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seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

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- Continuar com 450 volts?- É isso mesmo, continue!- Ok! (furioso) 450 volts!- Desculpe, teremos queinterromper a experiência.soas aplicou choques muito baixos, geralmenteindolores, quando a opção era explicitamentepara aumentá-los.Esta circunstância da experiência enfraquece outraexplicação comumente aceita sobre o comportamentotestado - de que aqueles que aplicam choques navitima em intensidade alta, vêm somente da pacelasádica da sociedade. Se se considerar que quase 2terços dos participantes caem na categoria de "oberdientes",e que eles representavam pessoas comuns -isto é operários, executivos e profissionais liberais - oargumento tornava-se muito frágil. Na verdade, issolembra muito um ponto levantado por HannahArendt, em seu livro "Eichmann em Jerusalém", de1963. Arendt argumentou que os esforços da acusaçãopara classificar Eichmann como um monstro-sádico,estavam errados na essência, e que elegeria mais umburocrata sem inspiração que simplesmente sentavana sua cadeira e fazia o seu trabalho. Por expressaressa opinião, Arendt transformou-se em alvo de considerávelescárnio, mesmo de calúnias. De algumaforma, sentiu-se què a obra monstruosa praticada porEichmann requeria uma personalidade distorcida,brutal, a encarnação do mal. Para testemunhar centenasde pessoas comuns sendo submetidas à autoridadeem nossas próprias experiências, devo concluir quea concepção de Arendt sobre a trivialidade do malchega mais próxima da verdade que se possa ousarimaginar. A pessoa comum que durante a nossa experiênciaapplicou choaues na vítima, fez isso a partir deum senso de obrigação - uma impressão de seusdeveres como testado - e não a partir de quaisquertendencias peculiares.Esta é, provavelmente, a lição mais fundamental denosso estudo: pessoas comuns simplesmente executandoseus trabalhos, e sem nenhuma hostilidade particular,podem vir a ser agentes de um terrível processode destruição. Além cfisso, mesmo quando os efeitosdestrutivos do seu trabalho, venham a ser patentementeclaros, e pede-se a eles para praticar açõesincompatíveis com os padrões fundamentais damoralidade, poucas pessoas relativamente têm areserva necessária para resistir à autoridade.Muitas das pessoas eram de alguma forma, contra oque estavam fazendo, e muitas protestavam, mesmoenquanto obedeciam. Algumas estavam totalmenteconvencidas dos erros de suas ações, mas não conseguiamromper abertamente com a autoridade. Elasmuitas vezes obtinham satisfação a partir de seus pensamentose sentiam que - pelo menos intimamente -estavam do lado dos anjos. Tentavam minimizar seuprocedimento obedecendo ao cientista mas "apenaslevemente", encorajando o aluno, e movendo osbotões do gerador suavemente. Quando entrevistado,um deles diria, para se aliviar, que tinha consultadoseu humanismo e assim aplicado o mais curto choquepossível. Assumir o conflito dessa maneira era amaneira mais fácil do que se rebelar.A situação é montada de tal forma a que não hajapossibilidade do "professor" parar de dar choques noaluno" sem violar as definições do cientista sobresua própria competência. O testado teme parecerarrogante e mal educado, se desobedece. Emboraessas emoções inibidoras pareçam pequenas, emrelação a violência que está sendo aplicada no "aluno",elas aliviam a mente e o sentimento do testado,que se sentia muito mal diante da perspectiva derepudiar a autoridade à sua frente. (Quando a experiênciafoi alterada de forma a que o cientista dessesuas instruções por telefone, ao invés de pessoalmente,só 1 terço das pessoas foram totalmente obedientesaté 450 volts).DEVE SER CONFLITOOs testados sentem satisfação ern infligir dor, maseles geralmente gostam da sensação de estarem agradandoao cientista sob circunstâncias difíceis.Enquanto aplicavam apenas choques leves, por suaprópria iniciativa, uma variação experimental mostrouque, sob ordens, 30% deles estavam querendosoltar 450 volts mesmo quando tinham que forçarenergicamente a mão do aluno sob o eletrodo.Bruno Batta é um operário de 37 anos de idade quetomou parte na variação que incluia o uso da força.Nasceu em New Heaven, seus pais na Itália. Ele temuma expressão rude que pressupõe uma quase totalfalta de agilidade. Tem alguma dificuldade em dominaro procedimento experimental e precisa ser corrigidopelo cientista várias vezes seguidas.Mostra-se agradecido pela ajuda, e também mostradisposição para fazer o que é pedido. Após o choquede 150 volts, Batta tem que forçar a mão do aluno naplaca de choque, já que o aluno se recusa a fazer issode livre e expontanea vontade.Quando o aluno emite a sua primeira queixa Battanão lhe dá atenção. Seu rosto mantém-se impassívelcomo que para distanciar-se do comportamento erradodo aluno. Quando o cientista o instrui para forçaramão do aluno para baixo, ele assume uma atitude rígida,mecânica. Ele testa o botão do gerador. Quando obotão falha, ele imediatamente força a mão do alunona placa de choque. O aluno pede-lhe que pare comaquilo, mas com uma impassividade de robô, ele continua.0 que é extraordinária é sua aparente indiferençaem relação ao aluno; ele não toma consciência doaluno como ser humano. Enquanto isso se relacionacom o cientista de forma cortês e submissa.Aos 330 volts, o aluno não só se recusa a tocar a chapaelétrica, como também a responder qualquer coisa.Irritado Batta volta-se para ele. "É melhor você respondere acabar logo.com isso. Não podemos ficaraqui a noite inteira'. Essas são as únicas palavras queele dirige ao aluno no espaço de uma hora. E não falarámais nada com ele. A cena é brutal e deprimente,sua face, dura, impassível, mostrando total indiferença,enquanto domina os gritos do aluno e aplica-lhechoques. Ele não parece sentir nenhum prazer no atoem si, apenas uma surda satisfação em estar executandoo seu trabalho a contento.Quando aplica o choque de 450 volts, volta-se parao cientista: 'E de pois disso, Professor?" Seu tom érespeitoso e expressa sua vontade de ser uma cobaiaque coopera, em contraste com a obstinação do aluno.Ao final da sessão, ele diz ao cientista como se sentiuhonrado por tê-lo auxiliado. E num momento dearrependimento: "Sinto muito, professor, que nãotenha saido tudo perfeito".Ele fez o melhor possível. E honestamente. Foi apenaso comportamento deficiente do aluno que nãopermitiu que a experiência fosse perfeita. A essênciada obediência é que uma pessoa veja a si própriacomo um instrumento para defender a vontade deoutra pessoa. Assim ele não é mais responsável pelospróprios atos. Uma vez que essa substituição de opiniãocrítica ocorre, todos os outros mecanismos daobediência se desenvolvem. A conseqüência maisprofunda: a pessoa sente responsabilidade em relaçãoà autoridade que a dirige, mas não sente responsabilidadeem relação à autoridade que a dirige, masnão sente responsabilidade para com o conteúdo dasações ordenadas pela autoridade. A moralidade nãodesaparece, ela adquire um enfoque radicalmentediferente: a pessoa subordinada sente vergonha ouorgulho, dependendo se desempenhou bem ou malas ações ordenadas pela autoridade.A linguagem fornece numerosos termos para precisaresse tipo de moralidade: lealdade, dever, disciplina,todos são termos saturados de significadomoral. Eles se referem a correção com a qual uma pessoacumpre suas obrigações para com a autoridade. Amais freqüente defesa, usada por um indivíduo quetenha praticado um ato extremamente mau sob ocomando de uma autoridade, é a de que ele simplesmentecumpriu com o seu dever. Usando essa defesa,o indivíduo não está levantando uma álibi preparadopara aquele episódio, mas sim relatando honestamentea atitude psicológica induzida pela submissãoà autoridade.Para uma pessoa se sentir responsável por seus atos,ela deve ter consciência de que a atitude veio do seu"íntimo". Na situação que estudamos, as coisastinham exatamente a visão oposta de suas ações comooriginadas nas razões de outra pessoa. Durante asexperiências, os testados cobaias diziam freqüentemente,"Se fosse por mim, eu não a aplicaria choquesem nenhum aluno".Chegamos a algumas conclusões:1 - A presença física do cientista tem relação decisivacom a autoridade. A obediência caía sensivelmentequando as ordens vinham por telefone. Mas o cientistaquase sempre convencia uma cobaia desobediente,assim que voltava ao laboratório.2 - O conflito de autoridade compromete seriamentea ação. Quando 2 cientistas de status igual,ambos sentados nas mesa de comando, dão ordenscontraditórias, nenhum choque é aplicado.3 - A ação rebelde de um cobaia debilita seriamentea autoridade. Numa variação da experiência, juntamospara os testes 3 "professores" - 2 atores e 1 cobaiareal. Quando os 2 atores desobedeceram o cientista ese recusaram a ir além de uma determinada intensidadede choques, 36 ou 40 cobaias juntaram-se aos parceirosdesobedientes e também recusaram.Citarei uma variação final da experiência querepresenta um dilema que é mais comum nodia-a-diados homens comuns. O cobaia não precisava puxar aalavanca que dava choques no aluno. Ele simplesmentedeveria'cuidar de uma mesa auxiliar, aplicandoo teste das palavras, enquanto outra pessoa aplicava aalavanca dos choques. Nesta situação, 37 de 40 "alunos"continuaram até a intensidade mais elevada dechoques. Presumivelmente eles desculpavam seucomportamento dizendo que a responsabilidade erarealmente do homem que puxava a alavanca. Isto talvezilustre um comportamento típico de uma sociedadecomplexa: é fácil ignorar a responsabilidadequando alguém é apenas um elo intermediário numacadeia de ações.O problema da obediência não é totalmente psicológico.A forma e formação da sociedade e a maneiracomo ela se desenvolve tem muito a ver com,isso.Houve tempo, talvez, em que as pessoas conseguiamdar uma resposta totalmente humana a qualquersituação, porque estavam totalmente envolvidasnaquilo como seres humanos. Mas assim que houveuma divisão de trabalho, as coisas mudaram. Além decerto ponto, com as pessoas assumindo trabalhosmuito especializados, uma pessoa não consegue ver asituação por inteiro, mas apenas pequena parte dela.Assim, ela é incapaz de agir sem algum tipo de autoridade,de direção. As pessoas clamam por autoridade,mas fazendo isso se alienam de suas próprias ações.Mesmo Eichmann ficava enojado quando excursionavapelos campos de concentração. Mas, enquantotinha apenas que sentar numa cadeira e remexer compapéis, estava tranqüilo. Ao mesmo tempo, o homemque realmente soltava a Cyclon-b nas camaras de gásdo campo de concentração podia justificar seu comportamento,afirmando estar seguindo ordens superiores.Assim há uma fragmentação do ato humano total:rninguém é confrontado com as conseqüências desua! própria decisão de executar um ato mau. Talvez estaseja a característica mais comum do mal socialmenteorganizado na sociedade moderna.

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