"PORQUENÃO MATAMOSLOGOESSAGENTEI S?"Roger Gentis, psiquiatrae humorista francês,* ~é o autordesta propostaEu juro que, se amanhã se falasse naFrança em liquidar, por meios brandos,50 a 80 mil doentes mentais e alienados(há um número bem maior emhospitais e outras instituições, porémnão podemos reduzir à inatividade asmilhares de pessoas que trabalhamem saúde, e, além do mais, há os sindicatos),milhões de pessoas considerariamtal idéia justa, e falariam de suarealização como de uma obra humanitária,e haveria quem seria condecoradopor isso, legião de honra etudo mais.Afirmo que haveria psiquiatras dispostosa organizar a relação dasdoenças passíveis de eutanásia, e aselecionar pessoas segundo esses critérios;poderiam ser catalogados,haveria comunicado às sociedadescientíficas. E entre enfermeiros, administradores,assistentes sociais, todosaqueles que tratam dia a dia dosdoentes mentais, friuitos deles topariamdesembaraçar os hospitais psi-3uiátricosde um grande número deoentes crônicos, ditos incuráveis,mesmo que isso permitisse apenasque se tratasse melhor dos restantes efosse dada a eles a chance de cura.Eu insisto sobre as vantagens reaisde tal projeto, sobre as intenções muitolouváveis que poderiam justificálo,sobre os excelentes sentimentos, asincera compaixão pelos doentes queo acompanhariam. Sejam auais foremos escrúpulos que nos assaltam quandoencaramos frente a frente, semestarmos preparados, a idéia de aplicartal golpe aos doentes mentais, nãodevemos crer que a execução de talprojeto seja verdadeiramente dolorosapara qualquer um de nós após certoamadurecimento e consequentementepreparo técnico - nessas ocasiõesnão se improvisa.Estou certo de que cada um lhe darárazão, e mesmo muitas famílias ficarãoagradecidas, sem contar que umaparte não desprezível do déficit daSegurança Social seria absorvido: quea psiquiatria ficaria aliviada, que issopoderia ser o início de uma nova eraterapêutica cheia de promessas - ésempre permitido sonhar... Enfim, osdoentes que sobrassem, quer quisessemquer não, seriam mais bem tratadose por menor preço.Como objetar a isso? O que maisaflige nesse projeto, creio eu, o quecria o preconceito nas pessoas é o fatode Hitler já havê-lo feito, e sua detestávelreputação deixada na Europa éiembrada por alguns até hoje. (Emoutros lugares, isso se deu mais simplesmente,não sendo nem mesmonecessária a aplicação de medidasparticulares: na França, por exemplo,durante a ocupação, a fome, por si só,matou muitos dos milhares ae doentesnos hospitais psiquiátricos.) SeHitler tivesse agido com menos precipitaçãoe mais sutileza, não estaríamoshoje onde estamos em relação aesse problema. E a "eutanásia justa"dos doentes mentais - da mesmamaneira como se fala em "bomba justa"- teria podido aliviar nossa sociedadede um fardo dia a dia mais pesado.Eu desafio todo diretor de hospitalpsiquiátrico, todo administrador daSegurança Social, se ele é verdadeiramentesincero consigo mesmo, anegar que tais idéias tenham algumavez atravessado seu espírito.Se, de resto, no século 19 e no iníciodo nosso, não se examinou a possibilidadede recorrer à liquidação físicados doentes mentais, foi indubitavelmenteporque o problema não tinhamaior expressão econômica. Além domais, ç sistema ainda não estava tãocorrompido. Mas, acima de tudo, nãohavia de fato necessidade de matálos;era bastante não vê-los.
PRETOÉ GENTE*CAMPANHA EXCriada desde o Ex-1, esta campanha só estreou no Ex-12, em julho último. Opersonagem escolhido foi Patrice Lumumba, líder africano. Nascido em 1926,Lumumba dedicou a vida à libertação de seu país, o Congo Belga. A independênciaveio em 1960, quando ele se encontrava preso. Liberto, assumiu o cargode primeiro-ministro do novo país - Zaire. Mas pouco depois, a mando doscolonialistas europeus, foi seqüestrado; e dois compatriotas seus (o entãopresidente Kasavubu e o chefe do Estado-Maior da Armada, Mobutu) friamenteentregaram Lumumba às tropas mercenárias de Katanga, que o torturarame assassinaram a coronhadas e golpes de baioneta. Degolado, sua cabeçafoi enterrada perto da aldeia onde nasceu. Isto aconteceu em fevereiro de1961 e Lumumba tinha 35 anos.Nas páginas seguintes, outras Vozes D'África: são as cartas de leitores dojornal Voz Africana, de Lourenço Marques, Moçambique. Criado em 1962pelo jornalista José Capela, o jornal (4 paginas) muitas vezes saía apenas comas cartas; pela primeira vez na história, e em língua portuguesa, o povo negrode Moçambique falava de suas vidas, de seus problemas mais comuns, como odireito de encner a cara no bar sem ser escorraçado pelos bêbados brancos. Asilustrações das cartas mostram outro preto: Pelé. As fotos da página 22 foramfeitas em Três Corações, MG, na rua onde ele nasceu, a rua da "zona", hojerua Edson Arantes ao Nascimento, ou rua Pelé.* Criação: Sérgio de Souza