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seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

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Naquela época, os jornais não atraíama atenção do público apenas com a forçae o peso das manchetes consentidas, mastambém com o auxílio de ruidosas sirenas,instaladas nas portas das redações.Sempre que ocorria um fato importante,acionavam-se as sirenas e o público seacotovelava nas calçadas para ler as notíciasque muitas vezes não saíam no diaseguinte.Mas a Censura logo impediu a divulgaçãode qualquer informação sem o seuconhecimento. A fim de que não houvessemais dúvidas sobre o que era proibidopublicar, fez-se um decálogo distribuídoa todos os jornais."As proibições eram as mais absurdas.Não se podia falar sobre os porres deBenjamim Vargas e das brigas das famíliasligadas ao Governo. Havia coisas aindamais ridículas, como a proibição dedivulgar um roubo ocorrido em casa doCoronel Juarez Távora. O Juarez tinhasido o grande líder militar da revoluçãode 1930 e, de acordo com a ética palaciana,esta noticia poderia comprometer asua imagem de herói lesado por umladrão comum."Escândalos administrativos e privados,que envolvessem pessoas da estimado Governo, não podiam também serpublicados. Os espancamentos freqüentesdos adversários reais e imagináriosjamais puderam ser registrados pelaimprensa. A partir da revolução de 1932,a Censura passou a ser prévia e nos transferimospara as redações dos jornais.Lembro-me de um episódio que quaseme levou à prisão. Estava fazendo a censurade O Jornal quando o Chateabriandentrou na redação, eufórico, com umafoto em que o Francisco Campos apareciaà frente de uma legião de camisasamarelas,durante um desfile ocorridoem Minas Gerais. A foto era exclusiva e oChateaubriandl queria publicá-la na primeirapágina. A notícia estava, entretanto,incluída no "índex" e não podia serdivulgada. O Chateaubriand insistiu, disseque era politicamente importantedenunciar o fascismo que já começava adar seus primeiros passos, aesajeitoados,entre nós. O "furo era realmente sensacionale não pensei duas vezes: libertei otexto e a foto. Fui suspenso 15 dias peloSalgado Filho. Alguns meses depois, coma ascenção do Filinto Mulier, que era umobscuro chefe da guarda noturna, àChefatura de Polícia, no lugar de BatistaLuzardo, o ambiente na rua da Relaçãoficou tenso. O Filinto era um homemtruculento e arrogante. Seu braço-direito,Lones Vieira, Delegado de OrdemPolítica e Social, era a própria imagem doterror. A presença de jornalistas na Chefaturade Polícia, mesmo a serviço daditadura, passou a ser um incômodo e aCensura foi transferida para o gabinete doMinistro do Interior e Justiça, AgamenonMagalahães. Alguns dos crimes eviolências que testemunhamos, quandoainda estávamos na Chefatura, foramatirados anos depois pelo próprio Filinto,na conta de velhos ressentimentospessoais.".Com o advento do Estado Novo, o DIPadquiriu a prerrogativa de exercer tambéma censura no plano nacional, depoisque seu diretor, Lourival Fontes, cinzelousua feição totalitária. Alguns jornalistas,como Álvaro Vieira, que não mereciama confiança da "nova ordem",foram dispensados da polícia por CivesMulier Pereira, sobrinho de Filinto e seudedicado chefe de gabinete.Ao ser demitido da 4*. Delegacia, ÁlvaroVieira foi convidado por Chateaubriandpara escrever uma colunasemanal sobre assuntos médicos em OJornal. Vieira assinou a seção durantecerca de 30 anos até o dia em que o "órgãolíder dos Diários Associados" deixouae circular."As nações crescem, os povos dedesenvolve e, com o passar do tempo, obom senso acaba sempre prevalecendosobre o arbítrio. Muitas verdades quenão puderam ser publicadas, naquelaépoca, vieram a público anos depois. ACensura, na verdade, atendia mais aosinteresses pessoais dos governantes doque aos sagrados interesses da Nação emTiome de quem era sempre aplicado comextremo vigor. A Censura tem apenasurfyvalor episódico, temporal. Não sepode, destruir a verdade como quemesmaga um insento."O S^-chefe do "Serviço de Controleda Imprensa" do Estado Novo, SampaioMitke, fala do alto dos seus 76 anos com aexperiência e a intimidade de quemconhece so\$ubterrâneos atapetados dopoder que freqüentou com assiduidadeentre 1938 e 1942. Trinta e dois anosdepois, Sampaic^Mitke,. ex-secretário deredação da Associated Press, exerceagora as funções de gerente-geral dosjornais O Dia e A Noticia. Sampaio nãocontém seu entusiasmo diante aas liçõesque a História lhe deu. Q porte elegantee vigoroso realça o terno escuro queaoriga um corpo ainaa jovem para osseus 76 anos. Ao se debruçar agora sobreo passado, ele reconhece a inutilidadeda função que exerceu com desvelo.A voz grave, ligeiramente estridente,vai aos poucos enchendo de recordaçõesa sala espaçosa, forrada por umtapete de "bouclê" que termina sob ossapatos pretos de cromo alemão:"O meu serviço não exercia a censuraprévia. Nós transferimos para os jornais aresponsabilidade pela publicação dasnotícias que desagradavam ao Governo.O trabalho era lirtípo e eficiente. As sançõesque aplicávamos eram muito maiseficazes do que as ameaças da políciaporque eram de natureza econômica.Os jornais dependiam do Governo paraa importação do papel linha d'água. Astaxas aduaneiras eram elevadas e deveriamser pagas em 24 horas. E o DIP sóisentava de pagamento os jornais quecolaboravam com o Governo. Eu ou oLourival é que ligávamos para a alfândegaautorizando a retirada do papel."O DIP era um verdadeiro superministério.Lourival Fontes, modesto funcionárioda prefeitura do Distrito Federal,ao ser nomeado para a sua direção-geral,lhe deu vida nova e um estigma do qualalguns dos seus mais eficazes colaboradoresaté hoje não conseguiram se libertar.O prestígio e a força do DIP eramavaliados pela duração das audiênciasque Lourival Fontes mantinha com Getúlio,todas as quintas-feiras. Nesses dias,ele subia os degraus do Catete com seusauxiliares carregados com pastas depapelão. O nome das diretorias e divisõesque integravam o DIP reluziam nacapa aas pastas em letras douradas.As pastas da minha divisão, Serviçode Controle de imprensa, eram semprede papelão ordinário, com letras desenhadasa tinta. Fazia isso de propósito.Nos relatórios semanais, eu registravatodos os pedidos de censura que haviamsido encaminhados ao órgão. Diziaquem pediu, os motivos alegados e asinformações proibidas de serem divulgadas.O Getulio ficava sabendo detudo. Havia também alguns pedidos pessoaisque eu recusava atender mas quenão deixa de incluir no meu relatório. OEstado Novo, como todos os regimes deexceção, necessitava da Censura como oar que seus governantes respiram. Essesregimes são frágeis, pela sua próprianatureza, que sem ela não seriam capazesde sobreviver."Sampaio Mitke amorteceu, pessoalmente,muitos golpes que teriam atingidoo desgastado, irrmediavelmente, aimagem do governo que o DIP tinha porobrigaçãopreservar. Ele hoje é o primeiroa reconhecer que num regime de forçatodos estão confinados. A maioria dosjornais não ousava desrespeitar as determinaçõesque eram transmitidas, em seunome, pelo telefone, para as redaçõesdo Rio e de São Paulo. Os jornais dosoutros Estados recebiam as instruçõespor telegrama."Só tive problemas com O Radical. OBrasil estava em guerra com os países doeixo e seu diretor, o Rodolfo tarvalho,habitualmente desrespeitava a proibiçãode não divulgar o afundamento denavios brasileiros. Fui obrigado a mandarapreender várias edições desse jornal.Mas o Rodolfo Carvalho, que era umhomem extremamente inteligente, estavasempre brigando com a censura a fimde capitalizar prestígio para O Radica,!.No dia seguinte, o Rio, e depois o paisinteiro, comentavam e apreensão do jornal.alguns anos depois, com a criaçãodos DEIPs, que passaram a controlardiretamente os jornais nosEstados de origem, o serviço foi ampliado,mas a censura continua ain-. (Jprgrave que enfrentei foi o fechamento deO Estado de S. Paulo, em 1940, porordem do Góis Monteiro, que era oMinistro do Exército. Ele ordenou pessoalmenteao Cel. Scarcela Portela queocupasse militarmente o jornal. Lembromede que cerca de 600 funcionáriosficaram desempregados. Foi outraviolência inútil, de valor apenas temporal,pois o jornal aí está, outra vez, sólidocomo uma rocha, na defesa dos ideaisdemocráticos."Até hoje Sampaio Mitke não conseguiuse libertar ao peso de algumas arbitrariedadesque assegura jamais havercometido. Um dos seus vários adversáriosimplacáveis, o articulista Osório Borba,atacou-o durante vários anos após aqueda do Estado Novo, através das páginasdo Diário de Noticias. Osório acusavaSampaio Mitke de ser um fascista convicto,mas o ex-chefe da Censura jamaisse preocupou em rebater essas acusaçõesque atribui a uma vingança pessoal,por cortar alguns dos editoriais que OsórioBorba redigia para o Diário de Notícias.Durante alguns anos, Sampaio Mitkeainda se empenhou em retirar,pacientemente, outras pedras que foramatiradas sobre as suas vidraças."Muitas dessas pedras, que recolhi nomeu quintal, estão hoje amarradas áscostas dos que as atiraram contra mim,durante o Estado Novo. e que hoje atropelam,esquecidos das lições da História,os mesmos valores que defendiamnaquele tempo. Sócrates achava preferívelficar sem sol o universo, do que privadada liberdade a palavra da República.Não importa que ele houvesse pregadono deserto, pagando com a própriavida a audácia de evangelizar idéias nãoaceitas pelos dominadores do seupovo."

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