203O Mundo dos <strong>Trabalhadores</strong> e seus Arquivospublicamente”. Uma vez rompido o tabu, as memórias subterrâneas invadiram oespaço público, trazendo reivindicações múltiplas e dificilmente previsíveis 5 .Acreditamos que este raciocínio pode ser transferido para o contexto daditadura civil-militar brasileira. Durante sua vigência, as autoridades governamentaisprocuraram – por meio da repressão e da censura, mas também através depolíticas educacionais e culturais – enquadrar uma determinada imagem da naçãoque, calcada em valores cívicos e religiosos, enfatizava noções como a unidade nacional,a harmonia social e o caráter pacífico do povo brasileiro. Como “o trabalhode enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história” 6 ,buscava-se as “raízes” daquela situação presente em fatos, processos e personagenspassados, que se reatualizavam em filmes; publicações, escolares ou não; comemorações;programas educativos; selos; no ensino de História, Geografia, Educação Morale Cívica, Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e Estudo dos ProblemasBrasileiros (EPB), entre outros veículos e suportes. Neste panorama, as lembrançasdissidentes – sobretudo aquelas que remetiam a conflitos e desigualdades – eramnegligenciadas e/ou rechaçadas e/ou reprimidas, limitando-se, na maior parte dasvezes, ao âmbito do privado ou da clandestinidade.A partir do final da década de 1970, entretanto, tal situação começou amudar com a publicação, por exemplo, de livros de memórias de indivíduos queparticiparam da luta armada. Pouco a pouco, outras obras trouxeram para a arenapública lembranças pouco compatíveis com a memória enquadrada pelos agentesgovernamentais, enfrentando, quase sempre, a censura oficial. Lembremos, porexemplo, do filme “Pra frente Brasil”, de Roberto Faria, que, em 1982, venceu oFestival de Cinema de Gramado e, quase imediatamente, foi proibido pelo governo.No âmbito que aqui nos interessa, muitos dos “novos personagens que entraramem cena” nesta conjuntura pareciam ter clara consciência da importância da construçãoe preservação da memória de suas organizações e lutas, da edificação deseus próprios monumentos, da afirmação pública de sua existência.Os movimentos sociais que então emergiram como sujeitos políticosconstituíram a sua identidade a partir da ideia de novidade, de ruptura com o passado,com o “velho”. Suas ações e representações punham em xeque a memóriaoficial construída pela ditadura (e por uma certa tradição intelectual brasileira),pois enfatizavam as desigualdades sociais e a capacidade de mobilização e de luta degrupos normalmente vistos como pacíficos e passivos. Conscientes de que estavamfazendo história, vários destes sujeitos políticos, ao mesmo tempo em que agiam,preocupavam-se com a memória de suas ações. Muitos estudiosos, igualmente, logovoltaram sua atenção para aqueles “[...] grupos populares os mais diversos que
irrompiam na cena pública reivindicando seus direitos, a começar pelo primeiro,pelo direito de reivindicar direitos” 7 . Instigados e fascinados, esses intelectuais reforçarama imagem de novidade dos movimentos e também atentaram para a necessidadede preservação de sua memória.Assim, no bojo desta preocupação memorial, constituíram-se diversos arquivos“em tempo real”, ou seja, concomitantemente (ou imediatamente após) àorganização e à ação dos “novos personagens” cujas experiências eles procuravammonumentalizar. Algumas vezes, foram os próprios movimentos, ou organizações aeles ligadas (sindicatos, pastorais, centros de educação popular e de formação profissional,etc.), que tomaram a iniciativa de guardar e organizar seus documentos. Esteé o caso, por exemplo, do Centro Pastoral Vergueiro (CPV), de São Paulo, fundadoem 1973, e do Centro de Assessoria Multi Profissional (CAMP), de Porto Alegre,criado dez anos depois. Em outras ocasiões, foram os militantes que, individualmente,se incumbiram da tarefa de reunir e conservar os registros dos movimentosaos quais estavam ligados. Cabe ainda destacar o papel desempenhado pelas instituiçõesde pesquisa e ensino, sobretudo as universidades, na formação de acervosreferentes a estes movimentos sociais. Tal é o caso do CDS, objeto do presentetexto. Para todos os sujeitos – individuais e coletivos – que se empenharam naformação destes arquivos, a reunião, conservação, organização e disponibilização aopúblico de tais documentos eram vistos como atos políticos; de resistência a umahistória/memória oficial desqualificadora, de afirmação de uma identidade combativa(servindo, seguidamente, para a formação/“conscientização” de lideranças ede militantes de base), e de “imortalização” das lutas e ideias que defendiam.A argumentação que até aqui viemos delineando nos ajuda a entendermelhor o caráter destes arquivos e, mais especificamente, do CDS. A documentaçãoque o compõe não foi preservada “espontaneamente”, “por acaso” ou porque eraconsensualmente vista como significativa. Os registros daqueles movimentos sociaisque chegaram ao presente foram escolhidos para se perpetuarem, selecionados,de forma mais ou menos consciente, por diversos agentes em função de opçõespolíticas e de relações de força variadas. Afinal, retornando às considerações deLe Goff, o documento/monumento conservado em um arquivo “resulta do esforçodas sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente– determinada imagem de si próprias” 8 . Desta forma, julgamos importante lembrar– embora esta constatação possa parecer um tanto óbvia – que, por maior que sejaa nossa simpatia pelos homens e mulheres que produziram os documentos abrigadosno CDS, ou que neles são referidos, não podemos fazer o papel de ingênuose cair “nas malhas do feitiço”, acreditando na “espontaneidade”, “autenticidade” e204
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