordada.Para eliminar a suspeita, será necessáriorealizar a busca pessoal e a revista no veículo,além da consulta ao banco de dados de pessoase veículos, feita ao Centro de Operaçõespelo rádio da viatura, para certificar se as pessoassão ou não procuradas pela justiça e seo veículo é ou não furtado ou roubado. Parao policial, o tempo utilizado nesses procedimentosé contabilizado como rotineiro, noentanto, para as pessoas abordadas isso podeter outra dimensão.Deixar ver uma peça íntima, mesmo quenão esteja em uso, pode representar algo constrangedorpara uma mulher, porém, não obedeceràs ordens de uma policial durante a abordagem,impedindo que ela realize a busca pessoal,por exemplo, pode aumentar a desconfiançaou confirmar a suspeita sob sua conduta. Nessacircunstância, é possível entender que a pessoaesteja escondendo alguma coisa. Do ponto devista policial, é provável a interpretação de queessa coisa seja uma arma de fogo ou droga, mas,pelo lado da pessoa abordada, pode ser apenasuma lingerie ou momentos de intimidade quese recusa a macular.Entretanto, o policial é a autoridade queconduz o encontro e, em face da recusa doabordado em colaborar, terá subsídios paraconsiderar que está diante de um infrator enão mais de um suspeito, podendo avançar naescala contínua do uso da força e conduzir apessoa presa ao distrito policial, por exemplo.Uso da força não-letal nas atividadesde rotinaAo contrário do que se pensa, são rarasas oportunidades em que o policial se deparacom situações de risco em que deva fazeruso da força letal, ou seja, da arma de fogo.Embora, no caso brasileiro, não tenha sidoconstruído um parâmetro, vamos consideraro estudo de Klinger (2005), que aponta que achance de um policial norte-americano fazeruso da arma de fogo em serviço é de 10 emum milhão.Sendo assim, o grosso da atividade policialemprega o uso da força não-letal; um objetomuito pouco explorado nos estudos sobrepolícia no Brasil. Por força não-letal pode-seconsiderar toda e qualquer ação policial queanteceda o uso da arma de fogo, durante osencontros com o público.Embora o interesse seja recente, pesquisadoresnorte-americanos têm avançadono estudo sobre o uso da força pela polícia(ALPERT; DUNHAM, 2000; BAZLEY;LERSCH; MIECZKOWSKI, 2006; KLIN-GER, 2005; NATIONAL INSTITUTE OFJUSTICE, 1999; TERRILL; REISIG, 2003;TERRILL, ALPERT, DUNHAM; SMITH,2003). Uma das contribuições mais importantesé de Alpert e Dunham (2000), queapresentam a escala de força contínua, quetem sido incorporada pelas instituições policiais,e está descrita no Quadro 1.10Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Quadro 1Uso de força contínua pela políciaPolícia1. Nenhuma força;2. Ação de presença do policial uniformizado;3. Comunicação verbal;4. Condução de preso (uso de algema e outras técnicasde imobilização);5. Uso de agentes químicos;6. Táticas físicas e uso de armas diferentes de substância química e dearma de fogo;7. Uso de arma de fogo e da força letal.No Brasil, as instituições policiais vêm realizandogrande esforço na padronização deprocedimentos operacionais, no entanto, aindanão foi implementada nenhuma estratégiaque apresente de forma detalhada o escalonamentodo uso da força pela polícia.A escala do uso de força contínua pela polícia,apresentada no Quadro 1, pode contribuirpara esse debate, pois representa uma redefiniçãodo papel da polícia em contraposição à concepçãodo monopólio da violência legítima. Na expressãouso da força está implícita a existência degraus diferentes de força, aplicados a situaçõesespecíficas. O termo violência, neste caso, trazem seu conceito uma legalidade relativa da ação,em outras palavras, a violência ocorrerá quandoo policial exceder os limites do uso da força.Essa nova abordagem foi preconizada anteriormentepor Bittner (1990), que argumentaFonte: Alpert e Dunham (2000).que a capacidade do uso da força tem funçãocentral no papel da polícia. O autor acrescentaainda que “o policial, e apenas o policial, estáequipado, autorizado e requisitado para lidarcom qualquer exigência para a qual a forçadeva ser usada para contê-la”. Mesmo quandonão se usa a força, ela está por trás de todaa interação que acontece (cf. BAYLEY, 1985,p. 20). Sendo assim, é possível compreender arazão pela qual a ação de presença do policial éconsiderada demonstração de força.Essa escala ainda mostra que a interação entreo policial e o público ocorre, na maior partedo tempo, até o nível 3, ou seja, por meio dapresença do policial e da comunicação verbal.De acordo com os registros oficiais da Secretariada Segurança Pública, 6 em 2006, emtodo o Estado de São Paulo, foram abordadas9.351.600 pessoas pela polícia, enquantoAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública11


PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia Pinc124.594 foram presas em flagrante delito. Emboratenha sido ressaltado anteriormente queos registros de abordagem são subnotificados,esses dados serão considerados para a análise.Sendo assim, tendo em vista que a revista pessoal,costumeiramente, antecede a prisão emflagrante delito, pode-se inferir que são necessárias,em média, 133 abordagens para se efetuaruma prisão. Em outras palavras, uma emcada 133 pessoas abordadas apresenta condutarelacionada ao crime, as demais não. Esse dadoainda demonstra que o policial, em 98,6% dasabordagens, conduziu o grau de força até o limiteda comunicação verbal.Dados da Secretaria de Administração Penitenciáriado Estado de São Paulo mostramque, no final de 2006, a população carcerária,no Estado, atingiu o patamar de 144.430 presos,enquanto a população paulista estimadapelo Seade, para o período, é de aproximadamente41 milhões. Isso implica que a quantidadede pessoas presas no Estado de São Paulo,em 2006, é equivalente a 0,35% de toda a populaçãoestadual.O comportamento individual do policial, nessascircunstâncias, está respaldado por um conjuntode regras e procedimentos, que o orientamna direção de uma conduta segura e legal,sem ferir sua discricionariedade.É importante destacar que a polícia é umadas instituições mais visíveis do Estado, em razãoda natureza particular do mandato que aautoriza a utilizar a força com o objetivo demanter a ordem pública, o que compreendefiscalizar, deter, prender e até mesmo, sob circunstânciasjustificáveis, ferir ou matar (DE-LORD; SANDERS, 2006).No Brasil, o fundamento legal do uso da forçapela polícia não especifica as ocasiões em queela deva ser usada e tampouco o grau que devaser aplicado. Uma das razões é a incapacidadedos legisladores de preverem tais circunstâncias.O grau de força a ser utilizado será determinadopelo policial no momento do encontro. Essacapacidade lhe foi atribuída também por lei – éo poder discricionário, que o autoriza a escolherquando e como usar a força.A exposição desses dados é feita com o intuitode demonstrar que o criminoso não apresentauma conduta que possa ser identificadaou comprovada facilmente pelo policial. Alémdisso, é muito pequena a parcela da populaçãoque tem relação com o crime. Sendo assim, naamostra selecionada para a abordagem, a proporçãode cidadãos comuns é muito alta.Procedimento operacional padrãoA abordagem é uma ação policial proativa, 7em que o policial inicia e conduz o encontro.O resultado dessas escolhas tende a gerardiscussões, principalmente quando os interessadospelo assunto não concordam com aconduta adotada pelo policial, ou quando háregistro de lesão ou morte, mesmo que tenhasido resultado de ação legal.Os trabalhos acadêmicos que voltaram suaatenção para discutir o uso da força restringemseà produção de expressões como o “uso daforça mínima necessária” (BITTNER, 1990),que apresentam termos que tentam orientar ograu de força a ser usado; ou ainda “presunções12Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


azoáveis de que uma infração foi cometida”(MONET, 1986), que se refere à oportunidadeem que a força deva ser usada; entre outrasque ficam muito distantes de um critério quepossa permitir o julgamento a respeito de tersido necessária, desejável ou apropriada algumaintervenção que utilize a força.Neste sentido, o papel da instituição policialé determinante para facilitar a escolha do seuagente, pois tem condições de oferecer opçõesque descrevam e orientem a conduta adequadadiante dos possíveis eventos em que o policialpoderá se deparar durante o seu turno de serviço.Essa maneira específica de se comportar econduzir uma dada interação com o público échamada de procedimento operacional.As instituições policiais têm atentado paraa importância dessa questão e investido napadronização de procedimentos operacionais,como fonte de referência para o trabalho policial,que em muitas ocasiões obriga, em razãoda imprevisibilidade do fato ameaçador, que aresposta seja pautada em julgamento feito emfração de segundos. Identificar a ameaça, agiroportunamente e dosar a força na medida certasão fatores determinantes para a segurança dopolicial e das pessoas envolvidas, direta ou indiretamente,no encontro.O esforço da Polícia Militar de São Pauloem delimitar o uso da força, criando procedimentosoperacionais em concordância com asnormas legais, estabelece parâmetros para propiciarque a decisão do policial seja discricionáriae não arbitrária. Embora possa diminuiro campo de decisão do agente, o objetivo é minimizaro risco de arbitrariedade.A diferença entre essas condutas é que,pela discricionariedade, o policial escolheuma entre o conjunto de alternativas legaisdisponíveis para uma dada circunstância. Jáquando age pela arbitrariedade, ele adota umcomportamento incongruente com a circunstância,que pode estar previsto no conjuntode normas que orientam suas ações, ou mesmoem completo desacordo com qualquerdispositivo legal.No Brasil, a Polícia Militar de São Paulo foipioneira na criação do Método de Tiro Defensivo(PMESP, 1999) e do Guia de ProcedimentosOperacionais Padrão – POP (PMESP, 2002).Por muitos anos, os exercícios de tiro posicionavamo policial a uma certa distância de umalvo (silhueta de uma pessoa), em que ele disparavauma série de tiros na tentativa de atingiruma região considerada fatal, localizada próximoao coração, denominada por 5X. Entretanto,este era um treinamento voltado apenas paraaprimorar a pontaria e o manejo da arma defogo e não capacitava o policial a enfrentar umasituação de risco.O novo método de tiro defensivo, introduzidoem 1999, que levou o nome de seucriador – Método Giraldi 8 –, visa condicionaro policial por meio de treinamentospráticos de tiro, a fim de que ele possa estarpreparado para oferecer uma resposta racional,em uma circunstância que envolve tensãoe medo, e que sua conduta seja capaz deproteger sua vida e de terceiros, preservar aintegridade da instituição policial, mantendoa coerência com as normas e a ordem social(PMESP, 1999).PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública13


PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincOs treinamentos incluem a entrada do policialem locais de crime, em que são fixadasvárias silhuetas. Nesses exercícios de simulação,ele ou ela deve ingressar numa edificaçãofísica, que tanto pode ser uma casa ou um estabelecimentocomercial, em que irá se depararcom alvos em que deve atirar e outros nosquais não deve atirar. Mesmo se tratando deum exercício, a tensão é muito alta e o medose faz presente, pois o praticante não sabe qualé a estrutura do ambiente e tampouco a localizaçãodos alvos.O método prevê inclusive a forma mais segurade o policial ingressar e avançar neste ambiente,a fim de que não se exponha na linhade tiro do agressor. Por exemplo, como passarpor uma janela, como entrar pela porta, comocaminhar pelo corredor e nos cômodos, ondese posicionar para fazer a segurança do parceiro,entre outros detalhes vitais.O policial deve atirar em uma única circunstância:quando o alvo tem uma arma defogo na mão apontada em sua direção. Paraaumentar o grau de dificuldade, são distribuídosno ambiente outros alvos que têm outrosobjetos nas mãos, como faca, telefone celularou ainda estão com as mãos escondidas. Estessão alvos em que não se deve atirar.Outro alvo que exige maior habilidade é oque está armado, mas com refém. Nesta circunstânciao policial deve verbalizar e, diante da negativado agressor em liberar o refém e se render (oinstrutor do exercício verbaliza como se fosse oagressor), deve acionar o Gate – Grupo de AçõesTáticas Especiais, que é o grupo da Polícia Militarespecializado em ocorrências com reféns.O policial ganha pontos, a cada acerto, eperde, a cada erro. Perder pontos numa situaçãoreal pode significar morrer ou matar alguém.O exercício de simulação contribui paradespertar esse alcance.Outro avanço da Polícia Militar de São Pauloé a padronização dos procedimentos operacionaisa serem adotados pelo policial durantea abordagem. Este guia confirma que a açãodo policial está condicionada ao alcance de suapercepção, sobre a pessoa com quem interage.Neste sentido, a abordagem pode se desenvolverde três diferentes maneiras: abordagem a pessoasob fiscalização de polícia; abordagem a pessoaem atitude sob fundada suspeita; e abordagema pessoa infratora da lei (PMESP, 2006).Na abordagem a pessoa sob fiscalização depolícia, o policial apenas identifica a pessoa,pedindo seus documentos, e explica o motivopelo qual ela foi abordada e a libera em seguida;sua arma permanece no coldre o tempo todo.Na abordagem a pessoa em atitude sob fundadasuspeita, o policial saca sua arma e amantém na posição sul, 9 apontando-a para osolo; determina que a pessoa se vire de costas,entrelace os dedos na nuca e afaste aspernas. Se a abordagem é feita a uma pessoa,o procedimento padroniza que essa ação sejaoperacionalizada por dois policiais, ou seja,que sempre haja superioridade numérica depoliciais em relação aos não-policiais. Apósposicionar a pessoa da forma descrita, umdos policiais recoloca sua arma no coldre,abotoa-o, e realiza a busca pessoal, enquantoo outro permanece com sua arma na posiçãosul fazendo a segurança.14Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Na busca pessoal, por medida de segurança,o policial deve se posicionar de forma a mantersua arma o mais distante possível do revistado efixar uma base de apoio com os pés, caso a pessoareaja. Deve ainda segurar com uma das mãosos dedos entrelaçados e deslizar a outra sobre ocorpo da pessoa, apalpando os bolsos externamente;tudo isso com o objetivo de encontraralgum objeto ilícito com a pessoa, como armaou droga. Se ainda restarem dúvidas, o policialpoderá realizar a busca pessoal minuciosa, queé uma revista mais detalhada e deve ser feita,preferencialmente, na presença de testemunhase em local isolado do público, onde o revistadoretira toda a roupa e os calçados.Por fim, na abordagem a pessoa infratorada lei, o policial usa sua arma na posição 3ºolho, 10 apontando-a para o infrator, e determinaa posição em que deve ficar para iniciar abusca pessoal: de costas para o policial, dedosentrelaçados na nuca e ajoelhado, para dificultara reação dessa pessoa que, reconhecidamente,praticou um crime.Quando a pessoa está conduzindo umveículo, além da busca pessoal, o policial tambémpode realizar a identificação do veículo,fiscalizando os documentos e/ou a vistoriaexterna e interna do automóvel. A escolha doprocedimento acompanha a mesma lógica daabordagem a pessoa a pé e a vistoria, quandorealizada, pretende alcançar o mesmo objetivo:localização de armas, drogas e outros produtosde crime. O condutor ou o proprietário deveacompanhar a vistoria.Portanto, a lei autoriza os policiais abordarempessoas com o objetivo de identificálas,cuja ação pode ter relação com o fato deestarem transitando em local de risco, porexemplo. Também podem abordar aquelas queestejam se comportando de forma a despertarsuspeita de vir a transgredir ou já ter transgredidoalguma norma legal e ainda aquelas que,sabidamente, praticaram algum crime.A ação policial mais crítica, no que se refereà relação entre a polícia e o público, é aquelavoltada para a pessoa em atitude suspeita eé a que ocorre com maior freqüência. Comodemonstrado anteriormente, o policial realizaem média 11 133 abordagens para localizarum infrator. Isso significa que os que foramliberados são, na maior parte das vezes, pessoascomuns que jamais tiveram qualquer tipode envolvimento com o crime, mas por algummotivo chamaram a atenção do policial. Essescidadãos comuns são revistados, identificadose liberados.Embora haja autorização legal, não se podedizer que esta seja uma situação agradável, fatoque gera muita discussão sobre ser este o procedimentomais apropriado. Por um lado, écompreensível que uma pessoa honesta sintaseofendida por ter tido sua conduta identificadacomo suspeita; por outro, o elevado aumentodo crime e da violência leva o policial aaumentar o seu grau de desconfiança nas pessoase, conseqüentemente, a realizar um maiornúmero de abordagens.No entanto, no que se refere ao grau de risco,a mais crítica é a abordagem ao infrator.Pessoas cometem crimes por não respeitaremas normas legais e é provável que ameacem asegurança de outras pessoas, inclusive a dosPolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública15


PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia Pincpoliciais, para não serem presas. Os procedimentospadronizados no POP de abordagemà pessoa infratora da lei são operacionalizadosem situações de flagrância, quando alguémestá cometendo ou acabou de cometer um crime,cuja probabilidade do uso da arma de fogoaumenta se o infrator também estiver armadoe reagir contra as ordens do policial.Nesta situação, onde o risco é elevado, émais provável que o uso inadequado da força(superior ou inferior ao grau necessário) resulteem lesão ou morte, inclusive do policial.O tempo para o policial realizar a escolha donível de força a ser usada nesta circunstânciaé ínfimo, porém é sua escolha que determinao resultado.Regras de conduta durantea abordagem policial: paraquem servem?Os Procedimentos Operacionais Padrãoguiam a conduta individual do policial durantea abordagem, de forma a elevar o grau desegurança para os envolvidos e diminuir a probabilidadede práticas abusivas. Uma forma demedir os abusos cometidos pelos policiais durantea abordagem é por meio das denúncias.Dados da Ouvidoria da Polícia indicamque, em 2006, foram registradas, no Estado deSão Paulo, 46 denúncias contra policiais, porpessoas que sofreram “abordagem com excesso”.O acumulado do período, entre 1995 e2006, é de 124 denúncias. Este é um númeromuito baixo de denúncias diante do volumede abordagens realizadas, o que pode indicar omedo que as pessoas têm de denunciar.As denúncias representam uma forma decontrole e são necessárias para que o Estadoe a instituição policial possam acionar mecanismosque corrijam tais práticas. A aplicaçãode sanção ao policial que excede é importantecomo medida de punição, porém, as denúnciastambém servem de subsídios para que ainstituição aprimore o preparo profissionaldos policiais.Preocupado com o exercício da cidadania,o Centro de Direitos Humanos de Sapopemba– CDHS desenvolveu a Cartilha de abordagempolicial (CDHS, 2006), que apresenta o queo policial pode e o que não pode fazer duranteuma abordagem. À medida que o cidadãoconhece seus direitos, aumenta sua capacidadecrítica para avaliar a conduta do policial e,conseqüentemente, para buscar os órgãos aque possa recorrer para preservar esses direitos,caso sejam violados.No entanto, essa cartilha não cumpre oobjetivo ao qual se propõe, pois seu conteúdoestigmatiza a abordagem policial, reduzindoesse contato a um evento em que os direitoshumanos são violados.Deve-se lembrar que é o policial queminicia e conduz essa interação. Sua arma defogo será posicionada (coldre, posição sulou posição terceiro olho) de acordo com acircunstância (fiscalização, pessoa em atitudesuspeita ou infrator da lei). Além disso,ele indicará verbalmente à pessoa abordadacomo se portar. Por ser essa uma situação derisco para o policial, é necessário considerara possibilidade de a pessoa abordada reagirà ordem.16Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Neste sentido, Alpert e Dunham (2000)apresentam a Escala de Resistência pelo Uso daForça Contínua e Níveis de Resposta (Quadro2), que demonstra que a medida de força usadapelo policial, diante da resistência do suspeito,está diretamente relacionada à reação ofensiva.Isso também quer dizer que, se o policial usar aforça em grau inferior ao necessário, aumenta aprobabilidade de se tornar vítima. Sendo assim,se o abordado não seguir as orientações do policial,ele deverá elevar o grau de força de acordocom a escala, a fim de manter a segurança individuale a dos demais envolvidos, fazendo valera autoridade que lhe foi conferida.PolíciaQuadro 2Resistência pelo uso da força contínua e níveis de respostaNível de resistência do suspeitoPresença do suspeitoResistência passivaResistência física ativaPosição de abordagemTécnicas de condução de presoTáticas físicas/outras armasNível de controle da força usada pelo policialResistência verbalResistência defensivaUso de arma de fogo e força letalComando verbalAgentes químicosUso de arma de fogo e força letalAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincFonte: Alpert e Dunham (2000).Neste sentido, a Polícia Militar de SãoPaulo realiza algumas tentativas de orientar aspessoas na forma de se comportarem durantea abordagem. É o caso do Alerta Geral: “AbordagemPolicial – entenda a importância e saibacomo ajudar a polícia”, que é um informativodistribuído ao público em geral:• ao se aproximar de um bloqueio, diminuaa velocidade, use faróis baixos e mantenhaa tranqüilidade;• sempre respeite o bloqueio policial, poisa ação policial é a sua segurança e a fugado bloqueio pode ser mal interpretada egerar graves conseqüências;• ao parar o veículo, permaneça sentado eaguarde orientações. Se for à noite, acendaas luzes internas do veículo. Não desçado veículo sem orientação do policial,nem bruscamente;• só saia do veículo mediante instrução dopolicial, mantendo as mãos sempre visíveise sem quaisquer objetos. Não se preocupecom documentos, pois serão solicitadosoportunamente;• quando houver duas ou mais pessoas nointerior do veículo, elas devem aguardarorientação para sair, mantendo as mãossempre visíveis;Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública17


PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia Pinc• na abordagem, não se precipite em tirardo bolso a carteira de identidade. Aguardeorientação do policial;• caso esteja portando arma legalmente ouela esteja no interior do veículo, comuniqueao policial na primeira oportunidade;• não admita abusos ou maus tratos. Denuncieà Corregedoria da Polícia Militar pelofone: (0XX11) 3311-0077, ou pelo e-mailcorreg@polmil.sp.gov.br.As condutas descritas contribuem paraevitar qualquer tipo de intercorrência durantea abordagem. Além dessas orientações,o Alerta Geral explica porque a abordagempolicial é realizada, a previsibilidade legal,quando e onde ela ocorre, de que forma e oobjetivo. Além disso, orienta a pessoa comoproceder no caso de ser desrespeitada, estimulandoa denúncia.Observação social sistemática daabordagem policialNa tentativa de avaliar o desempenho operacionaldo policial militar durante a abordagem,foi selecionado um grupo de 24 policiais, queatuam na cidade de São Paulo. 12 Estes policiaisforam observados durante o trabalho, por meioda técnica da Observação Social Sistemática, queconsiste em um método de observação direta,porém não participante. Esta técnica permitiuobservar o fenômeno natural, ou seja, o policialdesempenhando suas atividades de policiamentosem que soubesse que estava sendo observado.Técnicas de observação social sistemática têmsido testadas, internacionalmente, com o objetivode observar o policial em suas atividades, semo seu conhecimento (REISS, 1971; TERRILL;REISIG, 2003; WEIDNER; TERRILL, 2005).A observação direta consistiu em registrar emvídeo as ações policiais, desencadeadas em locale horário previamente definidos, em que quatropoliciais estacionavam duas viaturas e abordavammotos e carros.Observadores treinados antecipavam-se àchegada dos policiais e filmavam a operação.Foram filmadas 19 operações, realizadas entresegunda-feira e sexta-feira, por volta das9 horas. A explicação para o horário é a pequenademanda de ocorrências policiais queexigem o emprego de viatura.As áreas onde foram realizadas as operaçõesabrangem, em sua maior extensão, bairrosde periferia, incluindo favelas e terrenosinvadidos e que têm índices mais elevados decrimes, incluindo o homicídio. 13Ao final, a observação foi sistematizada, ouseja, os vídeos foram assistidos e as imagens codificadaspor meio de um questionário com 92perguntas, cujas respostas formaram o banco dedados para a análise, sendo essa a única finalidadedas imagens.Registros oficiais da Polícia Militar indicamque, na área 14 da cidade de São Pauloselecionada para a pesquisa, foram realizadas12.812 abordagens em 2006, ou seja, emmédia, 35 por dia, ou quase uma abordageme meia por hora.A unidade de análise da pesquisa é a abordagempor bloqueio. A amostra reuniu 9018Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


abordagens a veículos, realizadas em 19 diasdiferentes. Em cada dia foram abordados emmédia cinco veículos, num período aproximadode 40 minutos. Portanto, a amostra é representativado universo de abordagens realizadasnaquela região.No que se refere aos abusos policiais, a Ouvidoriade Polícia registrou, em 2006, 28 denúnciascontra policiais militares da capital,sob a acusação de terem realizado abordagemem excesso. A observação social sistemática das90 abordagens não constatou nenhuma práticaque pudesse ser considerada abusiva. Embora osregistros oficiais referentes à abordagem e à denúnciasejam subnotificados, este é o parâmetrodisponível para o estudo, razão pela qual é consideradonessa análise.Os resultados encontrados 15 permitem identificaro perfil das pessoas abordadas, lembrandoseque os ocupantes dos 90 veículos abordadostotalizaram 115 pessoas:• gênero – há uma importante variação degênero nessa experiência, pois os homens,que representam 47% da população dodistrito onde foram realizadas as operações,são 91,3% dos abordados;• idade 16 – as pessoas mais abordadas sãoos adultos (47,5%), que correspondem a46,9% da população do distrito pesquisado(de 25 a 59 anos), mostrando equivalênciaentre a população e a amostra. Entretanto,o segundo grupo apresenta também importantevariação – os jovens (de 18 a 24 anos)são 40% dos abordados e 12,3% da populaçãodo distrito da capital.O fato de homens jovens constituíremo segmento populacional mais abordadoestá em consonância com outras pesquisas,como a que foi realizada em Londres, noinício dos anos 80, que mostra que “umapessoa jovem incorre onze vezes em maisriscos de ser abordada pela polícia queuma pessoa de sessenta anos ou mais” (cf.MONET, 1986, p. 233). Isso pode estarassociado à forte participação do homemjovem no crime.• raça/cor – em que pese o fato de a maior partedos abordados ser formada por brancos(60%), eles equivalem à parcela de homensbrancos (67,1%) da Subprefeitura em queestá inserida a área onde foram realizadasas operações. A amostra de abordados nãobrancos(30,5%) também é equivalente àfaixa populacional daquela região (31,2%).A análise demonstra que, quando o policialnão observa as condutas previstas no POP deabordagem, é muito mais provável que sua própriasegurança seja colocada em risco. Algunsindicadores, entre outros, mostram isso:• não manter distância do veículo duranteo desembarque das pessoas abordadas(78,9%) – um pressuposto da abordagemé sempre ponderar a possibilidadede reação. Quando o policial aproximasedemais do veículo no momento emque as pessoas estão desembarcando, aumentasua vulnerabilidade;• posicionar-se incorretamente para fazer asegurança do parceiro que realiza a buscapessoal (73,3%) – no caso de a pessoaabordada reagir e o policial que realiza asegurança tiver que usar a arma de fogoe não estiver posicionado corretamente,provavelmente, colocará seu parceiro nalinha de tiro;PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia PincAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública19


PolíciaAbordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia Pinc• aproximar a arma da pessoa abordada(47,8%) – durante a busca pessoal opolicial deve manter sua arma no coldreabotoado e mantê-lo o mais afastadopossível da pessoa abordada, pois, nocaso de uma possível reação, o abordadopoderá sacar a arma do policial.Na amostra de 90 abordagens não foi registradonenhum flagrante, ou seja, não foiencontrado nenhum objeto produto de crime.Esse indicador corrobora a relação de abordagem/flagrantedescrita anteriormente. Alémdisso, em nenhum desses encontros foi observadaalguma prática abusiva.Mesmo sendo uma amostra pequena, diantedo universo de abordagens, esta é a primeiravez em que se observa o encontro entre a políciae o público, como um fenômeno natural,ou seja, por meio da observação direta e semintervenção, o que possibilitou criar uma medidada abordagem policial.violência policial e que o foco da ação policialnão foi direcionada contra as classes perigosas,entre elas os não-brancos.Considerações finaisSeja qual for a natureza, as pessoas não sesentem confortáveis quando estão sendo fiscalizadas.No entanto, para efetivar o controledas relações e de determinados comportamentosanti-sociais ou criminosos, papel quecabe ao Estado, é necessária a implementaçãode algumas medidas que possam concertar ouharmonizar alguns pontos que estão em dissonânciacom a ordem pública.A abordagem policial é uma dessas medidasconcertantes. Porém, do ponto de vista dapessoa abordada, ela pode ser altamente desconcertante,em razão da exposição pública eda percepção negativa da polícia. Este é umponto que requer atenção, pois é determinanteda relação entre a polícia e o público.A melhor maneira de aferir o uso da forçanão-letal pela polícia é por meio da observaçãodireta da atividade policial, pois pesquisasrealizadas com pessoas que têm contato coma polícia tendem a extrair a percepção do entrevistadosomente no que se refere às práticasabusivas, ou seja, eles são instados a responderemàs perguntas de forma a qualificara atividade policial ou a polícia e não apenasdescrever os procedimentos adotados pela políciadurante o encontro (IFB, 2003; RAMOS;MUSUMECI, 2005).Os resultados do teste empírico desta pesquisademonstram a ausência de indícios deNeste sentido, dois fatores podem contribuirpara que a abordagem policial deixe de serum encontro desconcertante: aumentar o preparoprofissional do policial militar; e ampliaro conhecimento do cidadão sobre esse encontro,tanto no que se refere às razões pelas quaisele ocorre, quanto sobre a maneira como devese comportar durante a abordagem.Sendo assim, tanto a instituição policialquanto a sociedade civil organizada (pesquisadores,organizações não-governamentais,meios de comunicação, entre outros) têmoportunidade de investimento. É importanteque todos atuem em conjunto e de forma20Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


horizontal, pois o objetivo é único: construiruma cultura de confiança numa polícia, comalto preparo profissional, para que as pessoassintam segurança e não medo daqueles quedevem protegê-la.Polícia1. Pesquisa realizada pelo Instituto Futuro Brasil – IFB, em que foi selecionada uma amostra de 5.000 domicílios,distribuídos nos 96 distritos do município de São Paulo.2. Essa pesquisa foi realizada pela Science – Sociedade Científica da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, como objetivo de conhecer as experiências e percepções das pessoas a cerca das abordagens policiais na cidade, verem Ramos e Musumeci (2005).3. O poder de polícia é garantido pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional; enquanto a busca pessoal, cujadiscricionariedade da escolha, da pessoa, local e hora, é do policial, tem fundamento nos artigos 239 e 244 doCódigo de Processo Penal.4. Presenciei esta abordagem.5. Tirocínio no dicionário Houaiss significa : prática, exercício preliminar indispensável ao desempenho dedeterminada profissão; experiência capacidade de discernimento. No meio policial é entendido como a capacidadede identificar condutas que demonstrem relação com o crime. Alguns autores, como Bittner (1990) e Muniz(1999), chamam isso de arte ou craft.6. Os dados da SSP/SP sobre pessoas presas e revistadas agregam as ações das polícias militar e civil. Ao númerode pessoas presas em flagrante delito foi agregado o de infratores apreendidos em flagrante.7. Sherman define que a relação direta entre o cidadão e a polícia ocorre de duas maneiras: (1) ação policialreativa; quando a iniciativa é do cidadão – as ligações ao 190 são exemplo; e (2) ação policial proativa, quando ainiciativa é da polícia – como exemplo, a abordagem (cf. BAYLEY; 1985, p. 36).8. O método leva o nome de seu criador Coronel da Reserva da PMESP Nilson Giraldi. Em razão da parceria daSecretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp com o Comitê Internacional da Cruz Vermelha – CICV, o métodoGiraldi tem sido aplicado na capacitação de policiais militares e civis de outros Estados do Brasil e em outrospaíses da América Latina.Abordagem policial: um encontro (des)concertanteentre a polícia e o públicoTânia Pinc9. Posição sul: arma empunhada pela mão forte, na altura do peito, posicionada com o cano perpendicularmentevoltado para o solo, dedo fora do gatilho, cotovelo flexionado e projetado para cima, mão fraca estendida com apalma da mão voltada para o peito, podendo estar sob a arma (posição descoberta) ou sobre a arma (posiçãocoberta), cotovelo flexionado próximo à linha da cintura (PMESP, 2006).10. Posição 3º olho: arma empunhada com as duas mãos (dupla empunhadura), mão forte empurra a arma e amão fraca puxa a arma, dedo fora do gatilho, erguida na altura dos olhos, abertos, braços semi-estendidos, posiçãodo corpo frontal ou lateral, em pé, ajoelhado, agachado ou deitado. A posição 3º olho também pode ser empregadacom os cotovelos flexionados, quando o ambiente assim necessitar, o cano da arma sempre será direcionado para olocal onde se vistoria, a direção do cano acompanha o olhar (PMESP, 2006).11. Muitos policiais têm desempenho acima da média, ou seja, realizam menor número de abordagens paralocalizar um infrator. Isso pode ter relação com a área de atuação – áreas com elevado índice criminal são maisprováveis de se localizarem infratores da lei, ou ainda com a sua habilidade e o seu olhar mais apurado (tirocínio).12. Para saber mais sobre essa pesquisa e seus antecedentes, ver Pinc (2006).13. Para preservar a identidade dos policiais observados, não serão mencionados neste artigo os locais em queforam realizadas as OSS.14. Esse dado é equivalente à área da Companhia Policial Militar a que pertencem os policiais observados.15. Para conhecer mais sobre os dados e análise da pesquisa, ver Pinc (2006).16. Esse dado foi aferido pela observação da aparência da pessoa abordada e não pelo seu documento.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública21


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PolíciaUso não-letal da força na açãopolicial: formação, tecnologiae intervenção governamental 1Wilquerson Felizardo SandesWilquerson Felizardo Sandes é tenente-coronel da Polícia Militar do Estado do Mato Grosso, mestre em Educação.wilquersonsandes@uol.com.brResumoEste artigo tem como objetivo criar um espaço de debate e reflexão sobre o sistema de controle das práticas policiaisdecorrentes do uso da força e armas de fogo. A idéia central focaliza-se na redução dos índices de letalidade no usoda força, por meio de ações políticas e socioeducativas, combinadas com iniciativas tecnocientíficas inovadoras. Buscaseum diálogo multidisciplinar sobre o tema com outros campos do saber científico que avançam em produção deinteligência, pesquisa e tecnologia. Para tanto, o estudo apresenta: uma contextualização da construção do monopólioda força e a função policial; uma abordagem sobre o exercício democrático, poder de polícia e uso da força; esforçossocioeducativos relacionados ao tema; iniciativas relacionadas às tecnologias denominadas não-letais; e uma propostareferente à criação de uma política nacional sobre uso da força e armas de fogo na ação policial, contemplandomedidas tecnológicas, institucionais, socioeducativas e de ordem legal.Palavras-ChavePolícia. Uso legal da força. Força não-letal.24Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


PolíciaAo longo da história da civilização, paracoibir o fenômeno da violência, asociedade buscou soluções de controle social emdiversos âmbitos. Instituições em geral e a polícia,em particular, foram criadas para proteger o indivíduocontra ataques violentos. Segundo Le Clere(1965), polícia é um vocábulo de origem grega, politeia,e passou para o latim, politia, com o mesmosentido: governo de uma cidade, administração.Preliminarmente, para refletir sobre a funçãoda polícia como instrumento de controlesocial, apresenta-se um breve ensaio sobrea construção e manutenção do monopólio deforça do Estado. Esta composição teórica recepcionaalgumas contribuições dos seguintespensadores: Norbert Elias, Foucault, Arendt,Goffman, Althusser e Bourdieu.Segundo Elias (1994), a necessidade de umasociedade constituir instrumentos de controlepara sua proteção conduz à construção de ummonopólio de força, centrado na figura do Estado.Este, através de seus agentes, regula a condutasocial de maneira uniforme e estável em espaçospacificados, que normalmente estão livres de atosde violência. Ao mesmo tempo em que o Estadoprotege o indivíduo, força-o a reprimir em siqualquer impulso emocional para cometer violênciacontra outras pessoas.Na perspectiva de Foucault (1991), a sociedaderecorre a uma série de instrumentosde controle social para adestrar o indivíduo,tornando-o submisso e controlável – “corposdóceis”. Para evitar atitudes inconvenientes nosistema, cada corpo é classificado e controladoem locais heterogêneos, como colégios e organizações,recebendo uma localização funcional,um cadastro, e tarefas específicas. O controleda atividade do indivíduo é realizado atravésde horários, ritmos, programas, atitudes e gestos.Em qualquer sociedade o corpo está presoao interior de poderes que lhe impõem limitações,proibições e obrigações, por uma sériede recursos disciplinadores, como vigilância,coerção e controle.Mesmo com o monopólio de força e instrumentosde controle social, ocorrem atosindividuais ou de grupos que desafiam a ordempública em vigor. É a partir daí que oEstado exerce seu poder, operando por umconjunto de instituições para captura, julgamentoe punição. Neste contexto, podeserecorrer ao olhar de Arendt (1994) sobrea distinção entre poder e violência. A autoracita que o poder surge da vontade da maioria,enquanto a violência surge da vontade da minoria,“a forma extrema da violência é o umcontra todos”. O poder se mantém à medidaque um grupo conserva-se unido. O poder éde fato a essência de todo governo, mas nãoa violência. Esta pode até ser justificada emalgumas situações, porém nunca legitimada(ARENDT, 1994).Uso não-letal da força na ação policial: formação,tecnologia e intervenção governamentalWilquerson Felizardo SandesAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública25


PolíciaUso não-letal da força na ação policial: formação,tecnologia e intervenção governamentalWilquerson Felizardo SandesTodavia, o tecido social, para se livrar desupostos atos de violência, cria instituiçõesde encarceramento para abrigar aqueles que,em virtude de uma atividade ou comportamento,precisam ser isolados em manicômiose prisões. São barreiras do mundo externo,proibições à saída, portas fechadas, paredesaltas, arames, fossos. Goffman (2005) citaque “um grande número de indivíduos comsituações semelhantes são separados da sociedademais ampla por considerável períodode tempo, levam uma vida fechada e formalmenteadministrada”.Além do monopólio da força – mecanismosde controle dos indivíduos, poderpara reprimir a violência, instituições de encarceramento–, o Estado opera com umaideologia de sujeição, em que cada indivíduotem que reconhecer o seu lugar dentrode um contexto social e seguir um conjuntode práticas reproduzidas ao longo do tempo.Segundo Althusser (1985), a ideologia é umarepresentação da relação imaginária dos indivíduoscom as suas condições reais de existência,“se ele crê na justiça, ele se submeterásem discussão às regras do direito, e poderámesmo protestar quando elas são violadas,assinar petições, tomar parte em uma manifestação,etc.” Portanto, o sujeito é o agentecentral decisivo para a prática da ideologia.A ideologia só pode operar a partir de umsistema de pensamento, disseminando umacultura através da escola, família, igreja e outrasinstituições. Conforme Bourdieu (1992),os indivíduos são programados para um pensare agir e partilham de um certo “espírito”, moldadosegundo o mesmo modelo.Em síntese, as contribuições dos autores mencionadosindicam que o Estado constrói o monopóliode força através de diversas práticas no contextosocial, reafirma-se como ente de proteçãoda coletividade, age com legitimidade decorrentedo próprio indivíduo que receia ser alvo da violência.Cria mecanismos de controle, espaços deexclusão e ideologia de reprodução do cotidiano.Isto posto, o Estado autoriza a polícia a empregarmecanismos legais de força, com intervençõessociais para evitar a expansão do medoda violência; “a monopolização da força físicareduz o medo e o pavor que um homem sentedo outro, mas, ao mesmo tempo, limita a possibilidadede causar terror, medo ou tormentoem outros” (Elias, 1994).Uma questão-chave para reflexão sobre opapel da polícia é saber quando e como usar aforça para proteção dos interesses sociais. Atualmente,para evitar que a força seja instrumentode controle dos interesses de determinadas castassociais na busca pelo poder, um novo esforçoideológico surge para re-significar o papel dapolícia no Estado Democrático de Direito.Desafios democráticos no uso da forçaO Estado Democrático de Direito no Brasilfoi restabelecido com a promulgação da ConstituiçãoFederal de 1988, assegurando o plenoexercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento,a igualdade e a justiça como valoressupremos de nossa sociedade.A atuação democrática dos órgãos policiaisestá prevista no artigo 144 da Constituição26Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


de melhorar a formação de polícias federais eestaduais, compatibilizando currículos paragarantir o princípio de eqüidade dos conhecimentose a modernização do ensino policial.Assim, foram instituídas, em âmbito nacional,as “Bases Curriculares para Formação dos Profissionaisde Segurança do Cidadão”.A base curricular foi composta por uma partecomum e outra diversificada. A parte comum,para todos os cursos de formação, foi constituídade disciplinas com conteúdos conceituais,procedimentais e atitudinais, inerentes ao perfildesejado do profissional da área de segurança docidadão, reunidas em seis áreas de estudos: missãodo policial; técnica policial; cultura jurídica;saúde do policial; eficácia pessoal; linguagem; einformação. A parte diversificada foi formuladapara reunir disciplinas com características específicasde cada curso de formação e respeitandoas peculiaridades regionais.Os conteúdos relacionados ao Uso Legalda Força foram recepcionados com maior ênfasenas disciplinas “técnicas de policiamento”,“direitos humanos”, “defesa pessoal” e“tiro policial”. Quanto à análise da formaçãoe atuação policial associada ao uso da força,em entrevistas qualitativas com jovens egressos2 do Curso de Formação de Oficiais, ficouevidente que o assunto foi abordado em algumasdisciplinas durante o processo de formaçãona academia. Todavia, as aulas eram decaráter mais teórico do que prático e enfatizandoa memorização: “decorar para fazer asprovas”. Quando o conteúdo não é associadoa algo já conhecido, ocorre uma aprendizagemmecânica, a pessoa memoriza fórmulas,leis e expressões e depois esquece.As principais limitações apontadas pelosegressos sobre a atuação em relação ao uso legalda força residem na pouca ênfase dada aos conteúdosespecíficos antes e após o processo deformação, pois entendem que mais importantedo que atirar, é saber quando atirar, o que envolvemudança não somente de currículo, mastambém de atitude.Quanto ao uso dos níveis de força, sistematizam-se,a seguir, as percepções dos egressossobre o que cada nível representa na práticadiária, durante o serviço policial:• nível I: sobre verbalização, os entrevistadosforam unânimes em afirmar que verbalizaré o ponto de partida para a açãopolicial, com uso inclusive em situaçõesde negociação de crises com reféns, “verbalizaçãoé o mais comum em abordagens,tão comum que praticamente emtodas as ocorrências é utilizado”;• nível II: o uso do contato físico, que emtese deveria ser apenas um toque no ombroda pessoa abordada em caso de nãoatendimento da verbalização, é entendidopelos egressos como “segurar pelobraço e conduzir”, uma “revista pessoal”,“abordagem e revista pessoal”, “encostarseà parede”;• nível III: no caso de necessidade de imobilização,os egressos entendem como“imobilizar o braço”, “uso de algema”,“vai depender de como a pessoa reagir”.A imobilização, conforme o modelo deuso de força, é uma alternativa quandouma pessoa oferecer certa resistência emcaso de uma prisão, geralmente resistênciapassiva, pois não agride o policial, somenteresiste à prisão;PolíciaUso não-letal da força na ação policial: formação,tecnologia e intervenção governamentalWilquerson Felizardo SandesAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública31


PolíciaUso não-letal da força na ação policial: formação,tecnologia e intervenção governamentalWilquerson Felizardo Sandes• nível IV: quanto ao uso de força não-letal,os egressos possuem uma concepção deuso mais voltado para controle de multidão.Entendem que funciona quando ostrês primeiros níveis não são suficientes.Empregam “bombas de efeito moral ouuso de spray de pimenta em meio à multidãoaté que ocorra a dispersão”, “quasenão é preciso usar esse nível”, “usadoem tumulto generalizado para dispersarmultidões através de agentes químicos”,“quando o policial é agredido”. Sobre umepisódio de uma pessoa escondida emuma casa com arma de fogo, um egressoafirmou: “ele atirou na guarnição e nósusamos granada de gás lacrimogêneo eele saiu voado e desarmado”. Tambémexistem dúvidas no nível a ser empregado:“como saber se o cidadão não vai sacaruma arma e atirar? É necessária umaverbalização bem imperativa, que mesmoarmado vai pensar duas vezes”. Umaconstatação interessante foi a forma comque as mulheres superam a força físicamasculina: “neste nível uso gás de pimenta”.Sendo necessário o uso de força física,os equipamentos mais utilizados são gáslacrimogêneo, bastão, munição antimotim,algema, técnicas de defesa pessoal.Os pontos do corpo mais atingidos sãobraços e pernas: “na hora do embate àsvezes acaba atingindo pontos sensíveisdo corpo do oponente”, “dificilmente opolicial utiliza arma não-letal, só possuio bastão que pode ser uma arma letal emcaso de mau uso”;• nível V: em relação ao uso letal da força,os egressos foram unânimes em informarque só deve ser utilizado em caso deameaça da própria vida ou de terceiros.Sobre as situações mais freqüentes citaram:“quando a gente aborda uma duplaarmada eles atiram e a guarnição respondecom tiros”; “quando acontece sempregera um óbito”; “ainda não passei porisso, eu não quero passar, mas me preparomentalmente”. Nos casos de confrontosletais, os policias são orientadosa prestarem os primeiros socorros e preencherum documento específico comtestemunhas do fato.Sobre o grau de autoconfiança dos egressos aousar os níveis de força, destacam-se quatro relatos:1) “nem sempre depende da gente, já passei porisso, em uma troca de tiro meu estado emocionalficou bem alterado, quem me ajudou foi umpolicial antigão, isso marcou a minha vida, poderiater cometido um erro”; 2) “a emoção podetomar conta do nosso corpo”; 3) “tenho medode atirar em pessoas desarmadas”; 4) “falamque policial é frio, mas na verdade a gente temque ser frio, não pode tomar partido”. Estes depoimentosindicam conflitos e tensões emocionaisem relação à formação ideológica e atuaçãopolicial. Trata-se de uma autopercepção de que énecessário executar uma arriscada rotina diária,à qual às vezes o agente não se identifica, mas sesujeita ao longo do tempo. Para o indivíduo desempenharum papel institucional é necessário“ocorrer uma mutilação do eu, mudanças radicaisnas crenças que têm a seu respeito, processospelos quais o eu da pessoa é mortificado são relativamentepadronizados nas instituições” (GO-FFMAN, 1961).As entrevistas com os policiais revelam queo uso da força exige muita prática durante e após32Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


a formação policial. O relato de um policial retratabem a questão: “é muito fácil aprender que sóse usa a força letal para salvar vidas, mas o difícilé em que situação decidir sobre a sua vida, a dossubordinados e do oponente, tudo em fração desegundo [...] tenho medo de utilizar força letal”.Neste relato singular, o grande desafio é estabelecerque o uso legal da força não resulte do acasono momento de agir, é preciso de mediação entre oaprendizado curricular e a prática policial. Talvez ocampo socioeducativo, representado pelo ensinoprofissionalizante e instrumentos procedimentaisde controle preventivo e repressivo no âmbitoinstitucional, seja apenas um lado da “moeda”.Um outro lado complementar precisa ser exploradocom uma contribuição tecnocientífica, representadapor instrumentos operativos capazesde reduzir ou restringir o emprego da força letalnas ações policiais.Também ocorrem contradições de percepçõesentre educadores e alunos, com os primeiros dandomaior ênfase ao ser humano mais crítico e participativo,com a inclusão de disciplinas humanizantes,enquanto os alunos apontam disparidadese desequilíbrio entre as disciplinas ministradas,dada a ênfase ao conhecimento jurídico e poucaprioridade às disciplinas do ofício de polícia.Iniciativas tecnológicas relacionadas aotema força não-letalDo ponto de vista tecnológico, existemdiversas alternativas de uso não-letal da força,ou menos-que-letal. Alexander 3 (2003) citaque armas não-letais já são usadas por órgãospoliciais de vários países, principalmente emsituações envolvendo: suspeitos armados; controlede manifestações; rebeliões prisionais;suspeitos entrincheirados; prisões de alto risco;libertação de reféns; combate às drogas; e também“suicídio-via-policial”, quando o suspeitodeseja morrer, mas quer que isso aconteça pelasmãos do policial. Conforme o autor, existemvárias opções em conceitos e aplicações tecnológicasem armas não-letais:• o “laser atordoante” utiliza luzes brilhantesque ofuscam a visão temporariamentena direção geral do laser iluminado. Aaplicação original visa perturbar e desorientarsuspeitos a cerca de 17 metros.O equipamento ainda está restrito aouso militar;• o “feixe de energia direcionada” atua porondas que causam dor no suspeito. O usoé muito polêmico devido ao fato de feixede radiofreqüência causar o aquecimentoda área em exposição;• a “arma eletrônica de atordoamento (Taser)”,projetada em 1960 e empregada peloDepartamento de Polícia de Los Angelesdesde 1980, incapacita pelo descontroleeletromuscular, por meio de lançamentode dardos conectados à fiação da arma dear comprimido. Esta arma é utilizada emvários departamentos de polícia. Um microchipregistra todas as ocasiões em quea arma é testada ou disparada, evitando,assim, o uso criminoso;• os “lançadores de bean bag (saco de feijão)”utilizam armas com calibre 12, que disparampequenos pacotes de malha com carga deprojeção dentro. Possui baixa energia cinéticaque tende a causar ferimento não-letal;• os “sistemas pepperball” são armas de gáscomprimido que arremessam projéteisfragmentáveis de plástico, do tamanhode uma bola de gude, carregados de gásde pimenta, atingindo o alvo até dez me-PolíciaUso não-letal da força na ação policial: formação,tecnologia e intervenção governamentalWilquerson Felizardo SandesAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública33


PolíciaUso não-letal da força na ação policial: formação,tecnologia e intervenção governamentalWilquerson Felizardo Sandestros. Além do impacto de baixa energiacinética, libera pó químico que produzuma pequena nuvem de poeira fortementeirritante (Alexander, 2005);• Os “Sistemas Acústicos” visam assustar,irritar e surpreender um sujeito-alvo provocandoalguma dor no sistema auditivoe causando vibração física. As freqüênciasoperam em infra-som, som audívele ultra-som.Conforme Alexander, as armas não-letaisnão têm o papel de substituir totalmente as armasletais, mas sua principal finalidade é permitiro uso da força em uma escalada sem produzirmortes. Não deve restar dúvida na mentedo agressor sobre a existência de força suficientepara cumprir a missão que a situação exigir.Um contraponto em relação ao emprego dearmas não-letais surge do argumento de que taisequipamentos podem ser letais ou usados paratortura, o que talvez não tenha relação com oinstrumento, mas sim com despreparo para o usoe a intenção de emprego. O fato de equipamentosserem mal empregados não é razão suficientepara bani-los. Uma solução para controlar o usocriminoso da força constitui-se no treinamentoconstante e na supervisão adequada.No Brasil, o Ministério da Justiça lançou oPrograma Nacional de Segurança com Cidadania(Pronasci), que, entre as diversas ações,prevê, a partir de 2008, três milhões de reaispara capacitação de 600 policiais em tecnologiasnão-letais em um período de quatro anos.Talvez a iniciativa tenha contribuição do semináriointernacional de armas não-letais ocorridono Brasil em 2006, com um amplo debate sobreo tema e consolidação de propostas. Esta temáticajá está sendo objeto dos cursos de educaçãoà distância do Ministério da Justiça via SecretariaNacional de Segurança Pública. A abordagemsobre o assunto continua sendo apenas emações socioeducativas. Recursos também precisamser destinados para a construção de umapolítica sobre o uso da força e desenvolvimentode produtos e serviços inovadores, em parceriacom outras áreas científicas.Considerações finaisAlém de enfoque na capacitação, é necessárioexpandir para um estudo multidisciplinardo uso da força. A visão plural justifica-se pelaatual realidade brasileira, em que o policial recebeuma arma de fogo e uma capacitação combaixo conteúdo prático e significativo. Ocorreinsegurança no momento de decidir entremanter a arma na cintura ou sacá-la; e, ao sacála,se vai apertar o gatilho ou não; em instantesdestinos dos envolvidos são lançados ao acaso.O agente toma decisões de vida e morte emfrações de segundo, sendo que o resultado positivotorna-se mais uma ocorrência de rotina,enquanto o erro pode ser irreparável e condenadocom a perda da vida ou liberdade paraambos os lados.Dessa forma, as ciências de base e aplicadasdevem contribuir de modo multidisciplinarcom estratégias de formação e atuaçãodemocrática da polícia. Este esforço conjuntotende a colaborar para a produção deinformações que, após análise, interpretaçãoe disseminação, formam o conhecimentocientífico. Em geral, a inteligência é a capacidadede aplicar o conhecimento e produzirintervenções no cotidiano.34Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Cabe ao governo democrático brasileirorepensar e intervir no funcionamento dasinstituições policiais, abordando questõesmais profundas e estruturantes relacionadasao uso da força. A ONU, por intermédio daresolução que estabelece os PBUFAF, recomendaque os governos devem aplicar regrase desenvolver um leque de meios tão amplosquanto possível e habilitar os policiais comdiversos tipos de armas e munições, que permitamuma utilização diferenciada da forçae armas de fogo.Resta, agora, iniciar um esforço, via Ministérioda Justiça, para estabelecer uma políticanacional sobre uso da força e armas de fogo naação policial, que contemple medidas tecnocientíficas,institucionais, socioeducativas elegais, conforme descrição a seguir.Medidas tecnocientíficas• Criação de laboratório de inteligênciarelacionada ao uso da força policial.Além de enfocar o campo socioeducativo,é preciso instrumentalizar na práticaos policiais para uma cultura não-letal.Uma alternativa possível seria a articulaçãode diversas ciências sobre a problemáticado uso da força – como já ocorreem outros países desde a década de 80 –,envolvendo pesquisadores em física, físicoquímica,eletro-química, medicina, engenharia,computação, entre outros. Umaforça tarefa multidisciplinar destas áreaspara abstrair, via laboratório, novas contribuições,combinações, conceitos e tecnologiasaplicadas ao uso da força não-letal;• Aquisição de tecnologias não-letais disponíveisno mercado nacional e internacional,com a devida aprovação das instituiçõesligadas ao tema direitos humanos;• Disponibilização inicial de armas não-letaise treinamento aos policiais já capacitadosem direitos humanos e que atuamem interação com a comunidade.Medidas institucionais• Obrigatoriedade para que as instituiçõespolíciais realizem capacitação eexames periódicos de habilitação nouso de arma de fogo em serviço, considerandoo alto risco de dano socialdecorrente da atividade;• Obrigatoriedade de programas terapêuticospara policiais envolvidos em eventosviolentos durante o serviço;• Padronização nacional de procedimentossobre os Princípios Básicos sobre o Usoda Força e Armas de Fogo, visando limitare controlar a ação policial;• Constituição nos órgãos policiais de ComitêsInternos de Prevenção a Acidentesde Trabalho e obrigatoriedade no uso deequipamentos de proteção individualpor qualquer policial em serviço;• Fortalecimento e estruturação das ouvidoriase corregedorias para ações de prevençãocontra arbitrariedade policial.Medidas socioeducativas• Inclusão no currículo policial dos cursosde formação e ciclos de treinamento, deconteúdos teóricos e práticos referentes àsTecnologias Não-letais; Princípios Básicossobre o Uso da Força e Armas de Fogo; eModelos de Uso Progressivo da Força;• Desenvolvimento de métodos pedagógicosque contribuam na redução daPolíciaUso não-letal da força na ação policial: formação,tecnologia e intervenção governamentalWilquerson Felizardo SandesAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública35


Políciadistância entre a teoria aprendida naescola e a prática do serviço diário sobreuso da força;• Sistema de divulgação e incentivo à comunidadeestudantil nas diversas áreasdo conhecimento, visando a produçãode pesquisas de iniciação científica e projetosinovadores relacionados ao tema alternativasnão-letais;• Fortalecimento das campanhas educativasde desarmamento da população,principalmente nas escolas.Medidas legais• Proposta de lei que assegure o correto usode tecnologia não-letal e resguarde o policialem serviço;• Proposta de lei para que as empresas fabricantesde armas de fogo desenvolvamou destinem fundos de investimentos emtecnologias de uso da força para a atividadede segurança pública.Este conjunto de medidas, além de contribuirpara a redução dos índices de letalidade, tende aaumentar a confiabilidade na polícia e se adequaaos princípios internacionais sobre o uso da forçae armas de fogo. A força controlada, em tese, ofereceuma segunda oportunidade, uma alternativaintermediária antes do uso da arma de fogo.1. Este artigo originou de uma dissertação de Mestrado em Educação pela UFMT, em que seinvestigou a formação e atuação policial de jovens tenentes, em relação ao uso legal da força. Aanálise centrou-se na perspectiva qualitativa, com estudo bibliográfico e entrevistas. Com orientaçãoda Profa Dra. Maria Aparecida Morgado.2. Parte de pesquisa de dissertação em Educação, tendo como sujeitos os tenentes egressos do Cursode Formação de Oficiais da Polícia Militar de Mato Grosso (2001-2003), o curso de equivalência denível superior, foi realizado em conformidade com as Bases Curriculares Nacionais com uma cargahorária de 4.780 h/a.3. John B. Alexander, coronel da reserva do Exército dos EUA, escreveu duas obras sobre um leque dearmas não-letais, com emprego em operações de força de paz e em ações policiais.9. Ver especialmente Sapori (2002).36Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


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Tendências e desafios na formaçãoprofissional do policial no BrasilPaula Poncioni PolíciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública39


PolíciaDiscutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva CorrêaRosália Corrêa é doutoranda do curso de Sociologia da Universidade Federal da Paraíba – UFPB e professora da Universidadeda Amazônia – Unama, Belém-PA.rosallya9@hotmail.comResumoEste artigo apresenta o resultado da pesquisa-piloto, realizada na Polícia Militar da Paraíba –PM-PB, 2005, em que se buscoucompreender a percepção de 30 policiais militares, praças e oficiais, sobre a cidadania na instituição e nas relações internasentre superiores e subordinados. Os policiais que foram entrevistados fazem parte dos efetivos do Pelotão de Choque e da23ª Companhia, que atuam no policiamento ostensivo. A seleção dessas unidades justifica-se pelas suas localizações nacapital e atuações em missões distintas, características que as aproximam do objeto de pesquisa proposto, para o doutoradodirecionado para o estudo das relações hierárquicas em unidades da Polícia Militar do Pará-PM-PA, localizadas na capitale que desempenham diferentes missões. Os resultados mostraram que as relações intramuros na PM-PB passam pormudanças, baseadas na concepção de cidadania, tentando romper com os antigos padrões de condutas que sempre asconduziram e ainda persistem, a despeito da obstinada mobilização interna para superá-los.Palavras-ChavePolícia Militar. Cidadania. Relações internas.40Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


PolíciaAidéia de introduzir o tema cidadanianuma discussão com policiais daPolícia Militar da Paraíba – PM-PB parte doprincípio de que, no presente, a sociedade estásendo assistida por uma nova polícia, a chamadaPolícia Cidadã, pautada nos preceitosde cidadania, que foram estabelecidos pelaConstituição brasileira de 1988. Assim, umanova configuração da instituição policial foiestruturada, para dar conta do novo modelode conduta policial.O que se coloca em questão nesse contextoé o entendimento da concepção de cidadaniapor parte da instituição policial militar, queassocia essa prática à atuação da polícia juntoà comunidade. Por seguir esse ponto de vista,há uma tendência da polícia em privilegiar osaspectos que estão relacionados à atuação dospoliciais, em prejuízo das relações intramuros.A preocupação com as relações internas é quaseimperceptível no vasto campo das ações maisvisíveis, que determinam o modus operandi.Desse modo, a cidadania, no interior dapolícia, esbarra nas orientações dos princípiosmilitares de disciplina e hierarquia que regem ainstituição e, portanto, não é questionada e nemrefletida. E o que se pressupõe de uma Polícia denominadaCidadã é que houve a instituição deum modelo estruturado para garantir as relaçõesinternas reguladas por princípios de igualdade ede respeito aos direitos humanos, pois esta é aconduta exigida para o policial cidadão, no desempenhoda sua função junto à sociedade.Porém, se o policial só conhece a cidadaniamediante as informações que recebe por ocasiãodos cursos realizados durante a sua formaçãoprofissional, sem exercer esta prática nas relaçõesinterpessoais no mundo do trabalho, suaatuação cidadã será apenas mais uma imposiçãoda vida profissional militar e, desse modo, o riscode falhar pode ocorrer na mesma proporçãoem que outras regras de conduta estão falhando,nas instituições policiais militares brasileiras.Inegavelmente muitos avanços de mentalidadesjá ocorreram, mas ainda não conseguiramconter o modelo tradicional, em quepredomina a relação mando-obediência, sem apossibilidade de contestação. Isso certamenterepercutirá na capacidade do policial de sereconhecer como um cidadão, com direitosgarantidos e capacidade de contribuir para aconstrução permanente de uma polícia maishumanizada e propensa a atender às expectativasda sociedade. Esse é o desafio da cidadania,ou seja, a construção contínua de novas relaçõese de novas consciências.Cidadania e não-cidadania nasrelações internasA expectativa em torno da crescente valorizaçãodos direitos dos indivíduos provoca oDiscutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva CorrêaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública41


PolíciaDiscutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva Corrêadebate sobre o tema cidadania, transformando-onuma palavra de ordem para o progressodas sociedades. Assim, o não reconhecimentodos direitos individuais e do estabelecimentode um aparato legal para protegê-los pode serinconcebível por parte daqueles que acreditamser cidadãos.No entanto, a literatura sobre os vários tiposde cidadania oferece estudos que se concentramna coexistência de pólos identificadoscomo cidadãos e não-cidadãos, ocupando diferentesposições na sociedade e, conseqüentemente,não dispondo dos mesmos direitos. Asituação de não-cidadania corresponde à nãoparticipação ou participação mínima no conjuntodos direitos instituídos e legitimados.De acordo com Santos (2000, p. 19):É extensa a tipologia das formas de vidanão-cidadãs, desde a retirada, direta ouindireta, dos direitos civis à maioria dapopulação, às formulas eleitorais engendradaspara enviesar a manifestação davontade popular, ao abandono de cadaum à sua própria sorte.Historicamente, o processo de conquista dedireitos acompanhou a trajetória de construçãodo mundo moderno. Por isso, o ordenamentopolítico desse período demandou outras formasde vida social, econômica e cultural na sociedadeeuropéia, que muito contrastavam com aquelasmantidas sob o domínio do Estado feudal. O poder,que antes era descentralizado – cada senhorfeudal possuía autonomia em seu feudo –, passoua ser concentrado e unitário, sendo apoiadopela nascente burguesia que considerava a anarquiafeudal um entrave ao desenvolvimento dasrelações capitalistas que estavam emergindo. Aomesmo tempo, a burguesia entendia que precisavaapoiar o rei, uma vez que a centralizaçãoeconômica das nações pelas quais lutava passavapela centralização política. (PINSKY, 2003).As sociedades democráticas se estabeleceramcom a lógica da igualdade, da soberania do cidadão,do seu acesso à cena pública, da pluralidadede idéias e expressão de suas opiniões e da possibilidadede intervir politicamente. Desse modo,a forma de governo democrática transformouo súdito em cidadão, então submetido às leis enão mais às imposições do rei, podendo, nessacondição, participar ativamente das decisões governamentais.Nesse sentido, as oportunidadesde participação e os direitos de cidadania remetiampara o estabelecimento regular de procedimentosdemocráticos e para o enquadramentojurídico e normativo dos direitos dos indivíduos.Igualdade de direitos como característicabásica da ordem democrática tornou-se tambéma base da cidadania.A igualdade de direitos é o foco da discussãocom os policiais da PM-PB, sendo direcionadopara as relações internas, estruturadas apartir de um modelo hierárquico-disciplinar,confrontado com uma proposta cidadã de condutapolicial e, por isso, demanda a formaçãode policiais cidadãos.A pesquisa-piloto realizada com 30 policiais,entre praças e oficiais do Pelotão de Choquee da 23ª Companhia (Tabela 1), reveloudiferentes pontos de vista sobre o entendimentode cidadania e a sua prática no interior dainstituição, mas destacou que o modelo de políciacidadã ainda está longe de ser alcançado,no que se refere às relações internas.42Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Tabela 1Distribuição de praças e oficiais nas unidades pesquisadas daPM-PB / 2005Unidade da PM-PBPraçasOficiaisPolíciaPelotão de Choque23ªCompanhiaTotal131023437Fonte: Pesquisa de campo PM/PB, 2005Praças e oficiais reconhecem mudançassignificativas na PM-PB, a partir dos anos 90,quando as idéias sobre uma nova estrutura daspolícias militares brasileiras começavam a sertraçadas, sob a influência da Constituição Cidadã.Entre as respostas dos policiais, sobressaemaquelas relativas à conduta policial, que mudoude repressora para guardiã dos direitos do cidadão,quando passou a atuar de forma maispróxima da sociedade; ao ingresso na instituiçãomediante concurso público; e ao aprimoramentodas técnicas e dos cursos de formação,por meio da inserção de disciplinas humanísticascomo Direitos Humanos e Cidadania.Entretanto, algumas respostas indicam quehouve um enfraquecimento da instituição policial,quando ela se propôs a tratar “bandidoscomo se fossem cidadãos”. Para alguns policiaisentrevistados, “cidadão é cidadão, bandido é bandido,não dá pra confundir as coisas”. O Quadro1 resume as principais respostas dos policiais.Discutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva CorrêaQuadro 1Principais respostas de praças e de oficiais sobre as mudançasna PM-PB / 2005Mudanças para praças•Antes castrava o direito dos próprios componentes, hojenão é tanto assim. Mas ainda existem oficiais e praças quecriticam aqueles que querem agir com humanidade e dentroda legalidade.•Diminuíram as cobranças de coisas insignificantes.•Não houve mudanças nos princípios, a polícia apenas seaproximou mais da sociedade. Hoje, os policiais se integrammais com a comunidade.•Deixou de ser arbitrária e passou a mostrar outra imagempara a população.•Antes era apenas operacional, destinada a solucionar oproblema imediato. Hoje, temos uma polícia mais preventivaque se preocupa com a origem do problema.•Antes os integrantes eram muito violentos. Hoje, com onúmero de denúncias, as coisas mudaram, além disso, houvevários cursos de direitos humanos e cidadania.•A polícia atual está enfraquecida porque misturaram osconceitos. Querem tratar bandidos como se fossem cidadãos.Cidadão é cidadão, bandido é bandido.•Continua a mesma coisa.Mudanças para oficiais•Antes repressora e agora guardiã dos direitos.Passou a ter concurso público com ênfase no curso deformação.•O policiamento cidadão auxilia a instituição a trabalhar maispróxima da sociedade, aumentando, assim, a sensação desegurança.•A polícia passou a ser fruto social, produto dos mesmosproblemas sociais.•Aprimoramento dos cursos e das técnicas e inclusão dadisciplina Direitos Humanos.Fonte: Pesquisa de campo PM/PB, 2005Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública43


PolíciaDiscutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva CorrêaAo se perguntar sobre o que caracteriza umapolícia cidadã, os policiais defenderam a idéiade integração entre comunidade e polícia, respeitandosempre os direitos do cidadão, masressaltaram que, na prática, a atuação precisamelhorar muito, o que depende, entre outrascoisas, de melhor qualificação profissional.Observou-se que os policiais estão convencidosde que o investimento na qualificaçãoprofissional resultaria numa atuação mais favorávelno atendimento ao cidadão. Porém, elesesclareceram que alguns impeditivos políticospermeiam ações mais efetivas na PM-PB, poisalgumas propostas têm em vista apenas elevara imagem de alguns políticos e, como os cargosde comandantes de batalhões são cargos políticos,estes “viram fantoches nas mãos dos governantes”,como alguns policiais expressaram,deixando claro que existe uma relação muitoestreita entre polícia e política na Paraíba.Esses laços estreitos promovem uma condiçãode fragilidade da instituição policial que,em alguns casos, não se permite ter a autonomianecessária para conduzir situações críticas,de acordo com seus próprios princípios. As relaçõesde favorecimento tendem a prevalecerem prejuízo ao procedimento ético e justo, emalgumas situações.Em termos de cidadania, os policiais responderamcom muita clareza sobre tal concepção,mas não a visualizam dentro da polícia,apenas na atuação junto à sociedade. Quandose trata das relações internas, oficiais e praçasdividem opiniões. Para os primeiros, a relaçãoé amistosa, cada um dentro do seu círculo, interagindopara o bom desempenho da função.Já os praças afirmaram que a relação mudoubastante nas décadas mais recentes, porémainda existe uma barreira muito grande impostapelos oficiais, sendo que a cultura do “simsenhor e não senhor” permanece. Os praçasacreditam que os fatores que promovem essabarreira são: os princípios do Regulamento PolicialMilitar, que não acompanhou o processode mudança da vida em sociedade; o fato deque os oficiais elaboram as missões e os praçasapenas executam; e os privilégios que algunsdetêm, em prejuízo de outros.Para os oficiais, são os princípios militares– hierarquia e disciplina – que estabelecem omodelo de relação interna. E esses elementosvisam a ética e os bons costumes e, portanto,são necessários na estrutura policial, pois sóassim é possível administrar uma corporação.Essa divergência de opiniões entre praças eoficiais sobre a cidadania nas relações internaspode ser visualizada na Figura 1.Sobre a questão dos privilégios intramuros,os oficiais admitiram a existência de privilégiospara alguns em detrimento de outros. Algumasrespostas mencionaram a possibilidade de privilégiospara os policiais que são mais antigosdentro da instituição e para aqueles que têmenvolvimento com políticos do Estado da Paraíba.Na opinião dos praças, os privilégios sãodestinados para aqueles que têm “apadrinhamento”político, para os que possuem parentesdentro da corporação e para os que trabalhammais próximos dos que comandam. Esses privilégiosmaterializam-se em gratificações, folgana escala, curso em outros Estados, ficar àdisposição de outros órgãos, onde o trabalhoé mais moderado e as altas diárias de ajuda de44Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Figura 1Divergências entre praças e oficiais sobre cidadania nas relaçõesinternas da PM-PB / 2005PolíciaOpinião de PraçasOpinião de OficiaisCom a implantação dapolícia cidadã, muitosoficiais mudaram suarelação com os praças, masalguns ainda se mantêm em“pedestais”, dificultando obom relacionamento.Existe ainda uma barreiramuito grande impostapelos oficiais.Atualmente estamosmais unidos, apesar dealguns problemas quepermanecem.Relação amistosa, cadaum dentro do seu círculo,interagindo para o bomdesempenho da função.Discutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva CorrêaA relação é esta: “simsenhor e não senhor”.Atualmente é uma relaçãocordial e profissional.Tenta ser harmoniosa, mascom base nos princípios dehierarquia e disciplina.Atualmente é uma relaçãoamigável, respeitando osprincípios da hierarquia eda disciplina.Fonte: Pesquisa de campo PM/PB, 2005custo. Os oficiais não responderam sobre os tiposde privilégios.Em relação ao planejamento das operaçõespoliciais, houve consenso nas respostasporque esta conduta está relacionada à condiçãode comando. Nesse caso, cabe ao oficialo planejamento das operações. Porém, ospraças se ressentem desta situação e acreditamque poderiam contribuir para o sucessodas operações, a partir das suas experiênciasno trabalho rotineiro, mas ressaltaram queos superiores não aceitam suas opiniões.Apesar de o efetivo estar dividido entrediferentes funções, a relação superior/subor-Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública45


PolíciaDiscutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva Corrêadinado está presente em todos os setores daatividade policial, embora seja mais evidentequando se trata do contexto que envolve comandoe subordinação, principalmente nosmomentos de orientar o policial para umaoperação, quando fica evidente quem está nocomando e quem deve obedecer. Nesta ocasião,as regras são muito claras e o comportamentohabitual é o acatamento às ordens,mesmo quando o subordinado não concordacom elas. Do lado do superior, a convicçãode que não haverá contra-argumentos já étão internalizada que o seu discurso é concludente,não deixa margens para discussões.Nessa situação, dois problemas se ressaltam.O primeiro diz respeito ao distanciamentoentre comandante e comandadosnuma atividade laboral que será realizadaem conjunto. A tarefa é única e o resultadoesperado é o mesmo para ambas as partes.Mesmo assim, a separação é mantida e nãopode ser desprezada, em nome da hierarquia.O segundo problema consiste na desvalorizaçãodos subordinados, que não sãoouvidos por seus superiores, mesmo quandodesejam contribuir com suas idéias para umresultado mais satisfatório da operação policial.A concepção de que os policiais quepertencem às graduações são apenas elementosde execução e, portanto, não estão habilitadospara planejar tarefas, pode estar impedindoque a polícia amplie sua visão dasociedade com a qual convive, uma vez quesão os praças que se relacionam mais diretamentecom a população, pelo fato de serema linha de frente no combate à violência e àcriminalidade.Controle interno e externo na PM-PBEm termos de punição, as respostas depraças e oficiais são divergentes. Os oficiais direcionaramsuas respostas ao fator proporcionalidade,alegando que, por serem em maiorquantidade, os praças cometem mais infraçõese, por isso, aparecem como os mais punidos.Ao lado disso, são mais comuns os casos depraças que bebem em serviço, faltam ao trabalhoe chegam embriagados ao quartel, o quenão é comum entre os oficiais.Os praças acreditam que a punição é totalmentediferente entre oficiais e praças, começandopelo fato de o Boletim de Ocorrênciados oficiais ser reservado, só eles têm acesso, aocontrário do Boletim que trata das ocorrênciasenvolvendo as praças, que é público e qualquerpessoa pode consultá-lo. Além disso, os responsáveispela apuração dos fatos são oficiais, quesempre encontram uma forma de neutralizarqualquer acusação a outro oficial. Como ressaltouum soldado entrevistado: “os praças são julgadospelos oficiais e os oficiais são julgados poroutros oficiais, amigos pessoais”. E quando sãopunidos, os oficiais ficam nos seus alojamentos,enquanto os praças vão logo para o xadrez.Ao ser mencionado o papel da Corregedoria,os oficiais reconhecem as limitações desteórgão, mas consideram sua atuação necessáriapara garantir a credibilidade da PM-PB, quefiscaliza a forma de atuação policial, punindoos maus policiais. Na opinião dos praças, aindaexiste muito cooperativismo e burocracia naCorregedoria; eles informaram também sobrea existência de muitos policiais desonestos,que, mesmo flagrados em conduta delituosa,continuam trabalhando.46Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Os policiais afirmaram que muita coisa mudouem suas vidas depois do ingresso na Polícia eque o mundo militar é muito diferente do mundocivil, sendo ensinados a se comportarem de formadiferente, pois sempre estão sendo observadose os seus erros são amplamente divulgados.Cidadania e formação profissionalQuanto à formação profissional, os oficiaisacreditam que as mudanças na formação contribuírampara melhorar, significativamente, onível intelectual dos membros da polícia, ocorrendoum avanço na formação acadêmica, direcionadapara a construção de uma polícia cidadã.Algumas disciplinas dos cursos foram atualizadas,outras foram extintas e o treinamentoestá voltado para o serviço à comunidade.Já do ponto de vista dos praças, a formaçãoprofissional que recebem continua sendo superficial,carente de recursos materiais e pessoais ecom um período de formação muito curto paraa responsabilidade de ser um agente de segurançapública. Além disso, alguns praças entrevistadosmencionaram uma situação que ocorredurante a formação profissional: é incutida, nacabeça dos alunos policiais, a possibilidade deserem processados, se cometerem algum equívocona futura atuação policial. Este alerta provocapossíveis omissões durante as ocorrências ea preferência dos policiais pelo trabalho aquartelado,devido ao medo de errarem no exercícioda função policial. “Com isso os policiais estãose acovardando”, foi o que ressaltou um policialpraça, ao ser entrevistado.De acordo com a maioria dos praças e a totalidadedos oficiais que foram ouvidos durantea pesquisa, a introdução de disciplinas dasCiências Humanas, na formação dos policiais,foi muito bem aceita pelos membros da corporação,por possibilitar uma visão humanística,pois, desde que elas foram incorporadas,muitos excessos deixaram de ser cometidos,permitindo que todos fossem tratados comoseres humanos. Mas não se pode desprezar que2,07% dos praças se mostraram contrários à inserçãodessas disciplinas, porque acreditam queisso contribuiu para uma conduta que protegeos bandidos e porque tais disciplinas não combinamcom as atividades policiais militares.A questão salarial: concordância entrepraças e oficiaisOutro ponto polêmico do universo policialdiz respeito aos salários. Nesse aspecto,oficiais e praças estão em conformidade deopiniões. As condições salariais são precárias,não atendem às necessidades mais elementaresde sobrevivência dos policiais e, principalmente,não correspondem ao tipo detrabalho que eles realizam, quando colocamdiariamente suas vidas em risco, para protegera população. Em conseqüência disso, ospoliciais buscam alternativas que consideramcomplementares na luta por condições maisfavoráveis de sobrevivência.Uma dessas alternativas é o bico, consideradouma conduta contrária aos princípios daspolícias militares do país, mas praticado porgrande parte dos policiais brasileiros, e aindanão foi encontrada uma forma de contê-lo. Ospoliciais entendem que trata-se de “um malnecessário”, pois reconhecem que, de um lado,complementa a renda mensal, mas, de outro,PolíciaDiscutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva CorrêaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública47


PolíciaDiscutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva Corrêaexpõe o policial ao perigo de sofrer a perda davida e do trabalho oficial, provocando, ainda,cansaço e estresse excessivos, o que comprometesua saúde.Algumas considerações sobre direitoshumanos na PM-PBA questão dos direitos humanos do policial,dentro da PM-PB, revelou uma insatisfaçãocom a instituição por parte de praças e oficiais.Eles disseram que a maioria dos policiais nãotem esse direito como policial e como pessoa.Os gestores da polícia têm se mostrado maispreocupados com essa lacuna, mas ainda nãoefetivaram ações concretas no sentido de avançarneste aspecto, e os direitos humanos ficamsempre em segundo plano.Para os praças, os direitos humanos só existempara quem não merece; há muita discriminação eo próprio regulamento não permite que o praçase defenda. De acordo com um cabo que foi entrevistado:“falta condições de trabalho, melhoresaparelhos, instalações, fardamento, não temosassistência psicológica, a junta médica nos tratacomo animais, mas isso não dá ibope”.Alguns praças manifestaram insatisfaçãopelo fato de não existir um meio legal pormeio do qual eles possam expressar seus desagradossobre a ausência de direitos humanosdentro da instituição, o que resulta em atitudesnegativas em prejuízo a eles próprios,como por exemplo: alcoolismo; perda deinteresse pelo trabalho; ausência no serviçoe posterior apresentação de atestado médicopara justificar; atraso na chegada ao quartel; enegligência nas ocorrências.Quando foi perguntado se esta falha dainstituição tem repercussão na atuação profissional,os policiais foram unânimes ao enfatizaremque existe um vínculo muito estreitoentre a forma como eles são reconhecidosdentro da instituição e o seu desempenhojunto à sociedade. “Nós executamos o queaprendemos, este é o segredo” e, ainda, “[...]damos o que recebemos”. Na verdade, issoexpressa o desejo de melhores condições decidadania dentro da instituição.Nas organizações com estruturas maisamplas, assim como aquelas que têm finsespecíficos, as desigualdades são realçadaspelas condições que favorecem uns e desfavorecemoutros, sejam estas de ordem social,econômica ou política. Nas polícias militares,as relações de poder, guiadas pelo militarismo,tendem a favorecer os graus maisaltos da hierarquia militar em detrimentodas patentes mais baixas, que são intimidadaspelo rigor da disciplina e não contestampublicamente o tratamento desigual que recebemdentro da instituição.Os apelos feitos para que sejam observadosesses fatos ainda são muito silenciosos e derivamda cultura de submissão e do acatamentode ordens sem discussão, que sempre prevaleceramno meio policial militar. As desigualdadespresentes na instituição originam-se da desigualdistribuição dos direitos e das formas departicipação entre postos e graduações. Dessaforma, estabelece-se uma divisão interna marcadapela coexistência de cidadania e não-cidadania,reconhecida como natural pela própriadinâmica das relações que envolvem superiorese subordinados.48Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Os policiais compreendem a importânciade atuarem considerando os direitos do cidadão,pois todos merecem respeito e bomtratamento. Porém, esse comportamentodepende não só da mudança de comportamentodo policial nas ruas, mas também darealidade que ele vivencia intramuros e dacooperação da sociedade. A união desses elementosestá acima de qualquer ação isoladae, certamente, marcaria o advento de umanova polícia que poderia ser denominadaPolícia Cidadã.PolíciaReferências bibliográficasPINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Orgs.). História dacidadania. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2003, p. 115-157.SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 5. ed. São Paulo:Editora Nobel, 2000. (Coleção Espaços).Discutindo cidadania compoliciais militares da ParaíbaRosália do Socorro da Silva CorrêaData de recebimento: 16/10/07Data de aprovação: 05/11/07Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública49


PolíciaAutonomía profesional yliderazgo civil en las policíasde América Latina y del Caribe 1Lucía Dammert y Liza ZuñigaLucía Dammert es socióloga, Universidad de Cuyo, Argentina y M.A. en Planeamiento Urbano y Regional por la Universidadde Pittsburg, Estados Unidos. Directora del Programa Seguridad y Ciudadanía de FLACSO-Chilelucia@flacso.clLiza Zúñiga es investigadora del Programa Seguridad y Ciudadanía de FLACSO-Chile.lzuniga@flacso.clResumoNo presente artigo, analisa-se o vínculo das polícias com os ministérios dos quais dependem, com a finalidadede determinar a maior ou menor presença da liderança civil democrática nas instituições de segurança. O bomfuncionamento das polícias é um pilar fundamental para o fortalecimento das democracias, sobretudo pelo passadoautoritário presentes na maioria dos países. Por esse motivo, a análise realiza-se em torno das reformas nas polícias,focalizando o espaço de decisão que possuem e o controle que outras instituições podem exercer sobre elas.Palavras-ChaveDemocracia. América Latina e Caribe.50Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


PolíciaSon pocos los estudios sistemáticos ycomparativos realizados sobre las institucionespoliciales en América Latina y el Caribe.El énfasis colocado principalmente en lareforma de las FF.AA. en la década de los 90s,dejó a la policía fuera del radar general de cambio,situación que se evidencia en la región conla clara excepción de los países centroamericanosque, luego de la firma de los tratados depaz, conformaron instituciones prácticamentenuevas. Es indudable que el análisis de la policíaes vital para entender los procesos de consolidacióndemocrática, ya que la seguridadde la población y el mantenimiento del ordenpúblico son responsabilidad de funcionariosinvestidos de las facultades necesarias paradar cumplimiento efectivo a esas labores. Paraello, el Estado tiene el monopolio de la fuerza,que administra a través de las institucionespoliciales. Desde este punto de vista es centralconocer la relación que tienen las policías conla autoridad política, cuestión que es el objetodel presente trabajo, en el cual mostraremos unpanorama general de reformas que se han realizadoen este ámbito.Definiciones inicialesUn elemento central para proceder al análisisde las instituciones policiales es su dependenciajerárquica, a lo que se agrega su carácter,atribuciones y facultades en la conduccióny definición tanto de las políticas de seguridadpública como de las estrategias policiales. EnAmérica Latina y el Caribe las policías dependende la autoridad civil, que en la mayoríade los casos es el ministerio encargado de laseguridad pública, llámese Ministerio o Secretaríade Interior, de Seguridad, de Gobiernoy/o Justicia. Aunque existen excepciones comoColombia y Chile donde están ligadas al Ministeriode Defensa.Otro aspecto relevante para este análisis esla capacidad de planificación estratégica quetienen las instituciones policiales, que puedeestar radicada en una unidad especial de losministerios, en la policía o en un consejo nacional.Esta área es central debido a las múltiplesdecisiones de orden institucional y estratégicoque se toman, así como en la definiciónde horizontes de mediano y largo plazo parala gestión policial. La tendencia encontrada esque las secretarías o ministerios encargados dela seguridad pública cuentan con una unidaddedicada a la planificación, en cuyo caso laresponsabilidad de la misma es generalmentecompartida entre dicha unidad y la autoridadpolítica, ya sea el ministro o el subsecretario.En Costa Rica y Perú asume esta responsabilidadla unidad encargada; Guatemala, por suparte, creó el año 2000 una unidad de planificaciónen el Ministerio de Gobernación, lacual aún no tiene instalada la capacidad deasumir la planificación estratégica. En cambio,en Buenos Aires asume directamente el Minis-Autonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública51


PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza Zuñigatro de Seguridad, mientras que en Colombiay Nicaragua es la misma Policía Nacional laresponsable de la planificación estratégica. Entrelos países que no cuentan con una unidadespecializada están Honduras y Bolivia.También hay casos donde se han creadoconsejos nacionales encargados de la planificaciónestratégica. Así, por ejemplo, en Ecuadordicha responsabilidad recae en el Ministro deGobierno, el subsecretario de Seguridad Públicay el Consejo de Seguridad Pública, órganocreado en 2006; y en Panamá la responsabilidades presidencial, pero con la asesoría delConsejo de Seguridad Pública y Defensa Nacional(CSPDN). Todo ello muestra que elejercicio de planificación no ha tenido el carácterintegral y estratégico esperado, sino quese ha reducido a la propuesta y ejecución deplanes y programas, lo que a su vez genera especialesniveles de autonomía.Cualquiera sea la fórmula, cabe señalarque en muchos países de la región existe unadefinición clara de las autoridades responsablesde diseñar los lineamientos de la políticade seguridad pública, lo que se encuentranormado por ley. Entre los que no han reguladodicho proceso cabe mencionar el caso deColombia, que ha pasado por fórmulas distintas,desde entregarle esta responsabilidada la Policía Nacional, hasta la emisión directade lineamientos por parte del Presidente dela República, aunque, en teoría, ello le correspondeal Consejo Superior de Seguridady Defensa Nacional.Si duda como en cualquier otra políticapública, los lineamientos de la política deseguridad son competencia de la autoridadpolítica gubernamental, pudiendo radicaresta función en el ministro del ramo —conasesoría de unidades especializadas— o directamenteen el Presidente de la República.Sin embargo, existen casos en que la policíatiene un rol preponderante en la definiciónde estas materias. Tal es el caso de RepúblicaDominicana, donde tal función le competea la Comisión de Implementación ySeguimiento del Plan de Seguridad (en queparticipa el Jefe de la Policía), junto con elConsejo Superior Policial. Es importante teneren consideración que si es la policía laque tiene supremacía en la definición de loslineamientos de la política del sector, se tornamás complejo el camino hacia definicionesmás integrales y estratégicas.Una vez acotados los ejes de la política delsector, estos se traducen en planes, proyectosy/o programas para las instituciones policiales.En este aspecto, la tendencia encontrada enla región es que todos esos instrumentos sondefinidos por la autoridad del Ejecutivo, conparticipación de las policías; sin embargo, haycasos que se ubican en los extremos en cuantoal nivel de definición o intervención que tieneeste poder del Estado.Otro indicador considerado es la presenciade equipos técnicos asesores de los encargadosdel diseño e implementación de políticas. Alrespecto, la participación de personal civil especializadoen la gestión gubernamental es unelemento importante, pero no usual. En Nicaragua,República Dominicana y El Salvador nose encuentra esta estructura en el organigramainstitucional. En tanto, en Uruguay y Brasil52Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


hay personal policial activo y retirado en losequipos asesores. Además de estos casos puntuales,en la mayoría de los países hay estructurasde asesoría ocupadas principalmente porpersonal con estrecha vinculación con la jefatura,es decir, de confianza. En este sentido, laexpectativa de equipos permanentes, formadosy especializados, no se cumple.Por último, es evidente que el monitoreo yevaluación de las iniciativas que se desarrollanen el ámbito policial debería ser un elementonecesario para identificar fortalezas, áreas demejora y desafíos de gestión y acción policial.En la región se observa que la mayoría de paísescuenta con una instancia dedicada a la materia.También hay algunos que han avanzadoen la planificación, no así en la evaluación.Esta última puede ser desarrollada por comisionesde gobierno, del Legislativo, unidadesespecializadas destinadas al efecto en el ministeriodel ramo, o el Presidente de la República.Hay casos en que el sistema de evaluaciónestá claramente determinado, como ocurre enColombia, en que las policías deben reportarlos resultados de la gestión anualmente a unsistema integrado de evaluación (Sinergia).En Honduras no se evalúan los planes y programasde la policía, dado que estos se elaboransin marco de referencia, pues el ConsejoNacional de Seguridad Interior (Conasin),que es legalmente el responsable de dar loslineamientos de la política, no mantiene unfuncionamiento permanente. Ecuador tampococuenta con un órgano especializado queevalúe y, en todo caso, no existe una planificacióncentralizada a nivel nacional en el Ministeriode Gobierno; sólo se evidencian planesy programas elaborados por separado en algunasciudades y regiones del país. Se podría decirque uno de los principales déficit encontradoses la carencia de evaluaciones públicassobre las iniciativas policiales desarrolladas enlas últimas décadas. Los programas de policíacomunitaria, de descentralización/centralizaciónpolicial, las fuerzas de tarea, entre otros,han pasado en muchos casos como iniciativascuyos resultados aún son desconocidos.Liderazgo civil democráticoEl liderazgo civil es, sin duda, un elementocentral para los procesos de reforma del sectorseguridad. La capacidad civil para avanzar enla profesionalización de las fuerzas del ordendebe ir de la mano de la defensa del Estadode derecho. Es por esto que interesa resaltarla característica democrática de este liderazgo,cuyo principal objetivo es la consolidación institucional,dejando de lado prácticas de utilizaciónpolítica de las fuerzas de orden y seguridad.En este proceso se han identificado cuatrovariables para la caracterización del liderazgocivil democrático presente en cada país. Ellaspermiten una primera incursión en uno de lostemas más importantes y menos estudiados delos procesos de mejora del sector seguridad enAmérica Latina y el Caribe.Las variables utilizadas para determinar laexistencia y grado de liderazgo civil democráticoen materia de seguridad son: (i) la presenciay operación de mecanismos de control internoy externo de la actividad policial; (ii) la presenciade asesoría técnica civil en la toma de decisiones;(iii) el nombramiento y funciones de laplana mayor policial; y (iv) el proceso de tomade decisiones al interior de la institución.PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública53


PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaMecanismos de control interno y externoCon respecto a los mecanismos de fiscalizaciónexistentes en el sector, el control internose vincula con aspectos de gestión policial.Prácticamente en todos los países se han creadoinstancias dedicadas a ello. En la mayoríade los casos las unidades encargadas de la fiscalizaciónabordan aspectos administrativos enmateria de regulación y control interno de lapolicía nacional. En El Salvador existe la InspectoríaGeneral de la Policía, cuya misiónes vigilar y controlar los operativos. De elladependen, además, el Área de Asuntos Internos(para las faltas disciplinarias), la Unidadde Investigación Disciplinaria, la Unidad deControl Interno y la Unidad de Derechos Humanos.A la Inspectoría se le adiciona el Consejode Ética Policial, encargado de velar por elcumplimiento del marco legal y las regulacionesinternas de la institución en lo que respectaa su funcionamiento.la revisión de las instituciones policiales y otrasentidades del sector. Una buena parte de los paísesde América Latina cuenta con unidades deeste tipo en el Ejecutivo, las cuales ponen énfasisen aspectos de control de gestión y también enla función propiamente policial. En este sentidodestaca Colombia, donde un completo sistemade control en el Ejecutivo articula distintos organismos,como el Ministerio de Defensa Nacional,el Ministerio de Hacienda y Crédito Público, laContraloría General de la República y el DepartamentoAdministrativo de la Función Pública.Este último se centra principalmente en la evaluaciónde la gestión policial. También dependedel Ejecutivo la Procuraduría de la Nación,que ejerce un control de carácter disciplinario enprovecho del buen funcionamiento institucionalde la policía y el respeto a los derechos humanos.Por lo general, la coordinación intersectorial aumentalos niveles de control de las políticas debidoa la especialidad en áreas diversas.El caso de Ecuador es relevante, debido aque, de acuerdo con la información recopilada,el sector tiene tres instancias: la InspectoríaGeneral, el Departamento de Asuntos Internos—cuya responsabilidad es la detección e investigaciónde las irregularidades cometidas por elpersonal— y el Reglamento Disciplinario queregula la acción policial. Ciertamente la creaciónde una unidad especial para el control noimplica necesariamente que sea efectivo, perosin duda evidencia una preocupación institucionalpor la regulación de posibles accionesindebidas de los miembros de la institución.El control externo puede ser dividido en tresinstancias -según sea su origen el Ejecutivo, elLegislativo o la sociedad civil-, que se abocan aEl control externo ejercido por el Legislativose hace a través de la promulgación de leyesy, sobre todo, en su función fiscalizadora, querealiza mediante comisiones parlamentarias permanentesy otras de carácter especial. En paísescomo Ecuador, Honduras, Jamaica, Nicaragua,Panamá, República Dominicana y Uruguay nose cuenta con comisiones parlamentarias de carácterpermanente que aborden la situación delas instituciones policiales y la seguridad pública.Distinta es la situación de la Cámara de Diputadosy el Senado de la Provincia de BuenosAires, México y Chile, entre otros, que tienen lafacultad de formular leyes en la materia; en lostres casos mencionados, ambas cámaras tienendesignada una comisión que trabaja el tema deseguridad pública de manera explícita.54Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Pero no sólo el Ejecutivo y el Legislativotienen capacidad de fiscalización, pues la sociedadcivil tiene una relevancia significativa alejercer control en los diversos asuntos públicosque la afectan. Diversas son las organizacionesde la sociedad civil que abordan materiasde seguridad pública, y si bien difieren ensu carácter institucional y en los aspectos enque focalizan su labor de control, la mayoríabusca la consolidación de mecanismos democráticosen las instituciones de seguridad. Engeneral, estas organizaciones corresponden atres grandes grupos: (i) aquellas de un marcadocarácter académico, como universidadesy centros de estudios e investigación; (ii) lasorganizaciones no gubernamentales, (ONGs),especialmente aquellas vinculadas a la defensade los derechos humanos o temas de derechosciudadanos; y (iii) las entidades con un interéspúblico, como fundaciones o corporaciones.La relevancia del control externo radica enel impacto que tiene en el sector seguridad yen sus instituciones, posibilidad que dependede la existencia de mecanismos e instrumentosque permitan auscultar la situación desdediversos frentes. Un ejemplo de la integraciónde mecanismos de control externo es Brasil,donde la Asamblea Legislativa de Río de Janeiropuede sancionar aspectos relativos a laseguridad pública y la policía, puede fiscalizary controlar las acciones emprendidas por elPoder Ejecutivo Estadual y, además, cuentacon una comisión permanente de SeguridadPública y Asuntos de Policías. En cuanto ala acción de la sociedad civil en la materia,se aprecia un rol activo de parte de diversoscentros académicos. Por otra parte, en el campode las organizaciones no gubernamentales,Viva Río, con amplia experiencia, cumpleun rol importante de control social sobre lasinstituciones policiales. Las principales actividadesde las organizaciones vinculadas a lasociedad civil en materia de control de la seguridadpública y la policía apuntan al diagnósticoy problematización de materias relacionadascon ese ámbito, además de cumplircon requerimientos ocasionales de parte delEjecutivo o Legislativo, llegándose a establecerconvenios para la formación y profesionalizacióndel personal policial del Estado.Asesoría técnica civil enla toma de decisionesUna segunda variable utilizada para caracterizarel liderazgo civil democrático es lapresencia o ausencia de asesoría civil. En estepunto se verifica una brecha entre el Ejecutivoy el Legislativo, en desmedro de este último encuanto a la existencia de equipos de asesoresespecializados en seguridad pública que colaborenen la toma de decisiones o en la formulaciónde proyectos de ley. Barbados, Belice,Bolivia, Guatemala, México, Perú y RepúblicaDominicana cuentan con expertos que apoyanla gestión legislativa, mientras el resto de lospaíses sólo disponen de asesorías en situacionesespecíficas y de acuerdo con la coyuntura.La situación difiere bastante a la hora deindagar en el Poder Ejecutivo, ya que diversosgobiernos de la región cuentan con asesoresen el tema, a excepción de todos los países deCentroamérica, más Brasil, México, Paraguayy República Dominicana. Entre los países enque el funcionariado del Poder Ejecutivo esasesorado tanto por personal civil como porPolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública55


PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza Zuñigamiembros de la policía y algunos ex funcionariosde la institución, está Ecuador.Nombramiento y funciones de la planamayor policialLa tercera variable que da cuenta del liderazgocivil en el sector dice relación con el nombramientode la jefatura superior policial y de suplana mayor. De acuerdo con la Constitucióny las leyes de los diversos países estudiados, elPresidente de la República —o el gobernadordel estado o provincia, en el caso de los paísesfederados— es la máxima autoridad del sectory responsable de la seguridad pública. De estemodo, le corresponde como una facultad exclusivael nombramiento de la máxima autoridadde la institución policial, lo que no obsta paraque, en algunos casos, pida consulta al ministroo secretario responsable para respaldar la decisión.Así, el nombramiento depende de la confianzaque la autoridad civil deposite en quienejerce el cargo. La única salvedad dentro de laregión la presenta Uruguay, en donde es el propioministro del Interior quien define y nombraal director de la Policía Nacional.De igual forma, tanto la remoción como laduración del cargo en el nivel regional difierencaso a caso. En cuanto a la remoción, ella dependede la confianza que el Presidente de laRepública o la autoridad estadual tenga en laautoridad policial. Algunos países señalan demanera expresa las causales de remoción de laautoridad policial máxima, lo que apunta a latransparencia y limita la politización del cargo.Definiciones de este tipo se aplican en paísescomo Colombia, Costa Rica, Honduras, Jamaica,Nicaragua, Panamá, Perú y RepúblicaDominicana 2 . En lo que respecta a la duraciónen el cargo, la situación es muy disímil, debidoa que responde únicamente a la definición queel marco legal estipula, además de que puedeverse interrumpida por la discrecionalidad queestá en manos de la primera autoridad del país,basada en la evaluación de la labor desempeñada.Sin embargo, es posible identificar dosclaras tendencias en materia de duración en loscargos: la que define plazos para el desempeñode la máxima autoridad policial —que oscilanprincipalmente entre dos y cuatro años—, yaquella en que prima el carácter discrecional delnombramiento y, por ende, no hay definiciónrespecto al tiempo de duración de la gestión.La tendencia regional con respecto a losascensos y bajas de la plana mayor de las institucionespoliciales es ponerlos en manos delPoder Ejecutivo. En este sentido, quien tomala decisión en el nombramiento del alto mandopolicial es el Presidente de la República o laautoridad política responsable de la seguridadpública, según sea el caso. Existen algunos matices,como en Bolivia, donde el Legislativo debeaprobar el nombramiento del Director Generalde la Policía; o en Jamaica, donde la decisión setoma en conjunto entre el Gobernador Generaly la Comisión de Servicios Policiales. En otrospaíses también opera el mecanismo de consultaal ministro del Interior o su equivalente.Proceso de toma de decisiones alinterior de la instituciónEl ejercicio de la función policial requierede condiciones diversas para enfrentar las tareasde las cuales los servicios respectivos sonresponsables. Más aún, las condiciones que56Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


equiere el logro de los objetivos policiales propuestospueden variar en el tiempo, situaciónque evidencia la necesidad de una adecuacióny reorientación institucional. Esto ocurre especialmenteen materia de orden público, prevencióny control del delito. Así, las institucionespoliciales pueden tener mayor o menorautonomía para la toma de decisiones en materiasoperativas y logísticas, lo que dependerádel marco legal establecido, así como de las autoridadespolíticas superiores. En este sentido,es posible diferenciar una serie de ámbitos dedecisión que, por su importancia estratégica,permiten indagar en el grado de autonomíade las policías y su articulación con el podercivil en materia de seguridad pública. Las diferenciasson muy significativas y responden a laparticularidad política, institucional y culturalde los países en estudio.En cuanto a la toma de decisiones, losprincipales actores son la autoridad civil delsector y las autoridades de la policía misma.Según sean las diversas áreas de competencia,cada área institucional adquiere relevancia a lahora de definir aspectos de gestión, funciones,infraestructura y orgánica institucional, entreotros. Según la información recabada a travésde expertos de cada país, encontramos que,por ejemplo, en el ámbito de la distribuciónterritorial de la dotación y los ascensos o bajas,existe una mayor articulación entre el podercivil y la institución policial. En este sentido,algunos casos significativos son Brasil, Colombia,El Salvador y Jamaica, mientras que enmateria de doctrina y formación del personalla tendencia es más bien de autonomía de lapolicía, reflejándose en Barbados, Brasil, Honduras,Perú y Uruguay.En el caso de Argentina y Costa Rica,son los respectivos ministerios responsablesde la seguridad los que toman las decisionesen las materias consultadas. Por su parte,en la Policía Nacional de Nicaragua y enCarabineros de Chile se aprecia una mayorautonomía en este proceso, en el que existeintervención decisiva del poder civil sólo enlo que respecta a los ascensos y bajas del personalpolicial.Reformas y modernizaciónEn materia policial, desde la década de losnoventa, los diferentes países de la región hanexperimentado una serie de reformas en aspectoscentrales de su constitución, con el propósitode reorientar la labor policial de acuerdocon el nuevo contexto sociopolítico. Así, lasdistintas instituciones policiales existentes enAmérica Latina y el Caribe han debido crearo transformar la institucionalidad policial alejándosede la doctrina de seguridad nacional,que dominó durante la década de los setentay ochenta. Por lo anterior, las reformas yprocesos de modernización 3 impulsados hanbuscado, entre sus múltiples objetivos, apartarsede prácticas represivas que tuvieron laspolicías y así lograr un giro en la percepciónque la ciudadanía tiene de la institución. Eneste sentido, el proceso reformista ha intentadodevolver o instalar la confianza en las policías,legitimar su acción y mejorar su imagenpública. A tal fin, a través de diversas medidashan sentado las bases para avanzar en la construcciónde una policía moderna, transparente,eficaz y eficiente, donde prime la protecciónal ciudadano y se garantice el respeto alas libertades individuales.PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública57


PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaEn este escenario, las reformas que se handesarrollado en la mayoría de los países cubrenun amplio abanico de ámbitos, como el rolconstitucional de las policías, su estructura,carta orgánica, formación del personal, dependenciay escalafón. Todas las iniciativas reformadorascolaboran al fortalecimiento y consolidacióndel sistema democrático, reconociendoel carácter civil, apolítico y profesional delas instituciones policiales.Dada la particularidad de cada procesonacional, es difícil establecer grandes líneasgenerales en las reformas de las policías, aunquese pueden observar tendencias a nivelsubregional. Por ejemplo, las reformas en laspolicías centroamericanas se caracterizaronpor realizar los cambios en un escenario deinstauración del sector seguridad luego de lafirma de los tratados de paz, por lo cual el desarrollode las medidas se inserta en una líneade trabajo planificada a largo plazo, donde elobjetivo central apunta a la constitución denuevas estructuras y renovados cuerpos policiales.Lo anterior se liga a la necesidad de sustraera la policía del ámbito de influencia delas FF.AA., con las cuales existía una relaciónde fuerte dependencia. A ello debe sumarsela cooperación internacional que tuvieron algunospaíses, como Guatemala y Nicaragua,en materia de planificación, logística y apoyofinanciero, lo que les permitió llevar adelanteel proceso de reingeniería del sector. Lasreformas propuestas responden más bien aaspectos particulares, estando ausente en esteproceso una mirada integral al sistema policial.Este déficit obedece a diversos factores,como procesos eleccionarios, rencillas políticasy la misma realidad delictual, que obligarona introducir reformas específicas quedieran respuesta y resultados rápidos en estasmaterias. Esta forma y celeridad en el procesode reformas no resta importancia ni impactoa las medidas impulsadas, sino que enfatiza lafalta de planificación para realizarlas.En general, estas reformas han sido impulsadasdesde el poder político y en algunos casosen colaboración con las policías y la sociedadcivil. Esto último se puede verificar en algunospaíses centroamericanos y del Caribe (Nicaragua,Panamá, República Dominicana), ya queen el marco de los tratados de paz se realizaronprocesos de reformas con una convocatoriaampliada. La excepción a estas iniciativas deorigen político es el caso boliviano, donde fuela misma Policía Nacional la que promovió lareforma implementada a su carta orgánica. Similarha sido el proceso adoptado en el áreade formación, dado que los ministerios de losque dependen las policías han sido los impulsoresde las medidas en esta área. Escapan aesta generalidad el caso ecuatoriano, donde esla Policía Nacional la que ha impulsado la reforma.En el Distrito Federal de México, losencargados de la Secretaría de Seguridad Públicadel Distrito Federal (SSPDF) han puestoespecial énfasis en estos procesos, cuyos impulsoresfueron civiles.También cabe señalar como detonante delproceso de reformas el estallido de escándalosde gran magnitud, ligados a problemas de corrupcióny/o violación a los derechos humanos,que pusieron el tema en la agenda públicay obligaron a realizar cambios. Un claro ejemplode esta situación fue el proceso acaecidoa mediados de la década de los noventa en la58Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


provincia de Buenos Aires, donde ocurrió elatentado al edificio de la Asociación Mutual IsraelitaArgentina y el crimen del reportero gráficoJosé Luis Cabezas. En ambos casos huboparticipación de miembros de la policía bonaerense,lo que expuso la necesidad de impulsarseveras reformas en la provincia, las que culminaronen 1998 con la promulgación de la LeyOrgánica de la Policía de la Provincia de BuenosAires, la disolución de la policía existente yla creación de cuatro cuerpos policiales.Cabe señalar que el proceso general dereformas en las instituciones policiales hatenido en algunos países actores relevantesque se han opuesto a las nuevas medidas yhan ejercido presión sobre las autoridadescompetentes. Situaciones de este tipo hanvariado en intensidad y temporalidad, siendola presión de grupos del personal policialpor un aumento en sus salarios un elementocomún a los procesos donde ha habido oposicióna la aprobación de ciertas reformas.También otros actores relevantes en el escenariopolítico-institucional del sector hantomado posturas contrarias a la aprobaciónde las reformas. Al respecto se puede mencionarlo acontecido durante el proceso dereformas en la Policía Nacional Civil de ElSalvador, donde hubo oposición de parte delos militares. Este sector resistió el trasladode las funciones policiales —tradicionalmentea su cargo— al control civil bajo unministerio, tal como se derivaba del acuerdode paz y de la reforma constitucional originadapor este.Un caso de oposición a las reformas porparte de personeros políticos ocurrió en Uruguay,pues durante el año 2006 legisladoresdel bloque opositor al gobierno interpelaronal Ministro, presionando por algunos cambiosen las medidas relativas a las políticas,estrategias criminales y de seguridad vinculadasa niños y jóvenes infractores de ley. Comomuestra de la presión que han ejercido, a finesde 2006 este grupo de parlamentarios convocóal Ministro en más de doce ocasionesal Parlamento —incluida su censura y pedidode remoción—, sin haber conseguido modificacionesen sus peticiones.Refiriéndose al tipo de reformas implementadas,se puede apreciar en la región quelos procesos respectivos se han centrado en lamodificación de la estructura y carta orgánicade las instituciones policiales, así como en losprocesos de formación del personal policial.Estas son señales de las prioridades que hanadoptado las instituciones policiales desde lavuelta a la democracia, la firma de tratados depaz o sus hitos históricos en el tema. Muestranasí la necesidad de modificar su ley orgánicaen el sentido de definir su carácter civil,apolítico y no deliberante, así como el establecimientoo reestructuración de las bases desu funcionamiento y organización.En tanto, el interés por las áreas de formaciónda cuenta de una preocupación porel nivel de profesionalización de los cuerpospoliciales, caracterizada por la creación o reestructuraciónde los institutos de formación ycambios en los contenidos impartidos. Juntoa la preocupación por la adquisición de habilidadesy conocimientos propios de la funciónpolicial, se han incorporado áreas relativas alrespeto de los derechos humanos y al EstadoPolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública59


PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza Zuñigade derecho. Deben destacarse también los esfuerzosrealizados por impulsar el trabajo comunitarioa través de policías de proximidad,reforzando el área de prevención y trabajocon la comunidad y buscando establecer unrol cercano a la ciudadanía que le permita generarlazos de confianza con la institución.Reafirmando lo anteriormente señalado,pero sólo desde una mirada cuantitativa,se destaca que en doce de los dieciséis paísesde los cuales se dispone información sehan realizado reformas a las cartas orgánicaspoliciales. En especial estos procesos se encuentranen las subregiones andina y centroamericana.Las excepciones a este tipoespecífico de medidas son Brasil, Chile, Jamaicay Uruguay.La estructura orgánica es otra área queha experimentado un importante número dereformas en las últimas dos décadas. De hecho,once de los dieciséis países han efectuadoalguna reforma en esta área. Los objetivosson modernizar la organización interna de lapolicía, creando, fusionando o reacomodandodirecciones o unidades, de manera acordecon los objetivos y desafíos planteados porla institución y al nuevo escenario social ypolítico. En relación con lo anterior, se hanimplementado cambios en el escalafón, a vecesmotivados por la búsqueda de una mayorhorizontalidad al interior de las estructuraspoliciales. Los actores involucrados en laelaboración de este tipo de reformas son losmismos que los señalados en los casos anteriores,resaltando el proceso jamaiquino,donde la Constabulary Force fue la impulsorade las medidas.En cuanto a las reformas a la función delas policías definida constitucionalmente, losprincipales cambios se registraron en la subregióncentroamericana, donde El Salvador,Honduras, Nicaragua y Panamá modificaronsu rol, apuntando a la ya comentada finalidadde sustraer a la policía del ámbito de lasFF.AA. y, junto con ello, redefinir su papelen el nuevo marco institucional de los países.Para ello subrayan el carácter civil, profesionaly apolítico de las instituciones policiales,lo que constituye un punto de inflexión enrelación con los anteriores cuerpos de seguridad,que no aseguraban un comportamientode estricto apego a la Constitución Políticani a la autoridad civil, en el caso que correspondiese.En el mismo sentido que los paísesya nombrados figuran los casos de la policíajamaiquina, en cuyas reformas el principalimpulsor fue el Parlamento; la Policía NacionalParaguaya, por el cambio constitucionalde 1992 ya mencionado; la Policía Nacionaldel Ecuador, con la promulgación de la LeyOrgánica de la Policía Nacional (que le asignanuevos roles). El caso más reciente es el de laPolicía Nacional de Uruguay, donde en 2006eliminaron normas contrarias a la Constituciónde la República y se realizó un estudionormativo-jurídico para el rediseño institucionaldel Ministerio del Interior y la Policía.A modo de conclusiónUn análisis panorámico de la institucionalidadde la seguridad pública en AméricaLatina y el Caribe muestra gran dinamismoen las reformas legales en la última década.En general, dichas reformas han tendido aregular su dependencia, escalafón, y estruc-60Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


tura orgánica de las policías. Se mantiene elcarácter militarizado de las mismas y una definiciónde funciones que tiende a ser amplia,más que focalizada o limitada. Se advierte,asimismo, áreas de acción conjunta con lasFF.AA. en lo concerniente a narcotráfico yorden público. Existen en la mayoría de lospaíses mecanismos internos de control y accountabilityaunque muchos otros presentanbajos niveles de control externo a la funciónpolicial. El poder legislativo tiene muy bajosniveles de intervención y fiscalización enel campo de la seguridad pública en la mayoríade los países. Una de las áreas dondemás se muestra la autonomía policial es enlos temas relativos a presupuesto, funcionesoperativas, adquisiciones, elaboración de ladoctrina institucional, gestión de recursoshumanos y ascensos y bajas que dependende las propias policías en la mayor parte delos casos, y los presupuestos son elaborados ypropuestos por las propias policías, sin existirmecanismos intermedios a nivel ministerialde definición de objetivos y control demetas presupuestarias.De esta forma se plantean algunos desafíoscentrales que debieran ser enfrentados en elcorto plazo para lograr un significativo avanceen el Estado de Derecho en la región así comoniveles de eficiencia y efectividad mayores enlas tareas de prevención y control del delito.Sistemas de evaluación y controlSi la profesionalización y el accountabilityson metas permanentes para las institucionespoliciales modernas y democráticas, sedeben adecuar los criterios de evaluación deldesempeño individual en dicha dirección, teniendocomo medida la calidad del servicioentregado a la comunidad y la adecuación ala normativa vigente, con el fin de mejorar elprestigio institucional y la confianza pública.En materia de gestión, es necesario redefinircriterios e indicadores de gestión que permitanevaluar resultados, efectividad e impactoen la seguridad pública. En cuanto a los sistemasde control, se requiere establecer con mayorclaridad los tipos penales que cubren losactos en que las policías abusan de su poder yvulneran derechos fundamentales de las personas.Hoy en día, muchos países de la regiónsólo cuentan con las normas contenidas en elcódigo de Justicia Militar, que por su redacciónson de difícil prueba. También el Estadotendría que pensar en proponer mecanismospara regular la posibilidad de reparación enlos casos en que se pruebe la violencia innecesariapor parte de los agentes policiales, y eldaño ocasionado a los particulares con ocasióndel cumplimiento de sus funciones.Los equipos civiles de asesores.La temática del sector seguridad debe seranalizada y desarrollada desde el mundo civil,particularmente desde las universidades y loscentros de investigación. La limitada experticiacivil sobre la situación apoya al mantenimientode un circuito donde el debate del sector quedaen manos de los miembros de las FF.AA., policialeso en los servicios de inteligencia. En estesentido, se requiere institucionalizar la presenciade equipos de asesores civiles al interior delos ministerios, con carácter permanente queaporten a la constitución de un conocimientoaplicado en la materia.PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública61


PolíciaAutonomía profesional y liderazgo civil en laspolicías de América Latina y del CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaDiseñar e implementar sistemas de Fortalecer las capacidadesrendición de cuentas.de seguimiento y monitoreoAl realizar un análisis por área vemos que del Poder Legislativo.las policías pueden tener altos niveles de autonomía,situación que da pie a la prioridad que gislativo, el establecimiento de comisiones es-La consolidación de equipos de apoyo le-debe darse al diseño e implementación de sistemasde rendición de cuentas. Los mismos debetode atribuciones de los Parlamentos para elpecíficas para el sector seguridad y el aumenríanestar vinculados no sólo con la revisión de monitoreo de las acciones y decisiones debenlos gastos e inversiones realizados, sino también ser prioridades en la agenda. La contratacióncon la efectividad de las iniciativas desarrolladas. de personal especializado en la temática paraEl involucramiento de la sociedad civil es clavepara afianzar estos sistemas de rendición de los diversos parlamentos de la región es un pri-conformar equipos de expertos que asesoren acuentas públicas, reconociendo la necesidad de mer paso muy relevante. El Poder Legislativocríticas constructivas y de miradas que permitan debe asumir mayor protagonismo, utilizandoavanzar en una agenda conjunta de trabajo. las atribuciones ya existentes.1. Este artículo está basado en el segundo capítulo del “Reporte del Sector Seguridad en AméricaLatina y el Caribe”, FLACSO, 2007. Disponible en el sitio web www.flacso.cl2. En Chile, el General Director de Carabineros es nombrado por el Presidente de la República de entrelos cinco oficiales generales de mayor antigüedad, pero sólo puede llamar a retiro al General Directorcon decreto fundado informado a la Cámara de Diputados y al Senado.3. Este proceso es definido como el conjunto de iniciativas de carácter operativo que contemplemodernización institucional, cambios en modelos de gestión, incorporación de tecnología, compra deequipamientos, cambios en la pirámide institucional y cambios en los años de formación ocurridos enlas últimas dos décadas en la región.Data de recebimento: 30/10/07Data de aprovação: 15/11/0762Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


PolíciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública63


Segurança públicaO Conselho de SegurançaPública no âmbito daadministração públicamunicipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira eVirgílio Cézar da Silva e OliveiraVânia Aparecida Rezende de Oliveira é bacharel em Administração pela Universidade Federal de São João Del Rei e mestreem Administração pela Universidade Federal de Lavras. Atualmente é professora da Universidade Federal de São João Del Rei.vrezende9@yahoo.com.brJosé Roberto Pereira é bacharel em Administração Rural pela Universidade Federal de Lavras e doutor em Sociologia pelaUniversidade de Brasília. Atualmente é coordenador do Programa de Pós- Graduação em Administração da UniversidadeFederal de Lavras.jpereira@ufla.brVirgílio Cézar da Silva e Oliveira é bacharel em Administração pela Universidade Federal de Juiz de Fora e doutorando emAdministração pela Universidade Federal de Lavras.virgilio@ufla.brResumoEste trabalho investigou o Conselho de Segurança Pública (Consep) do município de Lavras, MG, analisando sua gestãoa partir de duas referências teóricas da administração pública: os modelos gerencial e societal. O propósito do estudofoi compreender a concepção de administração pública que orienta a gestão desse órgão. Partiu-se, portanto, dopressuposto de que o tipo de gestão predominante no Consep está intimamente ligado à forma de administraçãopública que o norteia. Os resultados revelaram que o Consep de Lavras não se vincula completamente a nenhumdos dois modelos. Constatou-se a presença de traços da administração pública gerencial e de vários aspectos daadministração pública patrimonial e burocrática. O artigo reafirma, portanto, o nexo entre segurança pública e gestãopública, principalmente no âmbito municipal.Palavras-ChaveConselhos de segurança pública. Administração pública. Gestão municipal.64Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Apartir da década de 70, a democraciabrasileira foi marcada por vários movimentossociais contra a ditadura militar e a favorde eleições diretas, incluindo desde o movimentoestudantil até o movimento dos trabalhadores ruraissem-terra. Nesse contexto, destaca-se o papeldo Estado na condição de organismo de controlerepressivo dos movimentos sociais e de controleseletivo das políticas públicas, cerceando as iniciativasdemocráticas. Como conseqüência daspressões populares, o processo de abertura políticafoi sendo ampliado e, em 1988, foi promulgadaa nova Constituição, garantindo ao cidadão osdireitos sociais democráticos e de participaçãopolítica. Nesse âmbito, os conselhos gestores, regulamentadospor essa Constituição, representamum caminho para a democratização das políticaspúblicas e de participação da sociedade civil organizada.Além disso, podem ser considerados umaforma de constituição de sujeitos democráticosque buscam participação efetiva nos processossociais e que se responsabilizam por decisões eações. Representam, por outro lado, mecanismosde controle social.Nesse sentido, delimitou-se essa proposta depesquisa em um estudo de caso do Consep domunicípio de Lavras, Minas Gerais, com o objetivode analisar a gestão deste conselho a partir dareferência teórica de duas vertentes de administraçãopública, abordadas por Paes de Paula (2005):administração pública societal e gerencial. O quenorteia esta pesquisa é a compreensão da concepçãode administração pública que orienta a gestãodo Consep de Lavras. Parte-se do pressuposto deque a abordagem de gestão do Consep está intimamenterelacionada com o tipo de administraçãopública empreendida, de modo que, ao se identificaro perfil da gestão do Consep, será revelado otipo de administração pública que o norteia.A abordagem metodológica desta pesquisa éde caráter qualitativo, o que, segundo Malhotra(2001), proporciona melhor visão e compreensãodo contexto do problema. Para este autor, apesquisa qualitativa é uma forma de levantamentonão-estruturado, exploratório, baseado em pequenasamostras, que proporciona insights e umacompreensão mais ampla do objeto em análise.Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraAo se ressaltar o papel dos conselhos comomecanismos de participação social e, simultaneamente,de controle social do aparelho do Estado,emerge um aspecto que chama a atenção dospróprios membros e, especialmente, do mundoacadêmico-científico: a gestão desses conselhos,tendo em vista a complexidade de interesses e apresença de grande diversidade de atores sociais.Entre as diversas modalidades de pesquisaqualitativa, esta investigação define-se como umestudo de caso histórico-organizacional. Godoy(1995) demonstra que o estudo de caso caracteriza-secomo um tipo de pesquisa cujo objeto é umaunidade que se analisa profundamente, visando oexame detalhado de um ambiente, de um simplessujeito ou de uma situação em particular. No casoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública65


Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e Oliveiraem questão, foi estudada uma organização específica(o Consep de Lavras), com o objetivo deentender seu modo de funcionamento e seu modelode gestão. O período de análise do estudo foidelimitado pela data de criação do Conselho, ouseja, de 2000 a 2006.A coleta de informações, no âmbito do conselho,foi de caráter documental e por meio deentrevistas semi-estruturadas, realizadas com osconselheiros, com representantes do Poder Judiciário,do Ministério Público, da Polícia Militar,da Polícia Civil, do Corpo de Bombeiros e da PrefeituraMunicipal. Ao todo, foram 14 entrevistasrealizadas entre novembro de 2006 e fevereiro de2007. Além do Consep, os entrevistados participamde outras organizações da sociedade civil.A idade média dos entrevistados é de 54 anos e,quanto à escolaridade, somente dois possuem apenaso ensino médio completo, sendo que os demaistêm curso superior ou pós-graduação. Antesde iniciar as entrevistas, foi feito contato com algunsdos atores sociais a serem entrevistados, como intuito de apresentar a proposta de pesquisa queseria realizada. O tempo de cada entrevista durou,em média, uma hora.A organização e a análise das informações foramfeitas após cada etapa do trabalho de campo,consistindo na checagem de todo material coletado,o que permitiu a orientação e a realização dasentrevistas, colocando em prática o processo qualitativode pesquisa, por aproximações ou aprofundamentossucessivos. As informações foramsistematizadas da seguinte maneira: transcrição dasgravações; organização e desagregação das informaçõessegundo as respostas de cada entrevistado sobrecada variável do modelo analítico, o que gerouum documento de referência para a análise final; eanálise das respostas, sendo que, para cada variável,as características do Consep foram associadas a ummodelo específico de administração pública.Os tipos de administração públicano BrasilTorres (2004) considera importante, paraentender a relação da elite agrária com o Estadobrasileiro, o conceito de patrimonialismodesenvolvido por Max Weber. RaymundoFaoro (jurista, cientista político, sociólogo ehistoriador), em sua obra clássica Os donos dopoder (1958), utiliza o conceito de Weber paraexplicar a relação incestuosa e predatória da eliteagrária governante com a administração públicabrasileira. Por esse ângulo, toda nossa trajetória,desde o descobrimento, é uma história marcadapela forte presença do Estado, dominado poruma elite, podendo-se afirmar que predominauma administração patrimonialista. Para Torres(2004), ao longo da colonização brasileira, ocorreuo processo de transplantação da máquinaadministrativa portuguesa para o Brasil, o quese consolidou com a vinda da Corte para o país,em 1808, fugindo de Napoleão Bonaparte. ParaFaoro (2000), esse acontecimento foi um marcopara toda nossa história posterior. Essa transplantaçãoda administração pública portuguesapara o Brasil instalou no país um aparato administrativopatrimonialista, que caracterizou todaa história nacional. Torres (2004) ressalta um segundomomento marcante na administração públicabrasileira: a “Era Vargas”. Em 1937 foi implantadoo Estado Novo, o Congresso Nacionalfoi fechado e elaborada uma nova Constituição.Nesse contexto, foi criado o Departamento Administrativodo Serviço Público (Dasp), que teveuma longa e marcante trajetória, sendo extinto66Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


apenas em 1986. A criação de tal departamentoteve como objetivo principal promover a montagemda máquina administrativa nos moldes burocráticosweberianos.Ao analisar o período do regime militar, Torres(2004) mostra que a administração pública novamentesofreu um intenso processo de transformação.Em 1967, acontecimentos políticos, sociaise econômicos levaram a administração pública aum novo rearranjo. Os motivos, entre outros, foramo papel crescente atribuído ao Estado em relaçãoao desenvolvimento econômico e a naturezaautoritária do regime político. A reforma de 1967visava a modernização da administração públicapor meio da utilização de instrumentos gerenciaisempregados pela iniciativa privada.Para Martins (1997), durante os três governoscivis que se seguiram ao regime militar (mas,especialmente, sob o caótico governo Collor), aorganização e as estruturas dos altos escalões daadministração pública foram modificadas de formaconstante e errática. Para o autor, o governoCollor foi especialmente destrutivo, pela desorganizaçãoimposta às estruturas do governo federale pela desmoralização ainda maior da burocraciapública, quer por ataques verbais indiscriminados,quer pela demissão arbitrária e inócua de servidores.Durante os cinco anos do governo Sarney eos dois anos e meio da administração Collor, paraacomodar interesses políticos ou por razões tópicas,foram efetuadas nada menos que 35 mudançasdesse tipo, afetando 25 ministérios ou órgãosda macroestrutura do governo.Ainda na linha de raciocínio de Martins(1997), pode-se afirmar que o governo ItamarFranco seguiu o mesmo caminho e, em menos deum ano, introduziu seis mudanças arbitrárias emnível de ministério ou de secretaria de governo. Ironicamente,uma boa ilustração dessas mudanças édada pela trajetória do órgão teoricamente responsávelpela reforma da administração pública.Em sua recapitulação da evolução da administraçãopública no Brasil, Torres (2004) mostraque, com a vitória de Fernando Henrique Cardoso,em 1994, ocorria em boa parte do mundo adiscussão sobre as reformas do Estado moderno,o que colocou a reforma estatal na agenda políticabrasileira. Foi criado o Ministério da Administraçãoe Reforma do Estado (Mare), sob o comandodo então ministro Bresser Pereira, e elaboradoum documento que subsidiou a discussão e osesforços no sentido de modernizar a administraçãopública. Em 1995, o presidente FernandoHenrique Cardoso apresentou à sociedade o PlanoDiretor da Reforma do Estado, no qual estavavinculado o modelo gerencial de administraçãopública que já vinha sendo implantado em váriospaíses, tendo como referências os Estados Unidose a Inglaterra (governos Reagan e Thatcher).O modelo gerencial está voltado para o clientecidadão, efetua controles por resultados e apostana descentralização da ação estatal, configurandouma gestão pública mais compatível com asinovadoras técnicas de administração utilizadaspelas empresas. Esse modelo gerencial é analisadopor Paes de Paula (2005) como estilo de uma“nova administração pública”. Para a autora, asbases teóricas da Nova Administração Pública estãorelacionadas com o pensamento neoliberal, ateoria da escolha pública, a dinâmica dos thinkstanks, os movimentos neoconservadores, a crisedo keynesianismo, a expansão do movimentogerencialista e as características da nova administraçãopública britânica.Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública67


Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraPaes de Paula (2005, p.47) sintetiza as característicasda nova administração pública: descentralizaçãodo aparelho do Estado, que separou as atividadesde planejamento e execução do governo etransformou as políticas públicas em monopóliodos ministérios; privatização das estatais; terceirizaçãodos serviços públicos; regulação estatal dasatividades públicas conduzidas pelo setor privado;e uso das idéias e ferramentas gerenciais advindasdo setor privado.Tendo em vista as mudanças dos paradigmasda administração pública nos últimos anos, Paesde Paula (2005) promove uma discussão de doismodelos: a administração pública gerencial e asocietal. Para esta autora, a vertente gerencial fundamentaseus pressupostos no pensamento organizacionaldo setor empresarial privado, no qual agestão estratégica (monológica) é o determinanteQuadro 1Variáveis observadas na comparação dos modelosdas relações produtivas e cujas dimensões são pautadaspelo setor econômico-financeiro. A vertentesocietal, por sua vez, tem como princípio a intersubjetividadedas relações sociais, de uma gestãosocial (dialógica) na qual se destaca a dimensãosociopolítica do processo de tomada de decisão.Se a vertente gerencial faz referência às mudançasna gestão pública com base em configurações dosagentes econômicos, a societal baliza a discussãode novos arranjos institucionais capazes de atuaremcomo esferas públicas (PAES DE PAULA,2005, p.13).Para comparar os dois modelos de administraçãopública, Paes de Paula (2005) identificouseis variáveis que permitem a compreensão dofuncionamento e das intenções políticas de cadauma das vertentes, o que pode ser observado noQuadro 1.Variável Administração Pública Gerencial Administração Pública SocietalOrigem Movimento internacional pela reforma do Esta- Movimentos sociais brasileiros que tivedo,que se iniciou nos anos 80 e se baseia princi- ram início nos anos 60 e desdobramentospalmente nos modelos inglês e estadunidense. nas três décadas seguintes.Projeto Político Enfatiza a eficiência administrativa e se baseia Enfatiza a participação social e procura esnoajuste estrutural, nas recomendações dos truturar um projeto político que repense o organismos multilaterais internacionais e no modelo de desenvolvimento brasileiro,movimento gerencialista.a estrutura do aparelho do Estado e oparadigma de gestão.Dimensões estruturais Dimensões econômico-financeira e Dimensão sociopolítica.enfatizadas na gestãoinstitucional-administrativa.Organização administrativa Separação entre as atividades exclusivas Não tem uma proposta para a organizaçãodo aparelho do Estado e não-exclusivas do Estado nos três do aparelho de Estado e enfatiza iniciativasníveis governamentais.locais de organização e gestão pública.Abertura das instituições Participativo no nível do discurso, mas centra- Participativo no nível das instituições,políticas à participação social lizador no que se refere ao processo decisório, enfatizando a elaboração de estruturasà organização das instituições políticas e à e canais que viabilizem aconstrução de canais de participação popular. participação popular.Abordagem de gestão Gerencialismo: enfatiza a adaptação Gestão social: enfatiza a elaboração dedas recomendações gerencialistasexperiências de gestão focalizadas naspara o setor público. demandas do público-alvo, incluindo questões culturais e participativas.68Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007Fonte: Paes de Paula, (2005, p.175)


Ao analisar o Consep de Lavras, à luz dessemodelo analítico, espera-se contribuir para oentendimento teórico e prático do papel destetipo de conselho na administração pública.Conselhos gestores de políticaspúblicas: o caso da segurança públicano município de Lavras, MGOs conselhos gestores de políticas públicascolocam novos temas na agenda pública– mesmo quando criam apenas diretrizes –,ampliando a representação dos diferentes segmentosda sociedade. Um dos papéis importantesdos conselhos é detectar irregularidadese auxiliar no papel de fiscalização das políticaspúblicas da administração em qualquer umdos níveis da Federação. Em termos de poderde decisão, os conselhos são deliberativos, cabendo,a seus membros, a tomada de decisõesem assuntos de sua competência e, ao órgãoexecutivo local, a realização das ações deliberadas.Os conselhos criam uma nova esferasocial-pública, pois possibilitam à sociedade oacesso aos espaços nos quais se tomam as decisõespolíticas, constituindo um novo padrãode relações entre Estado e sociedade.No entanto, Gohn (2000) alerta para o fatode que, em vários pareceres oficiais, verifica-seque os conselhos não têm atuado com seu caráterdeliberativo, mas apenas consultivo, sem poderde decisão. A autora considera ainda pior a constataçãode que, muitas vezes, os conselhos servemcomo instrumentos nas mãos de prefeitos e elites,fugindo do seu propósito principal.No caso brasileiro, foi na conjuntura políticae social dos anos 80 que surgiram as primeirasexperiências de conselhos gestores. Nessa época,havia duas formas de conselhos: os gestores popularese os comunitários. É comum encontrarna literatura acadêmica a atribuição do fortalecimentoda participação à ascensão do Partido dosTrabalhadores (PT) às prefeituras de importantescidades, no final da década de 80. No entanto, emum recente artigo, Fernandes (2005) demonstraque há uma nítida tendência de supervalorizar opapel de determinadas coalizões de poder, em queas administrações do PT são apresentadas comoúnicas dotadas de iniciativa no fortalecimento docontrole e da participação social no Brasil. Para oautor, não há como negar a importância do PTna criação de um novo modo de governar as cidadesno que se refere à criação de mecanismosde gestão com participação e controle social, masesse fenômeno foi iniciado por grupos políticopartidáriosoriundos ainda da militância na épocada ditadura militar.Para Tatagiba (2002), os conselhos passama ser concebidos como espaço onde a sociedadepode exercer papel mais efetivo de fiscalização ede controle mais próximo do Estado, assim comopode imprimir uma lógica mais democrática nadefinição de prioridades na alocação dos recursospúblicos. Com esses mecanismos de participação,o Estado é “obrigado” a negociar suas propostascom outros grupos sociais que circulam em tornodo poder estatal e costumam exercer influênciadireta sobre este. Espera-se, ainda, que a participaçãotenha um efeito direto sobre os própriosatores que participam, atuando, assim, como umfator educacional na promoção da cidadania.Santos Jr., Ribeiro e Azevedo (2004), emuma pesquisa sobre a dinâmica de funcionamentodos conselhos municipais nas metrópo-Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública69


Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e Oliveirales brasileiras, utilizam três eixos de análise: osconselhos como canais plurais de participaçãoda sociedade organizada; a cultura cívica dosconselheiros; e as condições e os processos detomada de decisões nos conselhos. Esses três pilares,se bem estruturados, podem fornecer condiçõesnecessárias para que tais canais exerçamseus papéis efetivamente.Fuks e Perissinoto (2006) analisam os conselhosde políticas públicas de Curitiba, Paraná,abordando a questão da participação política emtermos da capacidade dos atores de influenciaremo processo decisório. Os autores concluíram que aampliação da participação política não comportasoluções puramente institucionais. Constrangimentossocioeconômicos, simbólicos e políticospodem funcionar como obstáculos à participaçãoou até mesmo aprofundar a desigualdade política.Entretanto, reconhecem que a existência dessasinstituições permitiu a incorporação de atorespolíticos no processo de tomada de decisão pública,antes monopolizada pela burocracia estatal.Nesse sentido, os conselhos são vistos, por umlado, como uma forma de descentralização dopoder, mas, por outro, como fruto de uma crisenas instituições públicas.Gohn (2001), em uma pesquisa realizada sobreconselhos gestores, teve a possibilidade de levantarquestões importantes, tais como a diversidadequanto ao próprio conceito de participaçãoe de gestão, o sentido dos conselhos no universoe realidade das políticas sociais atuais e o impactodos conselhos como mecanismo inovador nagestão pública, no âmbito institucional e na esferada participação da sociedade civil. A existênciados conselhos pode ser considerada um avançoem termos de gestão de políticas públicas e vistatambém como um mecanismo de accountability.Esse conceito pode ser entendido como a prestaçãode contas com a finalidade de propiciar mecanismosde controle e regulação no âmbito daspolíticas públicas (BARROS, 2006).No entanto, várias perguntas são levantadasquanto aos limites dos conselhos, tais como:quais os limites da capacidade de intervenção dosconselhos na vida política? Os conselhos realmenteinfluenciam e têm impacto na ação pública?Serão eles apenas fontes de manipulação?Abramovay (2001) analisa algumas fragilidadesdessas instituições relacionadas à poucainformação dos conselheiros, baixa representatividadee falta de preparo para o exercício de suasfunções. No entanto, considera que o simplesfato de existirem conselhos abre o caminho paraque se amplie o círculo social em que se operamas discussões sobre o uso dos recursos públicos.No Brasil, de acordo com dados do ÍndiceMineiro de Responsabilidade Social, elaboradopela Fundação João Pinheiro – FJP (2005), detodas as atividades atinentes ao Estado, a segurançapública é a única que permanece sendoexecutada integralmente pela União e Estadosda Federação, sem tanto envolvimento diretodos municípios. Contudo, é crucial enfatizarque é no município que todos os problemas deordem pública se manifestam, não sendo diferentecom a violência e a criminalidade. Assim,esse distanciamento do município no que se refereà autoridade e à responsabilidade sobre a segurançapública é uma questão a ser repensada.O primeiro ponto de inestimável contribuiçãoque o município pode oferecer em termos70Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


de segurança pública compreende a composição,focalização e gerenciamento de suas políticas deassistência social. Políticas públicas voltadas paraa educação integral, geração de renda e emprego,entre outros, têm um enorme potencial para agirde forma preventiva no contexto social local.Além disso, a municipalidade pode contribuir deforma decisiva com o aparato estatal de segurançapública, mediante o uso da estrutura logísticamunicipal, entre outras formas (FUNDAÇÃOJOÃO PINHEIRO, 2005, p.33-34).Ainda de acordo com informações da FJP(2005), talvez o papel mais decisivo da municipalidadeesteja na sua capacidade de congregara comunidade local em torno da necessidade desua participação no projeto de uma segurançapública de melhor qualidade. Nesse sentido, osconselhos gestores de segurança pública tornamseum meio extremamente importante para aadministração pública contemporânea. Assim,para falar de conselhos de segurança pública noBrasil, é necessário abordar o tema central quemotiva sua existência: a segurança pública.A segurança é um direito fundamental euma das condições do exercício de liberdadesindividuais e coletivas. Garantir a segurança noterritório nacional é uma das funções do Estado.Segundo a Constituição da República Federativado Brasil, no Artigo 144: “(...) a SegurançaPública, dever do Estado, direito e responsabilidadede todos, é exercida para a preservação daordem pública e da incolumidade das pessoas edo patrimônio (...)”.Em um recente ensaio teórico, Soares (2006)mostra com grande propriedade que a “insegurançapública” é, hoje, uma tragédia nacional,que atinge o conjunto da sociedade e tem provocadoum verdadeiro genocídio de jovens, sobretudopobres e negros, do sexo masculino. Acriminalidade letal atingiu patamares dantescos.Além disso, tornou-se um problema político,sufocando a liberdade e os direitos fundamentaisde centenas de comunidades pobres.Ainda segundo Soares (2006), várias são asmatrizes da criminalidade e suas manifestaçõesvariam conforme os Estados e as regiões do país.Para o autor, o Brasil é tão diverso que nenhumageneralização se sustenta. Sua multiplicidade tambémo torna refratário a soluções uniformes e, porsua complexidade, não admite simplificações.Soares (2006) afirma que as explicações paraa violência e o crime não são fáceis e alerta queé necessário evitar a armadilha da generalização.Não existe o crime, no singular, mas sim umadiversidade imensa de práticas criminosas, associadasa dinâmicas sociais muito diferentes. Porisso, não faz sentido imaginar que seria possívelidentificar apenas uma causa para o universoheterogêneo da criminalidade. O contexto institucional,na esfera da União, caracteriza-se pelafragmentação no campo da segurança pública.O problema maior não é a distância formal,mas a ausência de laços orgânicos, no âmbitode coordenação das políticas públicas. O que seestá enunciando é grave: os respectivos processosdecisórios são incomunicáveis entre si.Para Adorno (2002), há cerca de três décadas,o debate e a reflexão sobre a violência e ocrime no Brasil estavam apenas se iniciando.Tratava-se, em verdade, de um debate suscitadopela esquerda e pelos primeiros defensoresdos direitos humanos. Embora a violência fosseSegurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública71


Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e Oliveiraum fenômeno endêmico na sociedade brasileira,sua visibilidade ganhou foro público durantea transição da ditadura para a democracia.A complexidade da sociedade contemporânealevou a um crescimento das taxas decriminalidade, sendo que o policiamentotradicional, apenas, não tem conseguido darum retorno à sociedade no combate à criminalidadeurbana. O aumento da violência noBrasil tem levado os especialistas a defenderemuma nova concepção de segurança pública.Nessa perspectiva, a segurança deixade ser um assunto exclusivamente policial,passando a envolver diversas áreas da administraçãopública, os três níveis de governo ea sociedade civil. Assim, o papel do municípiotorna-se extremamente importante, porsua capacidade de congregar a comunidadelocal em torno da necessidade de participaçãono projeto de uma segurança pública demelhor qualidade.Segundo Souza (2005), no Brasil, as primeirasiniciativas de policiamento comunitárioiniciaram-se em meados dos anos80. Desde então, essa filosofia tem sido aospoucos aceita pela maioria das organizaçõespoliciais. Um dos grandes avanços desse modelofoi a criação dos Conseps como meio desolução de problemas, ampliando suas fronteiraspara além dos muros das organizaçõespolicias militares.O município de LavrasO município de Lavras está localizadono sul do Estado de Minas Gerais, ocupandouma área de 565 km² (IBGE, 2007). Deacordo com dados da Fundação João Pinheiro(2005), sua população em 2004 correspondiaa 85.380 habitantes. Aproximadamente 94%deste total reside em áreas urbanas (IBGE,2007). A cidade foi fundada por volta de1720, quando os bandeirantes passaram pelolocal. Pertencendo ao município de São JoãoDel Rei e à freguesia de Carrancas, sua denominaçãopioneira foi Campos de Santana dasLavras do Funil.Em 19 de junho de 1813, a localidade foitransformada em freguesia e, em 13 de outubro,elevou-se à condição de município, recebendosua denominação definitiva. No iníciodo século XX, Lavras destacou-se por sua dinâmicacomercial. A instalação do telégrafoe a disponibilidade de uma estrada de ferroatraíram industrias e incentivaram a implementaçãoda agricultura. Já nessa época a redede instituições de ensino da cidade era dignade nota (DESCUBRA MINAS, 2007).O detalhamento do Índice de DesenvolvimentoHumano (IDH) de Lavras, relativoa 2000 (Tabela 1), pretende situar seus aspectossocioeconômicos em relação aos municípiosdo Estado e do país. Esse indicador,elaborado pelo Programa das Nações Unidaspara o Desenvolvimento (PNUD), buscacontemplar múltiplas dimensões, além daeconômica. O IDH corresponde à média detrês variáveis: educação, longevidade e renda.A primeira expressa a taxa de alfabetizaçãode pessoas com mais de 15 anos e oporcentual de freqüência escolar. A segundaconsidera a esperança de vida ao nascer e estimaas condições locais de saúde, segurançae salubridade. A terceira reflete o rendimentoper capita local.72Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Tabela 1Índice de Desenvolvimento Humano – IDHMunicípio de Lavras2000DimensõesPosição emMinas GeraisProporção demunicípios com IDHsuperior (%)Posição noBrasilProporção demunicípios com IDHsuperior (%)Segurança públicaIDH0,8191,642394,34IDH - educação 0,9171,171492,71IDH - longevidade 0,79020,6399318,03IDH - renda0,7492,232484,50Fonte: PNUD, 2000.O IDH de Lavras corresponde a 0,819,posicionando o município em 14 o lugar noEstado e em 239 o no país, segundo tal critério.Em Minas Gerais, apenas 1,64% das cidadesapresentam um índice mais favorável, enquantono Brasil esse valor amplia-se para 4,34%. Aobservação dos dados por segmento demonstrao êxito local relativo na área de educação.Por outro lado, a variável longevidade colaborapara o declínio do IDH global. Destaca-seque, entre os fatores capazes de influenciá-la,encontra-se a taxa de crimes violentos.Estatutariamente, o Consep de Lavras envolveautoridades locais, membros da comunidade,representantes das entidades de classe(culturais ou religiosas), clubes de serviço,associações de bairros e pessoas residentes oudomiciliadas no município, interessadas emcolaborar na prevenção e solução dos problemasrelacionados à segurança pública. As instituiçõesconsideradas parte do conselho e quetiveram seus representantes entrevistados foram:a Polícia Militar, a Polícia Civil, a DefesaCivil, o Corpo de Bombeiros e o Poder Judiciário.A estrutura interna de funcionamentoO Conselho Comunitário de SegurançaPreventiva de LavrasO Conselho Comunitário de Segurançado Consep de Lavras é formada pelos seguintesórgãos: Assembléia Geral, Conselho Deliberativoe Conselho Fiscal.Preventiva de Lavras foi criado em 24 deabril de 2000, tendo como natureza jurídicaa denominação de “associação”. Em 2003, foisancionada, pela prefeitura municipal, a Lein.º 2.860, reconhecendo este órgão como deutilidade pública.O Consep conta com um recurso econômicopara a manutenção de suas ações, mas otrabalho de seus membros é voluntário e semremuneração. Em 2005 e 2006, foi feito umacordo com o Poder Judiciário local para re-O Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública73


Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e Oliveirapasse de recursos financeiros resultantes demultas aplicadas pelo juizado especial. O recursoé fixo, mas não tem uma quantia certa.No entanto, o Consep recorre a outras instituições,como, por exemplo, aos bancos, àscasas lotéricas e aos comerciantes locais paracomplementar os recursos financeiros, masessa ajuda vem na forma de doação, não sendoestipulado valor e nem obrigatoriedade.Seu funcionamento ocorre da seguinte maneira:cada mês tem uma reunião ordináriae, sempre que houver razões de interesse daTabela 2Crimes violentos, por tipoMunicípio de Lavras – 2000-2006Anos2000200120022003200420052006Contra a pessoa8172217211121Contra o patrimônio65559410299184156comunidade, o Conselho poderá realizar reuniõesextraordinárias. As questões relevantes,segundo os membros do conselho administrativo,são postas em pauta e, por meio devotação, se busca uma melhor decisão. Há casosem que a tomada de decisão se dá apenaspor meio de conversas entre os membros.Alguns dados, detalhados na Tabela 2, sobreos diferentes tipos de crimes demonstrama situação da segurança pública no municípiode Lavras.Contra os costumese a paz831451047Total de crimesviolentos8175130124130199184Fonte: 8° Batalhão da Polícia Militar, Lavras, 2007.As variáveis do modelo analítico de administraçãopública gerencial e societal de Paes dePaula (2005), apresentadas no Quadro 1, foramutilizadas para analisar, detalhadamente,o Consep de Lavras. Os resultados da pesquisacom base em cada uma das variáveis do modeloserão apresentados a seguir.Estado, não teve ressonância suficiente na administraçãopública de Lavras no período de2000 a 2006. A criação dos conselhos, e especificamentea do Consep, configurou-se na lógicaburocrática do Estado, como imposição formalde cima para baixo, do governo federal para asprefeituras municipais.A origem do Consep de LavrasA perspectiva de transformar a “cultura burocrática”do Estado em “cultura gerencial”,idealizada por Bresser Pereira na Reforma doA iniciativa de criação do Consep de Lavrasnão foi uma iniciativa da sociedade civil local,mas sim da Polícia Militar e da administraçãopública local por uma razão burocrática, formal.74Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Nesse sentido, pode-se relacionar a origem doConsep de Lavras com o movimento internacionalde descentralização do Estado implantado nogoverno Fernando Henrique Cardoso. Essa constataçãopode ser averiguada no seguinte trecho deuma das entrevistas:(...) A polícia militar está em busca de promovera segurança pública, assim teve a iniciativade criar o conselho para trabalhar maispróximo da comunidade. Nada melhor do queter a comunidade ao seu lado (...) O Consepfoi criado para ser o elo da comunidade com apolícia, a segurança é um dever do Estado e umdireito da comunidade.Todavia, os motivos que levaram à criação doConsep de Lavras não diminuem a contribuiçãoe importância social, econômica e política de umconselho de segurança para qualquer comunidade,constituindo-se em alternativa para o fortalecimentoda cidadania.Projeto políticoO Consep de Lavras não se vincula ao projetopolítico gerencialista e nem ao societal.A administração pública local, no período de2000 a 2006, coloca o Consep na posição burocrática,como qualquer outro órgão dentrodo município, e separa a política da gestão,reproduzindo uma prática tradicional da administraçãopública brasileira, fundamentadano personalismo e patrimonialismo.Dimensões estruturais enfatizadasna gestãoO Consep de Lavras não se caracteriza poruma gestão pública orientada pela dimensãosociopolítica, prevalecendo ou sendo enfatizadas,em sua gestão, as dimensões institucionaladministrativae econômico-financeira, configuraçãotípica do modelo gerencialista. O Consepde Lavras não adota nenhuma ação no sentidode participação da comunidade e nem estabeleceestratégias políticas de atuação nas associações debairros e nas associações de comunidades rurais.Organização administrativa do órgãoO Consep de Lavras não constitui, efetivamente,um órgão da administração pública, comopreconiza o modelo gerencialista e tampoucocomo uma experiência alternativa de gestão. OConsep de Lavras é registrado em cartório comouma associação independente, reconhecida pelaprefeitura como entidade de utilidade pública.Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraFigura 1Relações institucionais do Consep - Município de LavrasPolíciaPolícia CivilDefesa CivilConsep deLavrasCorpo deBombeirosPoderJudiciárioFonte: Elaborado pelos autores, 2007.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública75


Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraUma análise institucional do Conseppossibilita entender sua relação e posiçãoperante a comunidade local. Na Figura 1,visualiza-se melhor a maneira como o conselhoestá inserido na sociedade local, segundoa percepção dos conselheiros. Narealidade, o papel social do Consep não ficabem definido no âmbito institucional emque se localiza.Abertura do órgão à participação socialA debilidade de organização da população,bem lembrada por Gohn (2001), é umabarreira para que resultados mais expressivosocorram dentro do Consep. Nota-se que apopulação local não tem se articulado e nemse posicionado perante o conselho, permitindocerta arbitrariedade das entidades queo compõem. A desarticulação da sociedadelavrense expressa certos traços culturaisda sociedade brasileira, como o seu limitadosenso de interesse coletivo (OLIVEIRAVIANNA, 1987).Abordagem de gestãoA gestão do Consep de Lavras, no contextoda administração pública local, não semostra associada ao modelo gerencial e nemao societal. O Consep de Lavras não adotao princípio da eficiência em sua gestão, nãoestabelece objetivos de longo, médio e curtoprazos, não estabelece metas e nem mesmofaz um diagnóstico profissional sobre a situaçãoda segurança pública do município.O Consep de Lavras não conta com métodose técnicas de diagnóstico e de planejamentopara identificar demandas sociais desegurança pública.Considerações finaisNos resultados da pesquisa, observousea ressonância da Reforma do Estado dogoverno Fernando Henrique Cardoso. Aodecidir por um conselho de segurança pública,levou-se em consideração que a questãoda segurança pública tende a se tornar umtema que, em um futuro próximo, estará emevidência pelo alto índice de violência e criminalidade.Por outro lado, as próprias deficiênciasdo papel do Estado estão levandoa sociedade civil a compreender que é delauma parte da responsabilidade nessa área.Teve-se como propósito, neste estudo,analisar o Consep de Lavras à luz dos modelosde administração pública gerencial esocietal discutidos por Paes de Paula (2005),no sentido de compreender a concepção e omodelo de administração pública que orientaa gestão do Consep. Partiu-se do pressupostode que o modelo de gestão do Consepestá intimamente relacionado com o modelode administração pública empreendida.Pelos resultados obtidos, verifica-se que agestão do Consep é caracterizada por umaforma de administração pública que foge aosdois modelos. A gestão do Consep de Lavrasapresenta alguns traços do modelo gerenciale não possui nenhum elemento inerente aomodelo societal, apesar de a origem dos conselhosno Brasil estar vinculada aos ideais daadministração pública societal. Encontraram-se,na realidade, elementos que caracterizamuma forma híbrida de administraçãopública, advindos do modelo gerencial e dostipos de administração pública patrimoniale burocrática, como pode ser observado noQuadro 2.76Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Quadro 2Caracterização do Consep, segundo as formas de administração públicaVariável Administração Pública Gerencial Administração Pública SocietalOrigemMovimento internacional pela Reformado Estado, implementado no governo FHC.Projeto Político Exerce o poder por meio da privatização derecursos públicos, considerando uma baseburocrática de organização.Dimensões estruturais Enfatiza parcialmente a dimensãoenfatizadas na gestão institucional-administrativa apenas no sentido formal, prevalecendo a estrutura de relações personalistas.Organização administrativa Precária, fundamentada na hierarquia, do aparelho do Estado objetivamente estruturada, levandoà centralização do poder.Abertura das instituições Participativo no nível do discurso, políticas à participação social mas centralizador no processo decisório.Abordagem de gestão Formalismo do processo decisório fundamentado no estatuto, com decisões tomadas informalmente baseadas nas relações personalistas.Com esses resultados, coloca-se em questãoa estrutura de administração pública baseadanos modelos gerencial e societal e a formacomo são implementados, tendo em vistaque Lavras é um município mineiro de portemédio, com alta concentração urbana (94%),além de suas características sociais, históricopolíticase demográficas, o que se pressupõe serum aspecto facilitador de implementação dosmodelos inovadores de administração pública.Se as condições do sul de Minas Gerais eas características sociais do município de Lavrasnão foram favoráveis à absorção dos doismodelos de administração pública, gerenciale societal, o que se pode esperar de 90% dosmunicípios mineiros que possuem populaçãoabaixo de 20 mil habitantes? Acreditamos queFonte: Adaptado de Paes de Paula (2005)esse é um grande desafio para se refletir sobrea administração pública no Estado de MinasGerais. Os condicionantes culturais são tãofortes a ponto de impedirem ou modificaremsubstancialmente propostas inovadoras de administraçãopública nos municípios mineiros?Como realizar mudanças culturais nesse sentido?Acreditamos que essas questões poderãonortear novos estudos.Entender os conselhos no contexto da administraçãopública significa discutir, entreoutros aspectos, a qualidade da gestão pública.Assim, a discussão sobre esse conselho alinhaseao contexto em que se insere o país na buscapor uma nova gestão pública: a societal. Nodebate que se instalou sobre a gestão públicaSegurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública77


Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e Oliveiracontemporânea, a questão da segurança pública,mediante o estudo realizado, confirmou ahipótese, sustentada por Soares (2001), de queo problema central desse tema no Brasil é fundamentalmentede administração pública.Observou-se que o Consep de Lavras apresentauma série de problemas de caráter sociopolítico-adminitrativo,quais sejam: falta deformação política dos conselheiros; falta de articulaçãopolítica entre o Consep e instituiçõeslocais e estaduais; a segurança pública no municípiode Lavras não constitui prioridade paraa administração pública local; o Consep nãotem poder deliberativo; a realização de diagnósticoe de planejamento participativo, noâmbito tanto do Consep quanto da administraçãopública local, não constitui uma práticaadministrativa; em conseqüência do problemaanterior, não se têm parâmetros para definirprioridades e tampouco estratégias de superaçãode problemas; falta de iniciativas políticase de organização da sociedade local, em termosde educação cívica, no sentido de democratizaros espaços públicos de decisão. Essas constataçõescorroboram com a discussão sobre o caráterdeliberativo ou consultivo dos conselhos,sendo que a literatura existente tem mostradoque, na maioria das vezes, predomina o caráterconsultivo. Apesar dessa fragilidade, podeseafirmar que esse tipo de instituição precisaconquistar seu papel efetivamente deliberativopara que possa cumpri sua função de redemocratizaçãodos espaços públicos.Podemos considerar que, mesmo em umperíodo democrático como nunca observado,é necessário desenvolver e trabalhar anatureza política e social do país, visandoaumentar sua eqüidade. Fortalecer o sistemapolítico de uma nação requer a crescenteparticipação dos cidadãos e uma sociedadepolítica atuante e eficaz.Para finalizar, acreditamos que a sociedadebrasileira deve ter um papel mais ativo noprocesso político, assumindo responsabilidadesda administração pública, por meio dosconselhos, de forma que a estrutura de governançatenha maior estabilidade e possa, comisso, superar os problemas sociais relacionadosneste trabalho, especificamente em relação àsegurança pública.Neste estudo, não se teve a pretensão de esgotaro tema proposto, mas sim contribuir, academicamente,para a gestão dos conselhos de segurançapública e para a administração pública.78Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


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Segurança públicaO Conselho de Segurança Pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraSANTOS JR., Orlando Alves dos; RIBEIRO, Luiz César de Queiroz;AZEVEDO, Sérgio de. Governança democrática e poderlocal: a experiência dos conselhos municipais no Brasil. Riode Janeiro, Revan/Fase, 2004.SOARES, Luiz Eduardo. Entrevista com Luiz Eduardo Soares.Horizonte Antropológico, v. 7, n. 15, 2000. Disponível em:www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71832001000100010&lng=en&nrm=iso>. Acesso em:21 fev. 2007.SOARES, Luiz Eduardo. Segurança pública: presente e futuro.Revista Estudos Avançados, v. 20, n. 56, p. 91-106, 2006.SOUZA, Elenice de. Como tornar o policiamento comunitárioviável na pratica? Texto apresentado no encerramentodo Curso de Multiplicadores de Policia Comunitáriapromovido pela Secretaria de Defesa Social de MinasGerais, novembro de 2005. Disponível em:www.crisp.ufmg.br/desafios_policiamento_comunitario.pdf. Acesso em: 10 nov. 2006.TATAGIBA, Luciana. Conselhos gestores e a democratizaçãodas políticas públicas no Brasil. In: DAGNINO, E.Sociedade civil e espaços públicos no Brasil. São Paulo,Editora Paz e Terra, 2002.TORRES, Marcelo Douglas de Figueiredo. Estado, democraciae administração pública no Brasil. Rio de Janeiro,Editora FGV, 2004.Data de recebimento: 08/10/07Data de aprovação: 05/11/0780Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


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Segurança públicaPolítica de segurança pública:o direito à intimidade na Erada videovigilância 1Gustavo Almeida Paolinelli de CastroGustavo Almeida Paolinelli de Castro é especialista em Direito Constitucional pela Universidade Castilla-La Mancha, Toledo,Espanha, mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), professor da PUC Minas, doCentro Universitário UNA e do Centro Universitário UNI-BH, e pesquisador do Núcleo Jurídico de Políticas Públicas da PUC Minasgustavopaolinelli@gmail.comResumoDada a falibilidade do modelo repressivo de segurança pública no Brasil, tornou-se cada vez mais usual a elaboraçãode políticas públicas de gênese controladora, como forma de prevenção da criminalidade. Em Belo Horizonte,o programa Olho Vivo, baseado no monitoramento da região comercial do município, por meio de câmeras desegurança, retrata bem essa prática. Nesse contexto, este artigo visa analisar a legitimidade dessa medida em face dodireito à intimidade no Estado democrático de Direito.Palavras-ChavePolítica pública. Direitos fundamentais. Segurança pública.82Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


As grandes cidades brasileiras cresceramde maneira totalmente desordenada;e Belo Horizonte não fugiu à regra.Seguindo uma tendência nacional, formou-sena capital do Estado um verdadeiro exércitode desabrigados, produto de uma ineficáciasocial da Constituição no tocante ao direito àmoradia. Os inúmeros aglomerados não dãomargem a outra interpretação. Uma volta pelasperiferias da cidade, para parafrasear Sarlet(2004), dispensaria qualquer levantamentode dados estatísticos a respeito da decadênciasocial brasileira.A definição de “desabrigados”, ou “populaçãode rua” não é simples. A falta decritérios claros e objetivos nas pesquisasconstitui enorme obstáculo. Para se ter idéiade como isso funciona, vale citar o exemplode Vieira, Bezerra e Rosa (2004, p. 47-48):“Partindo da definição das Nações Unidas,que considera homeless não só os que vivemna rua, mas também os que estão em habitaçõesque não atendem a necessidades e padrõesmínimos de habitabilidade, ter-se-iana cidade de São Paulo pelo menos quatromilhões de homeless”.Ademais, caso fossem observados os parâmetrosmínimos, considerados pelas NaçõesUnidas (UNITED NATIONS, 2001), parauma habitação de padrão satisfatório, certamenteesse número seria ainda maior.Fato é que, diante da condição de vulnerabilidadee de pouca probabilidade de ascensão, essapopulação de rua aglomerou-se irregularmenteem logradouros urbanos de maior concentraçãode comércio e riqueza, em busca de oportunidadesde trabalho, esmolas e ajuda, utilizandoáreas públicas (praças, marquises, passeios, etc.)como espaços de moradia e outras atividades.Ruas, avenidas, praças e principalmente viadutosviraram reproduções do lar, “da moradia, enquantoespaço privado de habitação. Tal fato ficademonstrado pela existência de alguns utensíliosde cozinha, móveis, caixas e caixotes improvisadosmesas e armários” (VIEIRA, 2004, p. 54).Por coincidência ou não, essas áreas de maiordensidade populacional de desabrigados foramas mesmas eleitas como objeto de vigilância doprograma Olho Vivo em Belo Horizonte.Esse programa, concebido inicialmentecomo um projeto-piloto, promovido pela Câmarade Dirigentes Lojistas, Prefeitura do municípioe governo do Estado de Minas Gerais,na nobre região da Savassi, em Belo Horizonte,em 2002, assenta-se fundamentalmente naLei n.º 15.435/2005 e no Projeto de Lei n.º2.136/2005, consistindo numa política de segurançapública baseada na utilização de câmerasde segurança na região centro-sul de Belo Horizonte,com vistas a reduzir a criminalidade.O projeto, que custou inicialmente 100 milhõesde reais ao erário (SILVA, 2005), é com-Segurança públicaPolítica de segurança pública: o direito àintimidade na Era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de CastroAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública83


Segurança públicaPolítica de segurança pública: o direito àintimidade na Era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de Castroposto por 72 câmeras distribuídas em locais degrande comércio e/ou classe alta, abrangendoos bairros Barro Preto, Savassi, Funcionários,Lourdes e o hipercentro, com o objetivo de estimulara volta da população à área de comércio.É relevante frisar que não há pesquisasoficiais a respeito da anuência da populaçãoa respeito do programa. Em relação à efetividadeda medida, a Polícia Militar tem defendidosua eficiência, apontando uma reduçãode 7,91% da criminalidade no primeirosemestre de 2005, em comparação com omesmo período de 2004, embora tenhamosconstatado em trabalho sobre o tema inúmerascontradições a respeito dos critériosutilizados (CASTRO, 2007).A partir da constatação dessa permanênciade desabrigados em áreas públicas, parece incontroversosupor que existiriam boas razõespara crer que o direito à intimidade dessaspessoas caminha sob a ameaça do próprio Estado,pois, além de destituídas de uma moradia,elas estariam sob constante observação.Tais argumentos, portanto, fariam desse programanão só uma medida pouco democráticana sua fase de justificação, mas uma fórmulapotencial e igualmente abusiva.Levando-se em conta o direito à intimidadedos desabrigados que ocupam as áreas vigiadasna região central de Belo Horizonte, este artigopretende, sob uma lógica discursiva, lançarluzes acerca da validade dessa prática.A escolha metodológica da análise da intimidadedos desabrigados não comporta grandesquestionamentos, isto é, uma vez verificadaa condição de maior vulnerabilidade socioeconômicadesses indivíduos, não restam dúvidasde que são eles os maiores expostos à técnicada vigilância estatal. Isto não quer dizer, entretanto,que o estudo e o impacto das câmerasem outros segmentos da população não têmrelevância para a discussão da videovigilância.Basta ver a importância do debate acerca dalegalidade dessa técnica em face dos indivíduosque trabalham sob o olhar vigilante do Estado.À guisa de conclusão, portanto, a opção peloestudo da videovigilância com enfoque nosdesabrigados justifica-se pela ausência de umaestrutura para se esconder e exercer o direito deestar só, argumento, aliás, que será retomadoquando da verificação do sentido de intimidadena contemporaneidade.Do direito à intimidade dosdesabrigados na cidade vigiadaParece muito sugestivo sustentar que o modelorepressivo de segurança pública brasileiro,de uma forma geral, falhou; e, neste sentido,alinham-se os relatórios da Organização AnistiaInternacional (AMNESTY INTERNATIO-NAL PRESS RELEASE) (2005a; 2005b).A partir desse contínuo fracasso, pareceigualmente claro que o poder público passoua desenvolver técnicas alternativas de combateà violência, sendo que, entre as maisprocuradas, a videovigilância destacou-se noBrasil e no mundo, como exemplificam asexperiências em Londres, na Inglaterra, NovaIorque, nos EUA, São Paulo capital, Rio deJaneiro capital, Sobradinho/RS, Criciúma/SC e Cuiabá/MT. Entretanto esse progressotecnológico, ao menos por aqui, não acom-84Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


panhou a evolução e a efetivação de algunsdireitos fundamentais (como o direito à moradia),gerando, em razão disso, inúmerosquestionamentos acerca da sua legitimidade.A primeira chave para desvendar essa incógnitaencontra-se na seguinte indagação: avideovigilância do Olho Vivo fere o direito à intimidadedos sem-teto em Belo Horizonte? Paraanalisá-la, reputa-se imprescindível transportá-lapara o código do Direito. Assim, a mesma perguntapoderia ser refeita nos seguintes termos:o direito fundamental à segurança pública (artigos5º, 6º e 144 da Constituição da Repúblicade 1988 – CR/88) viola o direito fundamentalà intimidade (artigo 5 º da CR/88), num Estadodemocrático de Direito que não garante aosseus cidadãos o direito fundamental à moradia(art. 6 º da CR/88)?Antes de analisar a indagação proposta,contudo, é necessário esclarecer uma possíveldúvida acerca do tratamento e classificaçãodispensados ao direito à segurança públicaneste artigo. Não há como negar queexiste ainda uma celeuma, totalmente superadapela teoria discursiva no nosso entendimento,a respeito da definição do direitoà segurança como um direito individual ousocial (pública).A ausência dessa diferenciação, estéril emetafísica a nosso ver, poderia sugerir que odebate central do artigo passasse a ser a relaçãoentre os sistemas de vigilância, o direito à segurançada pessoa (e não à segurança pública) e odireito à intimidade. Nada mais equivocado. Osimples fato de a Constituição (1988) tratarem momentos distintos do direito à segurança(ora taxando-o como direito individual noartigo 5º, ora como direito social no artigo6º, ou mesmo como direito e responsabilidadede todos no artigo 144) não significa quetal questão seja fundamental para o debateaqui proposto.Em outras palavras, qual a relevância práticae científica em se sustentar que o direitoà segurança constitui um direito à segurançada pessoa (individualmente considerada) e nãoum direito à segurança coletiva (pública)?Tal diferenciação parece ser infrutífera, emprimeiro lugar, porque os sujeitos que estabelecemtal critério de diferenciação partemdo pressuposto de que direitos fundamentaispodem ser realmente divididos em direitos deprimeira geração (direitos negativos e individuais)e aqueles de segunda geração (direitossociais e positivos). Dependendo do viés liberalou comunitarista desses intérpretes, somentealguns direitos gozariam de prestações porparte do Estado. E já aqui reside o primeiroerro, isto é, direitos não são bens e não podemser distribuídos, senão aplicados! (HABER-MAS, 2004). Além disso, segundo a teoria daindivisibilidade dos direitos humanos, todosos direitos fundamentais têm uma linha emcomum, de forma que seria inviável efetivarum desses direitos sem a observância do outro.(v.g. direito à segurança individual e direito àsegurança pública).O segundo ponto a ser destacado diz respeitoao fato de que, tanto os direitos à segurança“da pessoa” quanto os direitos à segurança coletiva(pública) exigem prestações do Estado.Ou seja, sustentar que o direito à segurançaSegurança públicaPolítica de segurança pública: o direito àintimidade na Era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de CastroAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública85


Segurança públicaPolítica de segurança pública: o direito àintimidade na Era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de Castropode ser subdividido em “pessoal” e “coletivo”por razões de prestação estatal não passa deuma colocação desavisada, já bastante refutadapelo trabalho de Sustein e Holmes apud Galdino(2005) e Cruz (2007), uma vez que todosos direitos fundamentais exigem prestações doEstado para sua efetivação.Pensar de forma distinta é imaginar queo direito fundamental à segurança pudesseser garantido sem que houvesse a preservaçãode uma ordem pública, o que parece inconcebível.Seja como for, tendo em vista aterminologia utilizada pela Constituição emseu artigo 144, adotamos, sem prejuízo doemprego de expressões correlatas que se justificampelos fundamentos aqui deduzidos, aexpressão direito à segurança pública comoreferência à tutela tanto do indivíduo quantoda sociedade.Feitas essas observações, é possível entãoretomar a análise do problema aqui proposto,qual seja, a concretização do direito à segurançapública (instrumentalizado pela política decontrole social de vigilância) atenta contra aintimidade dos desabrigados?Para aqueles que comungam da idéia de queo direito à intimidade estaria vinculado ao direitoà propriedade, no qual se inclui a concepçãoprivatista de Arendt, 2 parece nítido não haverabuso algum na prática da videovigilância, emface daqueles que fazem do espaço público o seular. A justificativa para os seguidores do man’shome is his castle (SAMPAIO, 1998) é simples:como o próprio nome sugere, os sem-teto nãopossuem propriedade, logo, não gozariam dodireito à intimidade.Para uma outra corrente, na qual estãoincluídos Saldanha (1986) e Sarlet (2004),o fato de existir ou não o título do domínioconsistiria uma questão de menor relevância,visto que “os conceitos de intimidade e domicíliosão indissociáveis, de forma que a proteçãodo domicílio constitui uma manifestaçãodiretamente vinculada à tutela da intimidade”(FONTES JÚNIOR, 2005, p. 125). Issosignifica que a intimidade não estaria necessariamentevinculada à idéia de domínio, massim à de domicílio, de um lar, enfim, de umamoradia (artigo 6 º da Constituição 1988).Com efeito, sem um lugar adequado paraproteger-se a si próprio e a sua família contraas intempéries, sem um local para gozar de suaintimidade e privacidade, enfim, de um espaçoessencial para viver com um mínimo de saúdee bem estar, certamente a pessoa não terá asseguradaa sua dignidade, aliás, por vezes nãoterá sequer assegurado o direito à própria existênciafísica, e, portanto, o seu direito à vida.(SARLET, 2004, p. 432)Segundo esse posicionamento doutrinário,não há dúvidas de que o direito à intimidade(inciso X, artigo 5 º , CR/88) mantém forte relaçãonão só com o direito à propriedade (incisoXXII, artigo 5 º , CR/88), mas também com odireito à moradia (artigo 6 º , CR/88).A dúvida que subsiste é saber se, desseponto de vista teórico, o espaço público, utilizadocomo espaço privado pelos desabrigados,entraria no conceito de domicílio. Emcaso afirmativo, acredita-se que, para essesestudiosos, seria formada uma concorrênciaentre os princípios da segurança pública e o86Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


da intimidade, devendo ser esse embate resolvidoà luz da interpretação constitucional quese entenda a mais adequada. Entre as técnicasde hermenêutica mais utilizadas, destaca-se alei da ponderação de valores de Alexy (2002;2004), 3 a qual refutamos, no esteio da teoriada norma adequada de Jürgen Habermas(2005) e Klaus Günther.Já na hipótese de uma resposta negativa, asolução seria óbvia, pois, se o espaço públicoocupado por um desabrigado não poderia serconsiderado uma moradia, não haveria violaçãodo direito à intimidade.Para uma terceira corrente, o significado dodireito à intimidade não vincular-se-ia necessariamenteà noção dos direitos à propriedade ouà moradia, mas a algo que lhe acompanhariamesmo sem essa noção; um verdadeiro direitode “estar-só”, como proclamaram Warrene Brandeis no clássico Right to privacy, escritoainda no ano de 1890 (SAMPAIO, 1988).Esse pensamento conduziu o cerne da questãopara além do ambiente físico do domicílio,declinando a matéria para a possibilidade doexercício e proteção de determinadas atividadesditas “privadas” dentro da esfera pública.Segundo seus pensadores, “a intimidade nãose refere unicamente ao sujeito situado em localfísico determinado, antes correspondendoa um direito que acompanha a pessoa independentementedo lugar em que se encontre”(FONTES JÚNIOR, 2005, p. 123).Para além dessa noção de intimidade delimitadaa um espaço físico, portanto, PérezLuño (2004) propôs uma noção de “autodeterminaçãoinformativa”. Essa tendência, explicao autor, não só projeta o sentido de intimidadepara além de um direito de status negativo dedefesa contra qualquer intromissão da esferaparticular, como também agrega a idéia de umdireito ativo de controle sobre o fluxo de informaçãoentre sujeitos públicos e privados.O direito à intimidade trata sempre de defenderfaculdades de autodeterminação do sujeito,mas não de um sujeito isolado irreal eabstrato, produto de uma antropologia individualista,senão do cidadão concreto que exercesua intimidade no seio de suas relações com osdemais cidadãos, frente a poderes privados eaos poderes públicos (PÉREZ LUÑO, 2004,p. 647, tradução nossa).Parece lícito pensar que esse controle dasinformações pessoais a que se refere Luño englobaum caráter de transparência acerca dofuncionamento das atividades que poderiamintervir de qualquer forma sobre o comportamentodas pessoas. Não seria adequado suporque um indivíduo possui controle sobre seusdados se desconhece como a própria administraçãocolhe essas informações. Essa idéia,aliás, tem muito a ver com o princípio da publicidadedos atos da administração pública,conforme prescrevem o artigo 37, da CartaPolítica brasileira, e o inciso I, parágrafo 2 º ,da Constituição do Estado de Minas Gerais: édireito da sociedade manter-se correta e oportunamenteinformada de ato, fato ou omissão,imputáveis a órgão, agente político, servidorpúblico ou empregado público e de quetenham resultado ou possam resultar: ofensaà moralidade administrativa, ao patrimôniopúblico e aos demais interesses legítimos, coletivosou difusos.Segurança públicaPolítica de segurança pública: o direito àintimidade na Era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de CastroAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública87


Segurança públicaPolítica de segurança pública: o direito àintimidade na Era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de CastroComo dito, seria impossível existir controleou autogestão das informações sem saberque o poder público está processando essesdados pessoais. 4O direito à intimidade, nesse sentido, ganhaum caráter ativo ao informar que os poderes públicosestão compelidos a fornecer todas as razõese informações acerca das políticas de segurançapública, principalmente quando estas se revelarematentatórias a qualquer direito fundamental.Mais do que um right to be alone, o direito àintimidade, sob a perspectiva da autodeterminaçãodas informações de Pérez Luño, ganhaum sentido ativo de se saber não só quais informaçõesa administração pública possui sobrea sociedade, mas também por quais meiosela as obteve (e continua a obter) e qual é afinalidade das mesmas.Essa nova feição, além de compelir a administraçãoao cumprimento do direito à informação,desafoga a existência de um espaço físicoreservado à esfera da intimidade, precavendoa comunidade jurídica de validar decisõesno mínimo estranhas, como a proferida nocaso Goldman versus United States, em 1942,em que a Suprema Corte norte-americana nãoreconheceu como “violação à quarta Emendaa instalação, numa parede divisória, de aparelhosde escuta capazes de captar as conversasentabuladas na sala contígua, por não ter ocorrido,no caso, uma ‘invasão física’ do recinto”(SAMPAIO, 1998, p. 70).Diante do abandono da “doutrina da invasãofísica” no caso Katz versus United States,parece que os Tribunais adotaram uma lógicade decisão mais humanista para aqueles quevivem sem um “lar” nos espaços vigiados.Como acentuou o juiz Stewart, que presidiao caso, the fourth Amendment protects people,not places:Pouco importava, igualmente, ter a gravaçãosido realizada em um ambiente público,pois haveria de se perquirir, independentedo lugar onde estivesse, a intenção do interlocutorem manter ou não o assunto em fororeservado (SAMPAIO, 1998, p. 102).Esse entendimento, entretanto, não conseguiulidar com a questão dos atos privados noambiente público, ao vinculá-la à observânciade dois critérios, quais sejam: “a) que houvesseuma atual e subjetiva expectativa de privacidadee b) que essa expectativa fosse de tal naturezaque a sociedade a reconhecesse como razoável”(SAMPAIO, p. 172, 1998, grifo nosso). 5 Orazoável, como era de se esperar, geralmentenão abarcava a idéia de uma expectativa deprivacidade de pessoas em ambientes públicos,mesmo sendo incontroverso para essa correntede pensamento que os direitos fundamentais,em especial o direito à intimidade, não estariamlimitados a um espaço físico determinado(DELGADO, 2005).No caso State of Connecticut versus Mooney,lembrado por Sampaio (1998), um moradorde rua, condenado por homicídio, contestou alegalidade do procedimento de coleta de provasno seu processo, alegando a ilegalidade dabusca policial realizada em sua casa: uma caixade papelão localizada debaixo de um viaduto.A Suprema Corte de Connecticut entendeu quehavia uma razoável expectativa de privacidadeno interior da caixa, a qual representava, com88Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


efeito, o último suspiro de privacidade da intrusãodos olhos dos observadores. 6 Essa decisão,ainda isolada, foi significativa para osmoradores de rua, no sentido de reconhecer apossibilidade do direito à intimidade, mesmoem situações extremamente precárias, dentrodo espaço público. 7 Por outro lado, contudo,não foi suficiente para desvincular o forteapego à existência de uma estrutura materialque separe o privado do público (no caso dacaixa de papelão) para que a intimidade fossereconhecida.Além disso, a natureza monológica da decisãotambém conserva indícios substanciaisde uma filosofia da consciência, pautadas emvalores subjetivos do julgador e, nesse sentido,ainda se mostra distante da construção de umacidadania ativa em que os afetados pela decisãosão formadores desta.Seja como for, a pendência continua enraizadana órbita da relação entre os princípios dasegurança pública e da intimidade. Analisandoalguns julgados acerca do tema, não é difícilperceber que o primeiro tem gozado de francasupremacia em face do segundo. 8 A nosso ver,essa prevalência apriorística de um princípioem relação ao outro não representa, de maneirafidedigna, a forma como estes devem serentendidos no paradigma jurídico do Estadodemocrático de Direito.Não se trata, pois, de dizer que o princípioda segurança pública é superior ou inferior aoda intimidade. Tal postura, aliás, é totalmenterechaçável se analisada sob uma lógica reflexivae reconstrutivista-discursiva de aplicação dosdireitos fundamentais. Como se sabe, princípiossão normas aplicáveis prima facie, ou seja,dependem de circunstâncias fáticas de um casoconcreto para que sejam adequadamente aplicados.A partir do momento em que não existemessas condições, suficientemente depuradaspara uma pronta aplicação, não há como sefalar em supremacia principiológica.Isso não significa, contudo, que medidaspolíticas que visem alcançar metas coletivasnão possam coexistir com um ordenamento deprincípios e tampouco que questões de eficiêncianão devam ser levadas em consideração. Oque não é adequado é que questões de eficáciadesvirtuem o Direito em questões utilitaristas!Nesse sentido, o ponto fundamental parao equilíbrio sociojurídico está na harmonia doprograma com os princípios erigidos na Constituição,e na sua aceitabilidade racional porparte de todos os possíveis afetados pela medida,o que nem de longe se avistou.O problema maior reside na própria elaboraçãodessa política, que deveria ter sido submetidaa um processo de exaurimento acercade seus efeitos e peculiaridades. Como destacaGünther, os participantes do discurso deveriam,a partir de uma situação idealizada detempo ilimitado e conhecimento infinito,(...) prever e levar em consideração todas asconseqüências e efeitos que a observância deuma regra geral pode [riam] ter para o seuinteresse, em cada um dos possíveis casos deaplicação. Seria possível, desta forma, prevertodas as hipóteses de aplicação da norma nofuturo, determinando-se, previamente, asconseqüências e efeitos da sua observância.(GÜNTHER apud LAGES, 2004, p. 505)Segurança públicaPolítica de segurança pública: o direito àintimidade na Era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de CastroAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública89


Segurança públicaPolítica de segurança pública: o direito àintimidade na Era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de CastroCiente de que os participantes não dispõemde tempo ilimitado e tampouco de conhecimentoinfinito, Günther propõe então a famosa distinçãoentre aplicação e discursos de justificação:Nos discursos de aplicação, não se pretendeapresentar argumentos pragmáticos, éticosou morais que venham justificar a extensãoem grau ótimo da validade/legitimidade oudo ‘âmbito’ jurídicos de uma norma, mas suaadequabilidade, procedimentalmente justificada,a um caso concreto, livre de qualquerpredeterminação material em que se dê prioridadea certos pontos de vista normativos sobreoutros.” (OLIVEIRA, 2002, p. 111)Tal proposta objetiva alcançar a norma“perfeita” por via indireta, ou seja, por meio dauniversalidade do princípio moral, com a qualse estabelece um sentido recíproco-universalde imparcialidade, pautado na convergênciada diversidade de pessoas e procedimentos(GÜNTHER apud LUIZ MOREIRA, 2004).Transportada essa distinção para a análisedo Olho Vivo, não se pretende dizer que oprograma é constitucional ou não por violar aintimidade daqueles que não gozam de um larno espaço público (embora essa posição pareçabem atraente). É devido a todos os déficits de legitimaçãoapontados no discurso de justificação(notadamente no que diz respeito à participaçãodos afetados), e por determinar concretamenteque o princípio da segurança pública é melhor(axiologicamente superior) 9 que o princípio daintimidade, em franca subversão da lógica constitucional,que se poderia sustentar a ilegitimidadedo programa Olho Vivo, em face da Constituiçãoda República de 1988.1. Este trabalho faz parte da dissertação de mestrado do autor, cuja defesa se realizou no mês de maio deste ano. As reflexões trazidasneste artigo, inéditas, são oriundas das pesquisas realizadas pelo autor no Núcleo Jurídico de Políticas Públicas da PUC Minas.2. Hannah Arendt apresenta duas concepções sobre a privatividade: na conçepção “privativa da privatividade” vincula-se a propriedade aodireito à intimidade, enquanto na concepção “não privativa da privatividade” a propriedade é vista como uma necessidade vital.3. Filiam-se à lei da ponderação de valores e do principio da proporcionalidade Luis Pietro Sanchis e Carlos Bernal Pulido.4. Aqui nos referimos ao fato de que as câmeras do Olho Vivo são colocadas sem avisos que informem a sua existência, ou seja, oscidadãos desconhecem essa forma de armazenamento de dados por parte do Estado.5. Essa fórmula também parece guiar a prática da videovigilância na Espanha, autorizada pela Lei Orgânica 4/1997. “Para que seconvalide a sua utilização é preciso demonstrar a existência de um razoável risco para a segurança cidadã (seguridad ciudadana), no casodas [câmeras] fixas, ou de um perigo concreto, no caso das [câmeras] móveis” (DELGADO, 2005, p. 269)6. Ver relatório sobre os sem-teto nos Estados Unidos, cujo título é A dream denied: the criminalization of homelessness in U.S. cities,realizado pela organização The National Coalition for the Homeless e pelo The National Law Center on Homelessness and Poverty (2006).7. Decisão semelhante foi tomada no Mandado de Segurança 1.203-DF no STF, em 08 de setembro de 1997, ao garantir que “simplesbarracos também dispõem da mesma proteção jurídica dispensada pela Constituição ao domicílio” (VIEIRA, 2006, p. 206).8. Como exemplos, citam-se, no STF brasileiro, o Mandado de Segurança 23.669/DF, da lavra do ministro Celso de Mello, julgado em 08 defevereiro de 2001, e, na Corte Constitucional espanhola, as decisões do STC 73/1982, STC 231/1988, e STC 170/1987 (PÉREZ LUÑO, 2004).Na doutrina brasileira, ver Carvalho Filho (2006) e Di Pietro (2006).9. Expressão presente nas justificativas do Programa Olho Vivo.90Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


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Segurança públicaLevantamento da percepçãodo medo e do crime emSanta CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra eDaniel Bernardo da Silva FilhoAldo Antônio dos Santos Júnior é mestre em Relações Econômicas e Sociais Internacionais.a2067@ibest.com.brLuis Henrique Dutra é pós-graduado em Gestão Estratégica da Segurança Pública.tcdutralh@hotmail.comDaniel Bernardo da Silva Filho é pós-graduado em Gestão da Segurança Pública.capitaodaniel@yahoo.com.brResumoO presente estudo tem por finalidade identificar o medo do crime nos seis municípios integrantes das mesorregiõesdo Estado de Santa Catarina, por intermédio de uma pesquisa de cunho teórico-empírica, do tipo exploratória ou demulticasos, que empregou uma análise de dados quantitativa. Dos resultados pode-se asseverar que, em diversasdimensões do medo do crime, será imperativo que, nas organizações policiais, se tomem decisões para a procurado atendimento desses anseios. Por último, assinala-se que o medo do crime no Estado de Santa Catarina estácorrelacionado, precisamente, com variáveis de caráter psicossociológicas, de complexa aferição, concluindo-se que,nos referidos municípios paira a impressão do medo do crime em algumas dimensões empregadas nesta pesquisa,necessitando, desta forma, repensar algumas diretivas para melhorar a sensação de segurançaPalavras-ChaveSegurança pública. Medo do crime. Política de segurança pública. Sensação de segurança.94Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Para a existência de uma sociedade saudável,será fundamental se dispor deinformações isentas de tendenciosidades, baseadasem fatos reais para se evitar o estresse,possibilitando levar as pessoas e a comunidadeexistencial a uma qualidade de vida melhor.A escalada da violência influencia de maneirasubstancial nas políticas públicas, mormentenos países mais desenvolvidos, onde acidadania é exercida com maior intensidade.Nesta direção, Rolim (2006) sublinha que,quanto aos dados para o estudo do crime e daviolência, a situação é caótica, não se dispondo deinformações elementares que permitam a realizaçãode uma análise baseada na realidade, acercadas tendências criminais em curso, e tampoucode informações que possibilitem medir a eficáciade ações que são empreendidas pela polícia.O medo contribui para a geração de cautela,que, por sua vez, serve como segurançae proteção. Quando extrapolado em certo limite,o mesmo medo deteriora a qualidade devida das pessoas (DANTAS, 2002).Grande parte das pessoas não percebe a realidadedo problema do crime ou a denominadacriminalidade de massa, em sua predominânciaholística, e que incide amplamente sobre opatrimônio material, na forma de freqüentes epequenos atos delinqüentes, como no caso dosfurtos. Diametralmente oposto, a comunidadeem geral é constantemente submetida às informaçõessobre crimes e problemas, tais comohomicídios, seqüestros, roubos à mão armada,tráfico de entorpecentes, entre outras ações delinqüentes,mesmo com pouca freqüência, masde grande impacto social pela violência com quesão perpetradas.Por exemplo, somente uma pequena parcelada população preocupa-se com o infortúnio deser acidentado durante o itinerário para o trabalhoou viagens conduzindo seu veículo, desconhecendoque os acidentes de trânsito fazemmais vítimas do que os homicídios por meio doemprego das armas dos mais diversos tipos nasmãos de assaltantes.Segundo Rolim (2006), as organizaçõespromovedoras de mídia que tratam do crimepodem ser tendenciosamente disseminadas,possuindo diversas intenções: entreter com oque está fora do comum; explorar a curiosidadepública sobre um grave problema social;granjear simpatias ou promover antagonismospolítico-eleitorais; e desestabilizar ou desmoralizaro poder público, que mantém, em geral,políticas públicas reativas para o setor.Para melhor explorar essas idéias, elaborouseeste trabalho caracterizado como sendo decunho teórico-empírico, apresentando traçosdo tipo estudo de multicasos, ou, ainda, pes-Segurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública95


Segurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva Filhoquisa exploratória, em que se emprega a técnicade análise de dados meramente quantitativa.Procurou-se efetuar um levantamento porintermédio de uma pesquisa de campo nos seismunicípios integrantes de cada mesorregião doEstado de Santa Catarina, os quais constituem ocentro de maior importância política, econômicae social, quais sejam: Florianópolis, Joinville, Criciúma,Chapecó, Lages e Balneário Camboriú.Com fulcro nessa demarcação, buscou-seresponder à seguinte questão: como está caracterizadoo medo do crime no Estado deSanta Catarina?Por fim, esta pesquisa está estruturada do seguintemodo: levantamento do medo do crimeno contexto de uma tendência sistêmica; contextodo medo do crime, estudos e definições;variáveis intervenientes no medo do crime e olevantamento do medo do crime no mundo.Material e métodoO método utilizado, nesta pesquisa, foio de multicasos, uma vez que se identificoue se caracterizou, em mais de uma unidademunicipal, o maior número possível de informaçõesdetalhadas sobre a problemática referenteàs variáveis selecionadas, que integramo medo do crime.A população envolvida na presente pesquisacorresponde a 1.499.552 indivíduos,residentes na área urbana delimitada nos seismunicípios integrantes de cada mesorregião doEstado de Santa Catarina, que representam avariedade das culturas existentes.Portanto, empregando-se a fórmula de Barbetta(1998), obtém-se uma amostra de 666pessoas, distribuídas proporcionalmente doseguinte modo: 172 em Florianópolis; 195 emJoinville; 90 em Criciúma; 80 em Chapecó; 79em Lages; e 45 no Balneário Camboriú.Com esse tipo de amostra utilizada atingir-se-áo intervalo de confiança de 96%, oqual permite uma margem de erro sobre osresultados obtidos no total da amostra de até4 pontos porcentuais, para mais ou para menos,sendo permitido um erro de estimaçãode até 4%.As informações foram colhidas a partir dedados secundários e primários, ou por meio deum questionário para a coleta de dados, compostopor 24 questões, empregando-se, paratanto, a escala de avaliação verbal, sendo que16 questões compreenderão a escala de 1 a 4,para se levantarem as atitudes, a serem aplicadasjunto à amostra selecionada.Os dados secundários foram obtidos a partirda Central de Emergência 190 da PolíciaMilitar do Estado de Santa Catarina.Simultaneamente, a ferramenta para acoleta de dados foi submetida a um testepiloto,envolvendo cinco respondentesescolhidos junto à população envolvida nestainvestigação.Por último, cabe ressaltar que o modeloempregado de instrumento para a coleta dedados foi adaptado da Safer Communities Partnership,organização de origem inglesa, com otítulo Fear of Crime Snap-shot Survey.96Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


A pesquisa adota uma natureza de análisede dados fundamentalmente quantitativa. Ométodo de análise empregado na estatística foio descritivo, visando proporcionar informaçõessumarizadas dos dados contidos no totalde elementos da amostra, empregando-se, paratanto, a planilha Excel.uma visão da organização obtusa, preocupandose,essencialmente, com o planejamento interno.A perspectiva da visão sistêmica amplioua concepção anterior, afirmando que o focodeveria ser dado às interações organizacionais,clientes, concorrentes, fornecedores, governo,ONGs, entre outros.Segurança públicaMarco teóricoA tendência sistêmica e o levantamento do medodo crimeO tema, alvo do presente estudo, apóia-seno pensamento sistêmico, segundo o qual a organização,para sua sobrevivência, desenvolvimentoe manutenção de um nível de aderênciasatisfatório com o ambiente total, deve levantar,de modo permanente, as conjunturas quepreponderam e influem em sua vereda.Entende Maximiano (2002), por complexidade,a vultosa gama de problemas e variáveisque interagem numa situação. A complexidadeé maior, quanto maiores são seus problemas.Constitui uma postura relevante para os diretoresdas organizações uma visão sistêmica quefacilite a compreensão do todo. Morgan (1996)afirma que os antigos administradores possuíamAssegura Maximiano (2002, p. 356) que o“sistema é um todo complexo ou organizado; éum conjunto de partes ou elementos que formaum todo unitário ou complexo”.Sobre a perspectiva ambiental, Ansorff (1983)comenta que a crescente complexidade das incumbênciasda sociedade e a transformação dosvalores sociais levaram à certeza de que os modelosorganizacionais históricos deixaram de responderàs demandas sociais. O autor realiza severas críticasaos paradigmas burocráticos que predominamnas organizações, principalmente nas públicas.Para Maximiano (1997), uma organizaçãointegra um conjunto de partes, interagentes e interdependentes,sendo que cada parte ou elementopode possuir seus próprios objetivos. Ainda segundoo autor, alguns estudiosos apresentam trêssistemas: o social, o estrutural e o tecnológico,conforme apresentados na Ilustração 1.Levantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoIlustração 1Tipos de sistemas que remontam as organizaçõesSistema EstruturalGrupos formaisEstruturaPessoasProcedimentosSistema SocialCulturaGrupos informaisSentimentosValoresSistema TecnológicoTecnologiaConhecimentosExperiênciaFonte: Adaptado de Maximiano (1997, p. 247).Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública97


Segurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoO ato de investigar os agentes que constituemo macroambiente, como levantar o medodo crime, constitui um esforço de compreenderas demandas sociais e, por conseguinte, o caminhode uma visão mais sistêmica (SANTOS Jr.;HENRIQUE, 2004; SANTOS Jr., 1999).Afirmam Kotler e Roberto (1992) que o mapeamentodo meio ambiente possibilita aos especialistaspreverem alterações nele e, conseqüentemente,operarem sua adaptação, de modo oportunoe ordenado, à mudança no ciclo de vida dosprogramas que existem nas organizações.Alguns estudos nacionais, mesmo que raros,esclarecem ou definem categoricamenteas duas variáveis crime e medo do crime, porém,a literatura internacional é ampla sobreeste tema.Definições e terminologia são empregadasconjuntamente para abordar a questão,gerando, por sua vez, algumas confusões quecomumente acontecem quando se trata dedefinições correlatas ao crime, medo do crimee vitimização.De acordo com esta pesquisa, denota-se que,em diversos países, tanto da Europa como daAmérica do Norte, anualmente, são avaliados, porintermédio de levantamentos, o medo do crime, avitimização e a percepção acerca da polícia.Em razão da relevância do tema, surgiramalguns trabalhos de pesquisa ligados à área, taiscomo: Feiguin e Lima (1995); Brady (1996);Ditton e Farrall (1999); Howard (1999); Noronha(2000); Lane e Meeker, 2000; Warr(2000); Cerqueira e Lobão (2003); Batista(2003); Giblin (2003); Cerqueira (2003);Kuhlman (2003); Neto e Ricardo (2004);Dijk, Manchin, Kesteren, Nevala e Hideg(2005); Cruz (2006).De acordo com a Escola de Criminologiae Justiça Criminal da Flórida (2006, traduçãonossa), existem quatro linhas para a realizaçãodo levantamento do medo do crime e relatosde sua percepção, quais sejam: medo do crime;percepção do risco do crime; percepção daaplicação da lei; e percepção do jovem acercado crime e justiça.O medo do crime passou a integrar a realidadee o imaginário da coletividade que, a partirde experiências concretas ou não, passou a produzire reproduzir o que Caldeira (2000) e Augusto(2002), denominaram de fala do crime.Feiguin e Lima (1995) afirmam que os indivíduose as instituições moldam seus comportamentosà nova realidade e reorientam-seno sentido de conviver com o medo e a insegurança,e sob a tensão e na expectativa de seremvítimas de ofensas criminais.Afirmam Dijk, Manchin, Kesteren, Nevalae Hideg (2005) que, quanto maior o potencialofensivo do crime sofrido pelas pessoas, maior éa freqüência da divulgação para a polícia e, porconseguinte, para os demais integrantes do sistemapenal.Asseguram Alemika e Chukwuma (2005)que a vitimização criminal acarreta sérias conseqüênciaspara uma sociedade, tanto em nívelindividual como coletivo, prejudicando a democracia,o desenvolvimento e os direitos humanos,e reduzindo a qualidade de vida. Segundo Lane e98Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Meeker (2000), medo do crime é complexo e aspessoas o temem de maneiras diferentes.As constantes mudanças de endereço daspessoas causam circunstâncias desordenadas,que podem elevar o medo do crime, uma vezque dificulta, por parte da polícia, maior controleacerca dos moradores (Taylor, 1999).Santos Júnior (2000) comenta que, além doreal crescimento da criminalidade causado pelaausência do Estado, evidenciou-se a evolução domedo do crime. Diante dessa conjuntura começarama surgir demandas, como maior efetividadena segurança pública, mais presídios, maiorrepressão à criminalidade, ainda que de formapouco democrática.Os estudos sobre crime e violência, noBrasil, ascenderam após a década de 70, tendosido ampliado seu debate acerca dos significadose sentidos que tais conceitos têm seconcretizado na sociedade.Algumas instituições oficiais – Crisp, Senasp– mostram que, na década de 90, o Brasilfoi marcado pelo crescimento das taxas decriminalidade e, por conseguinte, pelo recrudescimentodo medo do crime. Em relação àstaxas de homicídios, houve um aumento de26,4%, variando de 20,9 para 28,4 óbitos por100 mil habitantes, entre 1991 e 2002.De acordo com as instituições citadas,localizadas na Região Metropolitana de SãoPaulo, ocorreu um brutal aumento das taxasde roubo a mão armada, variando de 269,05eventos por 100 mil habitantes, em 1981,para 562,63, em 1991, e para 879, 79, em2002, ou seja, um crescimento de 69,42%no período.Segundo Santos Júnior (2000), vários estudose documentos relatam a inexistência, no país,de sistemas integrados de informações criminaispara melhor se aferir a questão, tanto do pontode vista quantitativo como qualitativo.Para Lane e Meeker (2000), nem sempre avitimização, ou o risco de estar sujeito ao crime,proporciona maior medo do crime nas pessoas,mas também em razão de outras variáveis, comofatores étnicos e culturais.Ações como aumento de penas, redução damaioridade penal, criminalização de um maiornúmero de conduta, uma polícia mais firme eprisão sem direitos passaram a compor significativamentea retórica de certos políticos, porém,as verdadeiras causas não foram tangenciadas(SANTOS Jr., 2000).Esses movimentos pouco contribuírampara a redução do crime e do medo do crime,até a inclusão de modernas tecnologias que enfocama prática da segurança pública de modomais complexo.O crescimento da criminalidade representao aumento de conflitos sociais. Na análise dofenômeno da criminalidade, não basta o levantamentosobre as violações à lei, sendo essencialuma investigação das variáveis culturais, antropológicas,sociológicas, econômicas e políticas,conforme sublinha Carrillo (2002, p. 40):La comprensión de los conflictos socialesy de sus consecuencias requiere de investigacionescon conceptos diferentes deSegurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública99


Segurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva Filholos de la dogmática jurídica y el derecho.Sólo así será posible solucionar el conflictosocial y contener sus síntomas. Convieneconcentrarse en la prevención de los conflictossociales y en la urgencia de establecermedidas necesarias y suficientes para queno se repitan, sanear el ambiente social condecisiones y acciones tendientes a la desapariciónde las causas que los producen ysimultáneamente atacar los sintomas.Os valores morais e éticos defendidos pelafamília, escola e igreja, hoje em estado de deterioração,anteriormente constituíam o suportepara uma estruturação social mais harmônicanas relações entre as pessoas.Finalmente, para encerrar esta parte, afirma-seque políticas de segurança pública nãopodem se limitar às respostas pontuais parademandas apaixonadas, politiqueiras por combateà criminalidade e não devem se reduzir aalterações legislativas e de endurecimento dasações dos órgãos de controle do crime, mas,sim incorporar, principalmente, a idéia de prevençãoe repressão ao crime.O contexto e a caracterização do medo do crimeDos levantamentos acerca da revisão naliteratura, destacam-se as seguintes referênciasque poderão consolidar os conceitos:Stavrou (1993); Scott (2003); Williams,Mcshane e Akers (2000); Romer, Jamiesone Aday (2003); Hart e Wilson (2005), entreoutros artigos.O crime causa uma série de perdas políticase econômicas para a democracia e o capital social.Segundo Christmann e Rogerson (2004),deve ser bem assinalada na agenda política aprioridade na execução do policiamento, procurandoum melhor indicador de desempenhopara as autoridades locais.Para qualquer pessoa ou grupo social ousocioeconômico, o medo do crime constituium tópico importante para se identificar, poisseus efeitos, tanto psicológicos como sociais,podem ser dramáticos (MORLEY, 2004).De acordo com o governo inglês, o medodo crime afeta muitas pessoas e necessita sertratado com seriedade. A maioria das pessoasque possuem tal percepção não foi vítima dequalquer ato delinqüente, porém resguardaum alto temor (Reneval 2006).O medo do crime deteriora a qualidade devida e tem sido comumente estudado em muitospaíses, como Austrália, Inglaterra e EstadosUnidos (DANTAS, 2002).Segundo Cerqueira e Lobão (2003), existemduas causas para se explicar o evento docrime: os motivos intrínsecos ou os individuais;e os processos que levam as pessoas a setornarem criminosas.Lamentavelmente com um sistema pauperizadoe distanciado da natureza social, como comentaZackeski (2000), a realidade contempla que acrise do sistema de justiça penal, de conformidadecom a análise histórica e social de Alessandro Baratta,pode ser condensada na afirmação de queo sistema apresenta-se inadequado em relação àssuas funções declaradas, ou seja, a pena não cumpremais sua finalidade, não havendo, desta forma,a função de prevenção da criminalidade.100Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Segundo Dantas (2002), sofremos de insegurança.É necessária a provisão de melhoresserviços de segurança pública, mudando oconceito para defesa social, com um sistemaque integra a repressão com a prevenção dacriminalidade, em que os artífices deste modelosejam todos os demais órgãos públicos, demodo integrado com a comunidade.Acerca do subsistema polícia, assegura Lima(2002, p. 243, grifo nosso):A atividade policial, assim, permanecepouco explorada e obscura para a maioriadas pessoas. Vive, na verdade, nas trevasda indiferença, sendo invocada apenas nosmomentos críticos, quando, diante da gravidadedos problemas sociais, é chamada aresolver tudo que lhe estipulem a forma elhe concedam os meios necessários.Afirma Souza (2003) também: a ausênciade uma política penal consistente e adequadaao contexto social leva a polícia a influenciar aspessoas, vitimizadas ou não, que queiram prestaruma queixa, a não registrá-la quando o casonão tem importância, ou quando ela é incapazde apresentar uma solução adequada.Além disso, Cerqueira e Lobão (2003), numtrabalho desenvolvido no Ipea, procuram respondera seguinte questão: como identificar políticaspreventivas para garantir a paz social, a partir daconjugação de políticas sociais (estruturais oucompensatórias) focalizadas regionalmente e depolíticas relacionadas ao sistema de justiça criminal?Os autores buscaram identificar as variáveisfundamentais que expliquem a criminalidade, deacordo com o marco teórico específico, apresentandoo modelo delineado a seguir.Ilustração 2Projeto de pesquisa – Planejamento estratégico da segurança pública e osdeterminantes do crimeSegurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoCondiçõessociaisViolência ecriminalidadeConsequênciasDeterminantesSistemarepressivoPolíticas preventivas (globaisou focalizadas especialmente):- Sociais:Estruturais;Compensatórias;- RepressivasPolíticas saneadoras:Saúde; ...Fonte: Cerqueira e Lobão (2003, p.2).Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública101


Segurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoPara Romer, Jamieson e Aday (2003, traduçãonossa), a mídia influencia decisivamenteno aumento ou decréscimo do medo docrime, a partir das notícias veiculadas pelaimprensa televisada.O tema medo do crime, no Brasil, requer,ainda, um tratamento mais amadurecido, pois,lamentavelmente, mesmo com a envergadura dosproblemas constantes do sistema penal, a temáticaordem pública não se encaixa como meta prioritáriapara a promoção da qualidade de vida.Declara Bandeira (2003, p. 5), da culturado medo:[...] criminalistas podem percebercom antecipação tempos sombrios, porquedispomos de uma antena muito sensível:a demanda de repressão penal. Oemprego inflacionário do sistema penal éo sinal que nos adverte para uma intranqüilidade,um medo social [...].Avança Shaftoe (2004, tradução nossa),definindo o medo do crime como sendouma emoção, um sentimento de dano,real ou imaginário; o medo também podeser mais geral e estar ligado a um conjuntode outras coisas. Ele se encontra na cabeçadas pessoas, exteriorizando um complexo desintomas, suor, sentimento de frio ou quente,falta de concentração, boca seca e faltade apetite.O medo do crime se reveste de uma representaçãosocial do meio, ou seja, é uma formade pensar, interpretar e proporcionar um sentidopara a realidade.Assegura Warr (2000) que, apesar dedécadas de investigações sobre o medo docrime, até há pouco tempo o conceito foicomparado a uma variedade de estados emocionais,de atitudes, ou de percepções, ansiedade,risco percebido, medo do desconhecido,vizinhança se deteriorando e os valoresmorais em declínio.Na agenda dos administradores públicosdos países mais desenvolvido, diversas açõestêm sido envidadas para se medir o medo docrime e operacionalizar medidas para tranqüilizaro público, reduzindo o medo do crime(SHAFTOE, 2004, tradução nossa).De acordo com Giblin (2003), Hoare eRobb (2006), os levantamentos acerca do crimesão fundamentais para a formulação depolíticas de justiça criminal e estabelecimentode programas de prevenção e intervenção e desenvolvimentoda teoria criminal.Acerca do sentimento de insegurança, Frias(2004, p. 3, grifo nosso) relembra: “O medodo crime manifesta-se, sobretudo, em comportamentosde proteção do domicílio ou medidascautelares em face da vitimização, sendo expressona primeira pessoa: tenho medo de ser assaltadoou não me sinto seguro na rua à noite”.Os exames sobre o medo são fundamentaispara o conhecimento da realidade e, por conseguinte,para aferir se os programas de intervençãoe as políticas de segurança pública sãorealmente efetivos.Comenta Giblin (2003), num levantamentopromovido pelo Departamento de Estatísti-102Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


ca da Justiça, da University of Alaska Anchorage,que o medo do crime não mudou em relaçãoaos anos anteriores.Por último, outros focos de investigaçõesrecentes sobre o medo do crime estão nos esforçosem explicar porquê as pessoas com riscode vitimização maior possuem maior medo docrime (JODI; LANE; MEEKER, 2000).As variáveis componentes do medo do crime e olevantamento do medo do crimeOs diversos modelos de levantamento domedo do crime possuem suas peculiaridades,ou seja, suas características próprias empregadaspara um determinado contexto cultural;ressalta-se que algumas características são comunsnos diversos países.Os instrumentos para a coleta de dadosprocuram abranger a vizinhança e as cidadesonde residem as pessoas envolvidas nas pesquisas,identificando o perfil (sexo, raça, idade) e,na seqüência, os diversos contextos da realidadesocial das pessoas.(1999); Florida Department Of JuvenileJustice (1998).Grande parte dos instrumentos trata dasseguintes variáveis: evitar estar sozinho; desconsiderarrotas longas nos estacionamentos;evitar sair sozinho à noite; carregar menos dinheiro;deixar as luzes acesas em casa; evitar lugarescom pouca iluminação; possuir um cão; ecolocar alarmes em casa.É comum na União Européia, para a implantaçãode estratégias para a redução do crimee da desordem, o estabelecimento de focosde atuação das instituições.Segundo a Community Safety Strategy forFenland (2005), o coração da estratégia para aredução da criminalidade e da desordem está estribadoem cinco molas mestras: medo do crime;crimes violentos e comportamentos anti-sociais;violência doméstica; drogas e álcool; e avançoda delinqüência e outras prioridades. Esta organizaçãoafirma. que o nível do medo do crimedeve ser proporcional aos níveis de crime.Segurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoOs componentes que integram o conceitomedo do crime podem ser observadosna seguinte bibliografia: Community SafetySurvey (2006); Kara e Upson (2006); Walker(2006); National Statistics (2006); CleenFoundation (2005); Hart e Wilson (2005);Farrall, Jackson e Gray (2005); Tempe PoliceDepartment Citizen Survey (2005);Boise State University; Ada County Sheriff’sOffice (2005); Morley (2004); Blake(2004); Shaftoe (2004); Ross (2003); Giblin(2003); Christmann e Rogerson (2004);Taylor (1999); Howard, Webster e VernickConcebem Alemika e Chukwuma (2005)que, para o exame do crime, se envolve umaamostra da população. Os autores afirmamque a percepção de segurança ou insegurançaestá relacionada com as seguintes variáveis:aspecto vicinal, qualidade física e ambiental;composição da população; nível de desempregoe serviços sociais; e presença e eficácia dosórgãos de controle social.Para Warr (2000), os acontecimentos criminaischamam a atenção das pessoas, impactando-as.Esse fato acontece em razão da ên-Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública103


Segurança públicafase que a mídia dá para tal evento, realçandoa idéia de que a vida é tênue e frágil e que omundo não é um lugar seguro.É importante considerar, na equação, o potencialde algumas organizações que veiculama notícia, pois esta variável pode influenciarsobremaneira no aumento do nível do medodo crime.Segundo Christmann e Rogerson (2004), aredução do medo do crime constitui uma prioridadeda agenda dos políticos, uma vez queessas autoridades locais são avaliadas tambémcom base nesse indicador.britânico, o levantamento do medo do crime éfundamental para se tecerem estratégias de açãopara redução do crime e da desordem, porém éimpossível evitar que os crimes aconteçam.Apresentação, análise e interpretaçãode dadosPerfil das pessoas entrevistadasNa pesquisa realizada nos seis municípiosque integram as mesorregiões de Santa Catarina,a amostra é composta por 43% de mulherese 57% de homens, o que se apresentarelativamente proporcional para os gêneros.Somente se constrói uma sociedade maisequânime e com um bom nível de desenvolvimentosocial quando se pode andar pelas ruascom a tão procurada sensação de segurança, ouquando se tem a certeza de que o medo do crimeestá sendo reduzido (SANTOS Jr.; HEN-RIQUE, 2005, p. 135).Gráfico 1Distribuição das pessoas entrevistadas,segundo sexoO conhecimento sobre o nível do medodo crime poderá facilitar o poder público nosseguintes aspectos, primordialmente: conhecero que causa o medo do crime; compreenderquais são os serviços indispensáveis e realizarparcerias para a redução do crime e da desordem;montar um processo simples para a reduçãodo medo do crime; descrever alguns métodospara reduzir o medo do crime; e identificaro que pode ser usado para reduzir o medo docrime em um dado território.Para o Research Development and Statistics(2005) e o South Bucks Community Safety Strategy(2005-2008), órgãos integrantes do governo43% 57%Fonte: Coleta de pesquisa do autorQuanto à faixa etária, os entrevistados sedistribuem da seguinte forma: 23% de 18 a 23anos; 25% de 24 a 29 anos; 16% de 30 a 35anos; 16% de 36 a 41 anos; 14% de 42 a 47anos; e 6% de 48 anos ou mais (Gráfico 2).104Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Gráfico 2Distribuição das pessoas entrevistadas,segundo faixa etária14%6%23%Gráfico 4Distribuição das pessoas entrevistadas,segundo condição de possuir filhoSegurança pública16%16%25%43%57%Fonte: Coleta de pesquisa do autorFonte: Coleta de pesquisa do autorCom base no Gráfico 3, denota-se que 37%das pessoas são solteiras, 7% são divorciadas,5% pertencem ao grupo de outros (pessoa semfamília ou ainda em indefinição quanto ao regimede casamento) e 51% possuem família.Entre os entrevistados, 57% têm filhos e 43%não possuem (Gráfico 4).No que se refere ao nível de escolaridade,6% das pessoas entrevistadas possuem o ensinofundamental, 60% têm o ensino médio, 24%estão cursando o ensino superior, 8% já terminaramo ensino superior, 2% possuem especializaçãoe apenas dois entrevistados possuemmestrado (Gráfico 5).Gráfico 3Distribuição das pessoas entrevistadas,segundo estado civilGráfico 5Distribuição das pessoas entrevistadas,segundo nível de escolaridade7%5%37%51%Fonte: Coleta de pesquisa do autorFonte: Coleta de pesquisa do autorAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública105


Segurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoDados do levantamento do medo do crimeQuanto ao medo de ter a casa arrombada, oGráfico 6 mostra que, em todos os municípiospesquisados, os quais integram as diferentespeculiaridades culturais, políticas, geográficas,entre outros vetores, as pessoas têm esse tipo demedo, caracterizando fortemente uma tendênciade simetria à direita.Gráfico 6Pessoas entrevistadas, segundocondição de ter medo de ter acasa arrombadaMunicípios das Mesorregiões de Santa Catarinapor ação de vândalos, uma orientação forte àsimetria à direita, ou seja, as pessoas estão bastantepreocupadas e razoavelmente preocupadasem serem lesadas neste tipo de crime.Gráfico 7Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter medo de ter seu veículo quebradopor ações de vândalosMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaFonte: Coleta de pesquisa do autorFonte: Coleta de pesquisa do autorVerifica-se no Gráfico 7, com relação à categorizaçãodo medo de ter o veículo quebradoCaracteriza o Gráfico 8 uma forte tendênciaà direita, corroborando os resultados obtidosno Gráfico 7, em razão da correlação devariáveis, indicando que as pessoas possuemmedo que seu veículo seja roubado.106Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Gráfico 8Pessoas entrevistadas, segundocondição de ter medo de ter seuveículo roubadoMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaGráfico 9Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter medo de ser vitimizado por vandalismoou dano em sua propriedadeMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaSegurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoFonte: Coleta de pesquisa do autorEntre os municípios pesquisados, verificaseque em Joinville, Florianópolis, Criciúma eBalneário Camboriú há uma forte orientação àsimetria à direita, no que se refere ao medo deser vitimizado por vandalismo ou danos em suapropriedade, enquanto em Lages e Chapecó asituação não é tão discrepante em relação à escalaadotada. Em Lages a freqüência de pessoasque estão muito preocupadas e a daquelas queestão razoavelmente preocupadas são bem próximas,de modo diferente para Chapecó, onde,apesar de preponderar a simetria à direita, aspessoas estão razoavelmente preocupadas.Fonte: Coleta de pesquisa do autorCom base no Gráfico 10, percebe-se que háuma discrepância entre os municípios quantoà preocupação com os trotes telefônicos. EmJoinville e Balneário Camboriú, caracterizouseuma simetria à direita, enquanto em Florianópolis,Criciúma e Lages houve uma simetriaà esquerda e, em Chapecó, predominaram aspessoas que não estão muito preocupadas comos trotes telefônicos. O gráfico demonstra queexiste divergência de opiniões entre as pessoas,pois, neste tipo de ocorrência, não há comomedir a freqüência que ocorre e o dano queprovoca nas pessoas.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública107


Segurança públicaGráfico 10Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter preocupação com os trotestelefônicosMunicípios das Mesorregiões de Santa Catarinaà direita, ou seja, as pessoas estão com medo deserem vitimizadas, sendo alvo dos punguistas(Gráfico 12).Gráfico 11Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter preocupação com as drogasrelacionadas com incidentes criminaisMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoFonte: Coleta de pesquisa do autorO Gráfico 11 mostra que, nos seis municípiospesquisados, as pessoas estão muito erazoavelmente preocupadas com o fato de asdrogas estarem relacionadas com os incidentescriminais. Essa preocupação é em decorrênciade as drogas lícitas ou ilícitas serem, na maioriados casos, responsáveis pelos acidentes de trânsitoe ocorrências de crimes e contravenções.Com relação à dimensão medo dos roubos/furtos, verifica-se que, em todos os municípios,apresentou-se maior freqüência para a simetriaFonte: Coleta de pesquisa do autorO Gráfico 13 mostra que existem discrepânciasentre as posições, com referência à preocupaçãocom que as pessoas bêbadas causem aborrecimentoà noite. Em Joinville ocorreu uma forte simetriaà direita, enquanto em Florianópolis houveuma relativa simetria à esquerda, com maiorfreqüência para a escala representativa das pessoasque não estão muito preocupadas, apresentando108Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


uma tendência bimodal. Já em Criciúma e BalneárioCamboriú, apresentou-se uma mesma orientaçãoà simetria à direita, caracterizando o medodo crime nesta modalidade. Em Chapecó e Lageshá semelhança dos resultados, sendo que as pessoasestão dividas em suas posições com relação àssimetrias da escala de valores adotada.Gráfico 13Pessoas entrevistadas, segundo condição deter preocupação com pessoas embriagadasque lhes causem aborrecimento à noiteMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaSegurança públicaComparando-se os dados que ilustram osGráficos 13 e 14, percebe-se que as pessoas têmmais temor de serem aborrecidas pelas pessoasembriagadas à noite do que de dia.Gráfico 12Pessoas entrevistadas, segundocondição de ter preocupação como roubo nas ruasMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaFonte: Coleta de pesquisa do autorLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoFonte: Coleta de pesquisa do autorNo Gráfico 14, há discrepâncias relativamentesemelhantes às do gráfico 13: em Joinville, háuma tendência à simetria à direita; em Florianópolisocorre uma forte orientação à simetriaà esquerda, apresentando tendência bimodal;em Criciúma, verifica-se uma orientação contraditória,em posições de não muito preocupadoseguido da tendência de muito preocupado; emChapecó, ocorre uma tendência central; em Lagesexiste uma posição à simetria à esquerda; e,em Balneário Camboriú, uma tendência centralàs simetrias, preponderando a orientação de estarrazoavelmente preocupado.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública109


Segurança públicaGráfico 14Pessoas entrevistadas, segundo condição deter preocupação com pessoas embriagadasque lhes causem aborrecimento de diaMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaGráfico 15Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter preocupação com outros tipos deataques violentosMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoFonte: Coleta de pesquisa do autorFonte: Coleta de pesquisa do autorCom relação à preocupação com outrostipos de ataques violentos (Gráfico 15),observa-se uma forte tendência à simetriaà direita, demarcando que, em Chapecó eLages, preponderou uma orientação para acategoria razoavelmente preocupado. Essadimensão do medo do crime é provocadanas pessoas mais pelo impacto causado, porintermédio da divulgação, do que pela freqüênciaem que acontece.O Gráfico 16 mostra uma forte tendência àsimetria à direita, ou seja, as pessoas estão muitopreocupadas com a violência no trânsito, devidoao grande número de pessoas que são vitimizadasem conseqüência de acidentes de trânsito.110Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Gráfico 16Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter preocupação com a violência notrânsitoMunicípios das Mesorregiões de Santa Catarinapendendo para uma orientação à categoriade razoavelmente preocupado.Gráfico 17Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter preocupação em ser desrespeitadoou chateado por vizinhosMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoSegurança públicaFonte: Coleta de pesquisa do autorRevela o Gráfico 17 que, em Joinville eFlorianópolis, há uma maior freqüência paraa posição de não muita preocupado com aperturbação com os vizinhos. Em Criciúmaapresenta-se uma tendência central, porémpreponderando a mesma posição dos municípiosanteriormente mencionados. EmChapecó e Lages, observam-se simetriasopostas: no primeiro à direita e no segundoà esquerda. Finalmente, em Balneário Camboriú,caracteriza-se uma tendência central,Fonte: Coleta de pesquisa do autorVerifica-se, por meio do Gráfico 18, queem Joinville, Criciúma, Chapecó e BalneárioCamboriú as pessoas estão muito preocupadasem serem agredidas sexualmente, enquantoem Florianópolis e Lages há uma simetria à esquerda,caracterizando uma maior sensação desegurança nessa dimensão.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública111


Segurança públicaGráfico 18Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter preocupação em ser agredidosexualmenteMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaGráfico 19Pessoas entrevistadas, segundo condiçãode ter preocupação em ser molestadosexualmenteMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoFonte: Coleta de pesquisa do autorFonte: Coleta de pesquisa do autorExiste uma grande similitude nos resultadosdos Gráficos 18 e 19, ou seja, as variáveisse correlacionam em razão da natureza.Com relação à preocupação em ser agredidodevido à sua cor, raça, religião ou opçãosexual. Observa-se que, em Joinville,Florianópolis, Chapecó e Lages, existe umaorientação a nem um pouco preocupado. Jáem Balneário Camboriú caracterizou-se atendência à simetria à esquerda. Finalmente,em Criciúma, a maioria das pessoas estámuito preocupada com este tipo de delito(Gráfico 20).112Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Gráfico 20Pessoas entrevistadas, segundo condição deter preocupação em ser agredido em razãode sua cor, raça, religião ou opção sexualMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaJá no que se refere à preocupação em serassaltado por causa da sua cor, raça, religiãoou opção sexual, o Gráfico 21 mostra que, emFlorianópolis, Chapecó e Lages, a posição nemmuito preocupado sobressaiu em relação àsdemais categorias, caracterizando a tendênciaà esquerda, enquanto em Joinville e Criciúmaressalta-se a maior freqüência de muito preocupado,seguida de nem um pouco preocupadoe não muito preocupado. No município deBalneário Camboriú, a freqüência está acenandopara a simetria à esquerda.Gráfico 21Pessoas entrevistadas, segundo condição deter preocupação em ser assaltado por causade sua cor, raça, religião ou opção sexualMunicípios das Mesorregiões de Santa CatarinaSegurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva FilhoFonte: Coleta de pesquisa do autorFonte: Coleta de pesquisa do autorConclusãoO levantamento do medo do crime vematender à aferição de uma variável de maior envergadura,que também engloba a sensação deimpunidade, ao célebre e tão almejado concei-Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública113


Segurança públicaLevantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva Filhoto, para a sociedade, primordialmente para osórgãos que compõem o sistema penal, a sensaçãode segurança.A adoção desse instrumento – o levantamentodo medo do crime – se dá por meio do desenvolvimentoe adoção de práticas progressistas emultidisciplinares, eficazmente conectadas com anossa realidade, no âmbito de um contexto dinâmicoe complexo, criando um leque de possibilidadesque contribuirão para o crescimento e odesenvolvimento organizacional.O levantamento do medo do crime poderáindicar um conjunto de tendências que parecemse delinear nas ações para o gerenciamento dasegurança pública e defesa do cidadão de modomais efetivo, quando do estabelecimento de planosde policiamento ostensivo mais apropriadoàs demandas sociais.Os resultados também demonstram umanova conotação que poderá ser adotada pelasdiversas organizações policiais militares e, porconseguinte, contribuir com a Corporaçãocomo um todo, em seu compromisso socialcom a qualidade de vida barriga verde, trazendo,igualmente, ação para reflexões acerca de comoa ferramenta poderá proporcionar um empregomais efetivo dos recursos utilizados, propiciandocaminhos diferentes dos até então trilhados.Nessa adução comprova a proposição destapesquisa teórico-empírica, isto é, levantare sistematizar a análise dessas tendências noâmbito de um enfoque conceitual, que pudessecontribuir para uma compreensão maiscompleta sobre a dinâmica psicossocial, emrazão do medo do crime.A proposição do levantamento do medo docrime, no Estado de Santa Catarina, teve comoalvo contemplar o processo decisorial para a soluçãodos problemas de manutenção da ordem pública,por intermédio do policiamento ostensivo,sob estribos empíricos por intermédio do desenvolvimentode um mapa conceitual, muitos delesbuscados por meio de portais de polícias internacionais,no sentido de facilitar a compreensãodessa ferramenta.Neste estudo de caso, pode ser observadoque, em muitas dimensões do medo do crime,a sociedade barriga verde respondeu de mododiferenciado nos municípios que fizeram parteda amostra.Com referência ao medo do crime no Estadode Santa Catarina, verifica-se que suaocorrência se dá modo semelhante em todos osmunicípios que possuem características idênticas,matizando-se de maneira diferenciada entreos elementos integrantes da amostra, combase nas diversas dimensões que foram eleitaspara o levantamento dentro do que propugnao modelo adaptado na pesquisa.Infere-se que o medo do crime está correlacionadocom um leque de dimensões diversas,do ponto de vista do referencial colhido. Nosmodelos adotados por vários países, diversas variáveispoderão ser levantadas para se aferir esteconstructo, mormente do ponto de vista quantitativo,primordialmente.O conhecimento do medo do crime possibilitao desenvolvimento de uma política de segurançapública mais eficaz. Com base nas novastecnologias integrantes de diversos órgãos po-114Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


liciais internacionais, é fundamental que sejamefetuados levantamentos para se conhecer a realidadee operar com políticas de segurança públicamais efetivas em relação a essa demanda social derelevância para a qualidade de vida.Propugna-se um novo conteúdo que deve serpropiciado no estabelecimento das políticas desegurança pública, para tentar colocar no processouma perspectiva que incorpore diversas preocupaçõesem relação aos aspectos psicossociais,culturais, políticos, sociais e econômicos voltadosà promoção da segurança pública.Assim, são necessárias ações que enfrentemo determinismo dos planos mais baseados noReferências bibliográficasALEMIKA, E. E. O.; CHUKWUMA, I. C. Criminal victimizationand fear of crime in Lagos Metropolis, Nigéria. Cleen FoundationMonograph Series, n. 1. Lagos, Nigéria, 2005. Disponívelem: < www.cleen.org>. Acesso em: 10 set. 2006.cunho estritamente político e no ensaio-erro epassem a eleger processos decisórios conectados aum todo mais sistêmico, de forma que as pesquisas,em geral, se tornem um espaço privilegiadode decisão e também um mediador entre a regulaçãoe a liberdade.Por derradeiro, este levantamento demonstrouque os cidadãos estão relativamentepreocupados com riscos à sua segurançaem situações diversas e em relação acircunstâncias de ordem criminal e estãoagregando ativamente medidas para se esquivardo risco, numa tentativa de reduzirsua exposição às ameaças e formulando estratégiaspara sua segurança.BARBETTA, P. A. Estatística aplicada às ciências sociais.Florianópolis: UFSC, 1998.BATISTA, V, M. S. W. O medo na cidade do Rio de Janeiro.2003. 287 f. Tese. Rio de Janeiro, Universidade doEstado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina, 2003.Levantamento da percepção do medoe do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernardo da Silva Filho Segurança públicaANSORFF, H. I. Administração estratégica. Tradução MárioRibeiro da Cruz. Revisão Técnica de Luiz Gaj. São Paulo:Atlas, 1983.AUGUSTO, M. H. O. Segregação social e violência urbana.Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo,v. 17, n. 48, fev. 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092002000100017&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 09dez. 2006.BANDEIRA, F. T. Atenção! Os tribunais estão admitindoum perigoso precedente para a mutilação dos direitos egarantias fundamentais do homem. Boletim do InstitutoBrasileiro de Ciências Criminais, Rio de Janeiro, ano 11, n.124, mar. 2003.BRADY, T. V. Measuring what matters part one: measuresof crime, fear, and disorder. National Institute ofJustice. ResearchingAction. Part one, U.S. Departmentof Justice. Office of Justice Programs. December 1996.Disponível em: < www.ncjrs.gov/pdffiles/167255.pdf>.Acesso em: 26 set. 2006.CALDEIRA, T. P. R. Cidade de muros: crime, segregação ecidadania em São Paulo. São Paulo: ed. 34, Edusp. 2000.CARRILLO, A. A. P.. Análisis y evaluación de leyes enmateria de prevención delictiva. México, DF: Fondo deCultura Economica, 2002.CERQUEIRA, D.; LOBÃO, W. Determinantes da criminalidade:uma resenha dos modelos teóricos e resultados empí-Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública115


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Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoOs reflexos da nova leide drogas na atuação daspolícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda, Danielle Novaes deSiqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoJosé de Siqueira Silva é mestre em Direito Penal (UFPE), professor de Direito Penal e Processo Penal das Faculdades de Direitoda Fape, da Farec (Recife) e Focca (Olinda), advogado criminalista e, oficial da reserva remunerada da Polícia Militar dePernambuco.jsiqueirajr@yahoo.com.brRodney Rocha Miranda é, secretário de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo, ex-secretário de DefesaSocial de Pernambuco e, delegado da Polícia Federal.rodney.miranda@uol.com.brDanielle Novaes de Siqueira Valverde é mestre em Engenharia de Produção (UFPE), professora do Centro de Altos EstudosPoliciais de Pernambuco e, oficial da Polícia Militar de Pernambuco.danielle.novaes@pm.pe.gov.brFrancisco Valverde de Carvalho Filho é mestrando em Saúde Coletiva (UPE), professor de odontologia da FOP/UPE e oficial daPolícia Militar de Pernambuco.fvcf@speedmais.com.brResumoO consumo de drogas e substâncias afins pelo homem data dos primórdios da humanidade. No entanto, sua relevânciapara a saúde pública e defesa social acentuou-se em meados do último século, quando passou a ser utilizada em massae seu tráfico considerado ilícito, em grande parte dos países. No Brasil, a lei que dispõe sobre medidas de repressão aotráfico ilícito de drogas e prevenção ao uso e à reinserção social de usuários e dependentes é a Lei nº 11.343, de 23 deagosto de 2006, neste artigo referenciada como a nova lei de drogas. Tal dispositivo veio com a proposta de corrigir asfalhas no sistema legal anterior, trazendo no seu bojo novos conceitos, novas figuras típicas e penas mais rigorosas, emcertas ocasiões, e brandas por demasia, em outras. A pesquisa apresentada neste artigo tem como foco principal validara crença de que as polícias estaduais deixariam de atender às ocorrências relacionadas ao consumo de drogas, em facedo abrandamento das sanções impostas aos usuários, dedicando maior esforço operacional ao combate ao tráfico ilícito.Os resultados obtidos mostraram que, nos Estados do Espírito Santo e Pernambuco (universo pesquisado), as políciascontinuam atendendo a essas ocorrências, utilizando os mesmo procedimentos previstos na lei revogada.Palavras-ChaveNarcotráfico. Polícia. Violência. Segurança pública.120Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Ouso de drogas remonta os primórdiosda humanidade. Bebida alcoólica,por exemplo, ainda hoje a mais utilizada, tidacomo a primeira a ser descoberta e a ser consumidapelo ser humano, é referida na históriabíblica e na mitologia greco-romana. A maconhaera utilizada como analgésico já em 1730a.C., sendo seu emprego medicinal uma tradiçãoentre os povos africanos e asiáticos (SILVA;LAVORENTI; GENOFRE, 2006).Baudelaire (1996), entre outros autores,tratou literariamente do tema, em idos de1860, nos ensaios Um comedor de ópio e Opoema do haxixe, na obra Paraísos artificiais,em que apontava os efeitos devastadores dasdrogas, com a autoridade de um usuário e aimprecisão de uma época em que pouco se conheciasobre o fenômeno das drogas.Escritores como Alexandre Dumas Filho,Julio Verne, Zola, Ibsen e Anatole France consumiramo elixir de Mariani, fabricado desde1863, por Ângelo Mariano, químico e comercianteda Córsega, com uma concentração de105 a 210 miligramas de cocaína por copo deelixir ou 35 a 70 por copo de vinho.Tanto o vinho como o elixir eram tidoscomo fortificantes. “Considerando que umaúnica garrafa do extraordinário vinho de Marianigarante cem anos de vida, serei obrigadoa viver até o ano de 2700! Naturalmente,não vejo qualquer inconveniente nisso!”, teriadito Julio Verne, em momento de empolgação(DELPIROU; LABROUSSE, 1988, p.41).Nos conflitos bélicos do século passado, osmilitares no front utilizaram drogas para combatera dor, o estresse, o terror do convíviopermanente com o risco da morte própria, doscompanheiros e até dos inimigos.Foi apenas quando o consumo de drogastornou-se um fenômeno de massas, com evidentesprejuízos à saúde pública e à segurançasocial, após a segunda metade do século XX,que surgiu a preocupação governamental emlegislar sobre o assunto, tratando, de formaespecífica, do combate ao tráfico e da prevençãoao uso.Em 1976, o governo brasileiro editou a Leinº 6.368, que dispunha sobre as medidas deprevenção e repressão ao tráfico ilícito e ao usode substâncias entorpecentes ou que determinassemdependência física ou psíquica.Com 26 anos de vigência, a referida lei jácarecia de mudanças que a adaptassem aos novostempos. Pretendeu-se substituí-la, mas foiapenas modificada pela Lei nº 10.409/2002,em face dos inúmeros vetos a que se submeteuo projeto original, de forma que resultaramincólumes os tipos penais dos seus artigos 12a 19.Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública121


Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoEis que, em agosto de 2006, as modificaçõespretendidas aconteceram realmente,com a Lei nº 11.343, que revogou as anteriores,modificou a nomenclatura, os crimes,as penas, os procedimentos e as concepçõespreexistentes e revogou explicitamente as legislaçõespertinentes anteriores.Uma das modificações trazidas pela novalei foi, de um lado, a drástica despenalizaçãode condutas relacionadas ao consumo de drogase, de outro, o aumento daquelas relativasao tráfico. Esta pesquisa tem como escopoanalisar os reflexos dessas alterações na atividadeoperacional das polícias estaduais, validandoa assertiva de que, em razão do abrandamentoda pena aplicada aos consumidoresde drogas, as polícias passariam a ignorar ascondutas criminosas relacionadas a esse tipopenal, dedicando maior esforço operacionalpara o combate ao tráfico, num prejuízo latenteao sistema de segurança pública.Foram considerados universo de pesquisaos Estados do Espírito Santo e de Pernambuco.Antes da apresentação e análise dos dados,serão expostas as principais mudanças trazidascom a nova lei, tendo como cerne os aspectosde interesse ao objeto estudado. Ao final, serãoexpostas as conclusões dos autores a respeitodos resultados encontrados.Comentários à nova Lei de DrogasConceitos básicos• Tráfico ilícitoO substantivo tráfico, no texto legal, segue-sedo adjetivo ilícito, para distingui-lo de tráficono sentido de comércio lícito.Traficar, contudo, nas transformações semânticasda língua, adquiriu novo significado,um sentido pejorativo que tendea prevalecer. Tráfico, traficar, traficância,traficante são termos que vêm sendo compreendidos,progressivamente, como sinônimosde referência à ilicitude. A AcademiaBrasileira de Letras Jurídicas já registrouessa tendência, quando observou que “apalavra descambou para a acepção de atoilícito” (SIDOU, 2002, p. 851). Aos maisdesavisados, chega a parecer pleonasmo referira tráfico ilícito.• DrogasSob a visão médico-jurídica, conceitua-se“tóxico” ou “droga” como um grupo desubstâncias naturais, sintéticas ou semisintéticas,que podem causar tolerância,dependência e crise de abstinência, estadosestes caracterizados pela compulsãoirresistível e incontrolável que têm suasvítimas de continuar seu uso e obtê-lasa todo custo, pela dependência psíquica,pela tendência a aumentar gradativamentea dosagem da droga e pelo efeitonocivo individual ou coletivo (FRAN-ÇA, 2004).Uma das mudanças terminológicas substanciaisapresentadas pela nova lei está nopróprio termo “drogas”, que vem substituiras expressões “substâncias entorpecentesou que determinem dependênciafísica ou psíquica”, adotadas pela Lei n.6.368/76, e “produtos, substâncias oudrogas ilícitas que causem dependênciafísica ou psíquica, assim elencadas peloMinistério da Saúde”, constantes da Lei122Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


n. 10.409/2002, ambas revogadas explicitamentepela primeira.De acordo com o parágrafo único do art.1º da Lei nº 11.343/2006, são consideradas“drogas” todas as substâncias ou osprodutos capazes de causar dependência,assim especificados em lei ou relacionadosem listas atualizadas periodicamentepelo Poder Executivo da União.em ambiente favorável, sem rupturasafetiva, social ou profissional;- usuário habitual: pessoa que faz usofreqüente, porém sem que haja rupturaafetiva, social ou profissional, nem perdade controle;- usuário dependente: pessoa que usa a drogade forma freqüente e exagerada, comrupturas dos vínculos afetivos e sociais.Não consegue parar quando deseja.Drogas, conflito e violênciaO art. 66 da mesma lei faz uma interpretaçãoautêntica contextual do que sejamdrogas, até ulterior atualização da terminologia,referindo-se ao já citado parágrafoúnico do art. 1º, estabelecendo: “denominam-sedrogas substâncias entorpecentes,psicotrópicas, precursoras e outras sob controleespecial, da Portaria SVS/MS nº 344,de 12 de maio de 1998”.A atualização referida nesse parágrafo háde ser freqüente por conta do surgimentoconstante de novas drogas ou do aprimoramentodas existentes, mercê do progressoininterrupto da ciência, sempre se superandonas pesquisas com resultados porvezes surpreendentes.• Usuário, dependente e traficanteA Organização Mundial da Saúde adotoua seguinte terminologia, no que se refere àclassificação das pessoas por consumo dedrogas (ANDREUCCI, 2006):- experimentador: pessoa que experimentaa droga, levada geralmente pelacuriosidade;- usuário ocasional: pessoa que utiliza umaou várias drogas quando disponíveis ouDe acordo com Silveira (2007), há umadiferença relevante entre o dependentee as outras categorias de usuários.Enquanto o primeiro é compelido poruma necessidade física e psíquica, quaseinvencível, de consumir a droga, chegandoa manifestar sintomas dolorososdecorrentes da interrupção da ingestãoda substância, o usuário ocasional ouhabitual geralmente consome por opção,em momentos de lazer, mantendo intactoseu livre arbítrio para discernir entreusar ou não.Para França (2004, p.310), “o viciado é,antes de tudo, um indivíduo carente detratamento, amparo e afeto e por isso nãopode ser comparado a um criminoso”.Usuário e dependente: trato penaldiverso do traficanteCom a nova lei de drogas, acentuou-seo trato diferenciado ao usuário/dependente,cuja conduta relativa ao artigo 16 da revogadaLei nº 6.368/76 foi retificada no art. 28da nova lei, mantendo-a criminosa, mas comvigorosa despenalização.Os reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública123


Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoDe acordo com o art. 16 da Lei nº6.368/76, aquele que, para uso próprio,adquirisse, guardasse ou trouxesse consigosubstância entorpecente ou que determinassedependência psíquica, sem autorização ouem desacordo com determinação legal ouregulamentar, estaria sujeito a uma pena dedetenção de seis meses a dois anos e pagamentode multa.Por força do art. 28 da nova lei, quem praticaconduta semelhante está sujeito a penasde advertência sobre os efeitos das drogas,prestação de serviços à comunidade e medidaeducativa de comparecimento a programa oucurso educativo.Além da despenalização, o legislador corrigiuuma grande injustiça contida em omissãodo art. 12 da Lei nº 6.368/76, que nãodistinguia traficante de usuário, quer no caput(“fornecer ainda que gratuitamente,[...]ou entregar, de qualquer forma, a consumosubstância entorpecente ou que determinedependência física ou psíquica”) quer no incisoII do § 1º (“semeia, cultiva ou faz a colheitade plantas destinadas à preparação deentorpecente ou de substância que determinedependência física ou psíquica”).tratava do tráfico e crimes assemelhados compenas altíssimas.No entanto, por analogia e para não cometeruma injustiça, o intérprete enquadrava talconduta na moldura do tipo do art. 16, quenão a cabia, mas previa outra semelhante, emvez de subsumi-la ao tipo do art. 12, § 1º, II,a que se ajustava com evidente desproporçãoda sanção penal cominada para o comportamentosemelhante. Tratava-se, de acordo comCapez (2007), de peculiar e única hipótese deanalogia em norma incriminadora.Bizzotto e Rodrigues (2007, p.11) afirmamque:vitimizar o usuário/dependente e demonizaro traficante por meio dos estigmas“prevenção” (usuário) e “repressão” (traficante)impede que sejam encontradosmelhores caminhos. Não poucas vezes,as figuras se confundem e acabam sendoaprisionadas pelas ciladas da vida. Cumpreressaltar que em diversos artigos destalei são detectados instrumentos subliminarescom carga ideológica que visamproteger as pessoas mais abastardas (taxadascomo usuários) e chicotear os excluídos(taxados de traficantes).Assim, na vigência da lei anterior, emborahouvesse o art. 16 que penalizava brandamentea conduta daquele que adquirisse, trouxesseconsigo ou guardasse droga para uso próprio,quem a semeasse, cultivasse ou colhesse parauso próprio, ou o marido, por exemplo, quelevasse a droga para casa e a fornecesse gratuitamenteà mulher para a consumirem juntos,cometeria a conduta tipificada no art. 12, queConstituir-se-ia uma ideologia da diferenciação,no dizer de Carvalho (2007), que sobreos culpados recai o discurso jurídico que defineo estereótipo criminoso, passando a seremconsiderados corruptores da sociedade. Sobre oconsumidor, devido à sua condição social, incidiriao discurso médico, consolidado pelo modelomédico-sanitário em voga na década de 50,que difunde o estereótipo da dependência.124Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Gomes (2006, p.19) assegura que “umadas mais notáveis novidades consiste noabandono da pena de prisão para o usuáriode drogas”.Novas figuras típicasExasperaram-se as penas relativas ao tráficoe novas figuras típicas foram positivadasna periferia dele, criminalizando-se condutasessenciais à sua expansão e segurança. Surgiram,assim, crimes como os tipificados nosartigos 36 e 37, coibindo o financiamentoou custeio do tráfico e de delitos assemelhados,bem como das atividades concernentesà fabricação, transporte, etc. de máquinas,instrumentos, aparelhos destinados à produçãode drogas, e ainda a de colaborar, comoinformante, com grupo, organização ou associaçãodestinados à prática de qualquerdos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34.Ademais, a nova lei separou não apenasas figuras típicas em capítulos e títulos diferentes,conforme referência ao usuário/dependente (cuida de prevenção) ou ao traficante(alude à repressão), como também osprocessos e juízos. Os primeiros respondemperante os Juizados Especiais Criminais e, osegundo, perante a justiça comum, nas varasespecializadas sobre os crimes alusivos àsdrogas, onde existirem.A nova lei também admite a impossibilidadede pena de prisão para o usuário e/ou dependente e pretende que o assuntosequer passe pela polícia. O infrator da leideverá ser enviado diretamente aos juizadoscriminais, salvo onde inexistem. Não há quese falar, por outro lado, de inquérito policial,mas sim de Termo Circunstanciado deOcorrência. Não é possível a prisão em flagrante(art. 48 §2º).Das penasDas novas penas, no capítulo da repressão, apena mínima privativa de liberdade aumentoude três para cinco anos, na hipótese de tráfico(art.33), quase a pena mínima do homicídio,mas o legislador permitiu grande flexibilização,no §4º desse mesmo artigo, autorizandoa redução da pena de um sexto a dois terços, oque cria margem à maior individualização. Foivedada, porém, a conversão em penas restritivasde direitos.O valor das penas de multa, altíssimo, emcominação cumulativa a todos os crimes dotítulo IV, capítulo I, em que se isolaram osdelitos referentes à produção não autorizadae ao tráfico ilícito de drogas, é diferentedo atribuído aos dias-multa concernentesao capítulo III, em que foram posicionadasas infrações penais alusivas à conduta dosusuários e dependentes, no tocante às drogaspara consumo próprio.No capítulo I do título IV, a intenção équebrar a economia do criminoso, causandolheum prejuízo que inviabilize seu empreendimentodelinqüente, no sentido de conduzi-lo àfalência dos negócios.No título III, capítulo III, além da multaser de menor valor, ressalta-se que, na comparaçãodo estipulado nos arts. 29 e 43 da Lei nº11.343/2006, ela somente se aplica subsidiariamente,no caso de o usuário ou dependenteDrogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública125


Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho Filhorecusar-se a cumprir a pena ou as penas queincidirem sobre sua conduta criminosa, nostermos no art. 28, incisos I a III.Um contra-senso é a multa aplicada àqueleque oferece droga, eventualmente e semobjetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento,como a namorada, por exemplo,para juntos a consumirem: 700 a 1.500 diasmulta(§3º do art. 33), além da detenção deseis meses a um ano, sem prejuízo das penasprevistas no art. 28, destinadas aos crimesdos usuários ou dependentes. Estes, cujocomportamento é de natureza e gravidadesemelhantes, não recebem pena privativa deliberdade, sendo que a multa tem valor comparativamenteinsignificante.O valor do dia-multa para os criminososdo art. 28 é estipulado em um trinta avos dosalário mínimo a três vezes esse salário. Já nocapítulo da repressão, este montante variaentre um trinta avos e cinco vezes o saláriomínimo (art. 43).A multa atribuída ao delito do parágrafo3º do art. 33, ora comentado, ainda podeser aumentada de um sexto a dois terços, nashipóteses do art. 40. Basta que as evidênciasindiquem haver sido a droga importada.Assim, a pena de multa, que tem naturezasubsidiária, alternativa às demais só quandoforem recusadas pelo criminoso, é sete vezesmenor do que a pena mínima de multa para ousuário ou dependente referido no § 3º do art.33. E se o valor de referência for o máximo dosdias-multa ou o máximo da multa, a diferençamuda o encanto. O intento de levar à falênciao traficante quebra também, economicamente,o usuário/dependente.Melhor teria feito o legislador se situasse ocrime do parágrafo 3º do art. 33 no capítuloda prevenção, ou em artigo diverso do 33, compenas de menor rigor, escoimadas do pecadoda desproporção. Evidencia-se inconstitucionalidadeno trato penal tamanhamente diferenciadoa condutas tão semelhantes.Maior desproporção haverá, na formada lei, se considerar que o usuário ou dependentepoderá, além de não sofrer penaprivativa da liberdade e sequer condução àdelegacia policial, ao ser flagrado com drogapara consumo próprio, receber como penasomente advertência sobre os efeitos das drogas,que deve versar sobre a conscientizaçãosobre os efeitos da droga, como lembra Nucci(2007), não permitindo admoestações deconteúdo diverso.DespenalizaçãoO usuário/dependente é consideradocriminoso? As opiniões doutrinárias a estequestionamento são bem divergentes. Há osque acreditam que, com a nova lei, houveuma descriminalização, enquanto outros – amaioria – consideram que ocorreu uma drásticadespenalização. O Quadro 1 apresentaum resumo das posições de alguns doutrinadoresa respeito do assunto.Ao nosso ver, o usuário e/ou dependenteé considerado criminoso, bem como houvedespenalização da conduta criminosa, porquea lei a tipificou, no art. 28, como crime,atribuindo penas.126Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Quadro 1Posição doutrinária a respeito da criminalização ou despenalização das condutasrelacionadas ao consumo de drogasDespenalizaçãoCARVALHO (2007, p.118).“O art. 28 da Lei de Drogas mantémas condutas dos usuários criminalizadas, alterando apenas asanção prevista.”SILVA (2007, p. 32).“Se houvesse descriminalização, nãohaveria processo nem julgamento.”DescriminalizaçãoGOMES (2007), baseado no conceito legal de crime econtravenção, apresentado PELA Lei de Introdução ao CódigoPenal Brasileiro.Drogas, conflito e violênciaARRUDA (2007, p.18).“O próprio título do capítuloque contempla a descrição típica é esclarecedor: ‘DosCrimes e das Penas’. E nele, o único crime cominado éjustamente o que abrange as condutas que se relacionamao consumo indevido”.As polícias estaduais e a nova lei de drogasMetodologiaPara a realização desta pesquisa, foram coletadasinformações junto às Secretarias Estaduaisde Segurança Pública e Defesa Social, PolíciasMilitares e Civis e Poder Judiciário dos Estadosde Pernambuco e Espírito Santo.Quadro 2Codificação de Ocorrências na Polícia Militar de PernambucoCódigoF-01NaturezaTráficoDescriçãoFonte: Carvalho (2007), Silva (2007), Arruda (2007), Gomes (2007).Em Pernambuco, os dados coletados naPolícia Militar referem-se às ocorrênciasatendidas, em todo o Estado, desde 2005,e registradas de acordo com as naturezasdescritas pela Nota de Instrução nº2ªEM-002/94 (Quadro 2).Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ouoferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecenteou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo comdeterminação legal ou regulamentar (art. 12 da Lei 6.368/1976).Os reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoF-02F-03F-04UsoPorte nãoregulamentarOutrosUsar substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorizaçãoou em desacordo com determinação legal ou regulamentar (art. 16 da Lei 6.368/1976).Guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determinedependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ouregulamentar (art. 16 da Lei 6.368/1976).As ocorrências não classificadas anteriormente, mas que se constituem infração à Lei de Tóxicos.Fonte: Nota de Instrução nº2ªEM-002/94.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública127


Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoAs informações sobre ocorrências atendidas edetenções realizadas pela Polícia Civil, em todoo Estado de Pernambuco, de agosto de 2005 ajunho de 2007, foram fornecidas pela Gerênciade Análise Criminal e Estatística da Secretariade Defesa Social de Pernambuco. No Centro deJustiça Terapêutica de Pernambuco, buscaramseinformações sobre a evolução do número departicipantes do programa, depois da vigência danova lei, com o intuito de verificar se diminuíramos encaminhamentos. O Estado do Espírito Santo,através da Secretaria de Estado da Segurançae Defesa Social, forneceu dados relativos às ocorrênciaspoliciais registradas pelo Centro Integradode Operações de Defesa Social (Ciodes), instaladoem Vitória e com abrangência de monitoramentoem outros seis municípios que compõem sua regiãometropolitana, os quais, juntos, concentrammais da metade da população capixaba.Para observar a evolução temporal do númerode indiciados por tráfico ilícito de drogas, utilizaram-sedados fornecidos pela Delegacia Especializadaem Tráfico e Entorpecentes da Polícia Civildo Estado. Junto ao Poder Judiciário capixaba,buscaram-se informações sobre a pena aplicadaaos que praticaram conduta ilícita, tipificada noart. 28 da Lei nº 11.343/2006. Em razão da faltade números, trabalhou-se com depoimentos demagistrados. Observou-se a inexistência de JustiçaTerapêutica, nos moldes de Pernambuco ede outros Estados. Foram consultados: Vara dePenas Alternativas do Espírito Santo; Presidênciados Juizados Especiais; Coordenadoria dos JuizadosEspeciais; 3º e 4º Juizados Criminais; Fórumde Vitória; Fórum de Vila Velha; e Vara da Infânciae Juventude de Vitória.Apresentação e análise dos dadosO primeiro indicador utilizado foi o númerode ocorrências policiais de tráfico e condutasalusivas ao consumo de drogas, atendidas pelaPolícia Militar, em todo o Estado de Pernambuco,tomando como espaço temporal o períodoentre janeiro de 2005 e setembro de 2007. Aestratégia adotada neste caso foi a de compararo número de ocorrências registradas no mês àmédia mensal, desconsiderando-se as duas situaçõesde destaque. Observou-se que, apósa vigência da nova lei, vem ocorrendo umadiscreta diminuição do número de ocorrênciasrelacionadas ao consumo de drogas,mantendo-se as de tráfico estáveis, considerandoa média mensal de 65,35 e 59,61ocorrências para o consumo e o tráfico, respectivamente(Gráfico 1).Gráfico 1Evolução mensal do número de ocorrências atendidas pela Polícia Militar,relacionadas ao consumo e ao tráfico de drogasEstado de Pernambuco – janeiro/2005-setembro/2007nº de ocorrênciasVigência da Nova Lei de Drogas200180Uso/Porte160140Tráfico120100806040200jan.05 mar.05 mai.05 jul.05 set.05 nov.05 jan.06 mar.06 mai.06 jul.06 set.06 nov.06 jan.07 mar.07 mai.07 jul.07 set.07128jul.05 set.05 nov.05Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007Fonte: Diretoria Geral de Operações da Polícia Militar de Pernambuco.


Tais comportamentos não podem seratribuídos unicamente ao critério aqui consideradoe tampouco caracterizar tendênciasde aumento ou decréscimos. O tempo de vigênciada lei ainda é insuficiente para conclusõesdessa natureza.Em relação à Polícia Civil, para o períodode agosto de 2005 a junho de 2007, observouseque o esforço operacional despendido nocombate às condutas ilícitas relacionadas adrogas (consumo e tráfico) continua inalterado,conforme ilustra o Gráfico 2.Gráfico 2Evolução mensal do número de ocorrências atendidas pela Polícia Civil, relacionadasao consumo e tráfico de drogasEstado de Pernambuco – agosto/2005-junho/2007Drogas, conflito e violêncianº de ocorrências1009080706050403020100ago.05set.05out.05nov.05Segundo informações prestadas por delegadosda Polícia Civil de Pernambuco, o procedimentooperacional manteve-se inalterado, adespeito das mudanças trazidas pela nova lei.Os infratores estão sendo conduzidos à Delegaciade Polícia (Gráfico 3), onde, no caso dedez.05jan.06fev.06mar.06abr.06mai.06jun.06jul.06condutas relacionadas ao consumo próprio,antes de serem liberados, é lavrado Termo Circunstanciadode Ocorrência. A opção primeirade encaminhar imediatamente o infrator aojuízo competente (§ 2o do art. 48 da Lei nº11.343/2006) não está sendo observada.Gráfico 3Evolução mensal do número de pessoas detidas ou encaminhadas a delegacia depolícia pela prática de condutas relacionadas ao consumo e tráfico de drogasEstado de Pernambuco – janeiro/2005-setembro/2007ago.06set.08out.06Vigência da Nova Lei de Drogasnov.06dez.06jan.07Uso/PorteFonte: Gerência de Análise Criminal e Estatística da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco.Tráficofev.07mar.07abr.07mai.07jun.07Os reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho Filhonº de pessoas detidas9080706050403020100Uso/PorteTráficoVigência da Nova Lei de Drogasago.05set.05out.05nov.05dez.05jan.06fev.06mar.06abr.06mai.06jun.06jul.06ago.06set.08out.06nov.06dez.06jan.07fev.07mar.07abr.07mai.07jun.07Fonte: Gerência de Análise Criminal e Estatística da Secretaria de Defesa Social de Pernambuco.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública129


Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoNo Estado do Espírito Santo, observa-seum incremento tanto no número de ocorrênciasenvolvendo o tráfico quanto nas condutasdelitivas relacionadas ao consumo dedrogas (Gráfico 4), atendidas pelo Ciodes,no período de janeiro de 2005 a setembronº de ocorrênciasA Polícia Civil do Estado também registrouaumento no número de pessoas indiciadas portráfico de drogas (Gráfico 5), o que corroboraa elevação no número de ocorrências atendidaspelo Ciodes.de 2007. É oportuno salientar que esse fatoacompanha o aumento no número geral deatendimentos realizados pelo Centro, ouseja, as ocorrências relacionadas a drogascresceram proporcionalmente ao número deatendimentos em geral.Gráfico 4Evolução mensal do número de ocorrências atendidas pelo Centro Integrado deOperações de Defesa Social, relacionadas ao tráfico e ao consumo de drogasEstado do Espírito Santo – janeiro/2005-setembro/2007180160140120100806040200jan.05mar.05Uso/PorteTráficomai.05jul.05set.05nov.05jan.06mar.06mai.06jul.06set.06Vigência da Nova Lei de DrogasGráfico 5Evolução mensal do número de indiciados por tráfico de drogasEstado do Espírito Santo – janeiro/2003-setembro/2007nov.06jan.07Por ocasião da visita realizada ao Centrode Justiça Terapêutica de Pernambuco, verificou-seque 39% dos atendimentos realizados,desde 2002 (ano de implantação do Programano Estado), corresponderam a pessoas encami-mar.07mai.07jul.07set.07Fonte: Ciodes/SESP/ES.140Vigência da Nova Lei de Drogas120100806040200jan.03mar.03mai.03jul.03set.03nov.03jan.04mar.04mai.04jul.04set.04nov.04jan.05mar.05mai.05jul.05set.05nov.05jan.06mar.06mai.06jul.06set.06nov.06jan.07mar.07mai.07jul.07set.07nº de indiciadosIndiciadosFonte: Delegacia Especializada em Tráfico e Entorpecentes da Polícia Civil.130Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


nhadas por realizarem a conduta tipificada noart. 16 da revogada Lei nº 6.368/1976 (unicamente),ou seja, pela prática de condutasrelativas ao consumo de drogas. A médiaanual é de dez novos participantes (denominaçãoatribuída aos infratores atendidos peloCentro). De outubro de 2006 até outubrode 2007, cinco novos participantes (em doisprocessos distintos) integraram o Programa,por força de cumprimento de pena previstano inc. III do art. 28 da nova lei de drogas.Ademais, segundo depoimentos coletadosjunto à equipe técnica, é notória a diminuiçãode encaminhamentos, motivados por sanção acondutas relacionadas ao consumo de drogas.De acordo com informações prestadas porrepresentante do 3º Juizado Criminal do EspíritoSanto, a pena aplicada freqüentemente aosinfratores que incorrem na prática do crimeprevisto no art. 28 da nova lei é a estabelecidapelo inciso I, ou seja, a advertência.Segundo comentários do Dr. CarlosEduardo Ribeiro Lemos, titular da Vara de PenasAlternativas do Espírito Santo, como umalei penal nova, mais benéfica, retroage para beneficiaro réu, em qualquer fase do processo,sem falar no novo prazo prescricional fixo, dedois anos, a maioria dos casos relacionados aouso de drogas que tramitavam na justiça capixabaprescreveu, pois as penas superiores aum ano foram diminuídas para cinco meses,na nova legislação. Lembrou, também, o magistrado,que muitos envolvidos nesses delitossão menores de 21anos, e assim a prescriçãoreduz-se para um ano, ficando praticamenteimpossível “segurar o processo”.ConclusõesApós análise dos dados, foi possível concluirque, em um ano de vigência da nova leide drogas, as polícias dos Estados do EspíritoSanto e de Pernambuco continuam dedicando-seao combate de todas as modalidades penaisrelacionadas às drogas, sejam as condutasque caracterizam o tráfico ilícito, sejam aquelasrelativas ao consumo.A crença de que as polícias estaduais passariama ignorar as condutas alusivas ao consumode drogas, em razão da despenalização sofrida,dedicando maior esforço operacional ao combateao tráfico, foi desfeita, considerando o períodoe os Estados da Federação analisados.Ademais, nada mudou em relação ao procedimentooperacional das polícias, diantedessas condutas. Tanto a Polícia Militar quantoa Civil continuam resolvendo os casos noâmbito das delegacias de polícia, mesmo sendoesta uma opção secundária à prevista no § 2odo art. 48 da nova lei, que prevê o encaminhamentodo infrator ao juizado competente.A justiça terapêutica pernambucana tambémacreditava que a diminuição dos encaminhamentosde infratores ao programa derecuperação e reinserção social por ela desenvolvidoestava relacionada com a falta de atençãodas polícias às condutas de uso de drogas,em razão da despenalização. Em parte, trata-sede uma preocupação relevante, uma vez quetal programa tem êxito em 70% dos casos.É oportuno lembrar que está fora do escopodessa pesquisa avaliar a atuação do Poder Judiciárioperante as mudanças aqui consideradas.Contudo, é relevante ressaltar que grande par-Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública131


Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho Filhote dos magistrados emprega, relativamente aousuário/dependente, a sanção de advertência,pura e simplesmente.Considerações FinaisMotivou a realização dessa pesquisa a freqüenteafirmação de que as polícias estaduaispassariam a não mais despenderem esforçooperacional às condutas delitivas relacionadasao consumo de drogas, em face da drástica despenalizaçãotrazida com a vigência da nova leide drogas.De onde sugiram tais suposições? Por quepensar assim? Não terá sido um avanço, dosistema normativo brasileiro, reconhecer ousuário de drogas como um doente que necessitade tratamento e não de prisão? Será ousuário habitual ou ocasional um doente incapazde entender os reflexos nefastos de seusatos para a violência nos grandes centros urbanos?Serão eles os únicos responsáveis?Acompanhando a entrada em vigor danova lei, surgiram, nos quartéis e delegaciasde polícia, questionamentos que balanceavam,de um lado, o esforço operacionaldespendido na atuação policial perante ousuário/dependente de drogas e, do outro,os resultados alcançados no contexto da segurançapública, em face das novas sançõesaplicadas aos delinqüentes. Ora, a escassezde recursos humanos e materiais das políciaspoderia conduzi-las a concentrar seusesforços para combater a atividade dos traficantes,sem o desperdício de se dividiremno empenho com a prevenção pertinente àconduta dos usuários/dependentes.Não se pode olvidar a função social dosorganismos policiais de trazer paz à sociedade,proporcionando sensação de segurança à população.No entanto, caótica foi a situação deviolência que se instalou no Brasil, aí incluídosos dois Estados da Federação usados como universodesta pesquisa, que há anos disputam osprimeiros lugares no ranking da criminalidadeviolenta no país. Escassos recursos, associadosa altas cifras criminais, resultam num binômioque mantém engessado o sistema de segurançapública para contribuir satisfatoriamente coma prevenção primária ao uso de drogas, conformerequer a nova lei.Ademais, habilitam-se o Poder Judiciário eo sistema de saúde pública brasileiros em condiçõesde recepcionar essas mudanças, prosseguindocom o trabalho iniciado pelas polícias?Eis uma sugestão a trabalhos futuros.A nova lei foi um avanço para o sistemajurídico-penal brasileiro. Injustiças foram corrigidas,lacunas preenchidas, usuário/dependentecolocado sob a condição de vítima, de doente.Na visão policial, o dependente sim é um doentee precisa de tratamento para recuperação ereinserção social. No entanto, o usuário ocasionale o habitual, apesar de também precisaremde tratamento adequado para não evoluírem àdependência, têm a plena consciência da contribuiçãode seus atos para o financiamento aotráfico de drogas. Seriam eles merecedores detão brandas penas? Surtiria efeito a advertênciado magistrado com o intuito de conscientizar oinfrator sobre os malefícios das drogas?Pena insólita a advertência, de nenhumconteúdo aflitivo. Só é pena porque a lei asse-132Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


gura que seja. Não significa, entretanto, qualquerconseqüência desfavorável ao criminosoem razão do crime. Retributividade zero.Significa prevenção? Pode ser. Dependeda formação moral do advertido e de quemadverte. Aquele pode ser perfeitamente uminsensato, quem sabe até um cínico, e ignoraro conteúdo moral da advertência, acostumadoà indiferença em relação aos conselhospaternos, maternos, familiares, tantas vezesdesperdiçados. Para esses, a observação bíblica:não faleis aos ouvidos dos insensatos porqueestes não vos ouvirão. Apenas a advertênciasobre os efeitos das drogas não bastaria.Por outro lado, a eficácia preventiva da advertência(conselho ou elucidação?) sobre osefeitos das drogas pressupõe no magistrado umagrande capacidade de advertir. É preciso que eleseja capaz de convencer, advertindo, sobre osefeitos prejudiciais das drogas à saúde, física emental, à preservação moral e material necessáriaao equilíbrio das relações e inter-relaçõessociais e familiares. É preciso que ele seja capaz,onde pais, familiares, amigos, psicólogos,psiquiatras, assistentes sociais, advogados, quãofreqüentemente não o foram, para dissuadir, desestimular,contra motivar, advertindo.É muita responsabilidade para o magistrado,na hipótese dessa pena, punir só compalavras; proteger a sociedade (é preciso nãoesquecer disso) só com discurso; redimiro próprio usuário ou dependente só comverbalidade. E quantos juízes reduzir-se-ãoapenas a esse limite, considerando-se a concepçãomuito racional, por sinal, de que ocriminoso, mais do que isso, é um paciente.O filme Tropa de elite (2007) abordou,entre outros aspectos, o financiamento dotráfico de drogas pelas classes média e alta dasociedade, na cena, por exemplo, em que opersonagem do Capitão Nascimento atribuia universitário a morte de traficante, porquesem o primeiro o segundo inexistiria.Não é justo, contudo, atribuir unicamenteaos usuários brasileiros a culpa pelo tráficoe pela violência dele advinda, pois o ilícitode drogas é um fenômeno que transcendeas fronteiras nacionais e, por isso, deve sercombatido pelo esforço conjunto e coordenadoentre as diversas nações, consoanteo princípio da justiça cosmopolita ou universal.De acordo com Toledo (2007), “aoBrasil, país do mundo talvez mais castigado,depois da Colômbia, pela violência e degradaçãotrazidas pela droga, resta a tarefa decutucar o mundo”.É inegável que a violência do tráfico dedrogas fomenta-se na disputa de um grandemercado consumidor, dentro das fronteirasdo Brasil e fora delas, o que, em última análise,acaba gerando outros tipos de violências,como crimes contra a pessoa, delitoscontra o patrimônio, contrabando de armas,etc. No entanto, as classes sociais mais abastadas,discutidoras e formuladoras de novaslegislações como a debatida neste artigo,preferem atribuir tais fatos à inação ou ausênciapolicial, desprezando a relação diretacom o consumo de entorpecentes.A droga é a raiz para a explicação demuitos outros delitos. No Centro de JustiçaTerapêutica de Pernambuco, por exemplo,Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública133


Drogas, conflito e violênciaOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoANDREUCCI, Ricardo Antônio. Legislação penalespecial. São Paulo: Saraiva, 2006.ARRUDA, Samuel Miranda. Drogas: aspectospenais e processuais (Lei nº 11.343/2006). SãoPaulo: Método, 2007.BAUDELAIRE, Charles. Um comedor de ópio.In:BAUDELAIRE, C. Paraísos artificiais. Rio de Janeiro:Newton Compton Brasil, 1996._________. O poema do haxixe. In: BAUDELAIRE,C. Paraísos artificiais. Rio de Janeiro: NewtonCompton Brasil, 1996.BIZZOTTO, Alexandre; RODRIGUES, Andréia de Brito.Nova lei de drogas: comentários à Lei nº 11.434,de 23 de agosto de 2006. Rio de Janeiro: LumenJures editora, 2007.61% dos atendimentos realizados corresponderama infratores que delinqüiram porconta do consumo de drogas.Corroborando ainda mais a relação dotráfico a outros delitos, em 2005, os homicídiosocorridos no bairro de Santo Amaro,localizado no centro do Recife, foram motivados,em 67,9% dos casos, por acertosde contas, rixa, envolvimento com drogase entorpecentes, queima de arquivo e vingançapessoal. O critério “envolvimentocom drogas e entorpecentes” não exclui essapossibilidade nos demais critérios considerados.Muito pelo contrário, a maior parte dosacertos de contas, por exemplo, está associadaao tráfico (SDS, 2006). A combinaçãoentre altas cifras criminais e pequena dimen-Referências Bibliográficassão do bairro tornou Santo Amaro o localcom maior taxa de homicídios, por 100 milhabitantes, do Estado.O período de vigência da nova lei aindaé insuficiente para realizar qualquer pesquisasobre sua influência na criminalidade violentado país, principalmente no que se refereaos crimes relacionados ao ilícito de drogas.Fica mais uma indicação a trabalho futuros.No entanto, em relação às polícias estaduais,o período de um ano de vigência da leifoi suficiente para verificar que a hipótese inicial,de que as polícias deixariam de atenderàs ocorrências alusivas ao consumo de drogas,ao menos no tocante aos Estados de Pernambucoe do Espírito Santo, restou infirmada.BRASIL. LEI Nº 10.409, DE 11 DE JANEIRO DE 2002.Disponível em: . Acesso em: 29 desetembro de 2007.BRASIL. LEI Nº 11.343, DE 23 DE AGOSTO DE2006. Disponível em: . Acesso em: 29 de setembrode 2007.BRASIL. LEI Nº 6.368, DE 21 DE OUTUBRO DE 1976.Disponível em: . Acesso em: 29 de setembrode 2007.CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 11 ed.São Paulo: Saraiva. vol. I, 2007.134Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas noBrasil: estudo criminológico e dogmático. Rio de Janeiro:Lúmen Júris, 2007.DELPIROU, Alain; LABROUSSE, Alain. Coca Coke: produtores,consumidores, traficantes e governantes. São Paulo:Brasiliense, 1988.FRANÇA, Genival Veloso de. (2004), Medicina Legal. 7ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.SIDOU, José Maria Othon. Dicionário Jurídico: AcademiaBrasileira de Letras Jurídicas. 6 ed. Rio de Janeiro:Forense Universitária, 2002.SILVA, Jorge Vicente. Comentários à nova lei antidrogas:manual prático. Curitiba: Juruá, 2007.SILVA, José Geraldo da; LAVORENTI, Wilson; GENOFRE,Fabiano. Leis penais especiais anotadas. 8 ed. Campinas:Millennium, 2006.Drogas, conflito e violênciaGOMES, Luiz Flávio. A nova lei de tóxicos: um avançoem consonância com a política européia de redução dedanos. Revista Prática Jurídica, ano V, nº 54, 30 de setembrode 2006.NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penaiscomentadas. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.PMPE. Nota de Instrução Nº 2ªEM – 002/94. Codificaçãode ocorrências. Recife, 1994.SDS. Estudo preliminar sobre a violência criminal nobairro de Santo Amaro – Recife. Relatório. Recife, 2006.SILVEIRA, Sergio Luiz Sampaio da. Laxismo penal e aLei 11.343/2006. 2007. Disponível em: . Acessoem: 26 de outubro de 2007.TOLEDO, Roberto Pompeu. O inimigo que nem o BOPEencara. Veja, São Paulo, edição 2.031, ano 40, nº 42,p.150, 24 de outubro de 2007.TROPA de Elite. Direção de José Padilha. Rio de Janeiro.2007. Filme cinematográfico: colorido.Data de recebimento: 30/09/07Data de aprovação: 30/10/07Os reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Rodney Rocha Miranda,Danielle Novaes de Siqueira Valverde e Francisco Valverde de Carvalho FilhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública135


Drogas, conflito e violênciaMediação, proteção localdos direitos humanos eprevenção da violênciaGuilherme Assis de AlmeidaGuilherme Assis de Almeida é doutor em Direito pela USP; com pós-doutorado em Ciência Política, pelo Núcleo de Estudosda Violência (USP), consultor de Sociedade Civil e Segurança Cidadã do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) eprofessor do UniCEUB/ Brasília.guilhermea@contractual.iadb.orgResumoO artigo analisa a experiência de três projetos de mediação, mostrando suas características básico-compartilhadas,bem como o papel dos direitos humanos na prática da mediação e como ela pode – de forma efetiva – ser uminstrumento de prevenção da violência.Palavras-ChaveMediação. Prevenção da violência. Direitos humanos. Segurança cidadã. Contexto local.136Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Oobjetivo do presente artigo é proporuma abordagem de três diferentesprojetos de mediação como instrumento deprevenção à violência, escolhidos por apresentaremuma experiência consolidada e que – nomomento atual – encontram-se em uma fasede transferência de conhecimento. Os projetosanalisados são:• Balcão de Direitos – foi desenvolvidona cidade do Rio de Janeiro, pela organizaçãonão-governamental Viva Rio eteve seu primeiro “balcão” no bairro deBabilônia, em 1996. Possui atualmentevários “balcões” no Rio de Janeiro, alémde vários outros espalhados pelo Brasil,sendo que muitos contam com apoio pedagógicoda equipe dos Balcões do Riode Janeiro;• Escritórios Populares de Mediação – projetodesenvolvido na cidade de Salvador(BA), pela organização não-governamentalJuspopuli, com início das atividadesem 2001. Recebeu o prêmio TecnologiaSocial do Banco do Brasil e expandiu-separa diversos bairros em Salvador. Atualmentea Juspopuli está implementando oprojeto nos municípios baianos de Feirade Santana e Pintadas;• Justiça Comunitária – este projeto foidesenvolvido nas cidades-satélites de Taguatingae Ceilândia, no DF, pelo Tribunalde Justiça do Distrito Federal (TJDF)e. iniciou-se em 2000. Atualmente estáem estudo a expansão do projeto para outrascidades-satélites do Distrito Federal.Realizou-se uma análise das principais característicasencontradas nas experiências emtela.Vale dizer:• a proteção dos direitos humanos a partirda perspectiva local;• a assistência jurídica como forma de estímuloao exercício da cidadania e à promoçãodos direitos humanos;• o processo de mediação como oportunidadede desenvolvimento humano dosagentes envolvidos – mediador e partesdo conflito;• a mediação como instrumento da Educaçãoem Direitos Humanos;• a utilização do instrumental teórico-análiticoda percepção do potencial da situaçãoem vez da imposição de um modelo.A proteção dos direitos humanosA proteção global dos direitos humanos: brevesíntese históricaO advento do Direito Internacional dos DireitosHumanos, em 1945, possibilitou o surgimentode uma nova forma de cidadania. Desdeentão, a proteção jurídica do sistema internacionalao ser humano passou a independer do seuvínculo de nacionalidade com um Estado espe-Drogas, conflito e violênciaMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de AlmeidaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública137


Drogas, conflito e violênciaMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de Almeidacífico, tendo como requisito único e fundamentalo fato do nascimento. Essa nova cidadaniapode ser definida como cidadania mundial oucosmopolita, diferenciando-se da cidadania doEstado-Nação. A cidadania cosmopolita é umdos principais limites para a atuação do podersoberano, pois dá garantia da proteção internacionalna falta da proteção do Estado Nacional.Nesse sentido, a relação da soberania com oDIDH é uma relação limitadora.Tanto o Estado – sujeito de direito clássicodo Direito Internacional – como as organizaçõesinternacionais, sujeito de direitosuperveniente, ampliam o campo de atuaçãodo Direito Internacional, mas não o afetamem sua estrutura, uma vez que é a lógica dasoberania que pauta a atuação desses sujeitosde direito, conforme estabelecido no Artigo2, inciso 1, da Carta das Nações Unidas: “AOrganização é baseada no princípio da igualdadesoberana de todos seus membros”. Todavia,quando o indivíduo adquire a condiçãode sujeito de direito na comunidade internacional– o que ocorre por meio do advento doDIDH –, a própria estrutura do Direito InternacionalPúblico sofre um abalo, uma vezque o Estado não pode mais se valer do argumentode estar no exercício de sua soberaniapara justificar violações de direitos humanosem seu território. Isso ocorre por ser a pessoahumana um sujeito de direito no âmbito daordem jurídica internacional e a proteção deseus direitos passa a ser um dos objetivos doDireito Internacional Público.A dignidade da pessoa humana é o valoressencial da proteção dos direitos humanos,possibilitando, no âmbito global, sua proteçãopor organizações internacionais, que podemser autorizadas a agir até em oposição ao exercíciodo poder soberano de determinado Estado.Depois de 1945, a pessoa em uma situaçãolimite pode até perder o direito ao exercício desua própria nacionalidade, mas não perderá agarantia da proteção internacional.Proteção local dos direitos humanosCada homem vale pelo lugar onde está: o seuvalor como produtor, consumidor, cidadão,depende de sua localização no território. Seuvalor vai mudando, incessantemente, paramelhor ou para pior, em função das diferençasde acessibilidade (tempo, freqüência,preço), independentes de sua própria condição.Pessoas, com as mesmas virtualidades,a mesma formação, até mesmo o mesmosalário têm valores diferentes segundo o lugarem que vivem: as oportunidades não sãoas mesmas. Por isso, a possibilidade de sermais ou menos cidadão depende, em largaproporção, do ponto do território onde seestá. Enquanto um lugar vem a ser condiçãode sua pobreza, um outro lugar poderia, nomesmo momento histórico, facilitar o acessoàqueles bem e serviços que lhe são teoricamentedevidos, mas que, de fato, lhe faltam.(SANTOS; 1987 p.81)Um esclarecimento necessário deve se feitoem relação à nossa compreensão do adjetivo“local”. Ele aqui é entendido como opostocomplementar de “global” e, na própria definiçãodo dicionário, “relativo ou pertencentea determinado lugar ou ao lugar em que sevive”. Como afirma Milton Santos, o local é oespaço, o território onde se vive: o “territóriode vivência”.138Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Dessa forma, na dimensão global, a dignidadeda pessoa humana demanda, muitas vezes, a açãode uma organização internacional para ser eficazmenteprotegida. No âmbito local, a demanda éoutra, pois a interação ocorre no cotidiano, facea face. É necessário o efetivo respeito à dignidadede cada pessoa humana nas suas mais diversassingularidades. O reconhecimento do outro,do diferente, é o fundamento de uma relação dehospitalidade e também um fator essencial paracriação da identidade que, para ser construída,necessita do diálogo com um outro diferente demim mesmo e que, antes de tudo, reconheça-meenquanto interlocutor (TAYLOR;1992).Eu não posso descobrir isoladamente minhaidentidade: eu a negocio em um diálogo, emparte exterior, em parte interior, com o outro.Isso é assim porque o desenvolvimentode um ideal de identidade engendrado dointerior confere uma importância capitalnova ao reconhecimento do outro. Minhaprópria identidade depende essencialmentede minhas relações dialógicas com os outros(TAYLOR, 1992, p.65, tradução nossa).O exercício de respeito aos direitos humanosno plano local não se dá no reconhecimentodaquele que nos é próximo, semelhante,conhecido e, portanto, a priori respeitado, massim diante do outro, do diferente de nós, dodiverso, uma vez que:(...) aceitar a diversidade cultural não é umato de tolerância para com o outro, distintode mim ou da minha comunidade, mas o reconhecimentodesse outro (pessoal e comunitário)como realidade plena, contraditória,como portador de saber, de conhecimentose práticas por meio das quais ele é e tenta serplenamente. (COLL, 2006, p. 98).Esse exercício de reconhecimento da diferençaé uma prática constante dos projetosanalisados. Conhecer experiencialmente o localdo projeto e exercitar a diversidade culturalsão duas ações complementares e, por vezes,simultâneas.O Guia de Encaminhamentos daEscola de Justiça e Cidadania, do Projeto JustiçaComunitária, recomenda: “Por isso, umadas tarefas fundamentais do Agente é conheceros recursos locais, ou seja, saber o máximo sobretodos os tipos de serviços que os moradoresda comunidade têm a sua disposição”.Também a publicação Justiça Comunitária,uma experiência estabelece:No mesmo sentido, o Programa Justiça Comunitáriaadota a comunidade como esferaprivilegiada de atuação, porque concebe ademocracia como um processo que, quandoexercido em nível comunitário, por agentes ecanais locais, promove inclusão social e cidadaniaativa, a partir do conhecimento local.É na instância da comunidade que os indivíduosedificam suas relações sociais e podemparticipar de forma mais ativa das decisõespolíticas. É nesse cenário que se estimula acapacidade de autodeterminação do cidadãoe de apropriação do protagonismo de suaprópria história.O Manual do Balcão de Direitos sugere:Lembre-se sempre dos recursos locais disponíveis.As pessoas gerenciam seus conflitosde alguma forma, seja pela via judicial, sejapor vias “privadas”, legítimas ou não, pacíficasou não. É importante conhecer e reconheceresses recursos locais (desde que legaise legítimos), eles podem ser úteis em umamediação, por exemplo.Mediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de Almeida Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública139


Drogas, conflito e violênciaMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de AlmeidaNo âmbito da segurança pública, a questãoda importância da consideração docontexto local surge em metodologias taiscomo a “Crime Prevention Through EnvironmentalDesign” (CPTED). É tambémperceptível pela conclusão de alguns respeitadosestudiosos do tema do trabalho da polícia,como, por exemplo, David Bayley, ementrevista à Revista do Fórum Brasileiro deSegurança Pública: “Está-se muito melhorquando se coordena operações nas quais ospoliciais conhecem a localidade. (...) Então,penso que realmente se deve desenvolveruma polícia baseada na localidade.”Assistência jurídica e direitos humanosDisse Hegel que: “tornar o direito por causade sua formação, apenas acessível àquelesque sobre ele eruditamente se debrucem,constitui injustiça igual àquela que o tiranoDionísio cometeu quando mandou postaras tábuas da lei tão alto que nenhum cidadãoàs pudesse ler”. (ENGISH, p. 139)Artigo 153 parágrafo 32 Será concedido assistênciajudiciária aos necessitados, na formada lei. (Constituição Federal de 1969)Artigo 5º...LXXIV: o Estado prestará assistênciajurídica integral e gratuita aos que comprovareminsuficiência de recursos. (ConstituiçãoFederal 1988)A assistência judiciária está contida na assistênciajurídica, sendo a segunda mais amplae integral (como afirma a CF de 1988). A perguntaa ser feita é: qual o seu limite? Qual oobjetivo de atuação da assistência jurídica strictosensu? Acreditamos que esse objetivo dividaseem três principais tarefas:• acesso ao conhecimento dos direitos dapessoa humana por meio da democratizaçãode informações jurídicas básicas;• encaminhamento ao Poder Judiciário eoutras instâncias do Estado;• apoio e estimulo ao exercício da cidadania.Essas três tarefas são cumpridas pelos projetosanalisados. O cordel educativo do ProgramaJustiça Comunitária esclarece-nos:Justiça ComunitáriaÉ instrumento que criaDemocracia pra todosE promove a cidadaniaQue ajuda a esclarecer,Evitar e resolverConflitos e violênciasSimplificar as questões,Esclarecer as razõesE evitar incidênciasA fotonovela O direito de saber é um exercícioconcreto da hermenêutica diatópica, deBoaventura de Sousa Santos. Traduz-se o topoi(lugar comum) jurídico para um topoi depossível compreensão pela comunidade. Sãoos próprios agentes comunitários do projetoque interpretam as personagens da história.Da mesma forma, a reflexão baseada na própriaexperiência de trabalho da equipe do VivaRio, contida no Manual dos Balcões de Direito,ilustra a respeito dessas questões:Não se busca acesso a algo que não se conhece.A primeira barreira era, portanto, cultural,em uma dimensão muito primária: não sepode buscar a reparação de direitos que nãose conhece. Entre diversas faltas de acesso, o140Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


acesso à informação, de forma geral, e acessoà informação sobre direitos e deveres, emespecial, surgiam como desafios. Ao se falarde direitos em uma comunidade, deve-selembrar que se trata de um conhecimentoformais, restritos, acadêmicos, próprios doschamados operadores do Direito. Poucaspessoas compreendem do que se fala, menosainda de como se opera. A primeira análise,baseada em uma leitura cultural, dava contade que não se conhecia nem se compreendia,de uma forma geral, certas relações como relaçõesdireito-dever, e sim como relações debom senso, sem proteção legal, estatal, jurídica,portanto. O primeiro desafio era sair dareação e partir para a ação – a democratizaçãode direitos e deveres torna-se, portanto, umconceito chave. Deve-se tornar essas informaçõescomuns, acessíveis, em uma linguagemque se compreenda em qualquer lugar.Romper a barreira do “juridiquês”, que tantosepara “operadores” de “leigos”.Um dos casos recorrentes constantes doManual do Balcão de Direitos mostra quão básicapode ser a informação e como ela é fundamentalpara a vida da pessoa atendida.Caso 6: Eu não existoUm tipo de caso que é bem comum, especialmentequando a comunidade tem pessoasde origem de fora da cidade (especialmenteinterior do país), e que para nós podeparecer muito simples: ausência de documentaçãocivil básica. Sem os documentosbásicos, o cidadão “não existe”, via de regra,para as políticas públicas. Deve-se ter registradatoda a rede de apoio neste sentido, paraque o encaminhamento seja não só eficiente,mas “certeiro”: o serviço público muitasvezes não atende a população como poderiae deveria. É importante que a pessoa tenhacerteza no caminho que vai seguir, certezaalcançada com informação de qualidade.É preciso ter claro que a prestação de umaassistência jurídica respeitadora da peculiaridadede cada ser humano é também uma formade exercício da justiça, uma vez que a comunicaçãoe a justiça entrelaçam-se de modoprofundo. Esclarece-nos Flávio Vespasiano DiGiorgi {ASSIS DE ALMEIDA, 1992; p. 14}:Dizer o justo, dizer freqüentemente é tãodifícil, tão dificultado na nossa realidadepor preconceitos, por elitismo; e isso queeu primeiro gostaria de dizer como preliminara respeito da comunicação, para que acomunicação não apareça assim como umacoisa natural, que não tem impedimentos.Tem sim, na vida social. Nada mais terríveldo que você ter o que falar e não conseguirfalar porque se sente discriminado. Por outrolado a própria etimologia da palavra “comunicar”é muito bonita:comunicar vemde uma palavra latina munus.Munus é umapalavra que tem dois sentidos: ela quer dizerum presente, um presente em geral decorrentede um serviço que você prestou. Tantoque daí, também vem a palavra remuneração.Significa também um encargo quevocê assumiu perante seus pares, perante suacomunidade que você se incumbe de realizare de cumprir. Agora, comunicare, como prefixo “co” significa em comum, junto.Significa na verdade, presentear e cumprir ocompromisso, juntos. Recompensar e cumpriro compromisso. Me parece que aí estãodois elementos compreendidos no conceitoMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de Almeida Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública141


Drogas, conflito e violênciaMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de Almeidade justiça. A justiça é, de certa forma, umacerta compensação: você dar a pessoa queé dela. Por outro lado, é um cumprimentode compromissos que estão nas relações deafeto, nas relações de trabalho. São dois elementosna justiça. Se você se lembra dos trêscritérios que o Direito Romano se atribuía:honeste vivere (viver honestamente), neminilaedere (não prejudicar a ninguém) e suuncuique tribuere (dar a cada um aquilo queé seu). Você vai ver então que o justo, estámuito ligado a idéia de comunicação. Entãodizer o justo não é dizer de um lado eo justo de outro, eles e entrelaçam, eles temum parentesco profundo. No dizer já existeimplícita uma idéia de justiça.Não se pode esquecer que jurídico significa“dizer o justo”. Portanto, assistência jurídicaé um trabalho de auxílio para dizer ojusto. Dizer o justo tanto do assistente emrelação ao assistido, como do assistido emrelação ao assistente.Uma assistência jurídica consistente pressupõeum esforço consciente por parte dos agentesdo projeto, no sentido de propiciar a descobertada dignidade humana do(a) assistido(a)no contexto do território onde ele(a) vive, pormeio do ato de dizer. Todavia, segundo DiGiorgi, o ato de dizer está permeado de obstáculose dificuldades (ASSIS DE ALMEIDA,1992, p. 14).Muitas pessoas são privadas da consciênciade que elas têm, como pessoas, um poderinerente de comunicação. São marginalizadaspelo fato de não terem a norma culta.Então é como se elas não tivessem sequerlíngua materna, elas não são reconhecidas.E isso amortece realmente a consciência deseus direitos. Há muitas pessoas que nãodefendem seus direitos não porque não saibam,mas porque estão inibidas. Elas sentemque sua linguagem é desprezada. O exercícioda cidadania está em grande parte ligado avocê ter ou não reconhecida sua capacidadecomunicacional.Solução de conflitos, direitos humanose prevenção à violência.Poder Judiciário e mediação(...) quando ocorre alguma pendência entreos homens, eles recorrem ao juiz. Ir ao encontrodeste significa apresentar-se perantea justiça, pois o juiz pretende ser, por assimdizer, a justiça encarnada. Na pessoa do juizprocura-se um terceiro imparcial e algunschamam os juízes de árbitros e de mediadores,querendo assinalar com isso que, quandose tiver encontrado o homem da justamedida, conseguir-se-á obter a justiça. Portanto,a justiça é a justa medida, pelo menosquando o juiz for capaz de incorporá-la. Ojuiz mantém a balança equilibrada entre asduas partes. (Aristóteles, Ética a Nicômaco)Esse texto de Aristóteles ilustra o fato deque a busca por um terceiro que não pertençaà querela entre as partes é um recurso milenarutilizado pelos mais diversos grupos sociaisna busca pela solução de seus conflitos. Esseterceiro pode ser um juiz, um árbitro, ummediador ou qualquer outra pessoa ou grupode pessoas capaz de reequilibrar a situação dedesigualdade. Na presença de um juiz ou deum árbitro, tem-se a situação conflituosa re-142Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


solvida pelo “aparato normativo” do Direito.Já na presença de um mediador, a situação éequacionada de forma lícita seguindo as normasdo Direito (positivo ou consuetudinário),mas não necessariamente valendo-se doaparato “institucional-normativo” da DogmáticaJurídica.Em qualquer das hipóteses anteriormenteexpostas, o Direito está presente comobaliza de solução dos conflitos. Tal fato éuma constante na história da humanidade,conclusão essa tanto da antropologia comoda sociologia do Direito. 1 Ao dizer que a soluçãodos conflitos está fundamentalmenteligada ao Direito, é prudente esclarecer quala forma de resolução de conflitos e espéciede Direito estamos tratando. Boaventura deSousa Santos (1988) propõe duas divisõesreferentes ao modelo decisório para resoluçãode conflitos: a adjudicação realizada peloPoder Judiciário, com a colaboração de outrosprofissionais do Direito de acordo comas normas da Dogmática Jurídica; e a mediação,que é realizada por agentes diversosdo Poder Judiciário ou por integrantes daprópria comunidade, não se pautando apenase tão somente pelo aparato normativo daDogmática Jurídica, mas fazendo uso principalmenteda “novíssima retórica”. 2 Entreas diversas formas da mediação amplo sensu,pode ser sugerida a seguinte classificação:• prevenção de conflitos – por meio da orientaçãoe assistência jurídica;• negociação – diferencia-se da mediaçãotendo em vista que o negociadorapenas facilita o entendimento entre aspartes, não se colocando como um terceirointerveniente;• mediação stricto sensu – o mediador agecomo um terceiro interveniente, apresentandoele próprio a forma de resoluçãodo conflito;• transformação – o terceiro possibilita atransformação de uma situação antagônica(o conflito) em um compromisso decooperação mútua;• transcendência – o conflito é totalmentetranscendido. 3São muitas as diferenças encontradas entremediação amplo sensu e adjudicação. No âmbitodesse artigo, analisamos as características quefazem da mediação um trabalho de solução deconflitos e também uma forma de promoçãodos direitos humanos e prevenção à violência,quais sejam: a utilização da perspectiva tópicoretóricapara a busca da decisão; e o trabalho damediação como oportunidade para o desenvolvimentohumano e promoção da convivência.Boaventura de Sousa Santos (1988, p.43-44), ao comentar o “discurso jurídico de Pasárgada”em oposição ao direito Estatal, esclarece:Recursos tópico-retóricos: Ao invés do discursojurídico estatal, o discurso jurídicode Pasárgada faz um grande uso de topoie, simultaneamente, um escasso uso de leis.Independentemente dos elementos retóricosque duma ou doutra forma sempre intervêmna aplicação das leis a casos concretos, nãorestam dúvidas que estas são vulneráveis auma utilização sistemática e dogmática, umavulnerabilidade que se agudiza com a profissionalizaçãoe burocratização das funçõesjurídicas. E para além dos topoi, o discursojurídico de Pasárgada recorre ainda a umcomplexo arsenal de instrumentos retóricos.Mediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de Almeida Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública143


Drogas, conflito e violênciaMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de AlmeidaUma das diversas razões pelas quais a perspectivatópico-retórica é utilizada está ligada àforma de atuação do Poder Judiciário, que semostra incapaz de interagir com as comunidadesem tela. Nesse sentido, Souza Neto mencionaque:No âmbito da tipologia dos métodos de soluçãodos conflitos, apresenta-se a mediação,como capaz de dar conta da ausênciado aparato jurídico-estatal nas comunidadesfaveladas. No âmbito da teoria dadecisão, ganha importância a perspectivatópico-retórica, em substituição à abordagemformal-silogística que caracteriza aaplicação judicial do direito (RIBEIRO;STROZENBERG, 2001, p 82).Na ausência do Poder Judiciário, utilizase,inicialmente, a mediação como merasubstituta dos órgãos do Estado. Posteriormente,constata-se que a mediação, além deuma prática substituta, é especificamente aprática adequada, uma vez que a perspectivatópico-retórica tem como característica serdialógica e localizada. Assim, segundo SouzaNeto:“(...)Estas definições do conceito fundamentalda tópica já dão conta de seucaráter essencialmente dialógico. Nestadireção, afirma Viehweg que “as premissasfundamentais se legitimam pela aceitaçãodo interlocutor”. Se a argumentaçãoé necessariamente dialógica e, já que elabusca convencer, “toda a argumentação épessoal; dirige-se a indivíduos em relaçãoaos quais ela se esforça por obter adesão.”Assim é que “uma argumentação é necessariamentesituada.” RIBEIRO; STRO-ZENBERG, 2001, p 86).A descoberta da mediação como forma desolução dos conflitos atende a uma necessidadebásica da população local: a solução dos conflitos,além de permitir que, no encaminhamento da resoluçãode conflitos, homens e mulheres tenhama possibilidade de se descobrirem enquanto sujeitosde direitos dotados de dignidadeNos processo de mediação, os direitos humanose necessidades básicas cumprem uma funçãofundamental: oferecer diretrizes para uma boa decisão.Comenta Johan Galtung: (2006, .p.111).Aqui está uma regra básica: se a realização deum objetivo for de encontro às necessidadeshumanas básicas – direitos básicos – entãoela é legítima. Necessidades básicas, ou seja,sobreviver com bem-estar físico, significandoque as necessidades biológicas sejam razoavelmentesatisfeitas, vivendo a vida em liberdade,com identidade e sentido. Os direitoshumanos refletem isso, não a perfeição, mascom uma boa aproximação. Por isso usa asnecessidades básicas como guia.Mediação e Desenvolvimento Humano“A amplitude do espaço retórico do discursojurídico varia na razão inversa do nível de institucionalizaçãoda função jurídica e do poder dosinstrumentos de coerção ao serviço da produçãojurídica”.(SANTOS; 1988, p. 59). A constataçãode Boaventura de Sousa Santos deixa claroque o exercício da retórica no âmbito jurídico épossível à medida que as decisões tomadas nãoestejam adstritas ao exercício do Poder Judiciário.Enfim, a prática dos projetos em análise de“dizer o direito” possibilita o exercício retóricoem ampla escala, que, por sua vez, é fator defundamental importância para a democratizaçãoda vida da comunidade.144Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Ao ter a possibilidade de exercer a capacidadecomunicacional em sua plenitude, aspessoas fortalecem-se enquanto cidadãs e têmseus direitos humanos promovidos. Um pontoimportante é o exercício retórico não se ater àexistência de um orador que se dirige a um auditório.Ambos devem se misturar a tal pontoque se indiferenciem. Deve-se ter como metao exercício da novíssima retórica de Boaventurade Sousa Santos (2000, p.105):Entendo que a novíssima retórica deveráintensificar a dimensão dialógica intersticialda nova retórica e convertê-la no princípioregulador da prática argumentativa em termosideais, a polaridade orador/auditóriodeve perder a rigidez para se transformarnuma seqüência dinâmica de posições deorador e de posições de auditório intermutáveise recíprocas que torne o resultadodo intercâmbio argumentativo verdadeiramenteinacabado: por um lado, porque oorador inicial pode acabar por transformarseem auditório e, vice-versa, o auditórioem orador e, por outro lado, porque a direçãodo convencimento é intrinsecamentecontingente e reversível.No exercício da novíssima retórica, ohomem ou a mulher descobre-se enquantosujeito de direito no pleno exercício de sualiberdade. Liberdade aqui entendida nãocomo mero livre-arbítrio, mas como um agirconjunto criador de vínculos. É no exercícioda liberdade – segundo Amartya Sen – quese consuma o processo de desenvolvimento.Esse autor apresenta uma visão cosmopolitada liberdade, centrada na pessoa humanacomo sujeito central e principal beneficiária.A Declaração do Direito ao Desenvolvimento(1986 – Art. 2, inciso 1) estabelece que“a pessoa humana é o sujeito central do desenvolvimentoe deve ser participante ativo eseu principal beneficiário”. A pessoa humanaé o sujeito central, o Estado não ocupa aquium papel preponderante, apesar de ser consideradoagente necessário e importantíssimoarticulador de políticas públicas geradoras dedesenvolvimento.Nessa perspectiva, o Estadopode ser um agente facilitador ou não.A teoria do “Desenvolvimento como Liberdade”,de Amartya Sen, ao abordar o temado desenvolvimento de uma perspectiva cosmopolita,está para além da lógica do podersoberano do Estado. Isto significa dizer que ofenômeno do poder é visto enquanto ação coletivae não submissão, seja ela de que tipo for.Esse processo da ação coletiva é que viabiliza aexpansão das liberdades individuais, expansãoessa propiciadora do desenvolvimento. A responsabilidadefundamental da pessoa é exercitarsua liberdade individual enquanto comprometimentosocial (SEN; 2000, p.337).O princípio organizador que monta todas aspeças em um todo integrado é a abrangentepreocupação com o processo do aumentodas liberdades individuais e o comprometimentosocial de ajudar para que isso se concretize(...) o desenvolvimento é realmenteum compromisso muito sério com as possibilidadesde liberdade.Essa visão da liberdade e do desenvolvimentocomo duas ações complementares e anecessidade de se eliminarem os obstáculosao exercício da liberdade relacionam-se diretamentecom a definição de Galtung (1990;p.334) sobre a violência:Mediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de Almeida Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública145


Drogas, conflito e violênciaMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de AlmeidaA violência é aqui definida como a causada diferença entre o potencial e o actual,entre o que poderia ter sido e o que é. Aviolência é o que aumenta a distância entreo potencial e o actual e o que impede adiminuição dessa distância.Nessa perspectiva, violência é toda açãoque impede ou dificulta o desenvolvimento (adiminuição entre o potencial e o atual). Nessesentido, a não-violência deve ser consideradacondição básica e indispensável para o exercíciodo direito ao desenvolvimento. Tais direitosnecessitam estar protegidos, com umaverdadeira “aura” de não-violência, já que elessão o fundamento de tudo aquilo que o ser humanopode vir a ser.O trabalho do Balcão de Direitos, prevenindoa violência, corrobora essa afirmação. Aseguir, a descrição de um caso exemplar.Caso 3: Quero matar meu vizinhoConflitos de vizinhança são muito comuns,especialmente em um ambiente defavela, onde a construção das casas, via deregra, não segue padrões ou normas legais.Privacidade é algo difícil de manter,as casas geralmente são muito próximas,o que possibilita o conflito. Imaginemosuma questão de Direito de laje, onde emuma mesma laje são abertas uma igrejaevangélica e um forró. É fácil imaginar osconflitos que podem surgir, ainda mais se,por exemplo, ambas dividirem a mesmaescada de acesso... Muitos são os exemplospossíveis de conflitos de vizinhança,envolvendo lixo, chuva, cães, filhos... Oimportante é saber que nem sempre essescasos poderão ser judicializados, emboraessa hipótese não possa ser totalmentedescartada. Mas deve-se sempre resolvera questão através da mediação. Muitasvezes a resolução do caso envolve umaobra, o que nem sempre pode ser feito,por condições econômicas das partes. Oimportante é que o assunto seja conversadode forma não violenta.Um dos casos concretos do Programa JustiçaComunitária também ilustra o trabalho deprevenção à violência durante o processo demediação. É o “caso da vaca”:(...) Facilitadas pelos agentes comunitários– que buscaram sempre o enfoquedo futuro e não o julgamento do passado– as partes foram envolvidas em umaatmosfera mais amigável e sugeriram ummutirão para a construção e instalação dacerca. A cunhada ofereceu o carro para otransporte da madeira. Nesse momento, amãe do solicitante – cuja única manifestação,em quase três horas de mediação, foiter-se referido ao solicitado como “mentiroso”– ofereceu-se para fazer o almoço decelebração do acordo entre as famílias, nodia do mutirão.Ao final, enquanto o acordo era redigido,as partes manifestaram o quão importantefoi para aquelas famílias a retomada deuma velha amizade e, ainda, a certeza deque, no futuro, eventuais conflitos quesurjam entre eles serão facilmente resolvidospelo diálogo.Ao mudar a forma violenta de resoluçãode conflitos para uma forma dialógica146Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


e, portanto, não-violenta, o processo demediação faz uma verdadeira mudança depadrões em prol de uma cultura de convivênciae paz.Potencial da situação e aplicaçãode modelosAs diferenças entre todos os projetos emanálise demonstram não uma falta de unidademetodológica, mas a ampla gama depossibilidades de implementação à disposiçãodos projetos. A unidade metodológica éimportante e necessária à medida que contribuacom o trabalho dos projetos. Note-seque deve existir também o caminho inverso,ou seja, o trabalho dos projetos contribuindopara a formulação da metodologia.A necessidade do estabelecimento de parâmetrose princípios comuns entre os projetossurge, neste momento, não por deficiênciaconceitual, mas pelo atual estágio de elaboraçãoda metodologia comum, que torna viávela transferência de conhecimento desses projetos.Todavia, tal metodologia deve ser utilizadacomo uma idéia-guia e não como um modelopronto e acabado.Esclarece-nos François Jullien (1996, p. 33,tradução nossa):Eu acredito que o modo grego de conceber aeficácia possa resumir-se assim: para ser eficazeu construo uma forma modelo, ideal,então faço um plano e coloco uma meta,depois começo a agir a partir do plano e emfunção dessa meta. Existe primeiro a modelizaçãodepois esta modelização demandasua aplicação.Construir planos e aplicar modelos fazparte do modo de atuação do Poder Judiciário,que é orientado pela lógica da subsunçãoda norma ao caso concreto. Já os projetosanalisados, que estão no âmbito da proteçãolocal dos direitos humanos, demandamcomo primeira tarefa o mais amplo e profundoconhecimento do espaço-tempo e localonde serão implementados. Essa tarefa énecessária a fim de ser desvelado o potencialda situação.Duas noções estão no âmago da antiga estratégiachinesa formando um par: de umaparte, a de situação ou de configuração(xing), como ela se atualiza e toma formadiante de nossos olhos (como relação deforça); de outro lado e respondendo a ela, ade potencial (shi), como ela se encontra implicadanessa situação e que podemos fazêlajogar a nosso favor (JULLIEN, 1996, p.33, tradução nossa).A aplicação de modelos segue um plano. Jáa análise do potencial da situação detecta osfatores de crescimentos existentes e contribuipara a concretização de seu processo.Assim, um grande estrategista não projeta(um plano); mas ele repara, detecta,na própria situação, os fatores que lhe sãofavoráveis, de modo a fazê-los crescer, aomesmo tempo em que faz diminuir aqueles(fatores) que são favoráveis a seu adversário(JULLIEN, 2005, p. 39, tradução nossa).Nessa perspectiva, a unidade metodológicanão é um modelo a ser automaticamenteaplicado, mas sim um conjunto de princípios,métodos e boas práticas que facilitem o surgimentoe posterior desenvolvimento de novosMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de Almeida Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública147


Drogas, conflito e violênciaMediação, proteção local dos direitos humanose prevenção da violênciaGuilherme Assis de Almeidaprojetos. Não apenas um único modelo paraser aplicado cegamente, mas registros de experiênciascom seus sucessos e insucessos quesirvam como inspiração para outros e diferentesprojetos.ConclusãoO ex-prefeito de Bogotá, Antanas Mockus,que concebeu os termos cultura e convivênciacidadã, oferece uma interessante definição doverbo conviver {2002, p. 21}:“convivir es acatarreglas comunes, contar com mecanismosculturalmente arraigados de autorregulaciónsocial, respetar las diferencias y acatar reglaspara procesarlas; también es aprender a celebrary a reparar acuerdos.”Ao resolverem as questões de forma nãoviolenta,homens e mulheres estão promovendoa auto-regulação dos seus própriosconflitos, descobrindo um direito vivo nasua convivência cotidiana. A última questãoque se coloca é: promover a convivência nãoé prevenir a violência? Tema para um próximoartigo.1. Para um estudo detalhado dessa questão consulte: O Direito nas SociedadesHumanas ASSIER-ANDRIEU (2000).2. Termo cunhado por Boaventura de Sousa Santos e que será estudado maisadiante.3. Para uma explicação detalhada da transformação e transcendência deconflitos, consulte Galtung (2006).148Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


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Drogas, conflito e violênciaConflito, violência e tragédiada cultura moderna: reflexõesà luz de Georg SimmelGiane Alves de CarvalhoGiane Alves de Carvalho é socióloga, doutoranda em Sociologia Política, pela Universidade Federal de Santa Catarina.gianealves@hotmail.comResumoEste artigo tem como ponto de partida a discussão teórica do conflito social em Simmel, mais especificamente, suarelação com a violência contemporânea, evidenciando, assim, os limites e divergências teóricas de ambos os conceitosque se encontram vinculados aos aspectos trágicos de ausências de relações recíprocas e perda da originalidade doindivíduo moderno.Palavras-ChaveSimmel. Conflito social. Violência. Cultura moderna.150Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Um século se passou e as teorias de Simmelainda se sustentam com tamanharelevância e pertinência no meio acadêmico.O notório empenho deste sociólogo alemãopermitiu novos olhares para a microssociologiasem perder o gancho com as complexas problemáticasda macro vida moderna. Ao ladode seu colega Max Weber, este autor trilhou,com originalidade teórica, novos rumos paraa sociologia.Sendo assim, diante do constante aumentoda complexidade das manifestações dosobjetos de análise sociológica, surge a necessidadede repensar a realidade e as relaçõessociais que têm como enfoque os conflitossociais. Dos mais tenros aos mais intensos,Georg Simmel tem sido referência para propornovos olhares para o conflito na sociedademoderna.No entanto, falar das teorias de conflitosocial em Simmel é um grande desafio, hajavista a ampla articulação teórica de múltiplastemáticas sobre o indivíduo moderno. Noâmbito de suas densas reflexões, Simmel publicoumais de 200 artigos 1 de sua própria autoria,perpassando por diferentes áreas do conhecimento,como sociologia, antropologia,psicologia, filosofia, sem deixar de manter ofoco de suas análises nas formas particularesde interação humana, cristalizadas em estruturasinstitucionais de grupos.O estudo sociológico de Simmel consisteem construir uma teoria da modernidade baseadana vivência do indivíduo, com preocupaçãovoltada para o cotidiano e para as formasde socialização e conformações de grupossociais. Esta abordagem microscópia, acercadas interações sociais da vida cotidiana, levaao caminho do vitalismo, em que o enfoquesociológico recai sobre as entremanhãs da vidamarcada por paradoxos e dualismos.Neste contexto interdisciplinar, a teoria doconflito social em Simmel traz uma nova luzpara a sociologia, no sentido de repensar osverdadeiros propósitos e impactos sociais doconflito estabelecidos na sociedade moderna.Portanto, pretende-se discutir a teoria do conflitosocial em Simmel e elencar elementos quepermitem a compreensão da violência contemporâneanuma perspectiva relacional entre oconflito e a tragédia da cultura moderna.O conflito social em SimmelAs teorias de conflito social estão arraigadasem muitas vertentes das Teorias Sociais. Noentanto, diferentemente das propostas de Simmel,muitas abordagens sobre conflito socialencontram-se, claramente, dicotomizadas emdois pólos: os enfoques que aceitam, no sentidoanalítico, o conflito social; e os que rejeitamo conflito, cedendo lugar às questões de ordeme consenso social.Drogas, conflito e violênciaConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de CarvalhoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública151


Drogas, conflito e violênciaConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de CarvalhoA opinião de uma sociedade do consenso encontra-sepresente nas concepções filosóficas daimagem de uma sociedade harmônica em Rousseau;no “imperativo moral” de Kant; na perspectivanaturalista de ordem social em Durkheim; nofuncionalismo de Parsons, ao destacar que todosistema social se estrutura com base no acordo eno consenso; em Mills com sua ênfase na noçãode pacto social, entre outros.Em outro plano, encontram-se teorias queabarcam a noção de conflito social, como Hobbes,ao tomar a imagem da discórdia social e crerque o pacto social somente é possível através dacoerção; Hegel e Marx, ao voltarem-se para osconflitos de classe social, assim como as ênfasesno conflito social, claramente presentes nas análisesde Giddens, Touraine e Dahrendorf.Para além destas abordagens, Simmel trazum novo paradigma dos conflitos sociais aocompreender o conflito social como meio constantede integração social que vise a socializaçãodos sujeitos. Sua perspectiva dualista permitecompreender a relação direta entre conflito econsenso, como um eixo real que se encontraempiricamente em toda unidade social.Sendo assim, questiona-se a possibilidade deo conflito social ser um fator positivo nas sociedadesmodernas. Simmel traz a resposta ao evidenciarque tal conflito não somente possui umlado positivo, mas também se torna elementonecessário da natureza sociológica, pois apresenta-secomo forma de socialização ambivalente.Desse modo, o conflito que desvela e mascara,ao mesmo tempo, faz referência a umaforma de dissociação, de confrontação, de rupturada unidade. Esta maneira de entender oconflito revela o aspecto da socialização peloconflito, constituindo uma das mais vivas açõesrecíprocas, pois somente se mostra quando seproduz a luta (Simmel, 1986a).Assim, os fenômenos sociais, vistos aopartir do ângulo positivo do conflito social,aparecem sob uma nova luz. O rompimentocom a visão dicotômica é justamente entendero conflito não somente sob uma perspectivanegativa. O lado positivo do conflito é consideradono sentido de permitir mecanismos desocialização, sendo percebido nas entrelinhasdos trabalhos de Simmel; um “mal” necessárioque nem sempre é mal.Sendo assim, para Simmel, a teoria sociológicado conflito está articulada em doismomentos: o primeiro analisa a natureza sociológicado conflito como um mecanismo desocialização; e o segundo apresenta uma reflexãosobre o conflito em relação às estruturas dogrupo social e dos grupos em conflito (SIM-MEL, 1986a).No que se refere ao aspecto da natureza sociológica,Simmel compreende que o conflito éprojetado para resolver os dualismos divergentes.É uma maneira de conseguir algum tipode unidade, mesmo se for pela aniquilação dosopostos. A intenção do conflito é resolver atensão entre os contrastes.Em relação à estrutura grupal, a preocupaçãode Simmel é justamente a necessidade deorientação e centralidade para o conflito social,pois este pode tanto ser uma forma de socializaçãocomo tornar-se o conflito dos conflitos de152Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


socialização. Esta última questão será tratadamais adiante, haja vista no momento a intensaarticulação teórica de Simmel entre questõesda natureza social do conflito e da estrutura degrupos sociais.Na visão de Wolff (1950), um estudioso deSimmel, o conflito sempre foi visto como umfator que rejeita a socialização, no sentido puramenteperverso. No entanto, para Simmel,diante deste contraste de puro negativismo, osaspectos positivos e negativos do conflito sãointegrados, podendo ser separados conceitualmente,mas não empiricamente.Entretanto, estas discórdias não são, paraSimmel, meras responsabilidades sociológicasou exemplos negativos. A sociedade real nãoresulta somente de forças sociais consideradaspositivas até o limite de se tornarem negativas.Na concepção simmeliana, esta visão é completamentesuperficial, pois a sociedade comonós a conhecemos é o resultado de ambas ascategorias de interação (WOLFF, 1950).Diferentemente da perspectiva da sociedadedo consenso em Durkheim ou em Weber,Simmel também inova ao atribuir a noção decoesão social através do conflito, que obriga aspessoas a se concentrarem em grupo e em seusobjetivos comuns. O estabelecimento de umafronteira claramente definida é fundamentalpara que os membros possam produzir e reproduzira identidade do grupo e suas diferenças arespeito de outros grupos.A exigência de coesão social impulsiona determinadosgrupos, sob determinadas circunstâncias,a buscarem inimigos externos ou persistiremem sua postura diante da transigênciae tolerância do seu oponente, para que a unidadedos elementos siga atuando com interessevital (SIMMEL, 1903).Para Marx, a luta de classe, a qual se compreendepor conflito social, é vista como umapassagem para emancipação do proletariado.Neste caso, o conflito não é analisado comoalgo inerente aos indivíduos, mas sim comoum mecanismo de transformação social. Noentanto, para Simmel, o conflito é algo constantee inacabável; ao estudar a ordem econômicao autor sobrepassa o materialismo históricopara dar conta das interações sociais cotidianase dos processos de socialização.Para compreender o conflito social, é necessárioentender a sociologia de Simmel,pois para ele uma classificação mais detalhadada ciência das relações dos homens – asociologia – deve distinguir-se das relaçõesque visem a constituição de unidades subdivididas:a unidade individual e a unidadedos indivíduos (sociedade).Para Simmel, o indivíduo não alcança aunidade de sua personalidade exclusivamentepor uma exaustão harmônica de acordo comnormas lógicas, objetivas, religiosas ou éticas.A contradição indivíduo-sociedade não somenteprecede a unidade, mas também é umimperativo em cada momento da existência doindivíduo-unidade. Nenhuma unidade socialconvergente ou divergente intervém separadae independentemente (WOLFF, 1950).A existência de um grupo absolutamentecentrípeto e harmonioso é empiricamente ir-Conflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de Carvalho Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública153


Drogas, conflito e violênciaConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de Carvalhoreal e não pode demonstrar nenhum processoreal de vida. Assim como o universo necessitado amor e do ódio, de forças atrativas e repulsivas,a sociedade precisa, demasiadamente,alcançar relações quantitativas de harmoniae discordância, da associação e da competição,de tendências favoráveis e desfavoráveis(WOLFF, 1950).Além disso, é importante destacar que a sociologiade Simmel também se volta para o esforçode compreender a vida, uma vez que paraele a finalidade está na própria vida e não podeser encontrada fora dela. A essência da vida éa intensificação, o aumento, o crescimento daplenitude do poder, a força e a beleza interiorprópria na relação, não a todo o objetivo definível,mas puramente ao seu próprio desenvolvimento.Por seu aumento, a vida própria fazexame no valor potencialmente infinito (SIM-MEL, 2000).Simmel conversa com Schopenhauer eNietzsche e propõe pensar o conceito comoalgo mais do que a substância da vida em seguira vontade determinada pelo self. A idéia davida é o ponto de intersecção de duas maneirasdiametralmente opostas de pensar que entreelas traçaram para fora as decisões cruciais aserem feitas na vida moderna.Neste sentido, para Coser (1977), a sociologiade Simmel é formada sempre por umaaproximação dialética. Durante todo seu trabalho,ele evidencia as conexões e tensões entreindivíduos e sociedade. Os indivíduos são, paraSimmel, produtos da sociedade. Ao olharmosa totalidade da vida devemos olhar, ao mesmotempo, para o aspecto da singularidade que seorienta para a experiência do indivíduo. Assim,o indivíduo está, ao mesmo tempo, dentro efora da sociedade, pois ele existe para a sociedadeassim como para ele mesmo.O “Homem Social” não é parcialmente sociale nem parcialmente individual. Sua existênciaé dada por uma unidade fundamentalque não possa ser esclarecida de nenhuma outramaneira que não seja a síntese ou a consciênciade duas determinações logicamente contraditórias:indivíduo e sociedade (COSER, 1977).Neste sentido, ainda para Coser, a insistênciana dialética perversiva da relação entreindivíduo e sociedade contempla todo opensamento sociológico de Simmel. O indivíduoé determinado ao mesmo tempo emque está sendo determinado. A incorporaçãona rede de relações sociais é um fator inevitávelda vida humana.Segundo Coser (1977), é importantelembrar que Simmel nunca sonhou com umuniverso social em que a disputa entre indivíduose grupos seria proibida para sempre.Para ele, o conflito é a maior essência da vida,um componente impossível de radicalizar davida social. O conflito e a ordem são correlativose constituem uma eterna dialética davida social. Seria conseqüentemente um errodistinguir uma sociologia da ordem e uma sociologiada desordem.A socialização envolve sempre harmonia econflito, atração e repulsão. A mistura das duastendências forma na realidade uma unidade. Asocialização é sempre o resultado de ambas ascategorias de integração. Neste sentido, Sim-154Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


mel demonstra sua preocupação no sentido dediferenciação entre aparência social e realidadesocial. Embora um relacionamento conflitivopossa ser considerado completamente negativopor participantes ou por observadores externos,evidencia-se que transversalmente osaspectos positivos são latentes.Conflito social e violênciaConforme visto até aqui, é essencial reconhecerem Simmel que o conflito social envolvenecessariamente a ação recíproca. Esteprocesso é mais favorável aos grupos sociais doque uma posição unilateral marcada pela ausênciada negociação recíproca.Para Simmel (1986a), somente a exclusãode um relacionamento poderia ser consideradacompletamente negativa. Um relacionamentoconflitivo e possivelmente doloroso, para umou mais membros, integra os indivíduos nateia social através de uma participação mútua,mesmo sendo diante do dissenso.No entanto, em face de tais fatores de exclusão,há que se pensar nas questões sobreviolência: afinal, em que aspecto o conflitosocial relaciona-se com a violência contemporânea?Simmel não aborda diretamente oconceito de violência, no entanto, surgemnovos questionamentos: quais os limites dosaspectos negativos do conflito social? Quaisos efeitos do conflito social e da violência noâmbito da liberdade do sujeito? Em meio àsmultiplicidades teóricas sobre violência, nãocabe aqui investigar a fundo estas questões,mas é pertinente refletir sobre os limites teóricosentre violência e conflito social.Uma vez que as questões sobre conflitojá foram elucidadas, em meio a este debate épreciso situar, primeiramente, os principaisparâmetros teóricos sobre violência, aquiadotados: a violência não é um sinônimode conflito social; a perspectiva teórica sobreviolência não é a mesma a respeito doconflito social em Simmel; e a compreensãodos conflitos sociais à luz de Simmel é umfator crucial para compreender a violênciaem tempos contemporâneos.Neste sentido, não se trata de relegar aviolência ao plano dos conflitos sociais sobum julgamento de um mal a ser combatidoem nome da ordem social e tampouco destacara violência como um fator positivo enecessário à sociedade.Ao se tomar como ponto de partida aperspectiva teórica sobre conflito social emSimmel, é possível compreender a violênciacontemporânea como um conceito muitomais amplo, que vai além das questões de socializaçãoe relações recíprocas marcadas peloconflito social.Mesmo na possibilidade de ser confundidacomo o conflito social, a sociologiaevidenciou que a violência, já instrumentalizada,provém de múltiplos fatores políticos,culturais, econômicos ou sociais, que demarcamsua complexidade quando esta se tornadifusa, sem referências estáveis, sem âmbitoe inexplicável. Porém, ela deixa brechaspara se reconhecer que seu ponto de partidae chegada ocorre no campo simbólico dossujeitos, quando agride a alma e rebaixa acondição humana.Conflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de Carvalho Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública155


Drogas, conflito e violênciaConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de CarvalhoDiante da pluralidade do social e do sujeito,os esforços maiores para compreender aviolência não se referem às conseqüências, massim às causas. No entanto, se a violência forentendida como ausência de conflito, sintomade desequilíbrio na ordem social, de não reconhecimentomútuo e de negação do outro,pode-se, então, partir da compreensão simmelianade relação recíproca entre meios e fins, ouseja, a violência vista como um processo dialéticoentre meios e fins.Desta forma, Simmel pode fornecer basesexplicativas para o entendimento da violênciacontemporânea. Sua preocupação com a perdalastimável de energias no processo antagônicoentre conflito e consenso, contrários aos processosnaturais da vida social, permite perceberque a violência corresponde às conseqüênciasda ausência de sociabilidade e reciprocidadedos conflitos sociais aos quais se referia.Apesar das dificuldades empíricas de diferenciarconflito de violência, ainda é possível,à luz de Simmel, perceber que o conflito socialsomente será conflito quando corresponder àsocialização e à ação recíproca entre os grupossociais; caso contrário, entende-se que o conflitodeixa de ser conflito e sede lugar às maisdiversas formas de violência.Neste sentido, Wieviorka (2006) ajudacompreender a violência ao defini-la como umanegação da subjetividade e uma negação de reconhecimentosociocultural: não é mais a lutacontra a exploração, a sublevação contra um adversárioque mantém com os atores uma relaçãode dominação, mas sim a não relação social, aausência de relação conflitual, a exclusão social.Wieviorka (1997) coloca-se diante de duasidéias centrais sobre violência. Uma é claramenteinstrumental e cresce quando a ordemsocial se desfaz, onde não há “atores” estratégicosenvolvidos, dispensando a comunicação e arelação entre atores. A outra idéia é denominada,pelo autor, por violência não instrumental,que significa a impossibilidade para os atoressociais estruturarem suas práticas em uma relaçãode mudanças mais ou menos conflitivas,traduzindo-se num déficit nas relações, nacomunicação e no funcionamento da relaçãoentre atores.Para Tavares dos Santos, é imprescindíveldistinguir a relação de poder e a relação deviolência. Para ele, o poder é uma forma deexercer a dominação que se caracteriza pelalegitimidade e pela capacidade de negociar oconflito e estabelecer o consenso, enquanto aviolência é uma relação social inegociável, poisalcança, no limite, as condições de sobrevivência,materiais e simbólicas.No famoso capítulo Superiority and subordination,de Simmel (1896), a dominação,assim como o conflito, não se encontra na imposiçãounilateral da vontade do subordinadorsobre o subordinado, mas envolve uma ação recíproca.A ação do subordinador não pode sercompreendida sem a referência ao subordinadoe vice-versa, ou seja, ao contrário de violência, adominação é uma forma de interação.Na contramão de muitas abordagens queconsideram a violência uma forma de poder(Foucault, Weber), é necessário compreendero poder presente nas relações de conflitoe não nas relações de violência. Hannah156Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Arendt (1994) sublinha as distinções conceituaisentre poder e violência. Para a autora,a violência não é apenas distinta do poder,mas, precisamente, o seu oposto. Se o poderé a capacidade que temos de agir em conjunto,toda impossibilidade de ação estimula oato violento.A perda da sustentação pelo grupo ocasionaa perda do poder, que fica substituído peladominação e pelo uso da violência. O podernasce de uma vontade coletiva que, evidentemente,não necessita da violência como instrumentode imposição, enquanto na violência hásempre a expressão de uma impotência tornadaativa (ARENDT, 1994).Se em toda relação de poder existe umaacordo, nas de conflito social, conforme visto,não é diferente. Há que considerar que oconflito é marcado por relações de poder, poispara Simmel (1903) o conflito configura-se emmeio aos objetos de disputa.A renúncia e a troca são fatores que nãopermitem o desgaste entre os grupos em conflito.A troca pressupõe um caráter objetivodos valores e interesses. O elemento decisivo jánão é a mera paixão subjetiva do desejo, que sesubmete pelo esforço e desgaste, mas sim umvalor do objeto, reconhecido por ambas as partes(SIMMEL, 1903).No entanto, Simmel deixa claro que abdicara renúncia requer, certamente, um longodesenvolvimento histórico para permitir umprocesso harmônico entre conflito e consenso.Este quadro pressupõe uma generalizaçãopsicológica de valores universais do objetoindividual, pressupondo a habilidade de estaracima de fatores preconceituosos dos desejosimediatos.Um caso especial de troca significa, a princípio,embora realizado somente pelas partes,a possibilidade de evitar o esforço, ou delhe ajustar um limite antes da mera força daspartes. O espírito de conciliação, entretanto,manifesta-se, freqüentemente em sua peculiaridade,após o conflito.No entanto, cria-se um problema adicionalquando a atitude conciliatória apresentasecomo um exclusivo fator sociológico. Nestecaso, trata-se de uma situação puramente externa,em que se prossegue uma completa espontaneidadee não meramente uma conseqüênciade emoções subjetivas. É comum dizermos quenós não poderíamos nos esquecer, não poderíamosperdoar ou não poderíamos nos tornarreconciliáveis por completo. Isto significa, obviamente,a irreconciliação, pois a conciliaçãodepende do consenso para a atitude contrária acada ocasião (SIMMEL, 1903).Nestes casos, é possível visualizar as conseqüênciasdo conflito, totalmente descartadode seu aspecto real, para se afundar no centroda alma, completamente voltado para as maisprofundas formas da personalidade humana,tão distantes do relacionamento com o outro esem acesso para qualquer ação corretiva (SIM-MEL, 1903).Assim, o antagonismo entre conflito e consensogera uma perda lastimável de energia eesforço, contrária aos processos naturais davida social. Simmel (1903), ao falar que todaConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de Carvalho Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública157


Drogas, conflito e violênciaConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de Carvalhotroca é um acordo, refere-se ao reconhecimentomútuo e recíproco perante as tensões antagônicasentre conflito e acordo.Neste sentido, compreende-se que estaperda de energias possibilita brechas profundaspara a difusão da violência. Mas Simmelvai além, ao perceber a complexidade das relaçõessociais dos indivíduos nos processos desocialização da vida moderna. Sua preocupaçãoem torno da inexistência de uma relaçãorecíproca entre indivíduo e sociedade demarcao lado patológico de um conflito evidenciadona cultura moderna.Há um processo de inversão social em quea vida não se encontra mais nos indivíduos,mas sim na técnica, no dinheiro, nos objetos,na ciência. Nestes termos, o conflito assumeuma nova forma anômica, à medida que o sujeitose coisifica e se aliena diante da própriaobjetivação da cultura.Vandenberghe (2005) esclarece que, paraSimmel, ocorre um divórcio entre a culturaobjetiva e a subjetiva. A hipertrofia de umapermanece inseparável da atrofia relativa daoutra. Esse triunfo da cultura objetiva é proporcionalà derrota da cultura subjetiva.Para Souza (2005), esta separação entre asculturas subjetivas e objetivas, destacada porSimmel, é a cisão que dá conteúdo ao conceitode tragédia da cultura moderna. O conteúdoda cultura torna cada vez mais crescenteum espírito objetivo, de modo que a elevaçãocultural dos indivíduos fica abaixo da elevaçãocultural das coisas, em termos concretos, funcionaise espirituais.Neste sentido, a tragédia da cultura modernanão se encontra no conflito em si, (conforme jávisto, a necessidade vital do conflito), mas sim nodescompasso desproporcional entre indivíduo esociedade. Este conflito doentio é caracterizadopela separação entre “coisas” e “homem”, inexistindouma reciprocidade conflitual entre sociedadee indivíduo. O mesmo processo fatal que, naesfera cultural, conduz inevitavelmente à perdade sentidos, também vigora na esfera material dasociedade, ocasionando a perda da liberdade.Simmel mostra os caminhos em que a culturaobjetiva se desenvolve. Para o autor, este desenvolvimentoé proporcionado pela conjunção daeconomia monetária e divisão do trabalho. Narealidade, conforme Souza descreve, encontra-seaqui um ótimo exemplo do talento de Simmelcomo observador das patologias do cotidiano.A sociedade do “Deus-dinheiro”, por exemplo,é um elemento alienante que afasta tudo o que épessoal e tornar-se um fim absoluto e reguladorda vida prática (SOUZA, 2005).Sendo assim, para Simmel, o conflito da culturamoderna sem dúvida faz parte da condiçãodo homem. No entanto, quando a objetivaçãodas relações sociais impede o desenvolvimentodo indivíduo (do self) ,emerge o aspecto trágicoe alienante da cultura moderna, caracterizandoo conflito como algo inautêntico e patológico.Contrabalançando a reificação com a personificação,Simmel estabelece, contudo, no fimdo percurso, a ambivalência da modernidade.“Ele liga a dialética da reificação da vida e daalienação do indivíduo à da reificação das relaçõessociais e da liberação do indivíduo” (VAN-DENBERGHE, 2005, p. 186).158Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


O homem moderno é de tal modo rodeadopor coisas impessoais que a concepção de umaordenação da vida absolutamente antiindividualaproxima-se cada vez mais, o que certamentetambém é válido para a concepção oposta a talordenação da vida (SOUZA, 205).Para Simmel, a vida pode muito bem incorporarem si o seu contrário, mas não podesuperá-lo, pois, ainda que busque a unidade, avida só pode encontrá-la na dualidade (VAN-DENBERGHE, 2005).Neste sentido, é possível compreender, àluz de Simmel, que a violência contemporâneanão vai encontrar suas bases de evolução nosaspectos da dualidade, porque este é o caminhodo conflito social. A tragédia da culturamoderna não mantém constante a energia vitalda dualidade, da reciprocidade, do conflito social;ao contrário, essa discrepância, em relaçãoaos aspectos equitativos de dualidade, podepermitir a involução do indivíduo e o desenvolvimentoda violência.A mediação humana é inteiramente descartada.Na visão de Simmel, os indivíduos almejamdesejos de liberdades, de compreensão, deigualdade de direito, mas ficam impotentes àmedida que a cultura das coisas torna-se superiorà cultura das pessoas. Neste sentido, progressoe estagnação podem encontrar-se imediatamenteemparelhados (SOUZA, 2005).A discrepância entre as culturas subjetivas eobjetivas caracteriza um indivíduo impessoal,privado de liberdade. Entretanto, o indivíduonão vai buscar esta perda subjetiva nos conflitossociais, mas principalmente na alienação,sendo que, em casos de grandes frustrações seucaminho será pelas múltiplas formas de violência,embora se considere, também, a intrínsecarelação entre violência e alienação.Considerando que a violência possa existir,juntamente com os conflitos sociais, desde ostempos mais remotos da civilização, e talvezexistindo apenas como resquícios, diante doséculo das luzes, em que o Iluminismo demarcounovos princípios de racionalidade e certapreponderância da evolução humana, poucaevolução se percebeu no campo da retenção daviolência; ao contrário, ela se intensifica e seressignifica aos moldes da sociedade moderna.O lado trágico é vivermos na era do progresso(técnico e científico), na era da valorizaçãoda cultura objetiva, conforme lembra Simmel.Em contrapartida, o sujeito não encontraseu “lugar”; não encontra retorno (o que vainão volta), e então o culto à violência é umaresposta às avessas. A hostilidade acentua-sesob forma de violência, nas guerras contemporâneas,nas facções criminosas, no terrorismo,no tráfico de drogas, no cotidiano, no públicoe no privado, até mesmo na barbárie do matarpor matar, lado a lado do crescimento da culturaobjetiva.É importante lembrar que, para Simmel, éinegável a existência de um instinto de hostilidadeno conflito, se forem levados em contaos motivos mínimos que podem produzirum conflito, como desproporção entre causa eefeitos de algumas confrontações, um eixo queo indivíduo necessita para se firmar e, ao mesmotempo, negar o outro. No entanto, a hostilidadenão é suficiente para explicar todas asConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de Carvalho Drogas, conflito e violênciaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública159


Drogas, conflito e violênciaConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de Carvalhosituações de conflitualidade, mas serve comoelemento para fortalecer controvérsias origináriasde interesses materiais (SIMMEL, 1986).Além disso, a exacerbação da violência contemporâneanão se confunde com o caráterpatológico do conflito social, porque não seconfigura pela dualidade discrepante e pelo descompassoentre cultura objetiva e subjetiva, masutiliza os mesmos para se manter, seja de umaforma simbólica ou não, visível ou invisível.Considerações finaisSimmel não se opõe ao conflito em temposmodernos, pois, em suas diferentes instâncias,o conflito é um elemento eminentementede natureza sociológica e regulador dosprocessos de socialização. A originalidade emSimmel é justamente evidenciar que o conflitopossui aspectos negativos e positivos, fatorque contrapõe aos ideais de uma sociedadeprojetada para a eliminação do mesmo, emnome da primazia de uma sociedade do consensoe da ordem.A sociologia de Simmel fornece elementospara compreender o conflito social quando sepercebe a coerência de seus pensamentos marcadospelos aspectos de dualidades, paradoxose ambigüidades. Neste sentido, a epistemologiade Simmel guarda um aspecto normativo,ao perceber a dualidade como um princípio danatureza humana, necessária aos processos desocialização. Esta dualidade caracteriza-se pelaligação recíproca entre os opostos, sejam eles:vida e morte; conflito e ordem; indivíduo e sociedade;totalidade e particularidade; subjetividadee objetividade.No entanto, ao investigar o conflito noplano da cultura moderna, Simmel percebeuma profunda discrepância entre indivíduo esociedade, mais especificamente entre culturassubjetiva e objetiva. A decadência do indivíduocontrapõe-se ao crescimento de uma objetividadecientífica, social e econômica, pilaresda cultura moderna.O conflito da cultura moderna assumeum caráter trágico marcado pela incapacidadede atuação e intervenção do indivíduo. Apreocupação de Simmel em relação ao conflitoda cultura moderna é, justamente, a ausênciade relações recíprocas entre culturasobjetiva e subjetiva.Trata-se de uma ressignificação do conflito,que não se esgota, mas que assume um ladotrágico e patológico, numa perspectiva unilateral,em que o mundo das coisas sobressai emrelação à própria individualidade. Para Simmel,é a perda da originalidade do indivíduoperante a cultura objetiva, corroída pela economiamonetária e pela divisão do trabalho,que demarca os processos de alienação e privaçãoda liberdade dos indivíduos.Conforme visto, a violência contemporâneanão substitui o conflito, mas se alimenta deseu caráter patológico. O conceito de violênciaaqui refletido subentende a ausência de conflitosocial em outro plano unilateral, não somentemarcado pela ausência de relações recíprocas desocialização, mas de um princípio de ação donão reconhecimento e negação do outro.Para Simmel, na vida moderna, se têmprivilegiado os meios sobre os fins. Não é à160Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


toa que Simmel percebe o conflito da culturamoderna como algo trágico, pois diantedos problemas que transpassam a sociedademoderna, dos conflitos, dos processos dealienação do indivíduo, da privação de liberdadeimpostos pela cultura objetiva e da intensificaçãoda violência podemos percebera dificuldade de encontrar um “lugar” paraestabelecermos os limites.Para Henriques (2007), a aposta de Simmelperante o conflito da cultura moderna seria lutarpelo desenvolvimento da cultura objetivano sentido de romper com sua solidificação.Não há outra forma a não ser pela busca deexperimentação e originalidade que abarqueoutras dimensões da vida dominada pela economiade mercado.Sendo assim, é possível perceber que o pessimismode Simmel é condicionado à culturamoderna, uma vez que as conseqüências dasações humanas guardam certa imprevisibilidade,pois seu vitalismo configura o processodinâmico da vida marcado pela criação, transformaçãoe recriação. Para Capdequí, a vidaem Simmel pode se converter em uma totalidadedinâmica e renovadora, que nada sabe desuas causas, finalidades e razões (a priori), masque se preconcebe (a posteriori) em símbolo detranscendência imanente.Neste sentido, Ferreira (2000) conseguever em Simmel a esperança como impulso ontológico,mencionando que “somos estimuladospela fantasia e não pela realidade: ao invésdisso, de forma bastante legítima e honesta, aesperança da felicidade torna-se felicidade daesperança” (SIMMEL, 1986, p. 56).Enquanto os conflitos da vida não conquistamsua simbiose, o problema da cultura modernapode ser apenas uma passagem necessáriapara que a vida possa conhecer os diversoscaminhos e, assim, alcançar uma transcendênciapara além da dualidade.Conflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de Carvalho Drogas, conflito e violência1. Embora suas obras tenham sido traduzidas em vários países do continente e servindo como fonte inspiradorapara a compreensão das mais diversas questões da modernidade, no Brasil, em termos de traduções, aindanão se alcançou tamanho reconhecimento das obras de Simmel.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública161


Drogas, conflito e violênciaConflito, violência e tragédia da cultura moderna:reflexões à luz de Georg SimmelaGiane Alves de CarvalhoReferências bibliográficasARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro:Relume Dumará, 1969; 1994.COSER, Lewis. Masters of sociological thought: ideas inhistorical and social context. Second edition. New York :Harcourt Brace Jovanovich, 1977.__________. Nuevos aportes a la teoría del conflictosocial. Buenos Aires: Amorrortu, 1971.CAPDEQUÍ, Celso. Las formas sociales em G. Simmel.Reis Revista Española de Investigaciones Sociológicas,Madrid, España, 1990.COHN, Gabriel. As diferenças finais: de Simmel a Luhmann.Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo,vol. 13, n. 38, outubro 1998.DAHRENDORF, Ralph. Conflictos entre clases. Universidadde Essex, 1967.DURKHEIM, Émile. De la división del trabajo social.Madrid: Ed. Akal, 1995._________. Mundo em descontrole: o que a globalizaçãoestá fazendo de nós. Rio de Janeiro: Record, 2000.HENRÍQUEZ, Guillermo; TELLO, Andrés. El conflicto de lacultura moderna: reflexiones en torno a Georg Simmel.Ciencias Sociales Online, Chile, Universidad de Viña delMar, vol. IV, n. 1, Marzo 2007.LUKÁCS, G. Posfácio à memória de Georg Simmel –1918. In: SIMMEL, Georg. Filosofia do amor. São Paulo:Martins Fontes, 1993.MARX, Karl. O dezoito de Brumário de Luiz Bonaparte.Rio de Janeiro: Vitória, 1956 (Col. Obras escolhidas).MILLS, Wright. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro:Zahar, 1982.PARSONS, T. O sistema das sociedades modernas. SãoPaulo: Pioneira, 1974.RÜDIGER, Francisco. Georg Simmel e a tragédia da culturana era da técnica. Revista FAMECOS, Porto Alegre,n. 17, p. 163-169, abril 2002.FERREIRA, Jonatas. Da vida ao tempo: Simmel e a construçãoda subjetividade no mundo moderno. RevistaBrasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol 15, n. 14, p.103-117, 2000.GARCIA, José Maria Gonzáles. Max Weber y Georg Simmel:¿dos teorías sociológicas de la modernidad? Reis:Revista española de investigaciones sociológicas, n. 89,p. 73-96, 2000.GIDDENS, Anthony. O Estado-nação e a violência. Trad.Beatriz Guimarães. São Paulo: Edusp, 2001.SIMMEL, Georg. Sociologia: estudios sobre las formasde socialización. Madrid: Alianza, 1986a._________. Superiority and subordination as subjectmatterof sociology I e II American Journal of Sociology,1896._________. The sociology of conflict. American Journalof Sociology, 1903._________. El individuo y la libertad. Barcelona: EdicionesPenínsula, 1986b._________. A metrópole e a vida mental de GeorgSimmel. In: VELHO, O. (Org.). O fenômeno urbano. Riode Janeiro: ed. Guanabara, 1987.162Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


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“Nós trabalhamos parasalvar vidas”EntrevistaEntrevista com praças do Corpo de Bombeiros da Polícia Militardo Estado de São PauloEsta entrevista foi feita com um grupo de praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Paulo, na cidade de São Paulo, em 16 deagosto de 2007. O objetivo foi entender como é organizado e como trabalha oCorpo de Bombeiros e o Resgate. Como as pessoas ingressam no Corpo de Bombeiros?Como são preparadas para o trabalho? Qual é exatamente o trabalho dosbombeiros? Estas informações podem ajudar a compreender por que a populaçãotem uma imagem positiva do Corpo de Bombeiros e do Resgate e acredita queeles prestam um bom serviço. A forma como o Corpo de Bombeiro e o Regate sãoorganizados, como os profissionais são selecionados, treinados, o tipo trabalho quedesenvolvem e o serviço que prestam têm relação com a confiança da populaçãonos policiais bombeiros. Após a realização da entrevista, no dia 07 de dezembrode 2007, o Corpo de Bombeiros recebeu da Universidade de São Paulo o PrêmioUSP de Direitos Humanos. O prêmio é mais um reconhecimento do bom serviçoprestado pelos bombeiros no exercício da sua missão de salvar vidas.164Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


FBSP: Vamos começar desde o começo: o que é o Corpo de Bombeiros?O que é o Resgate? Qual é a missão? O que é que eles fazem?Bombeiros: Bom, o Corpo de Bombeiros é uma divisão, comose fosse um departamento dentro da Polícia Militar, direcionadoa ocorrências de salvamento de vidas. Dentro do Corpo de Bombeiros,tem um serviço especializado de resgate de rua, que é umtrabalho bem organizado e estudado. Hoje, aqui em São Paulo, nãoé considerado um serviço de paramédico, mas está próximo a isso.FBSP: O Resgate é um serviço, uma unidade do Corpo de Bombeiros?É uma unidade especial que presta um serviço especial, é isso?Especial no sentido de ser uma unidade que presta um serviço diferente,às vezes junto, às vezes separado dos bombeiros.Bombeiros: Não. O Resgate faz parte do trabalho do Corpode Bombeiros. O único apoio que ele tem é do SUS e de algumasviaturas do Corpo de Bombeiros, nas quais há um médicoe um enfermeiro.Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Paulo‘‘O Resgate fazparte do trabalhodo Corpo deBombeiros.FBSP: Além do Resgate, e do serviço de lidar com incêndio, que outrostipos de ocorrência os o Corpo de Bombeiros atende? Desabamentos?Bombeiros: Além do resgate de rua, o bombeiro trabalha naárea de prevenção e, principalmente, combate a incêndios, etambém na área de qualquer tipo de acidente de natureza, desabamento,enchente. A gente cobre toda esta área.FBSP: Se uma pessoa quiser entrar no Corpo de Bombeiros, comoela faz? Qual é o caminho de entrada?Bombeiros: Primeiro precisa prestar uma prova, que é o famosoconcurso público. São abertas vagas. Agora, atualmente, são vagaspróprias para o Corpo de Bombeiros. Não se faz mais inscriçãoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública165


Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Paulopara a polícia militar e depois passa para os bombeiros. Hoje emdia, é aberta a quantidade exata de vagas para os bombeiros.FBSP: Você sabe desde quando acontece isso?Bombeiros: Isso vem de mais ou menos uns seis a oito anos atrás.FBSP: Então, há um concurso específico para os bombeiros, que édiferente do concurso para polícia militar?Bombeiros: Hoje em dia está assim.FBSP: E este concurso consta do que?Bombeiros: Este concurso é baseado em matérias de ensinomédio. Para ingresso no Corpo de Bombeiros, é exigido só o ensinomédio completo. Então ele é baseado em algumas questõesde história, geografia, matemática e português e uma redação.FBSP: Uma prova escrita. E além da prova escrita?Bombeiros: Além da prova escrita, têm os exames de aptidãofísica e laboratoriais, exames médicos, para verificar se consta algumadoença, deficiência, que pode excluir o candidato à vaga.‘‘Para ingressono Corpo deBombeiros, éexigido só o ensinomédio completo.FBSP: Então a seleção é essa. Depois da seleção, vamos dizer quevocê foi selecionado para fazer parte do Corpo de Bombeiros, daívocê vai ter um treinamento, é isso?Bombeiros: Sim. Completadas estas fases, você garantiu suavaga. E depois desta vaga, é feito um curso de oito meses, naescola de bombeiros [em Franco da Rocha].FBSP: Só para bombeiros?Bombeiros: Só para bombeiros. Específica para área de bombeiros.É claro que dentro da escola você vai ter noções de políciamilitar, porque, além de ser bombeiro, você será policial militar.Mas é direcionado principalmente ao serviço do bombeiro.166Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


FBSP: São oito meses. E as horas?Bombeiros: Período integral. É assim, dentro destes oitos meses,já vai se encaixando o regimento militar. Ou seja, é muitodiferente de um curso normal. Você tem horário das 8hs às 18hs,entra às oito e sai às seis da tarde. Além da ordem unida, você vaise militarizar.FBSP: E durante o dia, nestes oito meses, você vai ter aulas, você vaiter exercício, você vai ter prática?EntrevistaBombeiros: Durante o dia você tem os horários que são separadospara aula teórica, prática e exercícios físicos. Dividido tambémpor ordem unida, e também o serviço, o salvamento em si,que é feito na rua, isso em prática também é aplicado.FBSP: Isso a partir de que mês?Bombeiros: A partir do quarto mês, já é mais prática do queteórica. Começa a inverter. No começo é mais teórica do queprática. Aí, quando você começa a ter mais noção das coisas, jácomeça a inverter, é mais prática do que teórica.“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloFBSP: E essa prática acontece onde?Bombeiros: Dentro do complexo da escola mesmo, eles têm torres.FBSP: Não é uma prática de incêndio real?Bombeiros: Não. Para rua, você só vai depois de formado, determinado o curso.FBSP: E nesta parte mais teórica, o que entra nas aulas?Bombeiros: Entram bastante Direito, Direito Constitucional,Direito Humanista, leis.FBSP: A parte que seria mais profissional-técnica do trabalho dobombeiro, quanto disso entra na aula teórica?‘‘Dentro destesoitos meses, já vaise encaixando oregimento militar.Ou seja, é muitodiferente de umcurso normal.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública167


Bombeiros: Olha, entra bastante também, porque no Resgatea gente abrange uma boa parte de cuidados de enfermagem.Então isso é muito estudado teoricamente, ou são feitosos procedimentos...EntrevistaFBSP: Os procedimentos de incêndio, de desastre na natureza, todasestes procedimentos são estudados na teoria, antes da prática?Bombeiros: Sim, são estudados baseados em filmes, em ocorrênciasfilmadas, e isso é feito teoricamente e depois na prática.“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Paulo‘‘No resgate a genteabrange uma boaparte de cuidadosde enfermagem.Então isso émuito estudadoteoricamente.FBSP: Daria para dizer, em proporção, porcentagem, quanto destasmatérias, destas aulas teóricas está mais diretamente relacionado aesta parte profissional-técnica e quanto refere-se mais a questões deDireito, etc. Meio a meio?Bombeiros: A parte teórica é assim: nos quatro meses a gentevai ter praticamente só teoria, mas é bem dividida a porcentagempara Direito. A gente tem bastante matérias de Direito.Não tem uma matéria assim que pode se destacar é mais ou émenos, é em dividida mesmo a porcentagem.FBSP: Nós falamos da preparação. Não existe esta diferenciaçãoentre o bombeiro e o Resgate nestes primeiros oito meses. Todomundo que entra no corpo de bombeiros faz os mesmos oito mesesde preparação?Bombeiros: Sim. Não existe diferença.FBSP: E depois destes oito meses, o que acontece? Tem uma prova,ao final deste curso, o que acontece?Bombeiros: Sim, como os quatro primeiros meses são deaulas teóricas, cada matéria tem sua prova final. Há umamédia a ser conseguida. A pessoa que não consegue, que nãochega àquela média, dependendo das matérias, pode ser atéexcluída do curso. Só pode passar, vamos dizer assim, paraa fase específica, prática do curso, depois que você fechar asmatérias.168Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


FBSP: E fechando a prática, tem algum outro tipo de exame ou não?Bombeiros: Não, no final da prática não há mais exames. Emseguida vem a formatura.FBSP: E depois da formatura, você é designado para trabalharnuma unidade?Bombeiros: Sim. Aí são feitas as divisões entre as áreas em quehá maior necessidade de efetivo.FBSP: Isso depende de alguma forma do desempenho do curso?Como é feita esta distribuição?Bombeiros: Sim, os três primeiros com notas maiores duranteo curso todo podem escolher para que unidade vão. Aí, antes daformatura, antes de terminar o curso específico, no finalzinhodele, é feito um estágio em quartéis, em cada quartel da zonanorte, zona sul, zona leste, e os alunos tiram os plantões normaisde 24 horas para se adaptar ao meio.FBSP: 24 por 48?‘‘Antes da formatura,de terminar ocurso específico, nofinalzinho dele, éfeito um estágio emquartéis.Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloBombeiros: Por 48.FBSP: Isso é o horário normal?Bombeiros: Isso.FBSP: E daí então você ingressa como soldado do Corpo de Bombeiros,é isso?Bombeiros: Soldado do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar.FBSP: E como é a progressão na carreira? Como você passa de soldadopara cabo, de cabo para sargento?Bombeiros: De soldado para cabo existe uma prova escrita.Metade da prova é de conhecimentos gerais, de ensino médio, eAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública169


Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Paulometade da prova refere-se a conhecimentos específicos na áreaem que nós trabalhamos: nomes de materiais, de operações,de ocorrências. Conforme a classificação, você consegue passarpara cabo e aí vem a divisa. Para sargento, a mesma coisa.Tem a prova também, para passar para 3º sargento. Daí parafrente é só tempo de serviço.FBSP: Sei.Bombeiros: De terceiro para segundo sargento e de segundopara primeiro, é tudo tempo de serviço.FBSP: Qual é o tempo de serviço, quanto tempo?Bombeiros: É muito relativo. Também é estudado se a pessoanão tem nenhuma punição.FBSP: Não tem que fazer nenhum curso adicional?Bombeiros: Sim, de soldado para cabo não precisa. Só a prova.Agora de cabo para sargento, depois que você passou naprova escrita, há um outro cursinho específico para sargento.‘‘De cabo parasargento, depoisque você passouna prova escrita, háum outro cursinhoespecífico parasargento.FBSP: E este quantas horas são?Bombeiros: São seis meses de curso.FBSP: É um curso que vocês fazem ao mesmo tempo em quetrabalham?Bombeiros: Só o curso.FBSP: Daí vocês podem passar para 3º sargento...Bombeiros: Funciona mais ou menos como a escola quevocê cursou para entrar nos bombeiros. É o curso de sargento.Mais específico para comando, para você comandarum pelotão, comandar uma ocorrência, é mais específiconesta área.170Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


FBSP: Existe a possibilidade de o sargento receber o grau de oficialtambém, a idéia do “chacal”, ou de fazer o exame para a academiade oficiais, de forma que ele possa se tornar oficial, tenente?Bombeiros: Sim, o chamado “chacal” é um oficial que chegoua oficial sem passar pela academia. Então, são necessários dezanos de polícia, dez anos de bombeiro no caso, que seja 3º sargento,são as exigências. Aí você presta a prova. Na academia,são feitos quatro anos para oficial. Aí você faz só dois anos.EntrevistaFBSP: Como é feita a supervisão do trabalho no bombeiro e no Resgate?Quem faz e como é feita a supervisão no trabalho, para saberse o trabalho está sendo bem realizado, no dia-a-dia?Bombeiros: Nos quartéis, sempre há uma divisão do efetivo.Numa viatura do Resgate, sempre vão estar um soldado, umcabo e um sargento. E o sargento é quem comanda a guarnição.Sempre o mais graduado é quem comanda a guarnição. Podeser dois soldados e um cabo. Dois soldados e um sargento. Eo mais graduado é que comanda a guarnição, que comanda oprocedimento, a ocorrência.“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloFBSP: E qual é a relação dos bombeiros com os oficiais? Como aconteceno dia-a-dia? Como é um dia normal de trabalho? Vocês têm otrabalho dos bombeiros, a relação dos bombeiros com os oficiais, quevão determinar o que vai ser feito e o que não vai ser feito? Como éesta relação entre as equipes que vão a um incêndio e os comandantesque vão determinar o que vai ser feito?Bombeiros: No dia-a-dia, você assume o plantão, o normalé das 7 da manhã às 7 da manhã do dia seguinte. Assume demanhã o plantão, quando é trocado o efetivo. Em cada quartelo efetivo é em torno de 16 a 20 policiais. E cada posto tem suasquatro ou cinco viaturas, que seriam basicamente dois resgates,uma de incêndio e salvamento, um tanque, que é autotanquesó, e a escada, auto-escada. Então, o efetivo é dividido entreestas viaturas. A relação que a gente tem é no máximo até sargento.O posto é comandado por um tenente. Só que o tenentecumpre o horário de expediente, das 8hs da manhã às 5hs da‘‘anos de bombeiroO chamado “chacal”é um oficial quechegou a oficialsem passar pelaacademia. Então,são necessários dezanos de polícia, dezno caso, que seja3º sargento, são asexigências. Aí vocêpresta a prova.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública171


tarde. E aí fica por conta dos sargentos, que são comandantes deprontidão, cada prontidão tem um comandante.Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Paulo‘‘A ocorrência échamada e quemvai, primeiramente,é a guarniçãodo posto e umaguarnição de umadeterminada área.FBSP: E a ocorrência chega diretamente ao posto? De onde vema ocorrência?Bombeiros: A ocorrência, a pessoa que estiver necessitandoliga 193. Este número cai numa central dos bombeiros, que éna Praça da Sé. E desta central é feita uma triagem do que estáacontecendo na ocorrência, o local onde fica. E desta triagemeles já comunicam com o posto mais próximo do local da ocorrência,por telefone ou por rádio.FBSP: E daí, na unidade, no quartel mesmo, fica um tenente. Agora,os oficiais de mais alto escalão ficam no comando de área?Bombeiros: Isso, no comando de área, nesta mesma central dorádio e do telefone, fica a central dos oficiais que fazem este horáriode expediente. Só que tem a escala de oficiais, do oficialatomais alto, que é o capitão (...) Eles têm a escala de serviço, deprontidão, se houver alguma necessidade de 24 horas. Aí fica sóum capitão, um coronel, um tenente-coronel. Se há uma ocorrência,são esses que estão escalados que vão assumir, dependendodo nível da ocorrência.FBSP: Se for uma ocorrência de mais alto nível?Bombeiros: A ocorrência é chamada e quem vai, primeiramente,é a guarnição do posto e uma guarnição de uma determinada área.Na zona norte, corre um tenente, para a zona norte toda, como oficial.Então ele vai para todas as ocorrências de todos estes postos.FBSP: Certo.Bombeiros: Ele comanda a ocorrência. Se for necessário algumoficial mais alto, aí é acionado um capitão de área.FBSP: Cada unidade tem um tenente, mas na zona norte têm váriasunidades...172Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Bombeiros: Isso. Existem várias unidades em cada zona. Azona norte tem, vamos dizer, quatro ou cinco quartéis. Cadaquartel tem o seu tenente, que comanda, só que no horário deexpediente. E aí é feita uma escala entre os tenentes para correr24 horas, um corre 24 horas, depois vai o outro, e ele é o comandode todos estes postos.FBSP: Diante desta situação, na verdade, as pessoas que trabalhamno Resgate, no Corpo de Bombeiros, precisam saber muito bem oque elas têm que fazer quando há uma ocorrência, pois, basicamente,são elas que vão, são os cabos, soldados e sargentos, juntocom o tenente. Eles têm que saber exatamente o que fazer. E estesprocedimentos são adquiridos, aprendidos nos cursos e são exercitadosquando acontecem as ocorrências. Agora, existe algum outrotipo de treinamento ao longo do tempo para manter, atualizar estaspráticas, estes procedimentos, que vocês têm que fazer quando háum incêndio, um resgate?Bombeiros: Sim. Todo bombeiro, vamos dizer assim, tantocomo soldado ou cabo, é um profissional formado. Em toda aocorrência ele tem a capacidade de desenvolver esta ocorrênciasem a ajuda, sem a necessidade de um oficial. Pode-se ter estagarantia porque a cada dia de plantão, são 24 horas de plantão,isso dentro do quartel, há uma rotina de salas de aula, de exercíciospráticos, de ocorrências; é feito constantemente isso, dia-adia.Fora isso, há a olimpíada dos bombeiros, que é baseada todaem salvamento aéreo, aquático, incêndios, então são coisas quenós fazemos, de ocorrências, nas olimpíadas.FBSP: E em parte deste dia-a-dia entra a instrução destes procedimentosoperacionais padrões, que são os que orientam o trabalho?Bombeiros: Sim...FBSP: O que são exatamente estes procedimentos e qual a importânciadeles no trabalho dos bombeiros, do policial bombeiro?Bombeiros: Isso aí, vamos dizer assim, é um procedimentopadrão que todo bombeiro tem que saber. E tem que ser feito‘‘Todo bombeiro,vamos dizerassim, tanto comosoldado ou cabo,é um profissionalformado. Em toda aocorrência ele tema capacidade dedesenvolver estaocorrência sem aajuda de um oficial.Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública173


Entrevistadaquele modo para que a gente possa ter a garantia do serviçobem feito. É um manual, no qual nos baseamos, e que dá agarantia de a gente poder fazer um trabalho bem feito. A importânciadisso é grande porque, se não existisse este procedimentopadrão, cada um faria uma coisa diferente do outro e não sechegaria ao final como se deveria chegar.FBSP: Vocês saberiam dizer quantos procedimentos têm neste manual?Bombeiros: São basicamente todas as ocorrências, são estudadastodas as ocorrências.“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloFBSP: Há procedimentos que estão faltando, existem situações emque vocês não identificam nos procedimentos ou os procedimentos jácobrem o suficiente?Bombeiros: Não. Os procedimentos são cobertos. É claro quenuma ocorrência não é usado um procedimento à risca. Você vaiter a sua personalidade, o seu modo de pensar, a sua criatividadenuma ocorrência. Então, você tem aquilo como base, mas há necessidadeda criatividade do policial também, do bombeiro, parasolucionar o caso, que só o procedimento básico não resolveria.FBSP: Desde quando existe este manual do bombeiro, desde quandoisso está sendo implementado?Bombeiros: Faz tempo, isso já vem de mais de quarenta anos.FBSP: Mas ele foi sendo atualizado?Bombeiros: Sim, sempre vai sendo atualizado. Foi fundadoeste procedimento já faz tempo, faz bastante tempo.FBSP: Mas então este manual já vem sendo atualizado, há váriosanos. A última versão do manual é de quando?Bombeiros: A última versão é de um ano atrás. Eles estão tentandofazer, assim, porque as coisas mudam de maneira muito rápida;eles estão tentando seguir este ritmo, de a cada dois anos, a cada um‘‘É um manual, noqual nos baseamos,e que dá a garantiade a gente poderfazer um trabalhobem feito.174Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


ano, não fazer um outro modificando totalmente, mas sim incluindocoisas que vão mudando, modificando isso ou aquilo.FBSP: E quem na prática verifica se estes procedimentos estão sendoobservados ou não? É o sargento responsável, o tenente responsávelpelas unidades que estão trabalhando? Como funciona na práticaisso? E é obrigatório seguir os procedimentos, no caso dos bombeiros,vocês têm que seguir...Bombeiros: Sim, tem o procedimento padrão para seguir.FBSP: E quem verifica se esta norma está sendo observada mesmo?É o responsável pela unidade?Bombeiros: Isso fica mais a critério do comandante da guarnição,que está no dia-a-dia com a gente na rua, observa asmudanças, as necessidades que a gente tem na rua, de algumequipamento que deixou de fazer efeito, que tem outro melhor,então ele vê a necessidade. E fora isso tem também as nossasprovas, feitas a cada ano, para todos os bombeiros, em São Paulo.E são provas em que são feitas justamente perguntas, quefazem com que eles identifiquem as mudanças que precisam serfeitas num formulário.‘‘O comandante daguarnição, queestá no dia-adiacom a gentena rua, observaas mudanças, asnecessidades que agente tem...Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloFBSP: Quer dizer que vocês fazem provas sobre os procedimentos?Bombeiros: Sobre os procedimentos.FBSP: Para ver se os bombeiros estão sabendo quais são os procedimentos.Isso é feito uma vez por ano?Bombeiros: Uma vez por ano. É perguntado o que você mudarianisso, o que você mudaria naquilo e é feito um consenso.FBSP: Então, além da prova para verificar se vocês sabem como sãoos procedimentos, eles perguntam para os bombeiros o que poderiaser mudado, isso na mesma ocasião?Bombeiros: Nas mesmas provas.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública175


Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Paulo‘‘Durante os oitomeses de cursoque você fazquando entra parabombeiro, é feitoum curso básicode resgate, deprimeiros socorros.FBSP: E estas sugestões são levadas em consideração?Bombeiros: São levadas em consideração.FBSP: E esta prática já vem de muitos anos ou é recente?Bombeiros: É um pouco recente, não chega a ter mais dedez anos.FBSP: Esta prática da prova e das sugestões?Bombeiros: Isso.FBSP: Parece bem importante para fazer o processo avançar. E vocêstêm a impressão de que nos últimos anos o trabalho do Corpode Bombeiros, do Resgate, tem melhorado, tem se aperfeiçoado, temficado na mesma, como resultado disso ou não?Bombeiros: Tem melhorado e muito. O trabalho que está sendofeito em cima do Resgate, do resgate de rua, estão tentandoque seja o mais específico possível, assim, paralelo à enfermagem,à medicina.FBSP: E a questão do Resgate? Vocês entram primeiro no Corpo deBombeiros e, se quiserem trabalhar no Resgate, o que vocês têm quefazer especificamente para isso?Bombeiros: Durante os oito meses de curso que você faz quandoentra para bombeiro, é feito um curso básico de resgate, deprimeiros socorros. É um curso corrido, mas é o mínimo que énecessário para correr o Resgate. Então é feito este curso, junto.Então, quem se formou, você é formado, já é formado tantopara salvamento quanto para incêndio e o resgate. É claro que aexperiência de trabalho você só vai pegar depois de estar na ruano dia-a-dia.FBSP: Então, mas daí, para você ser designado para umaunidade de Resgate, você é designado depois de oito meses decurso ou ...176Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Bombeiros: Não. O Resgate existe em todos os postos. O Resgatefaz parte do Corpo de bombeiros, qualquer posto de bombeirostem sua viatura de incêndio, sua viatura de resgate.FBSP: Mas não são pessoas específicas que trabalham no Resgate.Todas as pessoas de uma unidade podem trabalhar no Resgate?Bombeiros: É feito um rodízio, cada posto, cada prontidãotem seu efetivo. É feito um rodízio de viaturas e isso é feito justamentepara evitar o stress, o cansaço de uma só pessoa corrersó o Resgate.EntrevistaFBSP: Então não existem pessoas que são designadas exclusivamentepara o Resgate?Bombeiros: Não. Hoje isso no Corpo de Bombeiros está flexível.Antigamente, sim, a gente tinha as unidades só de resgate, sóde salvamento, só de incêndio. Mas hoje em dia é feito um rodízio,justamente para falta de efetivo, alguma coisa assim, para quea pessoa possa cobrir e possa fazer um trabalho bem feito.FBSP: E pensando no Estado de São Paulo, o Estado é grande, apopulação é grande, é difícil você cobrir. Bom, só a região metropolitanajá é grande. Então, é difícil cobrir com os recursos disponíveistodas as situações; sempre têm prioridades, vocês têm que decidir oque se tem que fazer, o que tem que ser feito o que pode ser feito?Tem alguma coisa que causa uma dificuldade muito grande pararealização do trabalho? O trabalho que as pessoas observam é elogiado,bem considerado, etc.? A questão é saber se o que está sendofeito é suficiente ou seria necessário cobrir mais áreas, aperfeiçoaruma determinada área? Qual é a situação atual em São Pulo? Vocêsconseguem cobrir a região metropolitana, o Estado? O que vocêsprecisariam para fazer um trabalho melhor, no caso aperfeiçoarainda mais o trabalho do Corpo de Bombeiro e do Resgate?Bombeiros: Atualmente, a deficiência maior do Corpo deBombeiros está sendo no efetivo. O efetivo dos bombeiros estámuito baixo. Está sempre faltando pessoas nos quartéis e há situaçõesde viaturas estarem encostadas, de não poderem estar‘‘Atualmente, adeficiência maior doCorpo de Bombeirosestá sendo noefetivo. O efetivodos bombeiros estámuito baixo.“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública177


Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Pauloem atividade por falta de efetivo. O efetivo sempre trabalhouno vermelho. Sempre no vermelho. Nunca para mais. Então, háuma deficiência grande no efetivo dos bombeiros em São Paulo.Isso atrapalha bastante o trabalho, o serviço.FBSP: Quantos são os bombeiros? E quanto precisaria para cobrir?Bombeiros: Eu acredito que, para estar trabalhando assim suavemente,seria necessário mais uns 20% do que tem.FBSP: E sobre as condições de trabalho. São adequadas? Sempre tem aquestão do salário, mas há outras questões de condições trabalho. Porqueisso é uma coisa que tem relação direta com a qualidade do trabalhoprestado. Tem coisas que podem ser melhoradas, alguma prioridade?Bombeiros: Em relação ao material, aos equipamentos que nósusamos, em São Paulo, isso aí, num curto prazo, foi investido deuma tal forma que está respondendo à altura do que é necessário.Então, nesta área a gente não tem o que reclamar. A gente temequipamentos, tem tudo o que é necessário para a ocorrência. Adeficiência maior é a falta de mão-de-obra, do efetivo, porqueisso faz com que quem está de serviço seja sobrecarregado.‘‘Em relação aomaterial, aosequipamentos quenós usamos, emSão Paulo, isso aí,num curto prazo,foi investido deuma tal forma queestá respondendoà altura do que énecessário.FBSP: Sobrecarregado...Bombeiros: Sobrecarregado. De certa forma. E isso aí pode virprejudicar a saúde da pessoa.FBSP: E existe esta discussão de salário. Geralmente os policiaisconsideram os salários baixos. Com os bombeiros, imagino, deveacontecer a mesma coisa.Bombeiros: A mesma coisa, o salário continua decaído.FBSP: Agora, além da questão salarial, vocês têm assistência, uma boaassistência de saúde? Outros tipos de suporte para o desenvolvimento dotrabalho? As condições de trabalho são satisfatórias ou não?Bombeiros: A gente tem na área da saúde.178Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


FBSP: A questão é a valorização do trabalho dos policiais. O queimplicaria, na verdade, uma valorização do trabalho dos policiais?Um salário maior?Bombeiros: Uma ajuda, um incentivo até financeiro, para fazercursos. Hoje em dia, a gente pensa até três, quatro vezes parafazer um curso especializado na área de bombeiro, porque hojeo bombeiro trabalha num posto aqui na capital, se você for fazeralgum curso específico, um curso de salvamento aéreo, uma áreaespecífica, se especializar em uma destas áreas, é feito um cursona escola do bombeiro, que é lá no interior. Daí você é deslocadodaqui para lá, por seus meios próprios. Então fica bastantedifícil. E não tem incentivo financeiro nenhum. Depois quevocê volta com o curso na bagagem você não tem aumento, nãotem quase nada, só a responsabilidade maior dentro do quartel,de se precisar de uma ocorrência com determinado curso, sevocê tem aquilo é você quem vai.FBSP: E além do curso, tem esta questão de saúde e habitação...Bombeiros: Também, que a gente quase não tem, tem assimvamos dizer, mas, em locais até impróprios.FBSP: Quer dizer isso: seriam formas de valorização que contribuiriampara melhorar ainda mais...Bombeiros: Muito. Ia contribuir muito para uma melhora.Quem sabe até de como se trabalhar, mais contente.FBSP: E voltando para a pergunta inicial. Por que vocês acham que aimagem dos bombeiros, do Resgate, quer dizer, quais são as qualidadesdo trabalho que fazem com que a imagem dos bombeiros e do Resgateseja positiva diante da população no final das contas? Uma imagemmais positiva do que dos policiais que não são bombeiros e do Resgate. Éresultado do que isso? Das pessoas, do treinamento, da organização? Oque diferencia diante dos olhos da população o trabalho dos bombeirose do Resgate?‘‘Depois que vocêvolta com o cursona bagagemvocê não temaumento, não temquase nada, só aresponsabilidademaior dentro doquartel.Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloBombeiros: Eu acredito que seja em primeiro lugar a formaAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública179


do trabalho. Nós trabalhamos para salvar vidas. Essa é a nossafunção. Então, nós estamos aí para isso.FBSP: Vocês têm algum lema, alguma frase? Você falou: “dedicadosa salvar vidas”...EntrevistaBombeiros: Como se fosse um grito de guerra, não, não tem.FBSP: Mas a missão é salvar vidas.“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São Paulo‘‘A missão é salvarvidas, custe o quecustar. Então, nóssomos preparadospara isso.Bombeiros: A missão é salvar vidas, custe o que custar. Então,nós somos preparados para isso. Isso é bem visto pela comunidade,pelas pessoas. Isso é uma coisa que já te dá aquela boavisão da corporação, não é verdade? E tem o modo da gentetratar as pessoas em ocorrências, a educação. São transmitidas asinformações necessárias, que as pessoas precisam. Então, isso diferemuito do trabalho do policial militar. A função do policialmilitar já não combina muito, que tanto pode ser para ajudarcomo para atrapalhar.FBSP: Mais alguma coisa que vocês acham importante sobre o trabalhodos bombeiros e do Resgate?Bombeiros: Sim. A meu ver, um oficial do Corpo de Bombeirosé uma pessoa comum, civil, de idade de 20 e poucos anos, deum bom colégio, um colégio pago. É feita uma prova e é claroque esta pessoa passa e entra numa academia, que é chamadaAcademia do Barro Branco. Após quatro anos na academia, estapessoa se torna oficial, se torna tenente, e esta pessoa vem paracomandar os postos de bombeiros, para comandar uma equipede soldados, cabos e sargentos, que estão ali trabalhando há maisde vinte anos em ocorrências de rua. E o tenente que tem apenas20 ou 25 anos, que saiu de uma academia, feito tudo na teoria,comanda um posto de bombeiro deste. Eu acho que há bastantedivergência em ocorrências, no modo de comando. Isso existebastante. Existe muita divergência.FBSP: Agora isso existe porque há esta divisão dentro da própriapolícia, da forma de ingresso.180Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Bombeiros: Dos oficiais e dos bombeiros.FBSP: Eu acho que, por causa disso, se cria uma série de problemas.Agora, uma solução para isso seria você ter uma carreira única, nãoteria duas carreiras.Bombeiros: Sim.FBSP: Na verdade esta é uma proposta antiga.EntrevistaBombeiros: É, teria que ser uma carreira única, começar todomundo de baixo. Ou ser mais acessível. Porque há uma divisãoentre oficial e bombeiros que é assim até de contato. Você nãotem muito contato com os oficiais.FBSP: Isso chega a prejudicar o trabalho? Acredito que traga prejuízosao trabalho.Bombeiros: Sim...FBSP: As pessoas têm, muitas vezes, que desenvolver um conhecimento,um saber, e você tem que lidar com pessoas que não têm amesma prática que você. Então, na verdade, o trabalho poderia seraperfeiçoado e uma das questões para o aperfeiçoamento do trabalhoseria que os oficiais conhecessem a prática, na verdade; se vocêtivesse uma carreira única, eles conheceriam muito mais...‘‘A meu ver, umoficial do Corpo deBombeiros é umapessoa comum,civil, de idade de 20e poucos anos, deum bom colégio, umcolégio pago.“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloBombeiros: Muito mais. Isso aí traz bastante prejuízo ao trabalhodo bombeiro, porque um soldado do Corpo de Bombeirosnão tem a mesma oportunidade que um oficial que está estudandonuma escola particular, de poder passar num concurso,numa prova da Academia do Barro Banco. É muito difícil acontecer.Por outro lado, este soldado tem vinte anos de experiênciade rua, ele sabe as coisas que são necessárias para uma ocorrência.Só que isso não é posto em conta porque a pessoa que estáem cima é um oficial, então ele está sendo comandando poruma pessoa que não tem experiência nenhuma.FBSP: Agora isso deve variar também. De maneira geral é um pon-Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública181


Entrevistato negativo, que prejudica o trabalho. Mas, no dia-a-dia, vocês devemter experiências de tenentes ou de oficiais que dão espaço paraos bombeiros trabalharem, eventualmente até aprendem, progrideme começam a trabalhar junto, em equipe. Ou vocês podem ter situaçõescontrárias, de oficiais que querem dizer o que tem que serfeito, o que não tem que ser feito. E se não é feito do jeito que elesacham que deve ser feito. Deve ter muita variação de uma unidadepara outra.“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloBombeiros: Sim, justamente. Se você toma uma ocorrência,você é comandado, você tem que cumprir ordens, só que estasordens, na ocorrência, você vê que são ordens absurdas. Nãosão coisas que devem ser feitas na ocorrência, mas você tem quefazer porque é comandado, porque é sob comando. Algumasocorrências dão errado? Dão. Alguma coisa sai errada por causadisso. São ocorrências que poderiam dar certo. Só não dão certoporque são comandadas por oficiais sem experiência.FBSP: Mas isso é freqüente, muito freqüente, pouco freqüente?Bombeiros: Isso é freqüente.FBSP: Mas quando vocês dizem que não dá certo, é porque vocêsnão conseguem atingir um objetivo mínimo ou porque vocês atingemo objetivo mínimo, mas poderia ter feito melhor?Bombeiros: A ocorrência poderia ter saído melhor, se fossefeita baseada nas pessoas que têm a experiência de rua, que é aexperiência maior que você tem. O grande problema dos oficiaisé que eles saem da academia sem a experiência de rua.‘‘Se você toma umaocorrência, você écomandado, vocêtem que cumprirordens, só queestas ordens, naocorrência, vocêvê que são ordensabsurdas.FBSP: Existem alguns Corpos de Bombeiros no Brasil que se separaramdas polícias. Eu não sei se eles mudaram esta estrutura de duashierarquias ou não. Vocês sabem isso ou não, se mantêm a divisãode bombeiros e oficiais?Bombeiros: Não, mantém.FBSP: A separação da polícia não resolveria este problema?182Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Bombeiros: Não resolveria.FBSP: Porque o normal em qualquer polícia é ter uma carreira só.E esta separação do Corpo de Bombeiros e da polícia, que em algunsEstados foi feita, ajudaria em São Paulo, não ajudaria, o quanto,dependendo do que?Bombeiros: Do meu ponto de vista ajudaria. Ajudaria bastanteporque seria um trabalho que poderia ser mais específico do quejá é. Só não é mais específico por estar ligado à Policia Militar.Por um grande motivo. O bombeiro seria um policial militartambém, então seria até, a gente andaria mais tranqüilo na ruatambém, porque, afinal de contas, os bombeiros são policiaismilitares, tanto em serviço como em folga, e hoje o policial militarnão tem aquela visão como um bombeiro, como a visão deum bombeiro.Entrevista“Nós trabalhamos para salvar vidas”Entrevista com praças do Corpo de Bombeiros daPolícia Militar do Estado de São PauloAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública183


Abordagem Policial: um encontro (des)concertante entre a polícia e o públicoTania PincResumoResumenAbordaje policial: un encuentro (des)concertante entrela policía y el públicoEste artículo trata de la relación entre la policía y elpúblico durante el abordaje policial, con el objetivode ofrecer mayor transparencia a este encuentro,dando énfasis a la conducta individual de los actoresinvolucrados. El análisis presentado en este estudiose basa en una muestra de 90 abordajes, ocurridosdurante el período de dos meses del año 2006, enla ciudad de San Pablo. Los datos fueron colectadospor medio de la técnica de Observación SocialSistemática, que es un método de observación directano participante. Esta técnica permitió observar al policíadesempeñando sus actividades sin que supiera queestaba siendo observado.Palabras Llave: Policía. Abordaje policial. Uso de lafuerza. Observación Social Sistemática.AbstractPolice boarding : an embarassing meeting betweenthe police and the publicThis article explores the relation between the police andthe public during the police boarding, with the objectiveto offer transparency to this meeting, giving emphasisto the individual behavior of the involved actors. Theanalysis presented in this study is based on a sampleof 90 boardings, carried through in the period of twomonths of the year of 2006, in the city of São Paulo.The data had been collected by the technique of theSystematic Social Comment that consists of a method ofcomment direct, however not participant. This techniqueallowed to observe the policeman playing its activities ofpolicing without they knew that he was being observed.Keywords: Police. Police boarding. Force’s uses.Systematic Social Comment.184Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Uso não letal da força na açãopolicial: formação, tecnologia eintervenção governamentalWilquerson Felizardo SandesResumenNo letal de la fuerza en la acción policial:inteligencia, investigación, tecnología e intervenciónsocioeducativa.Este artículo tiene como objetivo crear un espacio dedebate y reflexión sobre el sistema de control de lasprácticas policiales decurrentes del uso de la fuerza yarmas de fuego. La idea central enfoca la reducciónde los índices de letalidad en el uso de la fuerza,por medio de acciones políticas y socioeducativas,combinadas con iniciativas tecnocientíficas innovadoras.Se busca un diálogo multidisciplinario, sobre el tema,con otros campos del saber científico que avanzan enproducción de inteligencia, investigación y tecnología.Para eso, el estudio presenta: una contextualización dela construcción del monopolio de la fuerza y la funciónpolicial; un abordaje sobre el ejercicio democrático, poderde policía y uso de la fuerza; esfuerzos socioeducativosrelacionados con el tema; iniciativas relacionadas conlas tecnologías denominadas no letales; y una propuestaque se refiere a la creación de una política nacional sobreuso de la fuerza y armas de fuego en la acción policial,contemplando medidas tecnológicas, institucionales,socioeducativas y de orden legal.AbstractNon-lethal uses of force on the police action :intelligene, search, tecnology and social-educativeinterventionThis article aims to create a space for discussion andreflection on the system of control of police practicesarising from the use of force and firearms. The ideafocuses on the reduction of rates of lethality in theuse of force, through actions and policies educationalinitiatives combined with technological innovation. Thissearch is a multidisciplinary dialogue on the subject withother fields of scientific know moving into productionof intelligence, research and technology. The studywas systematized into five topics: an introduction tocontextualize the construction of the monopoly of forceand the police function; an approach on the democraticexercise, power of police and use of force; effortseducational related to the subject; initiatives relatedtechnologies non-lethal; and the end is a proposal onthe creation of a national policy on use of force andfirearms in the police action, contemplating measurestechnological, organizational, educational, and laws.Keywords: Police. Legal use of force. Non-lethal force.ResumoPalabras Llave: Policía. Uso legal de la fuerza. Fuerzano letal.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública185


Discutindo cidadania com a Polícia Militarda ParaíbaRosália CorrêaResumoResumenDiscutiendo ciudadanía con la policía militar de ParaíbaEste artículo presenta el resultado de la investigaciónpiloto, realizada en la Policía Militar de Paraíba –PM-PB,en 2005, en la que se buscó comprender la percepciónde 30 policías militares, soldados y oficiales, sobre laciudadanía en la institución y en las relaciones internasentre superiores y subordinados. Los policías que fueronentrevistados son efectivos del Pelotón de Choque y dela 23ª Compañía, que actúan en la vigilancia ostensiva.La elección de estas unidades se justifica por suslocalizaciones en la capital y actuaciones en diferentesmisiones, características que las aproximan al objeto deinvestigación propuesto por el doctorado para enfocar elestudio en las relaciones jerárquicas en unidades de laPolicía Militar de Pará –PM-PA, localizadas en la capitaly que desempeñan diferentes misiones. Los resultadosmostraron que las relaciones intramuros en la PM-PBestán cambiando. Ahora se basan en la concepción deciudadanía, intentando romper con los antiguos padronesde conducta que siempre las conducían, y todavíapersisten, a pesar del obstinado empeño interno parasuperarlos.Palabras Llave: Policía Militar. Ciudadanía. Relacionesinternas.AbstractThe military policemen in the state of Paraiba and adiscussion about citizenshipThis article presents the result of the pilot research,accomplished in the Military police of the Paraíba-PM-PB, which seeks to understand the perception ofthe squares and of the officials on Citizenship in therelationships between superiors and subordinates.For that, it was interviewed a group of 30 militarypolicemen, that they are part of the cashes of thePlatoon of Shock and of the 23rd Company and theyact in the ostensible policing. The selection of thoseunits is justified for their locations in the capital and fortheir performances in different missions, characteristicsthat approximate them of the object of research ofmy doctorate theory, addressed for the study of thehierarchical relationships in units of the Military policeof the Pará-PM-shovel, located in the capital and that itcarry out different missions. The result of this researchrevealed that the relationships intra-walls in PM-PBgo by changes, based on the citizenship conception,trying to break with the old patterns of conducts thatalways drove them and they still persist, in spite of theobstinate mobilization it interns to overcome them.Keywords: Military police. Citizenship. Internalrelationships.186Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Autonomia profissional e liderança civil naspolícias da América Latina e do CaribeLucía Dammert y Liza ZuñigaResumenAutonomía profesional y liderazgo civil en las policíasde América Latina y del CaribeEn el presente artículo se analiza el vínculo de las policíascon lo ministerios de los cuales dependen con el fin dedeterminar la mayor o menor presencia del necesarioliderazgo civil democrático que debe existir sobre lasinstituciones de seguridad. El buen funcionamiento de laspolicías es un pilar fundamental para el fortalecimientode las democracias, sobre todo por el pasado autoritariodel que también fueron parte en la mayoría de los países,por ello el análisis se realiza en torno a las reformas quehan experimentado las policías en cuanto a los espaciode decisión que tienen y el control que otras institucionespueden hacer de ellas.AbstractProfessional autonomy and civil leadership in theLatin American and Caribean policesThis article analyses the link between the police and theministries which each one depends on, and intends todeterminate, throutgh this link, the role of the citizenleadership presence on the public safety institutions. Agood police is a fundamental basis for the democracy,over all for the latin american countries, which have aauthority governement history. Thinking on that, thisanalysis searches the police reform and focuses on itsdecision capabilities and the institution control over them.Keywords: Police reform. Democracy. Latin Americaand Caribe.ResumoPalabras Llave: Reforma policial. Liderazgo civil.América Latina.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública187


O conselho de segurança pública no âmbitoda administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereirae Virgílio Cezar da Silva e OliveiraResumoResumenEl consejo de seguridad pública en el ámbito de laadministración pública municipalEste trabajo investigó el Consejo de Seguridad Pública(CONSEP) del municipio de Lavras, estado de MinasGerais, analizando su gestión a partir de dos referenciasteóricas de la administración pública: los modelos degerencia y de sociedad. El propósito del estudio fuecomprender la concepción de administración públicaque orienta la gestión de este órgano. Se partió, porlo tanto, del presupuesto de que el tipo de gestiónpredominante en el CONSEP está íntimamente vinculadoa la forma de administración pública que lo nortea. Losresultados revelaron que el CONSEP de Lavras no sevincula completamente a ninguno de los dos modelos. Seconstató la presencia de trazos de administración públicagerencial y de varios aspectos de la administraciónpública patrimonial y burocrática. El artículo reafirma, porlo tanto, el nexo entre seguridad pública y gestión pública,principalmente en el ámbito municipal.AbstractThe council of public security in the municipalmanagement scopeThis work investigated the Council of Public Security(Consep) of Lavras city, MG, analyzing theirmanagement from two theoretical references of publicadministration: the managerial model and societalmodel. The purpose of the study was to understandthe concept of public administration which guides themanagement of this organization. The basic assumptionwas that the predominant type of management inConsep is closely linked to the form of governmentthat guides. The results showed that the Consep ofLavras not completely binding to any of the twomodels. It was evidenced presence of some traces ofthe managemental public administration and severalaspects of the patrimonial and bureaucratic publicadministration. This paper confirms, therefore, thelink between public safety and public administration,especially within municipal level.Palabras Llave: Consejos de Seguridad Pública.Administración pública. Gestión municipal.Keywords: Councils of Public Safety. Publicadministration. Municipal management.188Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Política de segurança pública: o direito àintimidade na era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de CastroResumenPolítica de seguridad pública: el derecho a la intimidaden la era de la video vigilanciaDada la falibilidad del modelo represivo de seguridadpública en Brasil, se tornó cada vez más usual laelaboración de políticas públicas de génesis controladora,como forma de prevención de la criminalidad. EnBelo Horizonte, el programa Olho Vivo, basado en lavigilancia con monitor de video de la región comercial delmunicipio, por medio de cámaras de seguridad, retratabien esta práctica. En ese contexto, este artículo pretendeanalizar la legitimidad de esas medidas frente al derechoa la intimidad en el Estado democrático de derecho.Palabras Llave: Política pública. Derechosfundamentales. Seguridad pública.AbstractPublic safety policy : the intimancy rights in thevideo-monitoring eraConsidering the falibility of the repressive model of publicsecurity in Brazil, it has became even more commonthe elaboration of public policies of control as a way forcrime precaution. In Belo Horizonte, this kind of practiceis well reflected by Olho Vivo program, which is based onmonitoring the commercial area of the city with securitycameras. In this context, this article searchs analyzethis policy in contrast with the right to intimacy in thedemocratic rule of state.Keywords: Public policy. Human rights. Public security.ResumoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública189


Levantamento da percepção do medo e docrime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutrae Daniel Bernardo da Silva FilhoResumoResumenRelevamiento de la percepción del miedo y del crimenen Santa CatarinaEl presente estudio tiene por finalidad identificar elmiedo al crimen en los seis municipios integrantes delas meso-regiones del estado de Santa Catarina, pormedio de una investigación de cuño teóricoempírico,del tipo exploratorio o de multicasos, que empleó unanálisis cuantitativo de datos. De los resultados puedeafirmarse que, en diversas dimensiones del miedoal crimen, será imperativo que se tomen decisionespara buscar la respuesta a esas inquietudes, en lasorganizaciones policiales. Por último, se señala que elmiedo al crimen en el estado de Santa Catarina estácorrelacionado, precisamente, con variables de carácterpsicosociológicas, de aferición compleja, concluyéndoseque, en los referidos municipios, se tiene la impresióndel miedo al crimen en algunas dimensiones empleadasen esta investigación, tornándose necesario, así,repensar algunas directivas para mejorar la sensación deseguridad.AbstractThe perception of fear and crime’s survey in santacatarina stateThe present work has as its aim to identify the fearof crime in the six boroughs which are part of themesoregions of the State of Santa Catarina, which are:Florianópolis, Joinville, Criciúma, Chapecó, Lages andBalneário Camboriú, through a research that emphasizesthe theoretical and empirical core, an exploratory ormultiple cases module, which applied a quantitativedatabase analysis’. From the results it is possible toassure that in many different dimensions of fear of crimeit will be imperative that, inside the Police Organizations,decisions must be taken to meet to these cravings. Andlast, it is been pointed out that the fear of crime in theState of Santa Catarina it has been connected, precisely,to socio-psychological variables, of a complex checking,to conclude, in the referred boroughs lies the impressionof the fear of crime into some dimensions applied to thisresearch, showing the necessity of thinking over somedirectives to improve the sensation of security.Palabras Llave: Seguridad pública. Miedo del crimen.Política de seguridad pública. Sensación de seguridad.Keywords: Public security. Fear of crime. Public securitypolicy. Sensation of security.190Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Os reflexos da nova lei de drogas na atuaçãodas polícias estaduaisJosé Siqueira Silva, Danielle Novaes de Siqueira Valverde,Rodney Rocha Miranda e Francisco Valverde de Carvalho FilhoResumenLos reflejos de la nueva ley de drogas en laactuación de las policías estadualesEl consumo de drogas y substancias afines ocurredesde los primordios de la humanidad. Sin embargo,su relevancia para la salud pública y defensa socialse acentuó en la mitad del último siglo, cuando pasóa ser utilizada masivamente y su tráfico consideradoilícito, en gran parte de los países. En Brasil, la leyque trata de la represión al tráfico ilícito de drogas, laprevención del uso y la reinserción social de los usuariosy dependientes es la Ley n° 11.343, del 23 de agostode 2006, que sirve de referencia a este artículo y en éles llamada “nueva ley de drogas”. Tal dispositivo traíala propuesta de corregir las fallas en el sistema legalanterior, partiendo de nuevos conceptos, nuevas figurastípicas y penas más rigurosas en ciertas ocasionesy demasiado blandas en otras. La investigaciónpresentada en este artículo tiene como foco principal lavalidación de la creencia de que las policías estadualesdejarían de atender las ocurrencias relacionadas conel consumo de drogas, debido al ablandamiento de lassanciones impuestas a los usuarios, dedicando mayoresfuerzo operacional al combate al tráfico ilícito. Losresultados obtenidos mostraron que, en los estados deEspírito Santo y Pernambuco (universo pesquisado),las policías continúan atendiendo esas ocurrencias,utilizando los mismos procedimientos previstos en la leyrevocada.AbstractThe new law’s drugs consequences on the police actionThe consumption of drugs and related substances byman date of the beginning of humanity. However, itsrelevance to public health and social protection hasbeen emphasized in the middle of the last century,when they started to be used in mass and its traffickingconsidered illicit, in many countries. In Brazil, thelaw that provides for measures for the suppressionof illicit drug trafficking and prevent the use andsocial reintegration of users and dependents is theLei Nº. 11343 of August 23, 2006, as referenced inthis article of the new law drugs. This device camewith the proposal to correct the flaws in the legalsystem, bringing new concepts, new crimes and stricterpenalties on certain occasions and soft for too much,in others. The research presented in this article aimsto validate the belief that the state police would nolonger respond to incidents related to drug use, giventhe easing of sanctions imposed on users, devotingmore effort to operational combating illicit trafficking.The results showed that, in the states of Espírito Santoand in Pernambuco (searchable universe), the policestill view these occurrences, using the same proceduresunder the law repealed.Keywords: Drug trafficking. Police. Violence. Publicsafety.ResumoPalabras Llave: Narcotráfico. Policía. Violencia.Seguridad pública.Ano 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública191


Mediação, proteção local dos direitoshumanos e prevenção da violênciaGuilherme Assis de AlmeidaResumoResumenMediación, protección local de los derechos humanosy prevención de la violenciaEl artículo analiza la experiencia de tres proyectosde mediación, mostrando sus características básicascompartidas, así como el papel de los derechos humanosen la práctica de la mediación, y cómo e ella puede –deforma efectiva- ser un instrumento de prevención de laviolencia.Palabras Llave: Mediación. Prevención de la violencia.Derechos humanos. Seguridad ciudadana. Contexto local.AbstractMediation, local human rigths protection andviolence preventionThis article analyzes projects of alternative conflictresolutions in the cities of: Brasília, Rio de Janeiroand Salvador. The author argues that these threeprojects have some common characteristics, wich themost important one is the local protection of humanrights. Local Protection of Human Rights is a new humanrights approach that means to adequate the instrumentsand mechanisms of International Law of Human Rightsto the local context. Analyzed Projects offers theopportunities to know this new approach in differentsituations.Keywords: Mediation. Violence prevention. Humanrigths. Local context.192Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 2 2007


Conflito, violência e tragédia na culturamoderna: reflexões à luz de Georg SimmelGiane Alves de CarvalhoResumenConflicto, violencia y tragedia en la cultura moderna :reflexiones a la luz de Georg GimmelEste artículo tiene como punto de partida ladiscusión teórica del conflicto social en Simmel,más específicamente, su relación con la violenciacontemporánea, evidenciando, así, los límites ydivergencias teóricas de ambos conceptos que seencuentran vinculados a los aspectos trágicos deausencia de relaciones recíprocas y pérdida de laoriginalidad del individuo moderno.Palabras Llave: Simmel. Conflicto social. Violencia.Cultura moderna.AbstractConflicts, violence and tragedy on the modern culture:reflections by Simmel’s approachThe starting point of this article is the theoreticaldiscussion of the social conflict by Simmel, morespecifically, on its relation to the present day violence,making evident, the theoretical limits and divergenceson both concepts found linking to tragic aspects, such asthe absence of reciprocal relationships and the modernindividual lack of originality.Keywords: Simmel. Social conflict. Violence.Modern culture.ResumoAno 1 Edição 2 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública193


REVISTABRASILEIRADE<strong>SEGURANÇA</strong> <strong>PÚBLICA</strong>Regras de Publicação1 Os trabalhos para publicação na Revista Brasileira de Segurança Pública deverão ser inéditosno Brasil e sua publicação não deve estar pendente em outro local.Regras2 Os trabalhos poderão ser enviados por email, para o endereço rsdlima@forumseguranca.org.br, ou por Correio, cuja correspondência deverá ser enviada para a sede do Fórum,localizada à Rua Teodoro Sampaio, 1020, cj. 1409 / 1410, Pinheiros, São Paulo / SP, CEP05406-050. Nesse caso, os textos deverão ser enviados em CD-R ou CD-RW e duas cópiasimpressas em papel A4.3 Os trabalhos deverão ter entre 20 e 45 mil caracteres, consideradas as notas de rodapé, espaçose referências bibliográficas.4 Recomenda-se a utilização de editores de texto que gravam em formatos compatíveis tantocom programas amplamente disseminados quanto, prioritariamente, com softwares decódigo aberto.5 Os artigos serão submetidos ao Comitê e ao Conselho Editorial da Revista, que terão a responsabilidadepela apreciação inicial dos textos submetidos à publicação.6 O Comitê Editorial da Revista Brasileira de Segurança Pública pode, a qualquer tempo,solicitar apoio de consultores AD HOC para emissão de pareceres de avaliação sobre ostextos encaminhados.7 A revista não se obriga a devolver os originais das colaborações enviadas;8 Os trabalhos deverão ser precedidos por um breve Resumo, em português e em inglês, e deum Sumário;9 Deverão ser destacadas as palavras-chaves (palavras ou expressões que expressem as idéiascentrais do texto), as quais possam facilitar posterior pesquisa ao trabalho na biblioteca.Vide exemplo:PALAVRAS-CHAVE: Segurança Pública, Violência, Polícias;10 Os artigos deverão ser precedidos por uma página onde se fará constar: o título do trabalho, onome do autor (ou autores), endereço, telefone, fax, e-mail e um brevíssimo currículo com principaistítulos acadêmicos, e principal atividade exercida. Recomenda-se que o título seja sintético.11 Não serão devidos direitos autorais ou qualquer remuneração pela publicação dos trabalhosem nossa revista, em qualquer tipo de mídia impressa (papel) ou eletrônica (Internet, etc.).O(a) autor(a) receberá gratuitamente cinco exemplares do número da revista no qual seu194Revista Brasileira de Segurança Pública | Ano 1 Edição 1 2007


trabalho tenha sido publicado. A simples remessa do original para apreciação implica autorizaçãopara publicação pela revista, se obtiver parecer favorável.12 A inclusão de quadros ou tabelas e as referências bibliográficas deverão seguir as seguintesorientações:a Quadros, mapas, tabelas etc. em arquivo separado, com indicações claras, ao longo dotexto, dos locais em que devem ser incluídos.b As menções a autores, no correr do texto, seguem a forma — (Autor, data) ou (Autor,data, página).c Colocar como notas de rodapé apenas informações complementares e de naturezasubstantiva, sem ultrapassar 3 linhas.d A bibliografia entra no final do artigo, em ordem alfabética.Regrascritérios bibliográficosLivro: sobrenome do autor (em caixa alta) /VÍRGULA/ seguido do nome (em caixa alta e baixa)/PONTO/ data entre parênteses /VÍRGULA/ título da obra em itálico /PONTO/ nome do tradutor/PONTO/ nº da edição, se não for a primeira /VÍRGULA/ local da publicação /VÍRGULA/ nomeda editora /PONTO.Artigo: sobrenome do autor, seguido do nome e da data (como no item anterior) / “título do artigoentre aspas /PONTO/ nome do periódico em itálico /VÍRGULA/ volume do periódico /VÍRGU-LA/ número da edição /DOIS PONTOS/ numeração das páginas.Coletânea: sobrenome do autor, seguido do nome e da data (como nos itens anteriores) / ‘‘títulodo capítulo entre aspas’’ /VÍRGULA/ in (em itálico)/ iniciais do nome, seguidas do sobrenomedo(s) organizador(es) /VÍRGULA/ título da coletânea, em itálico /VÍRGULA/ local da publicação/VÍRGULA/ nome da editora /PONTO.Teses acadêmicas: sobrenome do autor, seguido do nome e da data (como nos itens anteriores)/VÍRGULA/ título da tese em itálico /PONTO/ grau acadêmico a que se refere /VÍRGULA/ instituiçãoem que foi apresentada /VÍRGULA/ tipo de reprodução (mimeo ou datilo) /PONTO.Ano 1 Edição 1 2007 | Revista Brasileira de Segurança Pública195


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Revista Brasileira de Segurança PúblicaArtigosPOLÍCIAAbordagem policial: um encontro (des)concertante entre a polícia e o públicoTânia PincUso não-letal da força na ação policial: inteligência,pesquisa, tecnologia e intervenção sócio-educativaWilquerson Felizardo SandesDiscutindo cidadania com a polícia militar da ParaíbaRosália CorrêaAutonomia professional y liderazgo civil en las policías de America Latina y del CaribeLucia Dammert e Liza Zuñiga<strong>SEGURANÇA</strong> <strong>PÚBLICA</strong>O conselho de segurança pública no âmbito da administração pública municipalVânia Aparecida Rezende de Oliveira, José Roberto Pereira e Virgílio Cézar da Silva e OliveiraPolítica de segurança pública: o direito à intimidade na era da videovigilânciaGustavo Almeida Paolinelli de CastroLevantamento da percepção do medo e do crime em Santa CatarinaAldo Antônio dos Santos Júnior, Luis Henrique Dutra e Daniel Bernanrdo da Silva FilhoDROGAS, CONFLITO E VIOLÊNCIAOs reflexos da nova lei de drogas na atuação das polícias estaduaisJosé de Siqueira Silva, Danielle Novaes de Siqueira Valverde, Rodney Rocha Mirandae Francisco Valverde de Carvalho FilhoMediação, proteção local dos direitos humanos e prevenção da violênciaGuilherme Assis de AlmeidaConflito, violência e tragédia na cultura moderna: reflexões à luz de Georg SimmelGiane Alves de CarvalhoEntrevista“Nossa missão é salvar vidas”Entrevista com bombeiros do corpo de bombeiros da Polícia Militar do Estado de São Paulo

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