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seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

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SEU PLÍNIODEVOLVAMEU FILHOEle, meu filho, conheceu um moçoque tava na TFP, o Bruno, que estudavajunto com ele e que tinha uma pernamecânica. O Bruno era um tipoassim bonitinho, gordinho, eramamigos inseparáveis um do outro. OBruno tinha um carro, eles iam juntospara a escola, quando chovia elevinha buscar, tinha umas meninasque também estudavam com eles. Eunão sei porque, mas o Bruno já era daTFP, e foi levando ele. Depois inclusiveo professor de religião começou avirá-lo. Esse professor, parece queinclusive depois expulsaram ele docolégio onde* lecionava, lá em SãoBernardo do Campo, porque desvioumuitos rapazes para a TFP. Essesenhor professor mora lá no Largo doCambuci com a senhora mãe dele,que é velhinha, ele também já ésenhor, o tal professor que deséncaminhouele mais o Bruno.Quando chegava Carnaval, SemanaSanta, coisa assim, ele pedia algumdinheiro (ele não trabalhava), para irpara uma chácara que a TFP tem lá emItaquera, diz que é muito rica a chácaralá de Itaquera, e eles iam acamparlá em Itaquera. Eu gostava, eracoisa de religião, sabe? Todos osdomingos o professor dava aulas parair conféçsar e comungar. Todos osdomingos ele começou a ir na Igreja,lá perto dçi casa da minha mãe. Masdaí o padre se escamou, estranhou,ele viu aquele rapaz todos os dias etocou ele lá da Igreja, daí ele mudoupra outra e foi mvdando, mudandoaté que ia todos os dias lá na Catedralconfessar e comungar. Quando eu víaquilo e senti... não dava mais.Ele mudou. Em casa ele era umrapazcomum, tomava o copo de cervejadele, tinha um conjunto, tinha dezoitoanos, até tenho fotografia. Compreiuma guitarra pra ele, compreium violão que tenho guardado atéhoje. Ele ensinava os meninos a tocarcavaquinho, dava aulas. Todos osdomingos tinha um quarto vazioonde ensaiavam para tocar num bailinhoda vila, ganhava corbeille deflores, um dinneirinho, e vinha umsenhor de carro buscar pra eles tocarempor aí.Depois, quando ele começou bemmesmo na TFP, chegava em casa enão queria que as irmãs usassem calçacomprida. Quando foi um dia,minha mãe não estava em casa, elepegou as três meninas, pegou umaborracha e falou para elas:-"Vocês, agora, vão tirar essas calçascompridas. Quem demorar maispara tirar, apanha mais. Quem tirarmais rápido, apanha menos."Então ele ficou no quarto, elastiram as calças e deram. Ele saiu para oquintal, jogou álcool e pôs fogo. Eleestava mesmo mudado, iá estavamudado, ele começou a bater nasmeninas, até que um dia a gente faloupara ele ficar de vez na TFP.Um dia ele deu um ponta-pé nairma dele, na Mirian, que machucoutodo o braço, não chegou a quebrar,mas machucou. Mas aí ele ficou sópensando na religião, só falando emSanto, só falando em Deus, tudo paraele era pecado. Tirar a meia pra eleera pecado, se você tira a camisa pertode uma pessoa é pecado, eu queera a mãe dele não podia por a mãonele, a mãe gosta de chegar perto dofilho e abraçar, mas não podia pór/ãmão nele que era pecado, tudojjaraele ficou sendo pecado.Um dia mostrei o blusão çjô LiceuSiqueira Campos, onde ele tirou oginásio. Sabe, os moleques todosescrevem uns nas costas aos outros,fazem desenhos, tudo..., pintado. Aífalei assim: "é, Adentfr, eu guardeiesse blusão aqui porque a gentepagou o ginásio pára você aí, comtanta dificuldade, que quis guardaresse blusão como lembrança". Elerespondeu para mim: "Mãe, dá queeu vou queimar esse blusão porqueisso é coisa do capeta".Aí que eu ví que ele já tava... quenão adiantava... Daí o pai disse paraeu dizer para ele que se ele quisessevoltar a estudar, era só dizer o quê eonde, que ele pagava tudo e que seele quisesse morar numa pensão,num hotel, onde fosse, que o paipagava... Fui lá na TFP e falei para ele.Daí ele respondeu oara mim: "eunão vou mais estudar porque osestudantes são todos uns satânicos".E parou, não estuda mais.Voce vai lá na sede e vê muitosmorando lá. Tem bastante. Todos defamília, todos estudados, um já éengenheiro, outro é médico, outro éadvogado. Todos que estão lá nasede, a maior parte mora por ali mesmo,parece um quartel, sabe? Todosmorando por ali mesmo, todos estudados,todos com seu diploma... Só omeu filho, ele e mais alguns, que nãodeu tempo e não chegaram a terminaro curso. Foi assim que eu perdi•meu filho.Ele vem visitar minha mãe de vezem quando. Mas não demora muito.Ele nem pergunta por mim, acho queele acha que sou mulher à toa, quesou isso, que sou aquilo, ele nãosuporta, não gosta. Ele pergunta paraas meninas se lélias gostam de mim.Elas respondem que é lógigo que elasgostam, e ele fica quieto. Ele fugiu dafamília, quer dizer que para ele nãotem família. Ele se dava muito commeu irmão, que é pouca coisa maisvelho que ele. Eles ficaram mocinhosjuntos, um usava a roupa do outro,meu irmão sempre dava um dinheirinhopara ele - meu filho não fuma,nem bebe - mas meu irmão sempredava um dinheirinho para ele.Eles perderam a amizade. Um dia,lá na rua Agostinho Gomes, no Ipiranga,eles estavam fazendo umacampanha com bandeiras, faixas,meu irmão viu e correu atrás deles.Por isso eles não se falam mais.A última fez que fui pedir paraest: Jar, ele falou para mim que o Dr.Plinio deu umas aulas para ele e disseque tem que ter todas as classes.Que tem que ter o varredor de rua,que tem que ter o faxineiro, que temque ter o porteiro... que tem que tertodas as classes. Eu falei para ele:"Você não tinha dinheiro, mas umdia você poderia ser alguém, não serrico, mas ser alguém de nome porquevocê estava estudando, um dia poderiaser médico, ser advogado, ser oque quisesse." O homem pôs nacabeça dele que ele não poderiaestudar porque tem que ter a c!a::epobre que varre o chão, que limpa. Lána TFP ele é faxineiro, é garção.A primeira vezquefui naTFPepergunteipor ele, ninguém o conhecia.Eu falei que era meu filho, que faziatanto tempo que tinha saído oe casa eeu sabia que ele tava lá. Então eu deium aperto e apareceu outro que disseque ele tava em outra casa, naoutra sede, eu fui me informando. Aíchegou um senhor de moto, eu faleipra ele que era a mãe do Ademir,assim assim, e que queria falar comele. Ele mandou eu voltar no outrodia e consegui falar com meu filho.O pai dele foi diversas vezes lá e foimal recebido, eles falam que não estáe fecham a porta, não querem pessoasde fora, não têm atenção paraoutras pessoas.Agora eles estão com uma santa,acho que é Nossa Senhora de Fátima,dizem que é uma santa muito milagrosa,uma santa que fala. Ele não éao Brasil, ela veio de avião, eles vãofazer uma procissão estão vendendoum santinho dela por Cr$ 10,00.Em frente de onde ele mora temuma colega de infância dele, que estálouca para falar com ele, conversar.Ela me disse que o Ademir já reconheceuela mas não olha para ela.Acha que eles não olhanr. .íinguém,eles recebem instrução para nãoolhar.No dia do aniversário dele, na casada minha mãe, eu estava conversandocom ele, peguei e dei um abraçorápido nele, ele pegou e me empurrou.Eu falei, puxa vida, eu sou suamãe, será que nem eu posso te agraçar,sou sua mãe, posso até te darbanho. Falei brincando e ele nãoachou graça, ele não achou graça, elenão acnou graço em nada.Ele me falou assim: "A senhoragostaria de me ver usando hábito?".Eu respondi, mas como é que é isso?.Ele me respondeu: "Lembra-se doSão Francisco, quando andava pelomundo, andava de hábito". Achoque agora na TFP, os que subiremmais, se aprofundarem mais, vão vestiressa roupa.Um dia eu estava atacando a TFP eele me mostrou a fotografia do Dr.tPlínio - é um senhor velho - beijou eguardou no bolso. Me assustei e perguntei: "Ué, ele já virou santo?". Eleme respondeu: "Não, mas devo tudopara esse homem aqui porque foi elequem me deu educação". Eu faleique não, "você não deve nada a ele,porque quando ele pegou você, vocêera um moço estudante, não fumava,não bebia, era um rapaz educado,todos gostavam de você". Ele ficoubravo e falou: "A senhora aueria mever com um copo na mão dentro deum bar, ou então queria me vertomando tóxico ou senão agarradocom umas prostitutas. É isso que asenhora quer?" Eu respondi quequeria e até gostava, porque assim"você era igual aos outros, igual..."Ele evita falar com a gente. Ele nãoolha, ele não olha assim para os olhosdos outros, ele fica olhando para olado, parado, não encara as pessoas,entende? Não dobram as mangas dacamisa perto da família, se vai dormir,e tem alguém no quarto ele não vai,se ele estiver deitado no quarto, nemque seja a mãe, o irmão, qualquerum, não pode vê-lo, não pode nempassar. A gente fica interessada, seaprofundando para tentar chegar lámas não dá... Outro dia dei um chinelopara ele e ele me disse: "A senhoraacha que vou andar de chinelo?"Nemo pé! Eles não podem tirar a meia pertode ninguém, eles nao queremmostrar naaa do corpo.Só sei dizer que entrei lá e tem umpavilhão bem grande com muitosrapazes, mas muitos mesmos, sabe oque é um quartel que tem bastantegente? Era assim, um tipo de umquartel. Um entrava, outro saia, gentedo interior que chegava. Passamperto um do outro e fazem que nemsoldado, fazem continência. Todossabem essas lutas: o Ademir pareceinclusive que dá aulas de caratê Ia'.Tem o de gráu mais alto, de gráumais baixo; batem o pé um para ooutro e chamam qualquer pessoa desenhor, pode ser até uma criancinhaque é senhor. A gente não conseguedescobrir o que é. Só vamos sabermesmo quando sair alguém lá dedentro. Faz tempo, um tal de Orlandosaiu, ví no jornal, atacou mas nãoacontece nada, ninguém se importacom eles na rua, a polícia não taznada.A última vez que eu vi o Ademir foina TFP. Cheguei lá e duas senhorasvelhas mandaram entrar. Fiquei numlugar que tinha escrivaninha e a máquinade escrever dele. Quando elechegou e me viu disse: "Olha, estouem cima da hora e agora vou fazeruma coisa muito importante..." Eufalei pode ir, pode ir porque nuncamais volto aqui. Saímos nós três, eu eas irmãs dele. E ele saiu também, foiembora com um terço desse tamanhoas irmãos dele. E ele saiu também, foiembora com um terço desse tamanho,que eles usam na mão.

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