08.08.2015 Views

MELHOR

seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Zé - Não é só teatro. Cinema também.Hoje você não tem mais estúdios em SãoPaulo para óroduzir coisas que digamrespeito às coisas humanas. Tudo viroucinema depropaganda. E só o que se faz.Pegou toda uma geração. Inclusive opublicitário é u m sujeito que está muitopróximo do sujeito que pode informar,do informador. Foi tudo ''roubado" paradesinformar. No meu tempo de faculdade,eu era tão impressionado com isso,que escrevi uma peça a história de umpublicitário que durante o dia todo ficavano escritório das 8 às 7. Depois, à noite,metia-se a fazer política e tinha umjornalzinho político. Aí ele ia vendo, nomesmo bairro que ele fazia a agitaçãopolítica dele, ela era ridícula diante daeficácia enorme que ele tinha comopublicitário. Então era ele destruindo elemesmo...Otto - Você acha que a atividade artísticaoura e o exercício da profissão publicitáriasejam condenáveis?Zé - Acho o seguinte: tem muita artena publicidade, tem muita coisa bonita...Otto - Ah, bom!...Zé - Agora, no geral é uma porcaria.Claro, acontece muita coisa interessanteaqui e ali, que a beleza sai pelos poros...Você pode fazer uma câmara de gás linda,pode fazer um avião de bombardeiocom um "design" maravilhoso. Issopode ser, mas é uma beleza pela metade.Depois, a publicidade brasileira ainda émais incrível porque é uma cópia tambémda degradada publicidade americana.Ouase todo publicitário é um cultuadordas coisas americanas, compra aquelasrevistas todas, é uma coisa colonizada...Otto - já foi... não é bem assim.Zé - Não tem mais esse negócio dearte, inclusive.m Acabou o teatro, o queexiste é a arte de viver, é a vida. O quenós tentamos fazer no teatro e não conseguimos,porque está tudo fechadopara nós, não e agitação. Não estamosproibidos por censura por agitação política,por problema moral, por nada: éporque estamos querendo fazer um teatroque mostre a vida; que não persuadaninguém e que tente despertar em cadaum o que existe ainda de resto de serhumano. Catar todos esses restos, voltara compor a figura humana inteira, o personagemhumano inteiro. Que está acabando.O mundo está ficando insuportável.E não faço isso por dever, e umanecessidade biológica minha e que euacho que todo mundo tem. O publicitário,que está mais assim atolado nas careticesque ele inventa, no momento emque se sente mal, pensa que está com ofígado ruim, pensa que e coisa de psiquiatra,mas não é. É o ser humano deleque não está agüentando aquilo, queestá vomitando. Porque somos todosiguais, não podemos nos submeter esubmeter os outros a tanta violência. Issomarca a gente, marca nossos filhos. E játem toda uma geração que os filhosestão despertando como gente, e despertarcomo gente nesse mundo é deuma crueldade absurda. A sociedade deconsumo não suporta o ser humano,porque ela organizou tudo na base dafrieza. Ela tem horror, nojo, do serhumano. Ai, quando surge o ser humano.pá: Psiquiatra, prisão nele, bombanele, mata!Otto - Me parece que esse tipo decomportamento não foi uma invençãoda sociedade de consumo. O pessoal semata assim há mais ou menos quatromilhões de anos, né?Zé - Na sociedade primitiva o caramata, mas o trabalho aele, não. QuerOtto nasceu na Áustria,onde foi jornalista. Veiopara o Brasil em 49.É formado em Economia.dizer, tem o carrasco, tem isso, tem aquilo.Mas a sociedade de consumo é tãoorganizada num cinismo tal, que se a atividadefor inumana, anti-social, não temimportância; a matança faz parte do pãonosso de cada dia. A ordem cotidiana émáfia, é a matança. E é normal. E temaquela coisa, que boa parte dos publicitáriosé obrigada a inventar, é obrigada achiar, a ideologia do publicitário, que éuma ideologia feita de cima, que eu nãoestou vendo no senhor. Com toda a sinceridade.Publicitário, geralmente, éaquele cara fino, cheio de humor, cheiode sofisticação, cheio de cinismo, aquelesaco de merda - os que eu conheço.Aquela coisa não-cagada, aquela coisaque não foi para fora - irônica, aquelecinismo...- Otto - Me considero um cara razoavelmentesério. De maneira que esseargumento de que o que importa é sefazer bem... você não aceitou minhacolocação inicial de que talvez seja bomaumentar o elenco de opções em determinadasfases de uma sociedade. Souabsolutamente convicto de que para umprocesso de desenvolvimento brasileiro,rápido - que tinha que ser rápido - aindústria automobilística foi um fatordecisivo.Zé - Da criação de uma sociedade deconsumo, não do desenvolvimento.Otto - Novamente insisto no pontodas opções. Podemos voltar - desculpe,estou exagerando um pouco deselegantemente,- podemos voltar à Idade Média...Zé - Não estou dizendo isso. Inclusiveas opções, tanto existiam, que foi necessárioestabelecer um regime autoritáriopara permitir que fosse esse caminho;que se fosse maravilhoso não haverianecessidade de um Estado autoritário,que inclusive nem os publicitários gostam,que ninguém gosta.Otto - O que eu proponho não é bemummodelo, no sentido sócio-econômico.Mas você aceitaria que, eliminandoseos abusos obviados do processo, aconsumo-society - embora eu não gostemuito dessa expressão -, ela possa seautopoliciar e encontrar caminhos queelevem o homem àquela realizaçãoapontada por Erich Fromm? Você acreditaque esta sociedade, se autopoliciando,enfim, tem uma chance?Zé - Não, porque a essência dela éuma abstração, é o lucro, o dinheiro...Otto - Mas nenhuma sociedademoderna pode viver sem o lucro. Nãofaz diferença nenhuma se você chamaesse lucro de excedente ou de plus-valis.O que eu disse inicialmente me pareceverdadeiro: que toda sociedade técnica,que usa bens de produção, que produzmáquinas e essas máquinas produzembens de consumo... Você diria que adivulgação do consumo de leite atravésde uma campanha publicitária mereceriao termo de impingimento ou educação?A propaganda não pode educar?Você não da sequer esse direito a ela? Oconsumo de leite é desejável ou não?Zé - Depende. Se você quiser tomarleite, sim; se não quiser, não. Problemade leite, açúcar, sei lá... o cara não tomaleite porque não tem grana pra compraro leite, ou também não tinha leite.Depois, pior ainda: "Tome leite quevocê se desintoxica da poluição da cidade"...Não tem moral, a sociedade deconsumo quer ter moral, quer vender amoral, mas não adianta.Otto - Gostaria que você me apontasseuma sociedade com moral. Você aceitariao velho Robson, que disse "Ohomem é o lobo do homem"?...Zé - Pode ser que numa fase muitoatrasada isso aconteça. Mas, de repente,quando o homem é inimigo do homem,o homem é inimigo de si mesmo? Qualé?Otto - Bem, estou citando isso á exemplode uma coisa...Zé - Eu sou homem, mas não sou meuinimigo, eu tenho um amor incrível pormim/sou apaixonado por mim...Otto - Acho essa posição bastanteintelectual...Zé - Não é não, porque as pessoa*estão começando a se apaixonar por aipróprias, felizmente. Inclusive toda essasociedade diz que o que existe é aquelamulher loura, aquele cara com aqueleterno e gravata; ou você se submeteàquela coisa, usa aqueles produtos, usaaqueles fedores, ou você não é nada.Otto - Tenho centenas de amigospublicitários e diria que a maioria esmagadoradeles, ao exercer suas funções,não tem nenhuma consciente preocupaçãoideológica de manutenção do sistemade consumo; eles estão aí largandobrasa para vender da melhor maneira.Zé - Isso se chama - é um lugar comum- alienação. Você está alienado, masdivulgando uma ideologia, um estilo devida. Não tem a coisa separada, trabalharnuma coisa e pensar outra. Você é aquilo'que você faz!Otto - Tenho aqui na gaveta a aulainaugural de uma faculdade norteamericanade propaganda. O professorque proferiu essa aula abriu a coisa maisou menos assim: "Se um de vocês tiverqualquer preocupação ideológica deque esteja ou vá exercer uma profissãosocialmente condenável, conspurcadora,que aniquila a dignidade do serhumano, então pelo amor de Deus,levante agora e saia da sala". Eu concordocom você, mas como pessoa sensívelque inegavelmente é, deve admitir queéválido não ter essa preocupação. Porquenem todo mundo precisa participar dessapreocupação. Você entende o meuponto de vista?Zé - O que se vê é aquele cara, aquelainteligência sepultada ali, um cara escravoa serviço de uma mensagem quenemele domina mais. É muito difícil comunicaressas coisas que estamos começandoa sentir agora, este é um momento negroda humanidade, uma época escura, simplesmente...Otto - Essa é uma atitude um poucoescatoiógica. Mas não acho que haja umfim, você tem uma visão tremendamenteapocalíptica...Zé - Eu acho que estamos no apocalipse,tenho certeza absoluta... a "Casa aoSenhor"dabra!vai acabar, podes crer! Abraça-

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!