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seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

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Zé - E o seguinte: neste momentoespecial, minha forma de informarão, oteatro, se encontra por baixo, oprimida,talvez a palavra exata seja desvalorizada.Ao passo que a propaganda que receboé a grande forma aparente. Em qualquerparte que você esteja, é a forma ae informaçãomais forte. No entanto, por eufazer certo tipo de teatro, ela praticamenteé o oposto de tudo em que acredito.Se o teatro, encarado em profundidade,tem a função de restabelecer ocontato direto, de eliminar toda a nossamáscara, para saltarmos assim humanos,de corpo inteiro, livres, a função da propagandaneste momento é a de mascararo máximo. No regime a que serve, suafunção é vender; o bom publicitário temque cumprir esta função. E no momentoem que faz isso, vende o produto e umaforma de encarar o ser numano, umaforma de cultura, de opressão, que é aforma da sociedade de cosumo. É umaforma que me choca muito, acreditoque a mim e a qualquer ser humano.Acho a propaganda uma coisa de umaagressividade muito grande e na configuraçãoexata deste momento no Brasil,um país aue depois de algum tempo estárecebendo um grande fluxo de capitalismo,está se tornando uma potência médiacapitalista, dentro de um regimemuito autoritário, a propaganda praticamenteé a grande cultura do momento. Eé mais ou menos parecido com o queaconteceu na Alemanha no tempo deGoelbbels, praticamente o homem quedesenvolveu um tipo de propaganda emque a própria industria privada e o próprioEstado compuseram um tipo de cultura.Mais primária do que a nossa, que émais sofisticada, as coisas não são diretas,tem certa leveza, mas eu sinto o mesmopeso que sinto vendo as coisas deGeobbels. Inclusive Goebbels, acredito,foi o grande revolucionário da propaganda,o sujeito que idealizou a propaganda,que inventou o Dia das Maês, o.Volkswagen, aquela série de táticas destinadasa. transformar o povo alemão,que se encontrava numa miséria muitogrande. E ele conseguiu desviar toda aaspiração daquele povo, para que seencantasse com a guerra, com a conquistado mundo, com o mito da raça ariana,se encantasse enfim com uma série decoisas construídas pela propaganda.Como hojje, num país como o Brasilacontece ae repente que num corte, daescala mais baixa à mais alta, todos queiramascender nessa sociedade de consumo.A propaganda é muito eficaz, porqueconhece o homem. Quem trabalhaem propaganda, assim como quem trabalhaem teatro conhece o sexo, o estômago,as aspirações mais reais do serhumano. Por isso, nesse estágio, a propagandaé um instrumento de exploraçãoviolenta do ser humano. Aquele conhecimento,ao invés de ser usado paralibertar o homem, é utilizado para fazercom que ela compra. E vende ilusões,vende a destruiçãò de sua própria vida.Oo jeito qUe invade a vida do homem, apropaganda é uma cultura de repressão,de mentira, e não pode trazer nada depositivo. Agora, não é que eu seja contraa informaçao em si! Assim como existiuGoebbels, existiu Maiakóvski. Ele faziacartazes de propaganda, era ótimolayout-man, mas era um trabalho diferente,feito pará desencadear nohomem todas as energias que existiamnele é que ele desconhecia. Ao passoque a propaganda hoje serve para desviara energia do indivíduo para umaevasão, canalizar essa energia para comprare, evidentemente, com isso, enri-UlW-Ii!• n I ^ • T »Zé Celso é de Araraquara,SP. Formado em Direitopela USP. Fundou o TeatroOficina, de São Paulo.quecer todo o campo de consumo existentee fazer floriar toda essa economiaque do ponto de vista cultural é a geradorade uma das sociedades mais vazias,como aqui. No Brasil tudo tem a cara dapropaganda. Novela tem a cara da propaganda,as próprias caras do artistas deteatro que vão para a TV Globo, elessaem prontos pará vender uma imagemcareteada, uma máscara, t neste sentidoque a propaganda me agride. Ela é umaredução do nomem, uma coisa criminosae só existente nesse péríodo que é ofim desse sistema, a liquidação de tudo.Chamei de filhos de Goebbels os quefazem a propaganda, nesse sentido: osque fazem propaganda para servir a estasituação de hoje. É mais ou menos isso.Otto - É. Aí o negócio não vai ser muitofácil (dá risada). Você chama os publicitáriosde Filhos de Goebbels! Achoque com o mesmo direito poderíamoschamar os publicitários de Filhos doPapa Gregório, ou do Papa Urbano, queforam os dois Papas mais responsáveispela chamada Comissão de PropagandaFides; que a própria palavra propagandanasceu no Vaticano. Não podemos atribuirao mestre Goebbels qualquer responsabilidadepor isso. Na realidade, foiGregório quem instituiu uma comissãode cardeais para a propaganda da fé cristãem diversos países. Foi assim que onome nasceu. Portanto, desculpe, nãoestou sendo jocoso, apenas acno queessa identificação da propaganda comdeterminado regime político, especialmenteesse que foi sem dúvida extremamenteodioso, me parece um poucóinjusta. À parte as origens da propaganda,outro aspecto que me parece extremamenteimportante, e aí vou abordar oproblema nao como publicitário, mascomo economista, é a instrumentalidadeda atividade publicitário. Sei lá, eu nãoquero ser chato e dar inúmeras definiçõese conceituações da palavra propaganda,mas vamos tentar uma pequenaconceituação, pelo menos: é simplesmenteo conjunto de técnicas e artes quevisa, agindo sobre a psique do consumidor,dispor esse consumidor favoravelmentea determinados serviços, idéias,ou mesmo pessoas. Então, veja, você"entrou na análise ética da atividade,Quer dizer, a propaganda é boa, ou má.Eu senti isso como susbstrato das suasobservações. Aí eu fico um pouco preocupado.Porque veja, inicialmente nestecapítulo das minhas observações eu fariaa seguinte pergunta: a propaganda é afavor do leite? O consumo do leite, certaménte,é socialmente bom. A propagandaa favor, por exemplo, do consumoaa carne de segunda qualidade no Brasil,no momento, seria extremamente útildo ponto de vista social. Porque o queestá acontecendo no Brasil é que todomundo quer carne de primeira, masexiste carne de segunda em abundância.Estou dando esses exemplos específicosonde a propaganda pode desempenharum papel social de certa relevancia eutilidade. Obviamente, a propagandafeita em torno de cigarro, de bebidasalcoólicas, quer dizer, pode ser socialmentecondenável. Tanto assim quegrandes agências norte-americanas, atépoucos anos atrás, se recusavam a aceitarcontas - inclusive a J. Waltèr Thompsonde bebidas de álcool, com espírito puritano,protestante, calvinista. Quer dizer,houve e há essa preocupação social.Zé - Não me refiro propriamente aotipo de produto que a propaganda veicula,mas aquilo que o senhor falousobre a intervenção na psique do indivíduoa ponto de induzi-lo a fazer coisasque normalmente não faria, uma espéciede magia negra.Otto — O que eu quero caracterizaré o instrumental a serviço de um sistemasócio-econômico. Depois você começoua entrar em alguns aspectos ideológicos.Eu quero ser bastante específico:no Brasil, atualmente, se investe 1,2% darenda nacional bruta em propaganda;aproximadamente nos EUA, 3%; na Suécia,Alemanha Ocidental, Inglaterra, 2%.Eu gostaria de fazer a seguinte pergunta:você considera os EUA, a Suécia, a AlemanhaOcidental, países democráticos?Certamente concordaria comigo quesim. Pelo menos mais democráticos,embora eu considere essa colocação umouço injusta, que a União Soviética, aPiungria, a Tchecoslováquia, onde nãoexiste propaganda. Entende? Entãoestou muito preocupado com os aspectoslógicos da colocação de uma coisacom a outra...Zé - Eu não acho que no campo dapropaganda os EUA sejam um paísdemocrático. Acho que é totalitário.Otto - Concordo com você u m pouco.Bem, o que você considera um paísdemocrático? Um país em que há livreexpressão? Quer dizer, o presidente daRepública sendo pichado, tá nas iminênciasde ser impedido, você pode chegarem Manhattan e berrar que o presidenteé um imbecil, coisas que em outros paísesvocê não pode fazer.Zé - Mas eu tô dizendo, claro que osDireitos Humanos são democráticos,mas a propaganda não é. Sou obrigado aandar por Sao Paulo hoje em dia, ou porNova York engolindo aquela propagandatoda.Otto f Você me obriga a usar um argumentoque gostaria de evitar, um poucosurrado, mas nem por isso dispensável;acredito quejá que os meios de divulgação,a televisão, o rádio, se sustentam deuma ou de duas fontes, oú seja, as fontesoficiais ou as particulares, a propagandacolocada dessa forma é um dos grandessustentáculos de uma democracia doestilo ocidental.Zé - Mas quê democracia? A dos grandesveículos de propaganda?Otto - Os EUA não sao uma democraciana sua opinião?Zé - No que se refere a propaganda,não; no que se refere aos Direitos!Humanos, sim.Otto - Bem, eu defino a democraciapelo grau, um regime que oferece umelevado grau, um razoável grau de liberdadeao indivíduo, certo? Aí vamosentrar um pouco no problema ideológico.O conceito de democracia eu naoconfundo com o sistema pluripartidário.O fato de você ter 25 partidos não é

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