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seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

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1 KISSINGER E NIXON SABIAM?Um dos convidados era o generalErnesto Baeza, hoje diretor da SegurançaNacional do Chile, o homem que liderouo ataque ao palácio presidencialdurante o golpe de setembro último, equem deu a ordem para incendiá-lo.Dois de seus subordinados naquelesdias, ficaram famosos durante a mesmaoperação: general Augusto Pinochet.presidente aa junta militar, e o generalJavier Palácios. Também à mesa, estava obrigadeiro Sérgio Figueiroa Gutierrez,da Força Aérea, hoje ministro dos ServiçosPúblicos e amigo íntimo de outromembro da junta militar, general GustavoLeigh, que ordenou o bombardeio dopalácio presidencial. O último convidadoera o almirante Arturo Troncoso,governador naval de Valparaíso atualmente.Foi ele que realizou o expurgode oficiais-marinheiros esquerdistas, efoi um dos desencandeadores do levantemilitar de 11 de setembro.Aquele jantar provou ter sido umencontro histórico entre o Pentágono ealtos oficiais do serviço militar chiíeno.Em outros encontros que se sucederamem Washington e Santiago, chegou-se aum acordo a respeito de um plano deemergência, de acordo com o qual,tomariam o poder em caso de vitória dopartido de Allende, a Unidade Popular,nas eleições.O plano foi concebido de maneirafria, como uma operação militar, e nãoera conseqüência de pressões feitas pelaInternacional Telephone and Telegraph(ITT). O plano era inspirado por razõesmais profundas de política mundial. Dolado norte-americano, a organizaçãoque se movimenta era a "Defense InteligenceAgency", do Pentágono, mas aque estava realmente encarregada doplano era a agencia de informações daMarinha, sob alta direção política da CIAe do Conselho de Segurança Nacionaldos EUA. Foi uma coisa bastante normalter colocado a Marinha e não o Exércitono encargo do projeto, pois o golpechileno iria coincidir com a operaçãoUnitas, nome dado a um conjunto demanobras das marinhas americanas echilenas no Pacífico.Estas manobras se realizavam todo omês de setembro, o mesmo das eleições,e o aparecim ento em terra e no céu doChile de todo tipo de equipamento militare de homens bem treinados nas artese nas ciências da guerra, era natural.Durante esse período, Henry Kissingerdisse, em particular, a um grupo dechilenos: "Eu não estou interessado,nem sei nada sobre a porção sul do mundo,dos Pirineus pra baixo". Na época, oplano de emergência já estava prontonos seus mínimos detalhes e é impossívelque Kissinger ou mesmo o presidenteNixon não estivessem a par.O Chile é um estreito país, com cercade 4 mil quilômetros de comprimento, euma média de 180 quilômetros de larguta,tem10 milhões deexúberantes, habitantes,cerca de tres milhões dos quaisvivem na área metropolitana de Santiago,a capital. A grandeza do País nãoderiva do número de virtudes que pos-&u,i, mas muito mais, das suas muitas singularidades.A única coisa que produz«om seriedade absoluta é cobre, masfcsse cobre é o melhor do mundo e seuvolume de produção é ultrapassado apenaspelo dos Estados Unidos e UniãoSoviética. Também produz vinho, tãobom quanto as melhores espécies européias,mas apenas uma pequena partedele é exportada. Sua renda per capita,650 dólares, se classifica entre as maioresda América Latina, mas tradicionalmente,quase metade do produto nacionalbruto sempre foi dividido entre poucomais de trezentas mil pessoas. Em 1932, oChile se tornou a primeira repúblicasocialista das Américas,, e com õ apoioentusiástico dos trabalhadores o governotentou nacionalizar o cobre e o carvão.A experiência durou treze dias apenas.No Chile, acontece um tremor deterra a cada dois dias em média, e umterremoto devastador a cada mandatopresidencial. O menos apocalíptico dosgeólogos pensa no Chile não como umpaís do continente, mas como uma pontados Andes em pleno mar, e acreditaque todo seu território nacional estácondenado a desaparecer num cataclismafuturo.Os chilenos são muito parecidos comseu país, de certa maneira. São o povomais agradável do continente; gostamde viver, e sabem fazê-lo da melhormaneira possível, e até um pouco mais;mas têm uma perigosa tendência para oceticismo e a especulação intelectual.Um chileno disse-me, certa segundafeira,que "nenhum chileno acreditaque amanhã é terça"; e ele próprio nãoacreditava. Ainda assim, apesar destaprofunda incredulidade, ou graças a ela,os chilenos atingiram um grau de civilizaçãonatural, de maturidade política eum nível de cultura que os coloca separadosdo resto da região. Dos três PrêmiosNobel que a literatura latinoamericanaganhou, dois foram para oschilenos, um dos quais, Pablo Neruda,foi o maior poeta deste século.Henry Kissinger devia saber disso,quando disse que não sabia nada sobre aparte sul do mundo. Emtodo caso, asagências de informações americanassabem muito. Em 1965, sem a permissãodo Chile, a nação se transformou em palcocentral e base de recrutamento deuma fantástica operação de espionagemsocial e política: o Projeto Camelot. Erauma investigação secreta, destinada aprecisar através de questionários, submetidosa pessoas de todos os níveissociais e todas profissões - até dos maislongínquos rincões das nações latinoamericanas- de uma maneira científica,o grau de desenvolvimento político e astendências dos vários grupos sociais. Oquestionário destinado aos militarescontinha a mesma pergunta que os oficiaischilenos ouviram no jantar emWashington: qual seria sua posição se ocomunismo chegasse ao poder? O Chilede há muito era preferido como área depesquisa pelos cientistas sociais americanos.A idade e a força de seus movimentospopulares, a tenacidade e a inteligênciade seus líderes e as próprias condiçõeseconômicas e sociais permitiamuma antevisão do destino dofpafsjNãoeram necessários os resultados cio projetoCamelot para se aventar hipótese deque o Chile era um dos primeiros candidatosa se tornar a segunda repúblicasocialista na America Latina, depois deCuba.2 COMO DERRUBAR ALLENDE?No dia 4 de setembro de 1970, comotinha sido previsto, o médico socialistaSalvador Allende foieleito presidente daRepública. O plano de emergênciaentretanto não foi posto em ação. Aexplicação mais difundida é também amais incrível: alguém cometeu um enganono Pentágono e requisitou 200 vistosde entrada para um suposto coral daMarinha; no entanto, havia vários almirantesentre eles que não sabiam cantaruma nota sequer. Essa gafe, supõe-se,determinou o adiamento da aventura.A verdade é que ò projeto tinha sidoavaliado em profundidade: outras agênciasamericanas, particularmente a CIA eo embaixador americano no Chile, sentiramque o plano era por demais umaoperação militar e não levava em contacondições políticas e sociais do momento.De fato, a vitória da Unidade Popularnão trouxe o pânico social que a espionagemamericana esperava. Pelo contrário,a independência do novo governonas relações internacionais, e a sua atitudedecidida nos assuntos econômicos,criaram imediatamente uma atmosferade júbilo social. Durante o primeiro ano,47 firmas foram nacionalizadas juntamentecom grande parte do sistema bancário.A reforma agrária viu a desapropriaçãoe incorporação à propriedadecomunal, de mais de seis milhões deacres de terra, antes pertencentes agrandes latifundiários. O processo inflacionáriofoi brecado, conseguia-seemprego pleno e os salários receberamum aumento de trinta por cento.O governo anterior, liderado peloDemocrata Cristão Eduardo Frei, deualguns passos na direção da nacionalizaçãodo cobre, um processo chamadoentão de "Chilenização". Tudo que oplano fez foi comprar 51 por cento dasações das minas de cobre controladaspejos Estados Unidos e, pela mina dè EÍTeniente apenas, pagou uma somamaior do que o valor total de todas aspropriedades. A Unidade Popular, comapenas um ato legal, apoiado no Congressopor todos os partidos políticos dopaís, recuperou para a naçao todos osdepósitos de cobre das companhiasamericanas Anaconda e Kennecott. Semindenização. (O governo calculou queas duas companhias, durante um períodode quinze anos, tinham obtido umlucro ilegal que ultrapassava a casa dos800 milhões de dólares, o que superava ovalor das idenizações.)A pequena burguesia e a classe média,as duas grandes forças sociais que teriamapoiado um golpe naquele momento,começava a desfrutar de vantagens nuncavistas, e não às expensas do povo,como sempre tinha sido, mas sobretudoàs custas da oligarquia financeira e docapital estrangeiro. As forças armadas,como grupo social, têm as mesmas origense ambições da classe média; portantonão tinha motivos, nem sequer álibipara apoiar o pequeno grupo de oficiaisda reunião de Washington. Cientedessa realizade, os democratas-cristãosnão somente não apoiaram o plano militar,mas até se opuseram a ele, por saberque este seria impopular mesmo entresuas próprias fileiras. .Sua estratégia era diferente: usartodos os meios possíveis para estragar aboa saúde do governo, e assim obter amaioria de dois terços no Congresso naseleições de março de 73. Com esta maioria,eles poderiam votar a remoção constitucionaldo presidente da república.A Democracia Cristã se constitui numaenorme organização, que não conhecelimites sociais, com uma autêntica basepopular entre o proletariado das modernasindústrias, os pequenos e médiosproprietários de terras, e a pequena burguesiae a classe média das cidades. AUnidade Popular, ainda que tambémmesclada socialmente, era a expressãodos trabalhadores das classes menosfavorecidas, do proletariado agrícola eda baixa classe média das cidades. Osdemocratas cristãos, aliados ao PartidoNacional, de extrema direita, controlavamo Congresso e o Judiciário. A UnidadePopular controlava o Executivo. Apolarização destes dois grupos políticosera, de fato, a polarização de toda nação.Curiosamente o católico Eduardo Freifoi quem mais se beneficiou e tirou vantagemdas lutas de classe; foi quem asestimulou e as levou ao confronto, paradesacreditar o governo e derrubar o paísno abismo da desmoralização e dodesastre econômico.O bloqueio econômico ordenadopelos Estados Urwdos devido a desapropriaçõessem indenização, fes o resto.Bens de todos os tipos são manufaturadosno Chile, desde automóveis até pastade dente, mas sua indústria de basetem uma falsa identidade: em 160 dasmais importantes firmas. 60% do capitalera estrangeiro e 80% das matérias-primasbásicas vinham do exterior. Alémdisso, o país precisava de 300 milhões dedólares para poder importar bens deconsumo e outros 450 milhões parapagar os juros de sua dívida externa. Ocrédito concedido pelos países socialitasnão_podia suprir a falta de peças dereposição, pois grandepartedos equipamentosusados no Chile, na agricultura,na indústria e no transporte é de origemamericana. A União Soviética chegou acomprar trigo na Austrália par? mandáloao Chile, uma vez que ela própria nãotinha o cereal, e através do Banco Comercialda Europa do Norte, em Paris fezvários emprestimos em dólares. Mas asurgentes necessidades chilenas erammuito maiores e se aprofundavam cadavez mais. As alegres damas da burguesia,a pretexto de um protesto contra a inflaçãogalopante, o racionamento e ospedidos feitos pela classe pobre, saíramas ruas batendo em suas panelas vazias.Não foi por acaso, bem ao contrário; foimuito significativo o espetáculo detalheres cie prata e chapéus de flores teracontecido na mesma tarde em queFidel Castro encerrava uma visita de trintadias ao Chile - uma visita que provocouum terremoto de mobilização socialentre os que apoiavam o governo.3 ALLENDE VENCE DE NOVOO presidente Allende entendeuentão, e o disse, que o povo tinha ogoverno mas não tinha o poder. A fraseera mais amarga do que parecia. E tambémmuito alarmante, pois dentro de si,Allende carregava o germe da legalidadeque continha a semente de sua própriadestruição: sendo um homem que lutouaté a morte em defesa da legalidade, eleteria sido capaz de deixar o Palácio de LaMoneda, de cabeça erguida, se tivessesido destruído pelo Congresso^ dentrodos limites da Constituição.A jornalista e pofltica italiana RossanaRossanda, que visitou Allende nesteperíodo, encontrou-o idoso, tenso echeio de funestos pressentimentos,enquanto falava, sentado no sofá de cretoneamarelo onde, sete meses maistar-

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