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seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

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"Sentia-me protegido. Estava tãoseguro, que deixei osno escritorio e saicorposparacomprar um novo recipiente."tinha ficado íntimo deles. Passamos muitasnoites juntos, em Fulham.Eu tocava Brahms ao piano. Eles escutavam,horas inteiras. Tinham umcachorro, um magnífico perdigueiroirlandês de pelo ruivo, que se chamavaPat e que ficou meu amigo. Lembravaum cachorriho que meu pai me deraquando eu era menino. Sempre gosteidos cães; e me lembro de ter escandalizadonão sei que idiota, dizendo-lheque, se tivesse que escolher entre matarum homem ou um cachorro, mataria ohomem. Quando os Henderson morreram,recolhi Pat por alguns dias; e termineialojando-o num aos melhores canisdo país, porque ficou cego.Archibald Henderson era viúvo. ERose era divorciada. Tinha sido casadacom um engenheiro alemão, RudolfErren. Na I Guerra Mundial, Erren tinhaparticipado do famoso grupo de pilotoschamado "O Circo de Ricnth ofen", doqual Goering era chefe. Coisa extraordinária:Erren e Rose moraram uns temposem Onslov Court, o hotel de Kensigtononde eu viria a instalar-me. Rose estavamesmo fadada a me encontrar, e foiassim que conheci a dedo a força superiorque me comanda.Após o divórcio, Rose casou em 1938com Archibald Henderson, médico brilhante,de clientela de luxo. Viviam suntuosamentee Rose aparecia nas recepçõesmagnificamente vestida e cobertade jóias. Era uma mulher muito bonita,morena e viva. Em 1926, tinha concorridonum concurso de beleza, e sua fotosaíra nos jornais. Para terminar, devodizer que era filha de um médico de Manchester,e que tinha um irmão, ArnoldBurlin, homem prudente nos negócios,que vai ter importante papel no desenrolardestas minhas memórias. Já senotou que sua desconfiança tinha sidodespertada, quando propus aos Hendersoncomprar a casa por uma quantia tãogrande.Enquanto duravam minhas relaçõescom os Henderson, tive um sonho doloroso.Ah, desta vez não eram árvoresensaguentadas. Agora, eu mordia o pescoçoda filha de um amigo esugava-lneosangue gulosamente. Fiquei horrorizadocom a idéia de, mesmo em sonho, ferirquem eu amava. Os Henderson nãoeram meus amigos. Relações agradáveis,só. Quando sei que uma pessoa podetornar-se minha vítima, ele sempre meimpede de provar-lhe amizade. Rose mecontou que. sob a aparência de luxo, elae o marido passavam dificuldades.Assim, também não foi por interesse queos matei. Archie tinha dívidas, e muitasbrigas por causa de dinheiro surgiramentre ele e a mulher. Em 1948, os Hendersonpartiram para Brighton, e ficaramno hotel Metrópole. O ciclo de desonhos chegava ao ponto culminante.Sentia-me doente. Archie tentava medistrair: não lhe dava atenção. Já estavatomado pela terrível necessidade. Acordavacom aquele desejo atroz, imperioso.Era preciso que Archie fosse minhapróxima vítima. Sob um pretexto qualquer,levei-o a Leopold Road e, em meuescritório, matei-o com uma bala nacabeça, usando seu próprio revólver,roubado durante uma noite em sua casa.Voltei a Brighton e disse a Rose:- Archie ficou doente lá em casa. Nadagrave, mas quer que você vá vê-lo.Ela foi comigo, sem desconfiar denada. No escritório, derrubei-a, já nãome lembro como. Sentia-me protegidopor uma mão visível. Estava tao seguroque deixei os corpos no escritorio,enquanto procurava comprar uma máscaracontra gás e novo recipiente, para amulher. E, num sábado à tarde, o belocorpo que fora o responsável por todo ocharme de Rose Henderson estavaderretido em ácido, como uma bonecade cera exposta ao calor. Sua forma e suacor desapareceram lentamente, gigantescotorrão de açúcar que eu mexia comum grande bastão, pacientemente, tranqüilamente.Voltei a Brighton, triste lugar popular,e paguei a conta do hotel aos Henderson.Peguei suas bagagens e Pat, o bomcachorro, e voltei para casa. Era precisoentão evitar desconfianças. Escrevi aohomem de quem os Henderson eraminquilinos, em Fulham; e ao irmão deRose, em Manchester, imitando perfeitamentea caligrafia e assinatura damoça. Requintadamente, usei um papeltimbrado do hotel Metrópole. Expliqueique, em razão de certas dificuldades, osHenderson tinham decidido emigrarpara a África do Sul; e que eu tinha sidoencarregado de cuidar de suas coisas. OsHenderson morreram no dia 13 de fevereirode 1948. No dia 17, recebi telefonemado irmão de Rose, Arnold Burlin.- O que está acontecendo? - ele perguntou.- Não se preocupe - respondi. Entreinum acordo com Archibald. Empresteilhe2.500 libras, antes de sua partida. Seele não me pagasse em dois meses, teriaque me passar o automóvel e a casa. Possoaté mostrar a carta que Archibald memandou, pedindo para pagar a conta dohotel em Brighton e pegar o cachorro.Também tenho aqui um contrato...Eu forjara os dois documentos. Burlin,desconfiado, foi até Brighton. O hoteleiroconfirmou que eu tinha ido buscar ocachorro e pagar a conta. Dias depois,ele veio me ver, com a mulher. Estavapreparado para essa visita. Expliquei aeles que o motivo da partida eramproblemas do casal: que os dois queriama família afastada da embrulhada. Leveios Burlin à estação em meu carro, paraque tomassem o trem de volta a Manchester.De repente, a mulher de Burlinabaixou-se e apanhou uma pequenacaderneta dentro do automóvel. Espantou-se:- Mas é a caderneta de endereços deRose!Tive suficiente presença de espíritopara responder:- É verdade! Deve ter caído quandopeguei as coisas no hotel.O incidente, porém, provocou umesfriamento. Antes de passar para a plataformada estação, Arnold Burlin me disse:- Se minha irmã e meu cunhado nãoaparecerem até segunda-feira, vou avisara polícia.Mentalmente, inscrevi Burlin, suamulher e sua filha na lista das minhaspróximas vítimas. Eles iam avisar a políciana segunda, mas no sábado receberam aseguinte carta:Meu caro Arnold:Faz tempo que vocês não recebemnotícias nossas, e devem ter ficado preocupados.Infelizmente, naqueles dias,Archie percebeu que eu queria deixá-loassim que voltássemos a Londres. Discutimossobre isso em Kingsgate. Ele meacusava de lhe causar aborrecimentos eesbanjar dinheiro. Ameaçou suicidar-sese eu o abandonasse. Não havia outracoisa a fazer, senão agir rapidamente. Eletomara dinheiro emprestado do JohnHaigh (vocês se lembram, devem tê-loconnecido em Berkley), e assim comeceia executar um plano que fizera para estaeventualidade. Correu tudo bem,embora tivéssemos que mentir vergonhosamentedurante uns tempos.Pensei que pudessemos ir visitá-losno fim desta semana, mas é precisotomar algumas precauções durante maisou menos três semanas. Evitamdo as ligaçõeshabituais de Archie. Ele está muitogentil e bebe muito raramente. Iremos aNewcastle na terça próxima. É tudo oque queria dizer nesta carta. Vocês compreenderão,logo que me virem. Sóespero que John Haigh esteja bem. Atemperatura caiu bastante e eu precisovestir algumas roupas a mais. Vou compraralgumas na Dawes Road, logo quevoltarmos. Espero que estejam todosbem. Não se preocupem. Lembranças àMumsy".A assinatura de Rose enganou totalmenteArnold Burlin. Durante o processo,Burlin lembraria que Rose tinha usado"Mumsy" quando ela normalmentedizia "Mummie". Havia também errosde datilografia e de ortografia, masnaquele momento ele não se dera contadisso, pensando no estado em que a irmãse encontrava. Devo reconhecer que, àsvezes, cometo erros de ortografia. Napoleãotambém cometia. Um desses errosmelevara à prisão após uma fraude,porqueesqueci um D no nome Guildtord.Finalmente decidi jogar a grande cartada.Escrevi nova carta a Burlin, assinandoRose. Conhecia tão bem a vida particulardos Henderson, e imitava tão bemo estilo e a letra de Rose, que todos ospoliciais e peritos da Scotland Yard, maistarde, consideraram esta carta uma obraprimada falsificação. Fiquei tão orgulhosoquanto Rembrandt ficou cfe su§,melhor tela. As falsificações são, paramim, uma arte. Minha vocação de falsáriovem da infância. Na escola, já imitavaa assinatura dos professores.Com estacarta de 15 páginas, convenci Burlin deque os Henderson tinham trocado aInglaterra pela África do Sul. Ele veio aLondres para liquidar os negócios dairmã. Recepcionei-o amavelmente.- Não foi gentil da parte de Rose, partirsem dizer adeus a sua velha mãe, já cega- disse-lhe eu.A velha mulher, mais tarde, tambémprovocaria complicações. Em fevereirode 1949, ela ficou bem doente. Burlinmandou um recado a Rose; ficou semresposta. Então, me telefonou e disse:- Estou preocupado. Da próxima vezque for a Londres, vou procurar a ScotlandYard.- Perfeito - concordei eu. Mas passeantes para me ver.- Claro - respondeu ele.- E, me diga, você vai trazer a sra.Burlin e sua filha? Ficarei contente emvê-las - convidei.- Eu lhe prometo que sim. Você é muitogentil - respondeu o imbecil.Não pude deixar de rir do outro ladodo fio. Três ou quatro dias depois, avelha sra. Burlin morreu. No,dia seguinte,Arnold leu a notícia, do desaparecimentode uma rica senhora, madameDurand-Deacon. Lia distraidamente,quando a última linha do fez saltar: "...-no dia de seu desaparecimento, a sra.Durand-Deacon tinha encontro marcadocom certo John Haig, que se apresentouà polícia, a quem prestou informaçõese propôs participar das buscas..."Arnold caiu em si. Num golpe, percebeutudo: o desaparecimento dosparentes; o da sra. Durand-Deacon; eaquilo que ia acontecer a si próprio, àmulher e à filha, se fosse me ver. Teveapenas que fazer esforço de apanhar otelefone e discar três vezes o número9,para pedir socorro policial. Eu estavaperdido.A sra. Durand-Deacon foi a nona pessoaque matei. Não gosto de chamar aisto assassinar", porque o termo dáimpressão de crueldade e sofrimento.Matar, ao contrário, é o resultado inevitávelda vontade de um Espírito todopoderoso,que me guiou e me ordenoutomar o sangue aos homens e dasmulheres. O nomem é um joguete nasmãos do Ser-Supremo.A mesma força exterior decidiu,

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