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seleção de textos, fotos, quadrinhos e repressão - Memórias ...

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<strong>MELHOR</strong>Censura/Burrice/MortesDeus/Nixon/MerdunchoPretos/Cadeão/FumacêChile/Minamata/VampiroTortura/Família/ CometaGoebbels/Loucura/PeléSELEÇÃO DE TEXTOS, FOTOS, QUADRINHOS E REPRESSÃO


Não deixe parajaneiro o que vocêpode fazer em


EHTRR!"CADEIA NÃO FOI FEITA PRÃ CACHORROS (DITO POPULAR)ex-ANO I N I NOVEMBRO IIJORNAL DE TEXTO, HISTORIA EMQUADRINHO, FOTOS E COMETAS.Ex-editores (fundadores): Sérgio de Souza/Hamilton Almeida Filho/ Narciso Kalili/Amâncio Chiodi/ Marcos Faerman/ MyltonSeveriano da Silva/ Eduardo Barreto Filho/ AryNormanha/ Dácio Nitrini/ Palmério Dória deVasconcelos/ Suzana Regazzini/ René RafikCarlos Alberto Caetano/ Percival de Souza/Armindo Machado/ Roberto Freire/ Hamiltonde Souza/ Sumiko Arimori/ Rudy Alves/ FernandoMoraes/ Lúcia de Souza/ RicardoAlves/ Sérgio Fujiwíara/ Bena/ João Garcia/Ana Maria Capovfle/ Antonio Mancini/ DelfinFujiwara/ Luis Carlos Guerrero/ Regina Arakaki/Paula Plank/ Gabriel Romeiro/ Beth Costa/Ingo Reynaldo/ Alex Solnik/ Sandra Adans/Gabriel Bonduki/ Domingos Cop Júnior/ GuilhermeCunha Pinto/ Cláudio Ferlauto/ CristinaBurger/ Hermes Ursini/ Wilson Moherdaul/Paulo Moreira Leite/ Edilton Lampião/Arakem/ Joca Miranda/ Pharaó/ Vitor Vieira/Nelson Blecher/ Vanira Codato/ Teresa Caldeira/Lina Gorenstein/ Fernando VeríssimoEdgar Vasquez/ João Antonio/ Sandra Nitrini/Luis Henrique Fruet/ Cláudio Faviere/ LucrecioJúnior/ José Antonio Severo/ Lúcia Vilar/Paulo Orlando Lafer de Jesus/ V ilma Gryzinski/Sandra Abdalla/ Mareei Faerman/ MoacirAmancio/ Mário Paiva Júnior/ Moisés Rabinovitch/Cyntia de Almeida Prado/ MariangelaQuintela Medeiros/ Marli de Arauio/ José Trajano/Jayme Leão/ Paulo Patarra/ Ana MariaCavalcanti/ Ivo Patarra/ Elvira Alegre/ Luiz CâmaraVitral/ Valdir de Oliveira/ Márcia Guedes/Hilton Libos/ Monica Teixeira/ Joel Rufinodos Santos/ Jota/ Bernadete Abrão/ GustavoFalcón/ Agliberto C. Lima/ Luiz Pontual/Elifas Andreato.EXTRA! é uma publicação da EX EditoraLtda., Rua Santo Antonio, 1043, Bela Vista, SãoPaulo/SP. CEP: 01314. Nenhum direito reservado.Tiragem: 30 mil exemplares. DistribuiçãoNacional: Abril S.A. Cultural e Industrial, SP.Composto e impresso nas oficinas da PAT -Publicações e Assistência Técnica Ltda., RuaDr. Virgilio de Carvalho Pinto, 412, SP. Tupi ornot tupi - eis a questão (Oswald* Andrade).4 - CENSURA"O problema mais grave que enfrenteifoi o fechamento ae O Estado de S.Paulo, em 1940. Outra violência inútil,pois o jornal aí está, na defesa dos ideaisdemocráticos". São palavras de SampaioMitke, censor do governo Vargas, entrevistadopor Domingos Meireles. Areportagem saiu no EX-9, aquele cujacapa trazia o Al Capone.7 - BURRICEEstão criando um bando de burroscom tanta repressão, no lar, na escola, natv. Artigo do psiquiatra Ângelo Gaiarsa,no Ex-5 (junho de 74).9 - GOEBBELSDois anos atrás, no Ex-2, o diretor deteatro Zé Celso Martinez Correia - chamandoos publicitários de "filhos deGoebbels" - engalfinhou-se com ohomem de propaganda Otto Scherb,num amigável bate-boca que marcava olançamento de nossa seção Mano aMano. Otto Scherb defendeu-se comunhas e dentes: " a propaganda é umdos esteios da democracia".14 - CADEÃOMais uma do Ex-5: de dentro dacadeia, .de onde sairia, absolvido, HamiUA culpa é suaO Extra! número 2 aí está, dois mesesdepois do primeiro e dois anos depois do Exnúmero1. Graças a você, primeiro porquecomprou o Extra! número 1. E principalmenteporque, em uma semana, esgotou toda a tiragemdo Ex-16 (30 mil exemplares), forçandonosa reimprimir uma 2* edição (20 mil exemplares),que também continuou merecendo aprocura do leitor.Tínhamos anunciado, você se lembra, umEx-17 especial para dezembro, com 60 páginas,contendo "o melhor do Ex", a 10 cruzeiros.Mas a sua resposta - esgotando a tiragem doEx-16 e botando em nossas mãos mais cruzeirosdo que o normalmente previsto - isso nosencheu de responsabilidade. Não seria justosimplesmente agradecer pelo dinheiro a mais,que anteciparia nosso Natal.Consultamos a Distribuidora, e aceitamosa sugestão que recebemos, embora significassetrabalho dobrado: transformar o númeroespecial de "melhor do Ex" em Extra! número2; e lançar o Ex-17 normal, na primeira semanade dezembro. Se dissemos que a culpa é sua,vamos repetir aqui aue de nós você semprepode esperar isto: toda vez que você comparecercom seu apoio, pode aeixar que a gentesempre vai ter um troco pra dar.ton Almeida envia textos de prisioneiros,contos, crônicas, cartas.16 - LOUCURAPetronílio prendeu o irmão num chiqueiro29 anos. Diante desta e de todasas loucuras, o psiquiatra francês RogerGentis pergunta cinicamente: por quenão matamos logo essa gente? Estava noEx-7. Outubro de 1974.19 - PRETOS E PELÉSão vozes da África, cartas de pretosmoçambicanos, pela primeira vez em500 anos de opressão branca falando deseus problemas por escrito. Para ilustrar,fotos de outro tipo de preto, Pelé. DoEx-12 (julho/75).25 - VAMPIRONa véspera de ser enforcado, oVampiro de Londres confessa tudo. Nãoleia ae noite, se não voce não dorme.Também estava no Ex-2 (dezembro 74)29 - COMETADiziam que ia ser o cometa do século,que a 28 de dezembro de 73 ia cobrir 2terços do céu. O Kohoutek não passouduma Estrela Dalva reforçada. Mas lançamosdois Jornal do Cometa, encartadosno Ex-1 e no Ex-2. Aqui reproduzimas2 9 ,, y manwavilhosa imitarão,dojornal de polícia paulista Notícias Populares,executada por Narciso Kalili. DoEx-2.33 - TORTURAUma experiência que vai deixar oleitor arrepiado: cientista prova quevocê é capaz de ferir um amigo para nãodesobedecer à autoridade. Ex-5.37 - NIXONAlgumas brincadeiras com o folclóricoex-presidente. Do Ex-3.38 - MORTESHumor negro, poesia negra: todomundo morre, por bem ou por mal. Ex-239 - MINAMATAUm caso escabroso, para quem achaque poluição é refresco: a indústriaChisso, em Minamata, Japão, atira suaságuas usadas na baía onde os pescadoressempre pescaram. A partir de 1953, surgiua doença, que cega, paralisa e mata.Fotos da revista francesa Le Sauvage. NoEx-1.44 - FUMACÊMais humor, extraído do Ex-3:David Carradine, o Kung Fu desta QuartaFeira Nobre ria Rede Globo, nuncaEste Extra! resume dois anos de trabalho. Aseleção abrange do Ex-1 ao Ex-12 e representao esforço de dezenas de pessoas (o expedientenesta página contém os nomes dos quase cemjornalistas que ajudaram o Ex- a chegar ondeestá).É fácil explicar por que este "melhor doEx" vai do número 1 ao número 12: foi o períodoinicial de 20 meses em que nossa tiragemainda era pequena; nossos leitores não chegavama ser 10 mil - e praticamente estavamapenas no Rio e em São Paulo. Os assuntos sãoaqueles com que temos nos preocupado todosda imprensa, e não só nós do Ex, mas tambémórgãos como O Pasquim, Tribuna da Imprensa,Crítica, Movimento, Opinião, Ordem do Universo,Poeira, Jornal da ABI, Cogumelo Atômico,Scaps, O Clarim, Terra Roxa, Viver/Londrina,Jornal da Cidade, Unidade, Complemento,Cobra de Vidro, O Domingão, O Bicno, Documento,Balão, Abertura Cultural, todos os dachamada imprensa nanica, enfim.Acima: os Ex-1 e Ex-12; e Lumumba nas mãos de seusexecutores: "Prefiro morrer de cabeça erguida e com afé inquebrantável nos destinos de meu país"(página 19).soube o que é uma luta oriental. Detestatelevisão e não esconde que gosta de um"barato" - o que deixa seus produtoresapavorados, quando a imprensa se aproxima.Do Ex-3.48 - MERDUNCHOUm conto-oral de João Antônio,extraído de uma conversa com o jornalistaHamilton Almeida. Marca o reaparecimentodo escritor, em setembro de1974, após passar 11 anos procurandoeditor para seus livros. Do Ex-6.51 - CHILE'O que vocês fariam se Allende fosseeleito?" O escritor colombiano GarciaMárquez conta o que eles fizeram, numareportagem. Também do Ex-6.54 - FAMÍLIAUm moço chamado Ademir, depoisde entrar para a TFP, passou a acharpecado até abraçar a mãe. E a mãe, donaConceição, empregada doméstica, fezum apelo através do Ex-11: "Devolvammeu filho".56 - DEUSO irreverente humor da revistaamericana National Lampoon: aventurasde Son-O-God, o Filho de Deus, enfrentandoSatan em pessoa. Do Ex-1,**,}8 de 1973.


i/ .Autocrítica da censura:Não se esmaga a verdadecomo um inseto"Pouca gente neste país tem adimensão exata do que significacensura aos meios de comunicação.Vivemos dois períodos particularmentenegros: o primeiro no governode Vargas (1930-45, com destaquepara o Estado Novo, 1937-45). Naépoca de Vargas pontificava umorganismo denominado Departamentode Imprensa e Propaganda -DIP -, que cristalizou o processo decerceamento da liberdade deexpressão. É sobre ele que publicamosdepoimentos de dois antigosfuncionários - Álvaro Vieira e SampaioMitke - a Domingos Meireles.Apesar de cometerem erros deinformação e não ajudarem muito areconstituir o funcionamento complexamenteburocrático, ou mesmodelinear a função de organismo demobilização nacional que o DIPteve, os depoimentos valem porserem os primeiros que ex-funcionáriosdão a jornais. É possível quemuitos jornalistas brasileiros deagora, ao lerem estas declarações,conscientizem-se de que, daqui aalguns anos, poderão estar na cadeirade Vieira e Mitke. E é até possívelque outros leitores percebam quecensura é a arma mais branda de umregime para cercear a liberdade,exercida, basicamente, sobre jornaisque ás vezes destoam, mas jamaisabandonam o coro que eles própriosajudaram a formar, os que nãoentram no coro perdem a voz, ou aspáginas. Os depoimentos forampublicados no número 23 do jornalda Associação Brasileira de Imprensa,uma entidade que recebeu muitosempréstimos de Vargas e favoresdo DIP. (Sérgio Buarque)."Não adianta esconder ou dissimular arealidade dos fatos. Ela é como determinadosagentes microbianos que denunciama face da doença que se procuraencobrir. No Estado Novo, a Censuraempenhava-se em negar sempre, comveemência, que as instituições democráticasestavam enfermas. Ocultavam-se ossintomas, com medidas coercitivas, masas chagas iam aos poucos se alastrandopor toao o organismo social. Até mesmoo leigo, com o correr do tempo, já eracapaz de diagnosticar o mal diante dasmutilações provocadas pela própriadoença."A voz pausada, temperada com levesotaque mineiro, vai dissecando, com afirmeza de um bisturi, o órgão que tevecomo berço uma sala apertada e mal iluminada,no quarto andar da Chefaturade Polícia do Distrito Federal, e quedepois cresceu, em acomodações maisespaçosas, ao se instalar nos salões doPalácio Tiradentes, onde passou a funcionarcom o fechamento ao CongressoNacional.No apartamento acanhado de quartoe sala, em Botafogo, o médico e jornalistaaposentado Álvaro Vieira confesa,com uma ponta de remorso, que atéhoje não conseguiu se libertar do fardoque carrega, com resignação, por haverservido à Censura, nos primeiros anos daditadura getulista.Vieira corre os dedos pelos cabelosinvadidos por fios brancos; a testa larga,vincada, acentua ainda mais o constrangimentoque o domina sempre que seuspensamentos são assaltados por velhasreminiscências do tempo em que freqüentavao prédio cinzento da rua daRelação.A chefia de Polícia, naquela época, eraexercida ^pelo ex-deputado BatistaLuzardo, que, após a vitoria da revoluçãode 1930, nomeou Salgado Filho para a 4*.Delegacia Especializada a fim de que,com a perseverança de um missionário,se empenhasse na organização de um"serviço de censura . As confessadasambições políticas de Salgado Filhoimpediram a implantação de uma censuraprévia a fim de conquistar a simpatiados donos dos jornais. A censura, portanto,seria posterior e aqueles que nãoacatassem as suas determinações teriamas edições apreendidas: Naquela época,o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda)era ainda uma sigla inocente,quase sem expressão política. A sua sombrasó iria erguer-se, alguns anos depois,com o Estado Novo, quando chegariaameaçadora, às redações de todo o País.Seus funcionários dedicavam-se atéentão a obrigar donos de bares, restaurantese mercearias a exibirem o retratode Getúlio Vargas enfiado em um fraquede tropical inglês, com a faixa presidencialatravessada no peito."Salgado Filho escolheu quatro jornalistaspara auxiliá-lo na organização dacensura. Um deles entrou há alguns anospara a Academia Brasileira de Letras. Osluatro ficaram como assessores diretoslo Salgado e cada um, depois, ;pc criou seuproprio "staff' Cerca de 2' 20 ou 30 jornalistasforam contratados i pe >ela 4*. Delega-cia como censores. O salário era de tre-zentos réis. Eu era estudante deMedicina, trabalhava como redator em"A Batalha", o que eu ganhava era umamiséria. Um amigo influente recomendou-meao Salgado Filho. Ao ser informadodo trabalho que me haviam reservado,declinei do convite, mas os companheirosque já haviam sido contratadosinsistiram para que eu ficasse. Utilizaramum argumento que, naquela época,me convenveu: era melhor que acensura fosse exercida por jornalistas doaue por policiais. Fiquei então trabalhandosob a orientação de Ribamar CasteloBranco. Funcionava como umaespécie de "contato" entre a Censura e adireção de três jornais: O Globo,Correio da Manhã e Diário de Notícias.Se alguma notícia proibida fosse publicada,eu procurava o diretor responsávele lhe transmitia as ameaças e apreensõesdo Salgado Filho. A censura a posterioridesses jornais era feita diariamente pormim."As rotativas dos jornais mal começavama se espreguiçar e um motociclistada polícia já estava plantado na oficinapara recolher a primeira fornada deexernplares, na boca da máquina, a fimde que o noticiário fosse examinadopelos censores, na 4 ? . Delegacia, antesde chegar às mãos do leitor.


Naquela época, os jornais não atraíama atenção do público apenas com a forçae o peso das manchetes consentidas, mastambém com o auxílio de ruidosas sirenas,instaladas nas portas das redações.Sempre que ocorria um fato importante,acionavam-se as sirenas e o público seacotovelava nas calçadas para ler as notíciasque muitas vezes não saíam no diaseguinte.Mas a Censura logo impediu a divulgaçãode qualquer informação sem o seuconhecimento. A fim de que não houvessemais dúvidas sobre o que era proibidopublicar, fez-se um decálogo distribuídoa todos os jornais."As proibições eram as mais absurdas.Não se podia falar sobre os porres deBenjamim Vargas e das brigas das famíliasligadas ao Governo. Havia coisas aindamais ridículas, como a proibição dedivulgar um roubo ocorrido em casa doCoronel Juarez Távora. O Juarez tinhasido o grande líder militar da revoluçãode 1930 e, de acordo com a ética palaciana,esta noticia poderia comprometer asua imagem de herói lesado por umladrão comum."Escândalos administrativos e privados,que envolvessem pessoas da estimado Governo, não podiam também serpublicados. Os espancamentos freqüentesdos adversários reais e imagináriosjamais puderam ser registrados pelaimprensa. A partir da revolução de 1932,a Censura passou a ser prévia e nos transferimospara as redações dos jornais.Lembro-me de um episódio que quaseme levou à prisão. Estava fazendo a censurade O Jornal quando o Chateabriandentrou na redação, eufórico, com umafoto em que o Francisco Campos apareciaà frente de uma legião de camisasamarelas,durante um desfile ocorridoem Minas Gerais. A foto era exclusiva e oChateaubriandl queria publicá-la na primeirapágina. A notícia estava, entretanto,incluída no "índex" e não podia serdivulgada. O Chateaubriand insistiu, disseque era politicamente importantedenunciar o fascismo que já começava adar seus primeiros passos, aesajeitoados,entre nós. O "furo era realmente sensacionale não pensei duas vezes: libertei otexto e a foto. Fui suspenso 15 dias peloSalgado Filho. Alguns meses depois, coma ascenção do Filinto Mulier, que era umobscuro chefe da guarda noturna, àChefatura de Polícia, no lugar de BatistaLuzardo, o ambiente na rua da Relaçãoficou tenso. O Filinto era um homemtruculento e arrogante. Seu braço-direito,Lones Vieira, Delegado de OrdemPolítica e Social, era a própria imagem doterror. A presença de jornalistas na Chefaturade Polícia, mesmo a serviço daditadura, passou a ser um incômodo e aCensura foi transferida para o gabinete doMinistro do Interior e Justiça, AgamenonMagalahães. Alguns dos crimes eviolências que testemunhamos, quandoainda estávamos na Chefatura, foramatirados anos depois pelo próprio Filinto,na conta de velhos ressentimentospessoais.".Com o advento do Estado Novo, o DIPadquiriu a prerrogativa de exercer tambéma censura no plano nacional, depoisque seu diretor, Lourival Fontes, cinzelousua feição totalitária. Alguns jornalistas,como Álvaro Vieira, que não mereciama confiança da "nova ordem",foram dispensados da polícia por CivesMulier Pereira, sobrinho de Filinto e seudedicado chefe de gabinete.Ao ser demitido da 4*. Delegacia, ÁlvaroVieira foi convidado por Chateaubriandpara escrever uma colunasemanal sobre assuntos médicos em OJornal. Vieira assinou a seção durantecerca de 30 anos até o dia em que o "órgãolíder dos Diários Associados" deixouae circular."As nações crescem, os povos dedesenvolve e, com o passar do tempo, obom senso acaba sempre prevalecendosobre o arbítrio. Muitas verdades quenão puderam ser publicadas, naquelaépoca, vieram a público anos depois. ACensura, na verdade, atendia mais aosinteresses pessoais dos governantes doque aos sagrados interesses da Nação emTiome de quem era sempre aplicado comextremo vigor. A Censura tem apenasurfyvalor episódico, temporal. Não sepode, destruir a verdade como quemesmaga um insento."O S^-chefe do "Serviço de Controleda Imprensa" do Estado Novo, SampaioMitke, fala do alto dos seus 76 anos com aexperiência e a intimidade de quemconhece so\$ubterrâneos atapetados dopoder que freqüentou com assiduidadeentre 1938 e 1942. Trinta e dois anosdepois, Sampaic^Mitke,. ex-secretário deredação da Associated Press, exerceagora as funções de gerente-geral dosjornais O Dia e A Noticia. Sampaio nãocontém seu entusiasmo diante aas liçõesque a História lhe deu. Q porte elegantee vigoroso realça o terno escuro queaoriga um corpo ainaa jovem para osseus 76 anos. Ao se debruçar agora sobreo passado, ele reconhece a inutilidadeda função que exerceu com desvelo.A voz grave, ligeiramente estridente,vai aos poucos enchendo de recordaçõesa sala espaçosa, forrada por umtapete de "bouclê" que termina sob ossapatos pretos de cromo alemão:"O meu serviço não exercia a censuraprévia. Nós transferimos para os jornais aresponsabilidade pela publicação dasnotícias que desagradavam ao Governo.O trabalho era lirtípo e eficiente. As sançõesque aplicávamos eram muito maiseficazes do que as ameaças da políciaporque eram de natureza econômica.Os jornais dependiam do Governo paraa importação do papel linha d'água. Astaxas aduaneiras eram elevadas e deveriamser pagas em 24 horas. E o DIP sóisentava de pagamento os jornais quecolaboravam com o Governo. Eu ou oLourival é que ligávamos para a alfândegaautorizando a retirada do papel."O DIP era um verdadeiro superministério.Lourival Fontes, modesto funcionárioda prefeitura do Distrito Federal,ao ser nomeado para a sua direção-geral,lhe deu vida nova e um estigma do qualalguns dos seus mais eficazes colaboradoresaté hoje não conseguiram se libertar.O prestígio e a força do DIP eramavaliados pela duração das audiênciasque Lourival Fontes mantinha com Getúlio,todas as quintas-feiras. Nesses dias,ele subia os degraus do Catete com seusauxiliares carregados com pastas depapelão. O nome das diretorias e divisõesque integravam o DIP reluziam nacapa aas pastas em letras douradas.As pastas da minha divisão, Serviçode Controle de imprensa, eram semprede papelão ordinário, com letras desenhadasa tinta. Fazia isso de propósito.Nos relatórios semanais, eu registravatodos os pedidos de censura que haviamsido encaminhados ao órgão. Diziaquem pediu, os motivos alegados e asinformações proibidas de serem divulgadas.O Getulio ficava sabendo detudo. Havia também alguns pedidos pessoaisque eu recusava atender mas quenão deixa de incluir no meu relatório. OEstado Novo, como todos os regimes deexceção, necessitava da Censura como oar que seus governantes respiram. Essesregimes são frágeis, pela sua próprianatureza, que sem ela não seriam capazesde sobreviver."Sampaio Mitke amorteceu, pessoalmente,muitos golpes que teriam atingidoo desgastado, irrmediavelmente, aimagem do governo que o DIP tinha porobrigaçãopreservar. Ele hoje é o primeiroa reconhecer que num regime de forçatodos estão confinados. A maioria dosjornais não ousava desrespeitar as determinaçõesque eram transmitidas, em seunome, pelo telefone, para as redaçõesdo Rio e de São Paulo. Os jornais dosoutros Estados recebiam as instruçõespor telegrama."Só tive problemas com O Radical. OBrasil estava em guerra com os países doeixo e seu diretor, o Rodolfo tarvalho,habitualmente desrespeitava a proibiçãode não divulgar o afundamento denavios brasileiros. Fui obrigado a mandarapreender várias edições desse jornal.Mas o Rodolfo Carvalho, que era umhomem extremamente inteligente, estavasempre brigando com a censura a fimde capitalizar prestígio para O Radica,!.No dia seguinte, o Rio, e depois o paisinteiro, comentavam e apreensão do jornal.alguns anos depois, com a criaçãodos DEIPs, que passaram a controlardiretamente os jornais nosEstados de origem, o serviço foi ampliado,mas a censura continua ain-. (Jprgrave que enfrentei foi o fechamento deO Estado de S. Paulo, em 1940, porordem do Góis Monteiro, que era oMinistro do Exército. Ele ordenou pessoalmenteao Cel. Scarcela Portela queocupasse militarmente o jornal. Lembromede que cerca de 600 funcionáriosficaram desempregados. Foi outraviolência inútil, de valor apenas temporal,pois o jornal aí está, outra vez, sólidocomo uma rocha, na defesa dos ideaisdemocráticos."Até hoje Sampaio Mitke não conseguiuse libertar ao peso de algumas arbitrariedadesque assegura jamais havercometido. Um dos seus vários adversáriosimplacáveis, o articulista Osório Borba,atacou-o durante vários anos após aqueda do Estado Novo, através das páginasdo Diário de Noticias. Osório acusavaSampaio Mitke de ser um fascista convicto,mas o ex-chefe da Censura jamaisse preocupou em rebater essas acusaçõesque atribui a uma vingança pessoal,por cortar alguns dos editoriais que OsórioBorba redigia para o Diário de Notícias.Durante alguns anos, Sampaio Mitkeainda se empenhou em retirar,pacientemente, outras pedras que foramatiradas sobre as suas vidraças."Muitas dessas pedras, que recolhi nomeu quintal, estão hoje amarradas áscostas dos que as atiraram contra mim,durante o Estado Novo. e que hoje atropelam,esquecidos das lições da História,os mesmos valores que defendiamnaquele tempo. Sócrates achava preferívelficar sem sol o universo, do que privadada liberdade a palavra da República.Não importa que ele houvesse pregadono deserto, pagando com a própriavida a audácia de evangelizar idéias nãoaceitas pelos dominadores do seupovo."


Todas as doutrinas psicológicas derivadasde Freud dão ênfase ao impulso,ao desejo, ao instinto. São poucos osautores capazes de perceber que as chamadasresistências ou defesas psicológicassão inteligentes. São poucos, também,os terapeutas cônscios de que oprocesso curativo consiste em aprendera perceber e a refletir com clareza eamplitude.Vamos estudar aqui os modos pelosquais as pessoas são feitas medíocrespelo processo de socialização.Comecemos com exemplos.Certa vez, depois de muitas horas deconvívio e análise, eu disse para umapessoa: em você existe um gênio quevive continuamente explicando todas asações e omissões de uma débii mental.Tratava-se de uma jovem e bela mulher,com título universitário, que sofria deuma incapacidade total de organizar coisaspráticas, teóricas, manuais, corporais,sentimentais...De outra parte, era quase satânica suacapacidade de explicar as poucas tolicesque fazia e as muitas coisas importantesque não fazia.Seu Q.l. Já havia sido medido: 150.Mas vê-la falar e interagir com elacausava uma definida e acentuadaimpressão de debilidade mental.Depois, alguma coisa importanteaconteceu em sua vida. Um homemcomeçou a interessá-la. E deste momentoem diante, ela começou a realizarações muito inusitadas para conquistá-Iq. Muito inusitadas mas eficazes. A serviçodesta ligação significatica, seu Qlcomeçou a render...O exame das condições de sua formação,na infância, sugeriam com força quehavia sido melhor para ela mostrar-se ecomportar-se como uma boba. Casocontrário, as dificuldades teriam sidomuitas e talvez intransponíveis.Em outra ocasião, disse para outra pessoa:"Vejo sua cabeça como um formigueiro,porém sem formigas. O curso deseu pensamento é totalmente irregular eimprevisível".Neste caso, também era fácil distinguirna pessoa dois aspectos:De um lado, uma jovem sensível einteligente que vivia ha muito a vida quelhe parecia melhor, bem diferente aospadrões estabelecidos. De outro, umrepositórioinexaurível de frases feitas queeram repetidas interminavelmente:"porque eu preciso de uma ligação estável,porque ninguém pode viver sozinho,porque como vai ser quando euficar velha, porque o que dirão osoutros, porque mamãe fica preocupada..."Esta moça percebia muito bem oque lhe importava. Na ocasião da minhafrase, ela estava se desencantando decerto rapaz em torno do qual havia giradobastante, às vezes mais perto, às vezesmais longe. No fim de semana anterior,ela e vários amigos, inclusive o rapazcom outra namorada, haviam acampadojuntos numa praia. Minha paciente nãoteve ciúmes mas achou muito ruim ocomportamento furtivo, exclusivista ehipócrita do rapaz.Eia e ele trabalhavam no mesmo setor,e com freqüência ele a procurava nohorário de expediente para se verem econversarem um pouco. No dia da frasesobre o formigueiro, ela havia começadocom aquele sermão insuportável davelha mamãe alienada. Depois de poucosminutos, eu a proibi de falar generalidadese perguntei se ela tinha algumfato concreto a comentar. Após um curtosilêncio, ela disse: aquele rapaz - sabe- veio me ver hoje no trabalho. Ele estavacom a gravata que eu tinha dado de presentepara ele!Havia vitória e desprezo no seu tom devoz e eu apontei o fato. Solicitei a ela queexprimisse as coisas em palavras e nãocom a cara nem com o tom de voz. Entãoela se pôs séria e começou: hoje ele chegouem minha sala, perguntou como euestava, o que eu tinna achado do acampamento,como eu me sentia diantedele, eu disse que estava pouco interessada,conversamos um pouco mais,depois ele disse que ia embora, levantou-see, nesta hora, eu reparei que eleestava com uma gravata que eu tinhadado de presente para ele.Aí foi a minha vez de falar com a cara eo tom de voz.Perguntei: - só depois de todo estetempo é que você reparou na gravata?- Só. Eu não costumo prestar atençãonestas coisas. Por que é que o sr. está tãoespantado?- Porque foi a primeira e a única coisaque você disse sobre o fato, quando euperguntei.- Ora...- Assim acontece sempre com você.Você percebe muito bem os fatos que teimportam, mas ao relatá-los paraoutrem, você começa do ponto que maiste convém no momento e, se a pessoanão diz nada, o relato fica por isso mesmo.-Paracada pessoa, você conta umpedaço diferente da história conformevocê queira exibir-se, provar que tinharazão, testar a resposta do outro, provarque foi vítima...- Mas eu acho que todo mundo éassim...- Eu também acho. Mas você é assimmuito nitidamente. Pior do que isso:como você faz uma porção de coisas forados bons costumes consagrados, vocêestá sempre com peso na consciência.Entendo que você recorte os fatos a seumodo, quando você fala com a, b ou c - equer se proteger de todos. Mas depoisque voce desmontou o fato em 10 pedaços,um para cada pessoa, você perdetotalmente a noção do conjunto. Você émuito inteligente mas usa a sua inteligênciapara viver perplexa, confusa esem saber o que deciair.Estes dois casos ilustrativos poderiamfacilmente ser multiplicados.Ao argumento casuístico, acrescentamoso argumento estatístico.Todo psicanalista fala (nos livros) e secomporta (segundo a técnica) como se oneu rótico fosse extremamente perigoso,cheio de ardis e de astúcia, sempre prontoa enredá-lo, a fazê-lo perder o rumoou o controle.De outra parte, o neurótico clássicoque aparecia nos livros de poucos decê-


USE BURRICEILUSTRAÇÕES: JAYME LEÃOnios atrás, com freqüência se apresentavacomo uma pessoa de recursos intelectuaislimitados. Poderíamos dizer emforma lapidar caricata que o neuróticoconscientemente era um bobo e inconscientementeum gênio - como as minhaspacientes.Em muitos estudos da época, o próprioFreud assinalava que os mecanismosde defesa inconscientes eram hábeis,astutos, precisos e tenazes.No extremo oposto, encontramos apartir de Jung, todas as Escolas espiritualistase esotéricas tanto orientais comoocidentais, todas elas declarando que defontes interiorés desconhecidas doHomem, pode surgir e surge muitasvezes um conhecimento e uma inteligênciaprofunda das coisas.Homens que tivessem o livro exercícioda maior e da melhor parte de sua inteligência,aceitariam os condicionamentossociais que sofreram?Do ponto de vista da estrutura socialautoritária e eterna, a primeira coisa afazer não é a castração mas o emburrecimento.É essencial que no lar e na Escola,através dós assim chamados processossocializantes, se consiga da criança umtotal embotamento da inteligência, noduplo sentido de destruir-lhe a lógica e ointeresse intelectual.Isto se consegue "ensinando-lhe" coisasque não a interessam de jeitonenhum, "explicando-lhe" proposiçõesgritantemente falsas, destituídas dequalquer fundamentação afora a autoridadede quem diz (pai, mãe. parentes)ou do lugar ou do nome onde são ditas(escolas, Igreja, Congresso Nacional,etc).Depois de ouvir durante anos coisassem pé nem cabeça, pouco e nada ligadosà sua experiência imediata, a criançaaprende - certamente por medo - abrincar de faz-de-conta. Faz-de-contaque mamãe tem razão, faz-de-conta quepapai sabe tudo, faz-de-conta que aEscola é importante, faz-de-conta que asleis do Congresso visam nosso bem, fazde-contaque todos são honestas, fazde-contaque os bons e os trabalhadoresirão para o céu, faz-de-conta que osmelhores lugares serão para os maisobedientes ou os mais conformados,que cada um recebe o que merece, quesomos todos culpados pelas nossas másações e todos merecemos recompensaspelas nossas virtudes.Aí se completa a Lenda do Aprendizde Feiticeiro. Depois que aprendi a mágicado faz-de-conta, quando tenho umpensamento meu digo que é bobagemou que é loucura. Deste momento emdiante, serei um bom tijolo na parede daprisão social e perderei para sempre apossibilidade de encontrar minha verdade.Aviso muito importante aos que navegamhoje. Não estou falando so de umacoisa que era. Falo de uma coisa quecontinua sendo. O principal da minhahistória não é o fato dela ter começadohá 40 anos atrás, com todas aquelaspobres crianças, filhas daqueles pobrespais quadrados que eram os nossos.O método de emburrecimento sistemáticocomeça no lar, continua na Escolae na TV. mas não pára aí. Sua principalcaracterística não está na infância, masno coletivo. Em qualquer grupo quetenha a sua linguagem própria, quemaprende a linguagem, aprende o faz-decontada patota. Tanto faz que a linguagemseja Op, Pop,.Trac, Cac, ou Mec.Importante no faz-de-conta é que eleé brinquedo de grupo. Quando qualquergrupo começa inteiro a brincar defaz-de-conta, não tem mais grupo, nãotem mais gente. Só tem coletividade.Multidão de ninguéns. Opinião pública.Depois dos estudos de Korzibskysobre Semântica, surgiu nos EUA terapiado mesmo nome que consiste em ensinaras pessoas a falarem com clareza eprecisão, verificando a cada passo aconexão de cada palavra com a coisacorrespondente; recordando a cadapasso, que coisas com o mesmo nomenem por isso são a mesma coisa. Casas,por exemplo. A palavra é uma só e ascasas correspondentes são inúmeras.Aprender a pensar - é isso. Na terapiasegundo C.G. Jung, reconhecia-se explicitamenteque estavam em presençaduas personalidades basicamente semelhantes,diversificadas pela história particularde cada um. Esta história é a soma ea seqüência dos fatos que me fizeramexatamente como eu sou. Aquilo que aminha história não explica é a minhaindividualidade - precisamente minhaforma específica de responder às circunstânciasque me formaram. Isto é. alógica da minha vida é a inteligência dasminhas respostas reais e concretos atodas as perguntas que a vida, o mundo eos outros me fizeram.Ê preciso não esquecer que "tomarconsciência" é um ato essencialmenteintelectual - por definição, è uma formade conhecer - ou são muitas formas deconhecer - desde que existem muitasformas de consciência, de ser conscientee de tomar consciência.O Psicanalista não parece se dar contade que o seu famoso, criativo e curativo"insighht" é, com certeza, a mais pura elímpida ação intelectual do Universo.Claro que estou falando de uma inteligênciaviva que se desenvolve, que integrae reintegra os dados da percepção que,ao mesmo tempo, constrói grandes sistemasexplicativos do mundo e grandessistemas explicativos de si mesma. Falode uma inteligência que acompanha osfatos, que é dócil em se reformular e quevive, prazenteira, destruindo uma verdadepara construir outra.Esta compreesnão, como queremtodas as Filosofias práticas do Oriente, sópode provir do desenvolvimento lentode uma profunda capacidade de concentração- outra palavra tão confusacomo "tomar consciência" e "emocional".Tenho para mim que concentrar-sesignifica compreender cada vez maisfundamentalmente, organizar fatos cadavez mais numerosos em classes cada vezmais diversas, passíveis de arranjos erearranjos em conjuntos cada vez maiscomplicados. Tudo isto são definiçõesda inteligência como uma função viva.Tenho para mim. ainda e enfim, que ainteligência verdadeiramente viva acabadestruindo sua fé ingênua de organizartoda a experiência em um só sistema.Esta é sua etapa infantil, precisamente:destruída esta fé no sistema único, ei-laque descobre - e agora já e madura - quesua função específica é criar e destruirsistemas, que sua realização última écriar, para cada momento, para cada


situação e para cada seqüência cronológicasignificativas forma que reúne oselementos dispersos, ou que faz de umaseqüência aleatória, uma melodia musical.É fácil perceber que a Inteligência sefixa em sistemas, assim como os instintos.No dicionário psicanalítico, osneuróticos se fixam em personagens ouse imobilizam em alguma etapa dodesenvolvimento, transformando-se emesquemas repetitivos de comportamento,em esquemas repetitivos de anseios etemores.Na verdade, entre a música clara maisinexprirnível dos afetos e dos instintos, ea escrita musical enigmática da Inteligência,existem correspondências profundase equívocas.Estar fixado a um sistema e acreditarque elè seja a verdade ou a cerdade principal,é tão pueril como esperar quetodas as mulheres se comportam comominha mãe e todos os homens comomeu pai.Dentro do sistema estruturalista, aduas coisas são idênticas, compõenujmasó estrutura instintivo-intelectual.Todo homem que tem fé ou julgaracionalmente demonstrável um sistemacom esquema de explicação do Universo,é... Edipiano! O sistema é seu pai e édesta fonte que ele obtém alguma espéciede segurança e proteção.UM EXEMPLOExemplo flagrante do predomínio absurdodo pensamento coletivo sobre a percepçãoindividual, têmo-lo naquilo quese refere ao medo de morrer.. Toda pessoadada a alguma espécie de aventura,desde conquistas amorosas até pilotagemde avião, carro de corrida ou motocicleta,é insistentemente admoestadapelos seus inimigos familiares. "Olha,você morre! Olha o desastre! Olha o tirodo marido ciumento!"Ninguém pára para pensar naquiloque é do seu conhecimento e que muitasvezes foi de sua percepção - na pessoade parentes ou amigos: a chamadamorte natural é sempre mais cruel que amais cruel quadrilha de contrabandistas,ou do que qualquer Polícia Secreta domundo. Todas as mortes naturais sãolentas, cheias de dores, cheias de emoçõespenosas, tanto para a pessoa quantopara os próximos, todas lentamentemutilantese incapacitantes. Não se tratade uma razão genérica. A arteriosclerosemata devagarinho, pouco a pouco aolongo de 20 anos ou mais, mutilandoperceptivelmente um pouco mais cadamês que passa. O câncer não precisa depoeta para lhe cantar os horrores - ou alentidão. As moléstias pulmonares crônicassão lima coisa espantosa de se verede se ouvir. Os derrames cerebraisfabricam em série vegetais e idiotas. Oenfarto do miocárdro por vezes é clemente- quando mata na primeira vez -antes de a pessoa saber que estava ameaçada.Quando a pessoa sabe antes ou vaitendo enfartes sucessivos, é difícil imaginaragònia pior.Estas são as principais mortes naturais...Pior que tudo isso e causa complementarde todo este horror, é o medocrônico em que as pessoas estão submersas:medo da miséria, medo do vagabundo,medo de que o marido vá embora,medo-de que o amor acabe, medo deque o cachorrinho seja roubado, medode que o outro empresário tambémcompre uma Mercedes...A alegria de viver é muito definidamentepropaganda de filme americano.Depois nos surpreende demais a inteligênciados chineses - os antigos - queacompanhavam os mortos com cânticosfestivos, bandeirinhas, fogos de artifício...CONCLUSÃOSeguindo fielmente os termos consagradosna Jurisprudência Eterna: se éevidente, como evidente parece, tudoquando foi dito, declarado, explicado eestabelecido, então é bom que os psicoterapeutásdo mundo comecem a estudarum pouco de Lógica - eles também.E como convém aos tempos quecorrem será necessário, recomendávele benéfico que eles sejam informados arespeito das muitas espécies de lógica ede coerência legitimamente aceitas ereconhecidas. ,Será de extrema importância que osíerapeutas comecem a falar menos emrepressões dos instintos e frustrações dosdesejos, e comecem a falar um pouco,mais da burrice de todos, que não é frutode uma natureza ingrata mas de umasociedade estúpida.Que os ditos psicoterapeutas percamsua pureza'virginál que dé há muito e atodo preço defendem, quando pretendem,insistem e repetem que opsicoterapeutanão ensina nada pará ninguém,que Psicoterapia não é um aprendizado,que o divã não é uma Escola, que a safade grupo não é uma sala de aula.Melhor ainda seria - mas agora já éesperar demais - que os terapeutas nãoformassem eles mesmos coletividadesde indivíduos eruditos, sábios e conhecedoresdas coisas humanas, que vivemrepetindo entre si, uns para os outros, asmesmas verdades sediças e a sabença jámofada do grande mestre que falouassim e assim. Porque, de acordo comum tipo de coerência que, por sinal, évelha mas é muito boa, sopodemos ensinaro que sabemos - consciente ouinconscientemente! Se sou psicoterapeuta,se ensino com todo cuidado asverdades da minha fé para todos os meusclientes, dizendo primeiro que nãoestou ensinando e, depois, que nãotenho fé nenhuma, então estarei sendode todo idêntico ao querido papaizinho,à não menos querida professora e aosqueridíssimos Princípios Fundamentaisda Tradição que nos gerou!Seria muito bom enfim se as Escolasdeixassem de ser Esèolas e se os Laresdeixassem de ser Lares, para que a gentecomeçasse a conversar uns com ououtros, para que a gente começasse adizer o que vem na cabeça e ouvir quevem da cabeça do outro, para a gentecomeçar a descobrir novos pensamentose a ver o pensamento dó outro - que ébem diferente do meu - mas nem porisso eu preciso esganar ele.Em suma e transformando todo o longoe clássico arrazoado numa verdadecomezinha e prática, aconselhamosassim: que quando estiverem juntos,falem todos sozinhos - em voz alta,porém.Será muito interessante.Não parece. Mas será a maior de todasas Revoluções.


EXTRA 9ACHTUNG!ii ijpiíZE CELSOCONTRA OS FILHOSDE GOEBBELSA seção Mano a Mano foi lançada exatamente 2anos atrás, no Ex-2. E colocou frente a frente odiretor de teatro José Celso Martinez Correia("O Rei da Vela'', "Galileu Galilei", "GraciasSenor") e o publicitário Otto Scherb (diretor daEscola Superior de Propaganda, SP). Dias antes,José Celso havia dito ao jornal Monte Alegre, jáextinto, que "os publicitários são os Filhos aeGoebbels". Este seria então o tema da discussão:e Otto, o primeiro a ser procurado, topou abriga com Zé Celso. Em sua sala na Escola Superiorde Propaganda, a equipe de Ex botou umgravador entre Zé Celso e Otto Scherb, e fez aprimeira pergunta: "Zé, você disse que ospublicitários são filhos de Goebbels. O que éisso? O que envolve tudo isso?" E daí em diante,em clima bastante cordial, o pau quebrou.


Zé - E o seguinte: neste momentoespecial, minha forma de informarão, oteatro, se encontra por baixo, oprimida,talvez a palavra exata seja desvalorizada.Ao passo que a propaganda que receboé a grande forma aparente. Em qualquerparte que você esteja, é a forma ae informaçãomais forte. No entanto, por eufazer certo tipo de teatro, ela praticamenteé o oposto de tudo em que acredito.Se o teatro, encarado em profundidade,tem a função de restabelecer ocontato direto, de eliminar toda a nossamáscara, para saltarmos assim humanos,de corpo inteiro, livres, a função da propagandaneste momento é a de mascararo máximo. No regime a que serve, suafunção é vender; o bom publicitário temque cumprir esta função. E no momentoem que faz isso, vende o produto e umaforma de encarar o ser numano, umaforma de cultura, de opressão, que é aforma da sociedade de cosumo. É umaforma que me choca muito, acreditoque a mim e a qualquer ser humano.Acho a propaganda uma coisa de umaagressividade muito grande e na configuraçãoexata deste momento no Brasil,um país aue depois de algum tempo estárecebendo um grande fluxo de capitalismo,está se tornando uma potência médiacapitalista, dentro de um regimemuito autoritário, a propaganda praticamenteé a grande cultura do momento. Eé mais ou menos parecido com o queaconteceu na Alemanha no tempo deGoelbbels, praticamente o homem quedesenvolveu um tipo de propaganda emque a própria industria privada e o próprioEstado compuseram um tipo de cultura.Mais primária do que a nossa, que émais sofisticada, as coisas não são diretas,tem certa leveza, mas eu sinto o mesmopeso que sinto vendo as coisas deGeobbels. Inclusive Goebbels, acredito,foi o grande revolucionário da propaganda,o sujeito que idealizou a propaganda,que inventou o Dia das Maês, o.Volkswagen, aquela série de táticas destinadasa. transformar o povo alemão,que se encontrava numa miséria muitogrande. E ele conseguiu desviar toda aaspiração daquele povo, para que seencantasse com a guerra, com a conquistado mundo, com o mito da raça ariana,se encantasse enfim com uma série decoisas construídas pela propaganda.Como hojje, num país como o Brasilacontece ae repente que num corte, daescala mais baixa à mais alta, todos queiramascender nessa sociedade de consumo.A propaganda é muito eficaz, porqueconhece o homem. Quem trabalhaem propaganda, assim como quem trabalhaem teatro conhece o sexo, o estômago,as aspirações mais reais do serhumano. Por isso, nesse estágio, a propagandaé um instrumento de exploraçãoviolenta do ser humano. Aquele conhecimento,ao invés de ser usado paralibertar o homem, é utilizado para fazercom que ela compra. E vende ilusões,vende a destruiçãò de sua própria vida.Oo jeito qUe invade a vida do homem, apropaganda é uma cultura de repressão,de mentira, e não pode trazer nada depositivo. Agora, não é que eu seja contraa informaçao em si! Assim como existiuGoebbels, existiu Maiakóvski. Ele faziacartazes de propaganda, era ótimolayout-man, mas era um trabalho diferente,feito pará desencadear nohomem todas as energias que existiamnele é que ele desconhecia. Ao passoque a propaganda hoje serve para desviara energia do indivíduo para umaevasão, canalizar essa energia para comprare, evidentemente, com isso, enri-UlW-Ii!• n I ^ • T »Zé Celso é de Araraquara,SP. Formado em Direitopela USP. Fundou o TeatroOficina, de São Paulo.quecer todo o campo de consumo existentee fazer floriar toda essa economiaque do ponto de vista cultural é a geradorade uma das sociedades mais vazias,como aqui. No Brasil tudo tem a cara dapropaganda. Novela tem a cara da propaganda,as próprias caras do artistas deteatro que vão para a TV Globo, elessaem prontos pará vender uma imagemcareteada, uma máscara, t neste sentidoque a propaganda me agride. Ela é umaredução do nomem, uma coisa criminosae só existente nesse péríodo que é ofim desse sistema, a liquidação de tudo.Chamei de filhos de Goebbels os quefazem a propaganda, nesse sentido: osque fazem propaganda para servir a estasituação de hoje. É mais ou menos isso.Otto - É. Aí o negócio não vai ser muitofácil (dá risada). Você chama os publicitáriosde Filhos de Goebbels! Achoque com o mesmo direito poderíamoschamar os publicitários de Filhos doPapa Gregório, ou do Papa Urbano, queforam os dois Papas mais responsáveispela chamada Comissão de PropagandaFides; que a própria palavra propagandanasceu no Vaticano. Não podemos atribuirao mestre Goebbels qualquer responsabilidadepor isso. Na realidade, foiGregório quem instituiu uma comissãode cardeais para a propaganda da fé cristãem diversos países. Foi assim que onome nasceu. Portanto, desculpe, nãoestou sendo jocoso, apenas acno queessa identificação da propaganda comdeterminado regime político, especialmenteesse que foi sem dúvida extremamenteodioso, me parece um poucóinjusta. À parte as origens da propaganda,outro aspecto que me parece extremamenteimportante, e aí vou abordar oproblema nao como publicitário, mascomo economista, é a instrumentalidadeda atividade publicitário. Sei lá, eu nãoquero ser chato e dar inúmeras definiçõese conceituações da palavra propaganda,mas vamos tentar uma pequenaconceituação, pelo menos: é simplesmenteo conjunto de técnicas e artes quevisa, agindo sobre a psique do consumidor,dispor esse consumidor favoravelmentea determinados serviços, idéias,ou mesmo pessoas. Então, veja, você"entrou na análise ética da atividade,Quer dizer, a propaganda é boa, ou má.Eu senti isso como susbstrato das suasobservações. Aí eu fico um pouco preocupado.Porque veja, inicialmente nestecapítulo das minhas observações eu fariaa seguinte pergunta: a propaganda é afavor do leite? O consumo do leite, certaménte,é socialmente bom. A propagandaa favor, por exemplo, do consumoaa carne de segunda qualidade no Brasil,no momento, seria extremamente útildo ponto de vista social. Porque o queestá acontecendo no Brasil é que todomundo quer carne de primeira, masexiste carne de segunda em abundância.Estou dando esses exemplos específicosonde a propaganda pode desempenharum papel social de certa relevancia eutilidade. Obviamente, a propagandafeita em torno de cigarro, de bebidasalcoólicas, quer dizer, pode ser socialmentecondenável. Tanto assim quegrandes agências norte-americanas, atépoucos anos atrás, se recusavam a aceitarcontas - inclusive a J. Waltèr Thompsonde bebidas de álcool, com espírito puritano,protestante, calvinista. Quer dizer,houve e há essa preocupação social.Zé - Não me refiro propriamente aotipo de produto que a propaganda veicula,mas aquilo que o senhor falousobre a intervenção na psique do indivíduoa ponto de induzi-lo a fazer coisasque normalmente não faria, uma espéciede magia negra.Otto — O que eu quero caracterizaré o instrumental a serviço de um sistemasócio-econômico. Depois você começoua entrar em alguns aspectos ideológicos.Eu quero ser bastante específico:no Brasil, atualmente, se investe 1,2% darenda nacional bruta em propaganda;aproximadamente nos EUA, 3%; na Suécia,Alemanha Ocidental, Inglaterra, 2%.Eu gostaria de fazer a seguinte pergunta:você considera os EUA, a Suécia, a AlemanhaOcidental, países democráticos?Certamente concordaria comigo quesim. Pelo menos mais democráticos,embora eu considere essa colocação umouço injusta, que a União Soviética, aPiungria, a Tchecoslováquia, onde nãoexiste propaganda. Entende? Entãoestou muito preocupado com os aspectoslógicos da colocação de uma coisacom a outra...Zé - Eu não acho que no campo dapropaganda os EUA sejam um paísdemocrático. Acho que é totalitário.Otto - Concordo com você u m pouco.Bem, o que você considera um paísdemocrático? Um país em que há livreexpressão? Quer dizer, o presidente daRepública sendo pichado, tá nas iminênciasde ser impedido, você pode chegarem Manhattan e berrar que o presidenteé um imbecil, coisas que em outros paísesvocê não pode fazer.Zé - Mas eu tô dizendo, claro que osDireitos Humanos são democráticos,mas a propaganda não é. Sou obrigado aandar por Sao Paulo hoje em dia, ou porNova York engolindo aquela propagandatoda.Otto f Você me obriga a usar um argumentoque gostaria de evitar, um poucosurrado, mas nem por isso dispensável;acredito quejá que os meios de divulgação,a televisão, o rádio, se sustentam deuma ou de duas fontes, oú seja, as fontesoficiais ou as particulares, a propagandacolocada dessa forma é um dos grandessustentáculos de uma democracia doestilo ocidental.Zé - Mas quê democracia? A dos grandesveículos de propaganda?Otto - Os EUA não sao uma democraciana sua opinião?Zé - No que se refere a propaganda,não; no que se refere aos Direitos!Humanos, sim.Otto - Bem, eu defino a democraciapelo grau, um regime que oferece umelevado grau, um razoável grau de liberdadeao indivíduo, certo? Aí vamosentrar um pouco no problema ideológico.O conceito de democracia eu naoconfundo com o sistema pluripartidário.O fato de você ter 25 partidos não é


necessariamente prova da existência dademocracia. Mas o que eu quero dizer éque a propaganda a serviço de venda deidéias, de sérviços, de produtos da iniciativaprivada, faz com que esses órgãos dedivulgação, jornais, etc., possam se manterindependentes do poder oficial. _Zé - Mas eles caem no verdadeiropoder, na coisa mais antidemocráticaque existe, que é o poder das grandesempresas. Só não existe democracia porisso. . -Otto - Acho que o único problemaentre nós dois... Concordo, corri muitacoisa que você está dizendo. O que estamosanalisando; o que você está colocandoem jogo, é a validade do Consumerismo,aa consumo-society. Porqueuma vez aceitando uma sociedade consumo,você tero que aceitar a propaganda.Zé-Claro!Otto - Então a rejição não é da atividadepublicitária e sim do contexto a cuioserviço ela se encontra. Você não podedizer que a propaganda é boa ou ma semfazer uma análise do próprio sistema.Agora, como publicitário e economista,me coloco do lado puramente formal.Quer dizer, dado um determinado contexto...Zé - Mas, esse é que é o problema: oser humano não é uma coisa formal; noentanto, está submetido só a coisas formais.O esforço incrível da humanidade,o esforço científico, para resolver osproblemas todos que o homem tem, dacabeça aos pés, tudo é usado pela propaganda.Não sei como é possível o sujeitose informar a respeito ao homem, saberde suas inclinações e usar aquilo parafazê-lo consumir...Otto - Mas sem isso a publicidadeseria totalmente ineficiente. Eu tenhoque conhecer as bases típicas do consumidor.Zé - Mas isso é manipulação, não édemocrático, é destrutivo, é uma coisa...Otto - Talvez seja uma questão denomenclatura. Quer dizer, você tem umdeterminado sistema, numa sociedadeque chama de capitalista. Eü chamo desociedade de mercado livre, porquecapitalismo hoje em dia tem uma conotaçãoassim um pouco perigosa pela simplesrazão de que todas as sociedadesmodernas, de uma certa maneira, nãodeixam de ser capitalistas. Aí eu abririaum parêntese. Veja: toda sociedademoderna precisa captar o excedente,quer dizer, aquilo que ela gerou dentrode um determinádo período, além desuas necessidades; é aquilo que ela decidiupoupar. Nas sociedades socialistas asdecisões sobre a poupança, sobre o usodo excedente, são feitas centralmente.Nas sociedades chamadas capitalistas...Zé - Também...Otto -... as decisões do uso são descentralizadas,cada vez menos, talvez.Zé - São feitas pelas grandes corporações...Otto - Cada vez menos, embora eunão tenha uma opinião tão escatológicasobre os sistemas capitalistas como você,porque acho que todo sistema crja seuspróprios antídotos. Você vê, a legislaçãonorte-americana sobre os trustes éviolentíssima. Essa manipulação não étão natural e tão fácil. Eu diria que particularmente,já que estamos falando dessesaspectos éticos, quer dizer, da agressãocontra o ser humano, você tem dispositivosde defesa impressionantes.Você tem o instituto de defesa do consumidor,do qual se fala já há algum tempono Brasil, você tem obrigação de seretratar publicamente se o seu anúncio- « t i r o . . . -.Zé: "A publicidadetransforma o conhecimentoque tem do homem numinstrumentodeopressão."disse alguma inverdade. Então, o quequero dizer, é que o próprio sistemacriou algumas defesas que...Zé - Não seria uma forma de aperfeiçoaro sistema dentro do sistema?Nenhuma das formas que você citoumexe no fundo do problema. Ninguémjulga se e moral ou imoral a propaganda?Humana ou desumana?Otto - Vamos voltar 170 anos atrás,para a época da Revolução Industrial. Háurina relação circular inegável entre aprodução e a propaganda. Você acredita- é uma pergunta honesta que faço - queo burguês, em termos absolutos e nãorelativos, esteja gozando de um nívelmelhor ou pior que há 170 anos?Zé - Melhor, dentro dos padrões dasociedade de consumo, mas o nível deliberdade/ não o de manipulação, decisão.O nível de autodeterminação eramaior. O que a sociedade de consumofaz... inclusive a estética da propaganda,é uma das coisas mais feias que a humanidadejá produziu. O próprio luxof aembalagem da classe média, é muitofeia, porque é desvinculada da vida,tudo depende de uma coisa muitomecânica, onde existe uma hiperdistribuiçãode trabalho e as coisas todas sãoencomendadas a partir de um fator só,que é o fator de compra, e todo esse éum mundo que se encontra muito próximodo apodrecimento e muito distanteda vida. O mundo está virando umaimensa lata de lixo, como a própria EuropaOcidental. Esse mundo que nós sabemosé inviável. Tanto que existe umdesespero, uma procura enorme - eunão acho que resolva - dessas religiões,como saída. Mas a coisa continua esquizofrênica,porque as pessoas vão paraessas religiões e continuam vivendodentro da sociedade de consumo. Masquando o sujeito estoura, vai ao psiquiatraque é outra coisa muito ligada a essemundo da propaganda. A psicanálise fazparte de tudo isso, a própria sociedadefunde a cuca do indivíduo, depois enriqueceum batalhão de psiquiatras praconsertar, ou então o sujeito se desesperae vai para a religião. Existe uma criseabsoluta, e a propaganda torce exatamentea possibilidade de informar a verdadee transforma o conhecimento quetem do ser humano num instrumento deopressão.Otto - Aí eu volto ao aspecto da instrumentalidade.Você não condenaria umaiaca, que pode cortar queijo e podematar. Se a coisa está a serviço de um sis-,tema, qualquer opinião minha a respeitoé improcedente. É óbvio que o publicitárioque recebe, dentro desse contexto,uma certa tarefa, vai procurar desempenhá-lada melhor forma possível. Vocenão pode culpar.Zé - O cara que bombardeia, vai bombardearda melhor maneira possível....- Otto - Exatamente...Zé - Como o cara que vai ligar a câmarade sás vai ligar da melhor maneira,possível...Otto - Quer dizer, a validade ética;acho uma coisa extremamente perigosa.Como é que você pode dizer isso, vocêconhece gente de propaganda...Zé - Ah, conheço muitos, depois souhomem de teatro, observador...Uma vez andei com um publicitárionum bairro operário e ele andava apavorado,entramos num boteco pra tomarum cafezinho - e ele sabia caratê - e ficavame cotucando. Ele sabia o mal quefazia, ele conhece perfeitamente o quefaz.Otto-Comigo voce pode andar tranqüilamente..-.sou um publicitário queestá na ativa há 15 anos/estou na ativa napesquisa de mercado, temos uma agênciaexperimental, um centro de pesquisaaqui na Escola, aqui se procura apurartécnicas, para fazer cada vez melnor-apropaganda. Fazer com que cada cruzeiroinvestido atinja o resultado maior. Sev.ocê aceita como unidade - usando ojargão publicitário -o seu público-alvo...Zé- O que quer dizer isso?Otto - Público-alvo é o conjuntodaqueles caras que eu quero atingir.Quero atingir, $ei lá, mulheres entre,25 e. 35 anos de idade, que moram em SantaCatarina,, pertecem sócio-economicamenteà classe A e B1, e têm determinadoestilo de vida que eu posso inclusivequalificar. Então, identifico claramente omeu público-alvo e, digamos, tenhouma verba determinada, xis cruzeiros;vou querer que esses xis cruzeiros produzam,omaior resultado possível. Aquiloque se chama "pToautização" doresultado. O produto seria, digamos, oqueijo. Quero que elas comprem o máximopossível desse queijo...Zé - E como é que vocês fazem as pessoas...Otto - Em primeiro lugar, você faz apesquisa, o perfil desse consumidor.Voce tem 3 coisas: o produto; os meiosatravés dos quais comunica o produtoaos consumidores; e o consumidor.Cada um tem o seu perfil. Então o quevocê faz é a adequação mais perfeitapossível entre os 3 perfis, em termosrazoavelmente técnicos. Esse é o processode planejamento.Zé - O mais grave é justamente quandovocê analisa uma determinda camadada população, sente uma aspiração queela tenha e que muitas vezes, se desenvolvida,poderia fazer com que ela atingisseum objetivo que realmente precisaatingir, e você pega aquela aspiração epá! manda queijo em cima. Negócio depublicidade que mais me grila é isso.Principalmente no tocante ao sexo. Éuma coisa absurda.Otto - Você acha que a indústria automobilísticafez bem ao Brasil?Zé - Acho péssimo.Otto - Voce acha que p Brasil deveriacontinuar importando automóvel? Oudevíamos andar a pé? Ou de bicicleta?Zé - É que o pensamento todo estáviciado, a gente só consegue pensar emtermos de sociedade de consumo,carro...Otto - Pelo contrário. Acho que o seupensamento está um pouco apaixonado.Zé - Ah, ainda bem! Maravilha! Muitoobrigado.Otto - O meu é inteiramente frio! (rindo)É horrível isso...


Zé - Mas o pensamento tem que serapaixonado! E a vida está ficando gelada,horrível! Viemos pra cá, ficamos umahora - uma hora - no trânsito! MeuDeus, pra que isso?Otto - Eu acho bacana isso. Querdizer, daqui a pouco vamos tomarcachaça... Mas veja; não pense que afrieza que está sendo abordada sejaresultado de uma completa insensibilidadeem relação aos problemas quevocê está levantando. Uma coisa eu possodizer. Nós procuramos, voltando aocaso do queijo, ensinar aos nossos alunos,pelo menos nesta Escola - que seconsidera muito honesta dentro do contextoem que estamos inseridos - que opublicitário não deve se incumbir detarefas que considere eticamente rejeitáveis.Em outras palavras, se você estáconvicto de que o queijo faz mal, nãopegue a "conta", como já fizemos; acampanha não deve ser feita. Porque acoisa mais burra que você pode fazer édivulgar mentira. Pois a propaganda éum fator de aceleração em termos econômicos,e com maior número de pessoastendo contato, em menos tempo,com o seu "abacaxi", o produto seráenterrado em 2 meses em vez de em 1ano.Zé - Bom, mas tem divulgado mentirapra chucu, principalmente sobre amor,casamento, propnedade, férias - sobretudo! Só vejo mentira na rua; tudo o queeu vejo na rua, eu leio ao contrário...Otto - Estou falando de coisas materiais.Se você diz que o automóvel anda a140 e ele vai a 80, quer dizer, você nãoconsegue... fiz campanha da Volkswagendurante 5 anos, fui um dos responsáveispela criação do slogan "O bom sensoem automóvel"; um slogan quedefenderia hoje com o mesmo ardor econvicção. Porque se existe um carroque é bom senso é aquele, quer dizer,pelo menos era... talvez seja ainda hoje.Zé - A coisa de Goebbels... Volkswagen,o ca rro do povo. Claro, foi ele quelançou. Na época em que o operariadoalemão estava sendo submetido a muitapolitização, e havia a coisa de dar ocarro...Otto -Eu entendo muito bem. Minhamãe tava nas filas pegando ficha. Mas,vamos voltar à Revolução Industrial.Você disse que o operário de hoje temmenos opções quanto à própria personalidade,mas a gente hoje tem muitomais. horas de lazer. Ao invés da semanade 50 horas, temos a de 40.Zé - Mas o que é o lazer? O quê apublicidade faz com o lazer? O que éque se faz na hora do lazer? £ o maior trabalhoque existe, é uma batalha voce sairpelas estradas...Otto - Você rejeita isso? Eu respeitodemocraticamente. A única coisa que eugostaria que você fizesse, já que rejeita aconsumo-society, e tudo o que elarepresenta, porque você não rejeita apenasa consumo-society, na realidadevoce rejeita a ideologia que a formou.Zé - Você também rejeita. Qualquerpessoa que olhar dentro de si própria,rejeita.Otto - Já que você rejeita, eu gostariaque criasse uma opção. Medêuma visãodessa opção. Como ser humano, precisoter alguma coisa para por no lugar.Zé - Eu poderia ser um ótimo publicitário.Otto - Mas não estou falando em termosprofissionais...Zé - Só não sou porque achei que eraantiético...Otto - Não estou colocando o problemaem termos de opção profissional,: < i i n n i ' > iOtto: "Você nãocondenaria uma faca, quepode cortar o queijo,mas também pode matar."mas sim: já que você rejeita a consumosociety,o que você gostaria de colocarno lugar, porque eu preciso de umaopção!Ex-Só como tentativa de discutir umaopção: voltando ao problema da kombi.Nunca se viu uma campanha dizento"akombi é ótima pra isso e isso; a kombinão presta pra isso e isso".Otto - A publicidade moderna nãoparte mais da premissa de que o consumidortem a idade mental de 13 anos.Então, se você diz que a kombi é um veículopara transporte de famílias grandes,que pesa tantos quilos, etc. - so atravésda caracterização de seus usos principaisvocê dá idéia de que não é um carro decorrida! Você não pode, inclusive dentroda técnica e da lógica, explicar vantagense desvantagens; quer dizer, como apublicidade é uma técnica de persuasão,obviamente ela tem que salientar as vantagens,e deixar que o consumidor chegueàs próprias conclusões.Zé - Tem um termo da publicidadeque eu acho terrível: persuasão. Nãoacho que a massa tenha Q.l. baixo - acabeça dessas pessoas é um territórioocupado pela persuasão.Otto - Que seja assim, eu vou aceitar. Evou voltar a outra pergunta, que tinhafeito antes...Zé - Queria dizer também o seguinte:essa coisa de não informar que a kombi éperigosa, é que a sociedade de consumoè uma sociedade dopada, anfetamínica.Ela não pode parar, ela não pára, nãopára, ninguém sabe por quê, nem como,nem quando. O horror que as pessoastêm de diminuir, modificar, o ritmo deprodução, é o terror! Então tem-se que irsempre, e vai-se até a destruição, é o quevai acontecer.Otto - Viva então o rei Faiçal, queesta . botando um freio nesse negócio?Zé - Viva o rei Faiçal!Otto - Bem, você ainda não respondeuà pergunta mais importante. Aindústria automobilística no Brasil realmentecriou novos horizontes econômicos.Ela está dando trabalho a um milhãoe 400 mil pessoas, que poderiam ser usadasem outra atividade, não sei.Zé - Na China...Otto - Eles usaram 3 milhões de pessoaspra construir uma ponte. Podem-seencontrar formas de uso de mão-deobramenos ricas de capital. A questão ése o Brasil tinha, em 1958, a mesma opçãoque a China; o Brasil já era muito maisindustrializado. Isso não podemosesquecer. Então, como o Delfim dissequando deu a aula inaugural na Escola,em 71, um País que tem uma riquezanatural como o Brasil, que tem o potencialdesenvolvimentista que o Brasil tem,não seria o caso da propaganda ser útilno sentido de ampliar o elenco deopções do consumidor pra buscar maisferro na terra, mais óleo, pra acelerar oprocesso econômico?...Zé - Pra destruir mais a terra?Otto - Você tem uma visão idealista,muito bonita da coisa, mas acho que oseu caminho, a longo prazo, provavelmenteiria nos levar a uma situação quaseque medieval. Pode ser muito bonita,muito romântica, mas acredito que aprópria existência dessa opção é falsa.Zé - Não acho; é outra coisa - será quenão há condições de botar essa tecnologiaa serviço de nós mesmos?Utto - Nao sou ecóiogo.Zé - Não se trata de ecologia. Não setrata de voltar à Idade Média.Otto - Mas você sempre precisa dealgum dispositivo político que acioneesse negócio. Que tipo de sociedadevocê queria ter? Você não pode fugir àopção, e como não pode, simula talvezum tipo de sociedade ideal, em que gostariade viver, e dentro dela não há lugarpara a propaganda, admite tudo isso.Agora, dentro do elenco de opçõesatualmente existentes...Zé - Claro: a sociedade tem que fazerguerra, tem que fazer propaganda, temque fazer esses prédios praj pessoasmorarem, fazer essa cidade, tudo isso. Éque é uma sociedade baseada na exploração.Otto - O que eu acho injusto...Zé - Todo contato é na base da exploração.£ sempre um em cima e outroembaixo. Tudò exatamente na base doque o senhor chama de frieza e...objetividade.Coloca entre parênteses a coisareal e chama isso de objetividade. Isso éque não entendo: a realidade, a vidahumana é colocada entre parênteses e,em nome da objetividade, o cara arrumauma série de formas, de dados, que ocomputador se encarrega de resolver.Isso não é desenvolvimento. O serhumano da sociedade de consumo é omais burro que houve na história.Aquém das maquinas que tem do lado,escravizado a ela, e nem sabendo porquê. O cara é escravo e não sabe que é.Otto - Você está dando a idéia de quea aceitação do "consumerismo" nosEstados Unidos é úma coisa pacata, masnão é. É uma contestação violenta! Temum cara, chamado Nader. que está sacudindoesse negócio, e todo um dispositivode defesa violentíssimo, inclusiveconsagrado em lei. O negócio não é tãotranqüilo como quem tem uma tropa decarneiros assim, que aceita esse bombardeioenorme dos meios de comunicaçãode massa, e masoquisticamente se dirige-"Zé - Não, isso não vai acontecer, vocetem razão; isso já está acabando, porqueé antinatural, antibiológico, antivida, é odomínio da morte, isso vai acabar. Comoacabou o nazismo, que foi a forma maisbrutal disso. Aj;ora estamos vivendo aforma mais sofisticada, pior; o nazismopelos menos tinha unia vedete, o Hitler.Agora não tem nem vedete, só tem máquina,não tem mais gente, acabou.Otto - Você lembra que eu disse que opróprio sistema cria seus antídotosZé - Cria, claro. A destruição total estánele. Total, absoluta. Não vai sobrarnada.Otto - Eu não tenho a bola de cristal,não sei, acredito que o homem -carneiro,completamente massacrado, é umaconcepção falsa. O que eu não entendifoi o problema, assim, em termos deantagonismo propaganda-teatro...


Zé - Não é só teatro. Cinema também.Hoje você não tem mais estúdios em SãoPaulo para óroduzir coisas que digamrespeito às coisas humanas. Tudo viroucinema depropaganda. E só o que se faz.Pegou toda uma geração. Inclusive opublicitário é u m sujeito que está muitopróximo do sujeito que pode informar,do informador. Foi tudo ''roubado" paradesinformar. No meu tempo de faculdade,eu era tão impressionado com isso,que escrevi uma peça a história de umpublicitário que durante o dia todo ficavano escritório das 8 às 7. Depois, à noite,metia-se a fazer política e tinha umjornalzinho político. Aí ele ia vendo, nomesmo bairro que ele fazia a agitaçãopolítica dele, ela era ridícula diante daeficácia enorme que ele tinha comopublicitário. Então era ele destruindo elemesmo...Otto - Você acha que a atividade artísticaoura e o exercício da profissão publicitáriasejam condenáveis?Zé - Acho o seguinte: tem muita artena publicidade, tem muita coisa bonita...Otto - Ah, bom!...Zé - Agora, no geral é uma porcaria.Claro, acontece muita coisa interessanteaqui e ali, que a beleza sai pelos poros...Você pode fazer uma câmara de gás linda,pode fazer um avião de bombardeiocom um "design" maravilhoso. Issopode ser, mas é uma beleza pela metade.Depois, a publicidade brasileira ainda émais incrível porque é uma cópia tambémda degradada publicidade americana.Ouase todo publicitário é um cultuadordas coisas americanas, compra aquelasrevistas todas, é uma coisa colonizada...Otto - já foi... não é bem assim.Zé - Não tem mais esse negócio dearte, inclusive.m Acabou o teatro, o queexiste é a arte de viver, é a vida. O quenós tentamos fazer no teatro e não conseguimos,porque está tudo fechadopara nós, não e agitação. Não estamosproibidos por censura por agitação política,por problema moral, por nada: éporque estamos querendo fazer um teatroque mostre a vida; que não persuadaninguém e que tente despertar em cadaum o que existe ainda de resto de serhumano. Catar todos esses restos, voltara compor a figura humana inteira, o personagemhumano inteiro. Que está acabando.O mundo está ficando insuportável.E não faço isso por dever, e umanecessidade biológica minha e que euacho que todo mundo tem. O publicitário,que está mais assim atolado nas careticesque ele inventa, no momento emque se sente mal, pensa que está com ofígado ruim, pensa que e coisa de psiquiatra,mas não é. É o ser humano deleque não está agüentando aquilo, queestá vomitando. Porque somos todosiguais, não podemos nos submeter esubmeter os outros a tanta violência. Issomarca a gente, marca nossos filhos. E játem toda uma geração que os filhosestão despertando como gente, e despertarcomo gente nesse mundo é deuma crueldade absurda. A sociedade deconsumo não suporta o ser humano,porque ela organizou tudo na base dafrieza. Ela tem horror, nojo, do serhumano. Ai, quando surge o ser humano.pá: Psiquiatra, prisão nele, bombanele, mata!Otto - Me parece que esse tipo decomportamento não foi uma invençãoda sociedade de consumo. O pessoal semata assim há mais ou menos quatromilhões de anos, né?Zé - Na sociedade primitiva o caramata, mas o trabalho aele, não. QuerOtto nasceu na Áustria,onde foi jornalista. Veiopara o Brasil em 49.É formado em Economia.dizer, tem o carrasco, tem isso, tem aquilo.Mas a sociedade de consumo é tãoorganizada num cinismo tal, que se a atividadefor inumana, anti-social, não temimportância; a matança faz parte do pãonosso de cada dia. A ordem cotidiana émáfia, é a matança. E é normal. E temaquela coisa, que boa parte dos publicitáriosé obrigada a inventar, é obrigada achiar, a ideologia do publicitário, que éuma ideologia feita de cima, que eu nãoestou vendo no senhor. Com toda a sinceridade.Publicitário, geralmente, éaquele cara fino, cheio de humor, cheiode sofisticação, cheio de cinismo, aquelesaco de merda - os que eu conheço.Aquela coisa não-cagada, aquela coisaque não foi para fora - irônica, aquelecinismo...- Otto - Me considero um cara razoavelmentesério. De maneira que esseargumento de que o que importa é sefazer bem... você não aceitou minhacolocação inicial de que talvez seja bomaumentar o elenco de opções em determinadasfases de uma sociedade. Souabsolutamente convicto de que para umprocesso de desenvolvimento brasileiro,rápido - que tinha que ser rápido - aindústria automobilística foi um fatordecisivo.Zé - Da criação de uma sociedade deconsumo, não do desenvolvimento.Otto - Novamente insisto no pontodas opções. Podemos voltar - desculpe,estou exagerando um pouco deselegantemente,- podemos voltar à Idade Média...Zé - Não estou dizendo isso. Inclusiveas opções, tanto existiam, que foi necessárioestabelecer um regime autoritáriopara permitir que fosse esse caminho;que se fosse maravilhoso não haverianecessidade de um Estado autoritário,que inclusive nem os publicitários gostam,que ninguém gosta.Otto - O que eu proponho não é bemummodelo, no sentido sócio-econômico.Mas você aceitaria que, eliminandoseos abusos obviados do processo, aconsumo-society - embora eu não gostemuito dessa expressão -, ela possa seautopoliciar e encontrar caminhos queelevem o homem àquela realizaçãoapontada por Erich Fromm? Você acreditaque esta sociedade, se autopoliciando,enfim, tem uma chance?Zé - Não, porque a essência dela éuma abstração, é o lucro, o dinheiro...Otto - Mas nenhuma sociedademoderna pode viver sem o lucro. Nãofaz diferença nenhuma se você chamaesse lucro de excedente ou de plus-valis.O que eu disse inicialmente me pareceverdadeiro: que toda sociedade técnica,que usa bens de produção, que produzmáquinas e essas máquinas produzembens de consumo... Você diria que adivulgação do consumo de leite atravésde uma campanha publicitária mereceriao termo de impingimento ou educação?A propaganda não pode educar?Você não da sequer esse direito a ela? Oconsumo de leite é desejável ou não?Zé - Depende. Se você quiser tomarleite, sim; se não quiser, não. Problemade leite, açúcar, sei lá... o cara não tomaleite porque não tem grana pra compraro leite, ou também não tinha leite.Depois, pior ainda: "Tome leite quevocê se desintoxica da poluição da cidade"...Não tem moral, a sociedade deconsumo quer ter moral, quer vender amoral, mas não adianta.Otto - Gostaria que você me apontasseuma sociedade com moral. Você aceitariao velho Robson, que disse "Ohomem é o lobo do homem"?...Zé - Pode ser que numa fase muitoatrasada isso aconteça. Mas, de repente,quando o homem é inimigo do homem,o homem é inimigo de si mesmo? Qualé?Otto - Bem, estou citando isso á exemplode uma coisa...Zé - Eu sou homem, mas não sou meuinimigo, eu tenho um amor incrível pormim/sou apaixonado por mim...Otto - Acho essa posição bastanteintelectual...Zé - Não é não, porque as pessoa*estão começando a se apaixonar por aipróprias, felizmente. Inclusive toda essasociedade diz que o que existe é aquelamulher loura, aquele cara com aqueleterno e gravata; ou você se submeteàquela coisa, usa aqueles produtos, usaaqueles fedores, ou você não é nada.Otto - Tenho centenas de amigospublicitários e diria que a maioria esmagadoradeles, ao exercer suas funções,não tem nenhuma consciente preocupaçãoideológica de manutenção do sistemade consumo; eles estão aí largandobrasa para vender da melhor maneira.Zé - Isso se chama - é um lugar comum- alienação. Você está alienado, masdivulgando uma ideologia, um estilo devida. Não tem a coisa separada, trabalharnuma coisa e pensar outra. Você é aquilo'que você faz!Otto - Tenho aqui na gaveta a aulainaugural de uma faculdade norteamericanade propaganda. O professorque proferiu essa aula abriu a coisa maisou menos assim: "Se um de vocês tiverqualquer preocupação ideológica deque esteja ou vá exercer uma profissãosocialmente condenável, conspurcadora,que aniquila a dignidade do serhumano, então pelo amor de Deus,levante agora e saia da sala". Eu concordocom você, mas como pessoa sensívelque inegavelmente é, deve admitir queéválido não ter essa preocupação. Porquenem todo mundo precisa participar dessapreocupação. Você entende o meuponto de vista?Zé - O que se vê é aquele cara, aquelainteligência sepultada ali, um cara escravoa serviço de uma mensagem quenemele domina mais. É muito difícil comunicaressas coisas que estamos começandoa sentir agora, este é um momento negroda humanidade, uma época escura, simplesmente...Otto - Essa é uma atitude um poucoescatoiógica. Mas não acho que haja umfim, você tem uma visão tremendamenteapocalíptica...Zé - Eu acho que estamos no apocalipse,tenho certeza absoluta... a "Casa aoSenhor"dabra!vai acabar, podes crer! Abraça-


"OQAUZAO"um jornal de serviçoj)ulho lQ74/n zeroDELINQUENCIOLOGIA:VESTIBULAREstávamos preparando nossonúmero 5, cjmo sempre debaixode um monte de problemas,quando provamos na pele querealmente desgraça pouca ébobagem: um ae nós foi preso.(Veja também Ex-15, "A Prisão".)Nosso Ex-4 tinha saído em fevereiro;a prisão aconteceu emabril; e o Ex-5 só conseguiu ir àsbancas em junho de 1974, com 4meses de atraso. Na sua página 3,dávamos esta nota:"A reportagem principal destaedição é de Hamilton AlmeidaFilho, um dos EX-editofes. O trabalhodele não foi programado.Claro, sempre esteve em nossosplanos fazer uma reportagemdentro da Casa de Detenção deSão Paulo, ou de outra prisãoqualquer. Só què isso não deveriaacontecer agora. Nem do jeitoque aconteceu."Ao virar a página, você vaiCerto dia, na cela que habitava no presídiode Presidente Wencesiau, encontrava-meà janela, absorto na contemplaçãoda paisagem que se visualisava aolonge. Localizada no andar de cima, enoslados em que o prédio tem suas janelasvoltadas lá pras bandas da cidade, acela proporcionava uma visão parcialvoltadas lá pras bandas da cidade, a celaproporcionava uma visão parcial nomundo livre. Estávamos em pleno verão.Com uma intensidade incrível; é o sole calor lhoje, sol e calor amanhã, sol ecalor depois de amanhã, e assim sucessivamente.A gente sente as característicasmetereológicas da Primavera, do verão,do outono e do inverno! E tudo numúnico dia às vezes! Era cerca de meiodia.Uma canícula terrível, sufocante,fazia transpirar até as paredes da cela,convertenao-a num forno angustiante.Além das muralhas, a pasiagem estavasob uma ofuscante luz amarela. O Sol,uma bola incandescente suspensa num'espaço de um azul cobalto reverberante,sem nuvens, incidia seus raios numa verticalde fogo enlouquecedora. No meiodeste braseiro infernal, um lavrador sulcavaa terra, manejando um aradomanual, pusado por lum cavalo branco.E o distinguia ainda uma casinha branca,com telhado vermelho, reverberante aoSol; um graríde coqueiro de um verdecinzento, que se destacava no cenário dapaisagem; duas árvores secas e um ipêamarelo, eclodindo numa exuberantefloração do estio.O que eu via, sugeria-me ora umaensolarada tela impressionista de Sis ley,ora uma torturada e vibrante tela expressionistada fase artesiana do grande cul-.tor solar, o alucinado e genial Van$pgh-Subitamente, um pontinho preto, rasgandoo espaço, projeta-se na minhadireàão, choca-se contra uma das gradesda jatiela, e cai no parapeito, provocandoum quase imperceptível baque.conhecer este mundo. Se já nãoconhece."Ao virar a página, o leitorencontrava um texto de HamiltonAlmeida; e vários outros textoscolhidos por ele dentro daprisão: crônicas, poemas, escritospor prisioneiros, cartas desuas mulheres, aqui agora reproduzidos.As ilustrações são páginasdo jornal Cadeão, feito dentroda prisão por Hamilton e peloartista gráfico Paulo OrlandoLafer de Jesus. Era um jornal deserviço para os 5.200 presos daCasa de Detenção de São Paulo(capacidade para apenas 2.500).O Cadeão, 2.000 exemplares, saiuuma vez só, e quando a experiênciafoi aprovada pela direção daCasa de Detenção, Hamilton ePaulo foram postos em liberdade.Absolvidos. Foi a primeira vezque um jornal morreu porqueseus editores, em vez de entrar,saíram da cadeia.A morte deuma abelhaAbsorvido que estava na contemplaçãoda paisagem, isso próvocou-me umgrande susto, despertando-me do devaneiono qual estava imerso. Curioso, firmeia vista no minúsculo bólide, e vi queo mesmo era uma abelhazinha, preta epeluda, que após segundos de completaimobilidade, se pôs a arrastar-se, exaustae trôpega, pelo parapeito da janela, agitandofrenetiçamente as azinhas, numadesesperada ^tentativa de alçar vôo.Logrou alcançá-lo, após muito insisistirneste objetivo, para em seguida voltar acair, desta vez para sempre: estava morta.Tal incidente, tão insignificamente -uma abelha que morre - deixou-medeveras chocado, por culpa de uma sensibilidademórbida, talvez, mas o fato éque vislumbrei, na tentativa desesperadadaquela abelhinha de alçar vôo, o própriodestino do homem que cai, se debate,se arrasta, cansado, ferido, mas mesmoassim não abandona o ideal que sepropôs a si próprio, se esforça, e lutapara novamente alçar o perdido e almejadovôo, morrendo até nesta tentativa,se necessário for, mas sem nunca abandoná-lo.DEMA"OGJDe^O"Senhor Diretor c companheiros:aCasa de Detenção de Sao Paulo,. esta aqui, onde vivemos, foi criada pordecreto em 1938. Prevista para ocuparuma area.de 8.357 metros quadrados,teve o seu pavilhão 2 ina uguradoem 1956. Hoje, maior de " 3e, 1 8 anosdepois,contando com os pavilhões 5,8,9 e o recem inaugurado 6 (em maio .ultimo), tem uma população que fazinveja a muitas. cidades doBrasil. Bastadizer que,entreas 3.592cidades brasileiras, 51 6tem meriòs dé 5 milum jornal de servíço/julholQ74/rrhabitantes. A Casa de Detenção atingiuuma populaçao superior a essa, pela primeiravezjem 4 de setembro de 1972;5.002 detentos. No. ano de 73 ,no balanço. final, terminou com 4.915 habitantes.Mas fo :i nesse ano de 1974, justamenteno dia 7 de maio, que batemostodos Os recordes carcerarios do Pais:5.241. E desde janeiro ate "agora,esse numero so tende aumentar.Ontem, dia 2 de julho, haviam aqui5.189 detentos. . —Infelizmente, essa. •*»—~ "Esse nosso projeto, encara essa realida_de^emborà estejamos zero . aqui ha apenas 3meses.Sua base e a necessidade de informaçãoque o ser humano tem, sejaele qual for, desde os dias da criaçao,principio dos tempos, quan,do boca-a-t5oca,"os mais velhos ensinavamos mais novoaTrata-se de.um jornal interno, de informaçãoe serviço direto. (Informar= v. t d.Dar informe, parecer, sobre;instruir;ensichega mais,na manha:nar;conffrmar;dar' informação,noticia a;.participar;comunicar;avisar;Tomarconhecimento;inteirar-se. )O jórnalismode serviço e aquele, cujo seu conteúdoesta na necessidade real e imediatatada' informação por parte de quem le.Acreditamos que as pessoas destaCasa tem essa necessidade —- de umsem numero de informaçoe.s, para que,-mesmo cumprindo as penas impostaspela Justiça,saiam daquipela informáçao(Seguere-educadas'"51L m19 •mJ S . . mJá levei pela cara que nãosou ninguém, sou presoPreso. Bacana, né? É, sou preso porque souladrão de profissão e ambicioso por natureza.Atualmente estou cursando o vestibular dedelinquenciologia na maior Faculdade daAmérica Latina, e que é o orgulho desse enormeverde-amarelo." Já estou há quatro anosaqui e admito que é de grande proveito esseenclausuramento, pois já me especializei desdeo suborno de funcionários até ao estouro deuma burra sem dor.Como todos os burguezinhos, vocês devemsaber o grande número de alunos aqui, não? Senão sabem, leiam o jornal de receitas alimentíciasque ultimamente vem curtindo essa chinfra.Somos 5 mil e trá-tá-lá (digo trá-tá-lá porqueé impossível dar o número exato, poistodos òs dias chegam 20 ou 30, mais ou menos).Esses velhinhos da Execuções não gostam dedar diploma aos internos. Sabem como é né?Eles têm que ficar virando prontuários, vendovida pregressa. Geralmente o aluno têm algumaarbitrariedade cometida nos 10 ou 12 anosaqui; isso, sabem como é, complica. E depois,pra que mandar os meninos embora, se logoeles estão de volta? É melhor não fazer das tripascoração e passar as tardes nas salas refrigeradascom cafezinho e minerais, esperando acompulsória: o útil e o agradável.E agora com os preços - do Chivas, RoyalLabel, das camisas de seda, gravatas - altoscomo estão, deve ter diminuído a fila de familiaresdos alunos que vão lá a fim de presenteálospara que seus filhos ou maridos saiam maisrápido.Mas, de maneira geral, aqui é muito bom,muito humano, muito movimentado. Quemdisser o contrário, mente. Os nossos funcionáriosfazem todo o possível para nos enobrecer(apesar de às vezes eles quererem cantar nossasmães, irmãs que aqui vêm). Mas, tudo élucro. Eu, de maneira particular, gosto muitodos funcionários: é só .dar um ministrinho praeles e tudo bem. Quanto ao mal psíquico queessa digna sociedade cristã está me fazendo,não tem importância, pra mim tudo é lucro,não tenho filhos, não tenho compromissos. Semorrer? Pra que viver a vida só desejando ter omelhor, não ser, não ter?Desculpe, chapa, mas não sei bem se é egocentrismo,mas só sei falar de mim, de minharevolta, do meu nojo, da minha covardia, porquese eu desse vazão aos meus anseios já teriabebido o sangue de muito f... da p..., mas mevejo obrigado a por a mão pra trás e acatar asignorâncias é sacanagens. Como vocês sabemisso é uma cidade onde tudo é frio, é individual.Mas a vida está aí, logo serei gente novamente(digo gente porque já lévei pela caraque n|o sou ninguém, squ preso). Mas sairei,voltarei, e dessa vez vai ser mais cruzeiro.Quero ter dinheiro para ter liberdade, comodidade,respeito. Não sei se isso me trará felicidade,mas eu prefiro à ordem e progresso dopobre, lutando como rato por um sortido dodia-a-dia. Posso estar errado, mas quem é certo?


'"OCADZAO"BOLA21lentil Cardoso, ex-te.cnico, falecido, um dosprimeiros brasileiros a virar treinador(o ^futebol foi trazido para o Brasil 'por um inglêsCharles Mijiler), inventou uma frase,que virou maxima:Quem deslocareceite;Quem pede tem preferencia.Agora, com vocês, uma frase ouvidaaqui dentro. Pode falar, Lupercio(locutor doâ jogos do-Pavilhão 2)o Lupa, o Mala, o. Belo; pode falar:"SEGURAQUE É SUUUA,PORTUGUÊS*?O futebol e a recreaçao total ^daCasa:todos os pavilhões temcampos, clubes, federações, juizes,jogadores e grande quantidadede torcedores. O ano inteiro., nahora do Sol (arejamento) saodisputados os campeonatos, torneios.Ha os jogos oficiais e os nao:os de gansos, xadrez x xadrez, setorx setor. Por tudo isso, bola e a"maior seção do jornal. 'Numa carta:amor é a vida.A David Laginhas, Av.Cruzeiro do Sul, n


Aconteceu no sertão baiano, Jequié, 340 km deSalvador. Um raio caiu, o menino Secundo José dos Santosficou desatinado. O delegado da cidadedecretou: chiqueiro nele. E a família acatou.LOUCO DEIXOU IRMÃO29 ANOSPRESONUMCHIQUEIROOs donos do mundo e do destirvpde Secundo: Antônio José dos Saltos,seu pai; Petronílio José dos Santos,seu irmão; Tenente Mota, delegadode Jequié em 1943.O CHIQUEIRO:Dois metros quadrados, toros demadeira, formiga e bosta. No seuinterior um bolo de carne uivante:Secundo, ex-louco furioso, apodrecendosua loucura. 29 anos de espinhadobrada, uivos e masturbaçao.Esta história tem começo mas ninguémsabe o fim, apenas uma passagemde um chiqueiro para outro. Emoutubro de 1972, Secundo foi transferidopara um depósito de loucos nacapital,- Quem é que manda em sua casa,homem? Faça um chiqueiro e botaeste homem lá dentro! Lugar de loucoé no chiqueiro!(Tenente Mota em 1943, falando aopai de Secundo)"... CONTAR O TEMPO NÂOCARECE ..."(Secundo, unhas de lobisomem,dedos comidos por bicho de porco,na véspera de sua viagem para o "JulianoMoreira", em Salvador,outubro de 1972).UM SANATÓRIO SERTANEJOUm chiqueiro é um pequeno cercadofeito de toros de madeira ecoberto de palha. Pouco espaço porquea gordura do porco depende dopouco movimento que ele faz dentroao chiqueiro. O chiqueiro é um lugarde engorda, de inchação.Já foi também lugar onde se guardavao medo e se aplicava justiça. Ajustiça da normalidade contra a loucura.Secundo José dos Santos foi umlouco justiçado num chiqueiro. Ficouapodrecendo na gaiola de 1943 a1972, quando um jornal de Salvadordenunciou o fato. Até então poucossabiam que um homem, sentenciadopelo medo de sua família, lutava contrauma prisão absurda encravada nacaatinga e guarnecida pela lei primitivado temor ao desconhecido. Domedo do louco, do cachorro doido,da raposa azeda.SE CACHORRO ROMPE ACORRENTE A CULPA É DO DONOEm 1943, um raio rachava a famíliade Antônio José dos Santos. O mesmoraio que desagregou a mente deseu filho Secundo ameaçava a segurançaregional. Todos temiam o loucoSecundo que começava a cometerdesatinos.Surge na história o senhor inquisidor.Um homem sem capa preta mascoberto com a farda da polícia militar.Tenente Mota, delegado deJequié, o homem que tinha a chaveda cadeia pública e idéias para criarpequenos chiqueirinhos, sanatóriosdomiciliares.A família do Secundo ouviu asordens do tenente. Construíram ochiqueiro e enjaularam ó filho misterioso.Mas a jaula era fraca para o louco moço. Um, dois, três. Secundoteve forças de destruir 3 chiqueirospara se render no quarto. De torosmais grossos e pedras bem pesadas.PETRONÍLIO, IRMÃO E GUARDAO chiqueiro foi construído na rocinhade Petronílio José dos Santos,irmão do louco. A 8 km. do chiqueirode Secundo surgiu a faixa escura daRio-Bahia, para carregar seus loucosem gaiolinnas de ferro e rodas deborracha.Em frente do chiqueiro de Secundo,guardada a distância para apagarseus uivos e diminuir o fedor da bosta,ficava a casa do seu irmão Petronílio.Petronílio, preto brilhante, analfabeto,ingênuo, covarde, pai de umarinha de secundinhos barrigudos,famintos, nus. Casa de taipa, chãobatido, fedor de bosta de menino.Menos azeda que bosta de doido. Avoz de Petronílio, guardião do irmãobicho:- O que a gente podia fazer? Ia deixarele fazendo desatinos no mato,acabando as feiras, capaz de mataruma pessoa? Dinheiro a gente nãotinha para mandar ele para um asilo. Etinha que ficar alguém tomando conta,dando de comer a ele...ESTRANHO, LOUCO NÂOENGORDA EM CHIQUEIRO!Secundo não engordou nos 29anos de cativeiro. Não podia se movimentar,a altura do chiqueiro nãopermitia que ele ficasse em pé, mastalvez pela pouca comida ele nãoadquiriu a opulência flácida dos porcos.Sabugo de milho» bicho de porco,licuri, pão seco. Mas o pouco movimentoda prisão lhe conferiu a passividadedos loucos românticos, repertóriodos justos. Bobos?Os filhos de Petronílio eram visitasconstantes deSecundo. Encostavam acabeça entre as madeiras e conversavàmcom o tio-bicho.Secundo quase não falava, murmurava^fazia caretas infantis, cantavapra lua. Quieto, Secundo ensinava ascrianças que neste mundo lugar delouco\é no chiqueiro. Que oshomenV normais são os donos absolutosdo ^estino dos loucos. Que olouco é menos perigoso do que omedo.Secundo ensinava às crianças queno chiqueiro também se vive.Comendo bosta, corpo coberto deformigas, olhps inundados de remela.Secundo ensinava às crianças queo homem se acostuma a tudo. Os quefazem os chiqueiros e os que vivemdentro dele.O CHOQUE ELÉTRICO É CARlCIAPARA QUEM PASSOU 29 ANOSNUM CHIQUEIRO?As autoridades de Jequié sentiramseenvergonhadas depois que correua notícia de que te m próximo dali umlouco estava preso, morrendo à míngua.Para que Secundo saísse foi precisodestruir o chiqueiro. Não haviaportas.Ele foi arrastado e jogado numcarro fretado pela Prefeitura e o "arrôtary"club. Horas depois abria-seum portão e Secundo ingressava noJuliano Moreira.O Juliano é um depósito de loucosexistentes em Salvador. Ocupa umquarteirão inteiro e foi modulado apartir de um casarão secular. Hoje dáimpressão de um cruzamento deengenho de açúcar com orfanato,albergue noturno e depósito decereais. A sua localização desenha omapa da obscura paranóia urbana,contida e recolhida entre encostas eapartamentos financiados por umavida inteira: O Juliano ocupa umaárea circular, completamente rodeadopor pombais do BNH. Sua populaçãoatual é de 700 internos. A dospombais deve ser de 10 vezes mais.Os pombais têm suas solitárias e oschoques rede globo. O Juliano temseus corredores, suas alas, seus fioselétricos e uma divisão radical: a pátriados tuberculosos e o país dosnão-tuberculosos.E para lá foi Secundo, saído do seuchiqueirinho. A terapia do sertãocontra os dragões elétricas dos sanatóriosurbanos. E agora Secundo?SERA QUE FIQUEI MALUCO?Secundo estava acostumado à solidão.Preso no seu chiqueiro estavaentregue somente aos seus fantásmas.Lá não tinha choque elétrico,pílulas, nem injeções de fazer bonecosduros, babões, e de olhos esbuga-Ihados. Lá tinha bosta, bicho de porcoe uma imobilidade total. As situaçõesem parte trazem semelhança, aincapacidade perante a loucura.Os diques, os açudes para conter odesaguar de águas perigosas. O quepode ter passado pela cabeça deSecundo depois de arrancada do seuchiqueiro e lançado no meio dedezenas de outros seres angustiadose torturados pelos métodos de sanatóriosurbanos? Talvez ele tenha pensadoque enlouqueceu...DEPOIS O BRANCO... OU O PRE-TO, OU O BURACO. AFINAL, ISTO ÉE NÃO É UMA FÁBULA.Existem agora poucas noticias doSecundo no Juliano Moreira. Umporteiro barrigudo, filão de cigarros,que barra as pessoas na porta, diz queele foi embora. Terá voltado para ochiqueirinho?E assim a história de um louco contido,preso e torturado em 2 chiqueirospela justiça terapêutica... oencontro e o conflito da lucidez e daloucura. Um homem preso num chiqueirocom um bicho do mato. Umhomemencolhido num sanatóriocomo um bicho da cidade.Entre os 2, e o mesmo homem, oestigma da loucura.29 mais 29 mais 29, tudo igual. Acastração. A morte. O nascimento.Secundo José dos Santos, durocomo um jumento. Forte como umlouco que assombra a passividadedos mortos-vivos. Existirá sempreuma jaula aberta-fechada para engulirum louco? Secundo, responda!Grite de dentro de seu chiqueiro!(e aqui morre o papo porque eu jáestou ricando bêbado).Texto de João SantanaFotos de Juvenal Silva


"PORQUENÃO MATAMOSLOGOESSAGENTEI S?"Roger Gentis, psiquiatrae humorista francês,* ~é o autordesta propostaEu juro que, se amanhã se falasse naFrança em liquidar, por meios brandos,50 a 80 mil doentes mentais e alienados(há um número bem maior emhospitais e outras instituições, porémnão podemos reduzir à inatividade asmilhares de pessoas que trabalhamem saúde, e, além do mais, há os sindicatos),milhões de pessoas considerariamtal idéia justa, e falariam de suarealização como de uma obra humanitária,e haveria quem seria condecoradopor isso, legião de honra etudo mais.Afirmo que haveria psiquiatras dispostosa organizar a relação dasdoenças passíveis de eutanásia, e aselecionar pessoas segundo esses critérios;poderiam ser catalogados,haveria comunicado às sociedadescientíficas. E entre enfermeiros, administradores,assistentes sociais, todosaqueles que tratam dia a dia dosdoentes mentais, friuitos deles topariamdesembaraçar os hospitais psi-3uiátricosde um grande número deoentes crônicos, ditos incuráveis,mesmo que isso permitisse apenasque se tratasse melhor dos restantes efosse dada a eles a chance de cura.Eu insisto sobre as vantagens reaisde tal projeto, sobre as intenções muitolouváveis que poderiam justificálo,sobre os excelentes sentimentos, asincera compaixão pelos doentes queo acompanhariam. Sejam auais foremos escrúpulos que nos assaltam quandoencaramos frente a frente, semestarmos preparados, a idéia de aplicartal golpe aos doentes mentais, nãodevemos crer que a execução de talprojeto seja verdadeiramente dolorosapara qualquer um de nós após certoamadurecimento e consequentementepreparo técnico - nessas ocasiõesnão se improvisa.Estou certo de que cada um lhe darárazão, e mesmo muitas famílias ficarãoagradecidas, sem contar que umaparte não desprezível do déficit daSegurança Social seria absorvido: quea psiquiatria ficaria aliviada, que issopoderia ser o início de uma nova eraterapêutica cheia de promessas - ésempre permitido sonhar... Enfim, osdoentes que sobrassem, quer quisessemquer não, seriam mais bem tratadose por menor preço.Como objetar a isso? O que maisaflige nesse projeto, creio eu, o quecria o preconceito nas pessoas é o fatode Hitler já havê-lo feito, e sua detestávelreputação deixada na Europa éiembrada por alguns até hoje. (Emoutros lugares, isso se deu mais simplesmente,não sendo nem mesmonecessária a aplicação de medidasparticulares: na França, por exemplo,durante a ocupação, a fome, por si só,matou muitos dos milhares ae doentesnos hospitais psiquiátricos.) SeHitler tivesse agido com menos precipitaçãoe mais sutileza, não estaríamoshoje onde estamos em relação aesse problema. E a "eutanásia justa"dos doentes mentais - da mesmamaneira como se fala em "bomba justa"- teria podido aliviar nossa sociedadede um fardo dia a dia mais pesado.Eu desafio todo diretor de hospitalpsiquiátrico, todo administrador daSegurança Social, se ele é verdadeiramentesincero consigo mesmo, anegar que tais idéias tenham algumavez atravessado seu espírito.Se, de resto, no século 19 e no iníciodo nosso, não se examinou a possibilidadede recorrer à liquidação físicados doentes mentais, foi indubitavelmenteporque o problema não tinhamaior expressão econômica. Além domais, ç sistema ainda não estava tãocorrompido. Mas, acima de tudo, nãohavia de fato necessidade de matálos;era bastante não vê-los.


PRETOÉ GENTE*CAMPANHA EXCriada desde o Ex-1, esta campanha só estreou no Ex-12, em julho último. Opersonagem escolhido foi Patrice Lumumba, líder africano. Nascido em 1926,Lumumba dedicou a vida à libertação de seu país, o Congo Belga. A independênciaveio em 1960, quando ele se encontrava preso. Liberto, assumiu o cargode primeiro-ministro do novo país - Zaire. Mas pouco depois, a mando doscolonialistas europeus, foi seqüestrado; e dois compatriotas seus (o entãopresidente Kasavubu e o chefe do Estado-Maior da Armada, Mobutu) friamenteentregaram Lumumba às tropas mercenárias de Katanga, que o torturarame assassinaram a coronhadas e golpes de baioneta. Degolado, sua cabeçafoi enterrada perto da aldeia onde nasceu. Isto aconteceu em fevereiro de1961 e Lumumba tinha 35 anos.Nas páginas seguintes, outras Vozes D'África: são as cartas de leitores dojornal Voz Africana, de Lourenço Marques, Moçambique. Criado em 1962pelo jornalista José Capela, o jornal (4 paginas) muitas vezes saía apenas comas cartas; pela primeira vez na história, e em língua portuguesa, o povo negrode Moçambique falava de suas vidas, de seus problemas mais comuns, como odireito de encner a cara no bar sem ser escorraçado pelos bêbados brancos. Asilustrações das cartas mostram outro preto: Pelé. As fotos da página 22 foramfeitas em Três Corações, MG, na rua onde ele nasceu, a rua da "zona", hojerua Edson Arantes ao Nascimento, ou rua Pelé.* Criação: Sérgio de Souza


Soares queature osbêbadosO que estou a lamentar é o seguinte osbêbados de Nampula precisam de serdefendidos, um dia tui eu beber no bardo Senhor Pinto Soares e outro meu amigoque estava sentado ao meu lado levoubofetadas pontapés socos e mais muitascoisas que são utilizadas para alejar umapessoa ou para castigar uma pessoa quemerece castigo.Eu como bêbado apeío para as autoridadescompetentes para ver este caso denós os bêbados (nakhajus) para sermosprotegidos, porque o Senhor PintoSoares precisa do dinheiro e o bêbadoprecisa do vinho. Pinto Soares .é umapessoa educada e o bêbado não e.Eu sei muito bem que nós alcoólicosquando estamos grosso talamos mal esem respeito, mas mesmo assim podiahaver proteção nos bares de Nampulaporque eu vi muitos brancos nos barespróprios da cidade bebem e ficam grossosaté out/os recusam de pagarem, masnão são maltratados. E porque nós no Bardo senhor Pinto Soares somos mal tratados,se eu não vou beber no hotel Portugalé porque tenho receio lá também vaio meu patrão tomar café agora eu nãoposso sentar junto com meu patrão, porqueamanhã se eu pedir aumento patrãovai dizer que o dinheiro não te chegamas tens pará gastar no vinho é por essarazão que eu gosto de beber no SenhorPinto Soares e no Senhor Martins, porquelá tenho os meus amigos da minhaclasse eu podia ir no hotel Portugal ondepodia ser respeitado mas as razões meimpedem são esse que eu escrevi bemacima desta carta, porque sei que emterras portuguesas não ná distinção só osenhor Pinto Soares é que quer semearódio entre o Portugueses e negro agradeçomuito e peço as autoridades paradefender os bêbados negros de Nampulaque estão desprotegidos, além de gastaremo seu miserável salário por cimaleva murro de Mucunha (Nota: branco,europeu).Pinto Soares, estamos no século vintee o senhor tenha Paciência porque dizuma História dos nossos ante passadosque, quer chuva tem que agüentar lama,senhor Soares que dinheiro então queature os bêbados se estou a mentir queum dos leitores de Nampula desminta oo que eu escrevi.a) Sou eu um dos bêbados, I.K., padeironesta cidade de Nampula.Encontrocom umavida viuvaNão se preocupe com os meus erros,porque sou pessoa de pouco estudo. Ocaso que me levou a escrever esta carta éa seguinte:Realizei o meu casamento em 25 deSetembro de 1966, com D. Sáfe Muchidãoda regedoria M'boi conselho deNamacurra. E com auxílio do "NossoSenhor", a Senhora gravidou-se no mesde janeiro do ano seguinte. Como eusou catiquista de Maumetanos, fui navila de Macuba onde encontra empregadona Mesquita dessa vila.Passando uns dias, da minha deslocaçãode Namacurra para a Mocuba aminha esposa deu luz. uma criança desexo masculino; e no dia 22 de junho de1967 com os dores de barriga que sentia,às 22 horas faleceu junto com a criança. Eno dia seguinte às 8 horas recebi telefoneque dizia a sua mulher deu luz. Passandouns momentos depois faleceu e acriança. Eu a ouvir aquilo fiquei 3 horasdo tempo, completamente na aparênciade um maluco, porque não tinna o quefazer enem chorar. Porque era uma coisaque eu não esperava agora.£ no dia seguinte num sábado tomeicomboio para a minha terra encontrei ocadáver sepultado. Depois de 3 diassegui para o trabalho, foi uma disgraçaimensa porque encontro-me com umavida viúva.a) A.C. Aboro, natural de Namacurra eresidente em Mocuba.


Meninas de6 e homensde 70O motivo que me levou a escrever estacarta é a seguinte: Munhama, é pior!...Munhama e tão pior que outros. Postosou circunscrições que se encontram emtudo Moçambique.Senhor director, e amigos leitores,este costume tem em toda parte? Masaqui é tão pior. Nessa região não seencontra uma menina de 4, 5. 6 anos deidade não têm o seu marido, senhorDirector, isto está justo? O pior oshomens que as ocupam, são aquelescadetes, isto é, de 59. 70 anos de idade.Senhor Director, despejando água no5 litro pode acabar numa garrafa toda aágua? Porque que não acabe toda? Não éda medida que não é a mesma? Eu perguntoum desses homens a razão quecasam-se com uma meúda tão pequeninaassim sabe a resposta que ele me dá? Éesta: eh pá, quero gozar o mundo. Nãosabeis disso? E torno-lhe a perguntaroutra vez quando há de crescer e anoscom ela tirarás filhos?Sem vergonha aquele homem analfabetome responde: Ah! não sabes queuma menina quando dorme com umhomem cresce depressa? Portanto, eufaço crescer essa menina. Senhor Director,um homem pode fazer crescer aoutra? Senão, conheço Deus e que podefazer tudo e fazer crescer coisas criadas.Nesse caso os culpados são os pais dasjovens que as autorizam casá-las.a)G.A. dos S. Ramos Munava, natural eresidente em Munhamade.Canetaspara enganarmulherSou auxiliar de recrutamento daSociedade Mineira de Marropino, Ltda.Senhor Director, peço pouca linhaspara escrever poucas palavras. Eu sei quesão palavras que pouca gente vai gostar,mas enfim vou escrever. Admiro muitocomo Senhores, sem habilitação e semcurso algum, chegam a enganar um amigoou umas amigas, só por ele saber vestirbem e ter muito dinheiro passa aenganar os outros porquê? Eu fui sempreatrevido de ir nos danços. Nestes dançosmuita gente chega a enganar mulheresdos outros dizendo que deixe o seumarido, porque ele é uma pessoa semserviço, ao passo que eu tenho muitodinheiro e quero casar contigo. Muitasvezes esses Senhores trazem nos bolsosdas camisas 3 canetas ou mais quandonão sabem ler nem escrever até nemcontar até 5. Sim, quem não sabe ler eescrever a caneta serve-lhe de chiban(Nota: enfeite)Afinal, uma pessoa pode ir na caçacom uma arma quando não sabe atirar?Amigos e Senhores tenhais respeitocom as mulheres dos outros mesmo queos maridos delas sejam pobres; deixaiestar com a pobreza dele e a mulherdele. Desculpem Senhores, sim? Vouterminar porque se continuar a escreverfou ofender-vos.a) A.V.J. Nipuenha, 32 anos, natural doAlto Molocue.A quenão sabiase lavarO que me obrigou é o seguinte: Eutinha casado com uma mulher que nãoestava bem instruída nem ela sabia tomarbanho nem pelo menos lavar as sua própriasroupas. Mas como eu sou umnomem de pouca memória, ensinei-acomo devia ser - e em 1964 sai para VilaCabral onde acabei 8 meses e recebi umacarta enviada por meu sobrinho a dizerque a tua mulher casou-se com outrohomem e quando a li fiquei muito aborrecidopor causas das coisas que andei aestragar para ela nem me escreveu a cartaa dizer que estou casada com umoutro homem e se não fosse o meusobrinho eu não devia gastar mais coisaspara ela? E venho aconselhar a todosmeus amigos, se uma pessoa casou nãopode gastar tanto material, porque queas mulneres africanas não têm certeza.a) Alberto Francisco Muchia, 24 anos,residente em Vila Cabral.


Escolasem mulhernem filhaO caso é o seguinte:Vou contar uma história; a minha mãefaleceu no ano passado mes de abril efiquei sozinho como órfão da mãe. Entãopendei de ir ter com Professor LucianoNapassa para que eu fosse matriculadona pré-primaria" e ele aceitou o meupedido, no de Maio comecei a estudar.No mês de julho fiz exames e passei paraa primeira classe. Outra coisa: antes de irpara a escola, um dia veio o meu amigoPaulo que me disse o meu amigo Valentimnão queres ir para a escola; Eu disselhenão, então ele disse-me tu és burro;não sabes que a escola é coisa boa? eu fuiter com meu cunhado Alberto Maita seera verdade aquilo que o rapaz disse-mee ele respondeu sim senhor.Mais outra coisa; antes de entrarescola tive uma mulher e com ela tiveuma filha, depois quis abandonar ir paraescola. Deixei a mulher para se eu possoarranjar a minha vida e família, porque ohomem não pode agarrar duas coisasapesar de ter duas mãos.a) Valentin Cassiario Laissa, 19 anos,natural de Mauá.Quer voarmas nãotem asaO que me levou escrever esta, é oseguinte: É sobre o que muito vejo e namesma despercebo. Portanto, sendo eude poucos estudos estou na falta desaber muitas coisas que no mundo actualestão passando. Desta vez primeiramenteé uma pergunta. Porque será que hojeem dia ha muitos divórcios? Vejo muitosdivórcios e não percebo como é que sãomotivados. Sera que há falta de tratamentodos homens nos lares? Talvezque não. Eu percebo ou para bem dizervejo que muitas mulheres, logo dois oumais meses após o seu casamento, e bempercebo de que este homem quer vivercomigo continuamente, começamentão fazerem muita coisa contra o marido,para este aborrecer-se mandá-laembora. Acontece que muitas vezesapresenta queixas às autoridades de queo meu marido fas-me isto ou aquilo, oque é muito mais que uma mentira, e noque também a autoridade aprova seremfalsas queixas. Quando, depois de notarde que não há meio de haver anulaçãoperante a autoridade, então chegando acasa, pronto sai da casa, depois de tertido muitas mentiras contra si, sinal dearranjar vergonhas só.Mas depois, pensando de que vai vivermelhor, nada disso, só chega viver navida que não lhe dá nenhuma satisfaçãoa si nem aos filhos sei caso ter. Eu mesmoque falo estou hoje a onze anos de casado.Matrimonialmente, e que julgava deque estou vivendo bem com minhamulher e filhos. Mas hoje em dia aconteceque a minha mulher está afastando deDona de casa, parecendo uma louca,que até mesmo quer voar. mas não podeporque não tem asas. E, de boa maneirapercebe de que quer fazer o mesmo quefazem outras. Mas a desgraça que medeixará e dos meus filhos pequeninos,que ainda não percebem o que é a vida.Portanto, caros leitores, aqui terminou aminha carta que penso que talvez nãoofenderá a ninguém, só estou a lamentara vida das desgraças que nos encontrammas por meio das nossas companheirasque mal sabem viver.Querem viver bem, mas não sabemcomo é que se vive'a) Baciant Capate, natural e residenteem Murrupula, cozinheiro.Um timeinteirona cadeiaO que me levou a escrever esta amávelcartinha é o seguinte: um dia destes estivemosnuma reunião a conversar, edepois apareceu um rapaz chamadoCândido Mussuma, ele estava a dever oMatias 3,00 e o Matias viu que há tantosdias que não o pagava seu dinheiro, foiem casa da mãe do Cândido edisse-lne oseu filho deve-me 20,00 e não quer mepagar e a mãe do Cândido deu 20,00 eele foi embora com grande alegria esatisfação. E daí os passos chegou a Can-


dido a casa da mãe, ele disse que estavaaqui o Matias a pouco tempo, disse quetu devias 20,00 a ele e eu paguei-o já sefoi embora. E o Cândido dali não falounada. Foi a caça do Matias afinal o Matiasjá tinha chegado naquela reunião ondeestavamos, e de momento chegou oCândido de tantos nervos foi no bolsodo Matias tirou 20,00 e deu o troco deleque era 3,00. E dali o Matias não resolveunada foi dar queixa no Comissariado dePolícia, disse que há um rapaz chamadoCândido Mussema, que encontrou-mesentado e tirou-me do meu bolso o meudinheiro 37,50 sem motivo nenhum.E o senhor chefe de polícia disse aocipiai que lhe acompanhasse ir buscar orapaz que arrancou-me o dinheiro eeste. E o cipiai disse que vamos lá e vocêstodos que são testemunhas, tambémnão podem ficar; e nós não recusamos aordem e fomos todos.Quando lá chegamos, o tal Matias quenos disse que vocês vão sertestemunhas,quando o senhor chefe de polícia perguntou-lhepara que esta gente toda. Eleaisse que são patoteiros e dali não resolveunada; fomos todos na prisão.Era eu o meu primo Afonso Alcofa,Amade, Essumaila, Braimo Mugatra, Portugal,Madeira, lacumba, Aiuba Vali, e osdois únicos milandeiros que são CândidoMussema e Matias Oma Braimo. Éramosquase onze rapazes que completávamosuma linha de futebol. E no mesmodia lá na cadeia o amigo Afonso Alcofa,disse-nos que eu vou sair daqui semtomar banho, nem lavar a cara nem limparos dentes e nem caçar enquantoestou a comer e nós dissemos que vamoslá ver e numa noite dessas, acabou porcacar nas calças.Hoje eu tive o meu dinheiro na algibeira50,00 foi roubado de noite eenquanto estive a dormir; pelo senhorAmade um nosso companheiro quefomos juntos pra cadeia com ele sobre omesmo milandro. Assim meus caros leitorestínhamos ficado sete dias na cadeia(na gileira) e todo dia logo de manhãcedo quando iamos climar e aquela nossapena acabou e cada um de nósgannou 10 palmatórias e eu que era maisnovo só deram 6. O tal Alcofa, que cacounas calças tinha deixado as mesmas calçasno calabouço e mandou a Essumailair buscar e prometeu-lhe 5,00 até agoranão lhe deu. Caros leitores acham queisso é bom o que nos fez o nosso amigoMatias e o que fez Afonso Alcofa aoEssumalia?a) Manuel Assuene, natural de Moma eresidente em Antônio Enes.Três rapazesse meteramcom umaUma noite depois de ter saido do trabalhoencontrei uma menina. A meninadesceu do machibomboe dirigiu-se paraa casa dela.Eu vinha em direção oposta da menina.De repente apareceram tres rapazesque se meteram com ela. A menina tinhamuito medo daqueles rapazes. Os tresrapazes já mencionados pretendiam seapoderar da menina. Então eu me aproximeie perguntei se todos eles pretendiama mesma menina.Ora isto não está certo pois como deveser é, uma rapariga e um rapaz, e umarapariga e tres rapazes. É triste que aindase vejam ainda estas cenas na nossa pacíficacidade. E por hoje é tudo. ObrigadoSenhor Director.a)Luiz Agostinho, solteiro, 16 anos, naturalda Mopeia e residente em Bera.Casado edescasado4 vezesEu admiro muito uma coisa que mefaz admirar é o seguinte quando eucasar, uma mulher, toda gente gostadaquela mulher. Casei com quatromulheres, todas essas mulher, toi todocabaçoadas com migo não arrancar, osmeus amigos falei primeiro aos pais ecasei. Quando são solteiras ninguémgostava, basta casar. Já abri caminho parao povo. Agora canssei-me porque nãofoi só uma vez, já as quatro vezes, da Vfui arrancado por um amigo; e a 2 ? foi omesmo da 3 ? a mesma coisa, 4* foi mesmo;Assim é justo? Se eu fosse leproso,essa gente podiam gostar de arrancar a simesmo para eles ficar leprosos, queridoSr. faça o favor, de respeitar a mulher dooutro; a quem esta casado com leproso.deixa, ficar com a lepra dele a que casoucom a boa Vida dele foi Deus, é que lhedeu ser pobre ser rico todo foi Deus.Senhor Director, aqui no meu localidadede Meculi, estamos muito emprega-


w PRETOÉ GENTE 1CAMPANHA EXISSESÍSSSrSSÇ 1 - — - -• Criação: SéíRio de SouzaIdos, cada qual trabalha e, ganha o seupão.Mas eu no dia que arranjo 1 ou 2 kg dePeixe, toda gente me trata de ser amigocomeçam a amirmurar, me assim é bomSenhor Director?a) Alberto Ossofo Sumail, casado, 37anos, residente em Mecufi.Europeu daÁfrica nãoé africanoSegundo esclareceu a Lina Magaia,afirma-se quando o africano - Africano éum indivíduo nascido na África, assimcomo um europeu, é um indivíduo nascidona Europa. Da mesma forma é umAsiático aquele indivíduo que nasceu no"Continente" que os homens chamaramAsia.Sim! Africano é um homer» nascido naÁfrica, qualquer dele do corpo humano,não importa a cor. Ora neste Mundo deDeus e dos homens, há simplesmentequatro raças principais. Deus lá sabeporque fez isso; mas deu a cada uma dasraças um vasto Território, que é chamadopelos homens, de "Continente".Temos agora um problema, de (pretoe branco).Raca africana é o que tem a pele escura,cabelos em carapinhados, etc. e europeué o que tem a pele clara, cabeloscoloridos e compridos, etc.Sentimos ser ofensa, dessas duas frases,de (preto e branco); porque mesmoo nativo africano, não é tão preto comomuitos europeus exageram; assim comoum europeu não é tão branco quanto sejulga. Suponhamos: preto é o carvão,uma coisa sem vida; branco é cal, umacoisa também sem vida!È português todo aquele que pertencea Nação Portuguesa; é americano todoaquele à Nação Americana, sem importaros casos de outro nascer na África eoutro na Europa, isto já é secundário ouvoluntário. Porque cada raça tem o seuponto, que é tal "Continente", que Deusdera, segundo vimos atrás.Chamamos africanos aqueles queDeus os deu o "Continente cognominadopor África, europeus aqueles tambémque Deus os deu a Europa, Asiáticosos da Ásia e americanos os da América.Quanto as nacionalidades, cada qual nãodeixa de ser aquilo que é.Embora que ele nasce na Europa, odito africano, ou noutro Gontinente,não deixa de ser escuro, assim como umeuropeu natural também da África, nãodeixa de tomar a sua respectiva claridadesegundo a origem de cada. Por isso sefosse possível, para evitar dessabor sentimentaisde muitos, e haver agrado atodos, na família Portuguesa, era convenienteesquecermos estas duas prunúnciasde (preto e branco). Acho que ficamuitíssimo bem, chamar só africano eeuropeu, conforme a divisão como Deushavia determinado. Sendo assim a conclusãonão haveria quem se pudesseofender.É raras vezes chamar um africano deeuropeu, embora que ele seja natural da.Europa, como também não agrada anenhum europeu chamar-lhe africano,embora seja cá natural.Agradeço que o Governo tome certasmedidas, daquilo que achar perfeito, aeste problema que acabo de citar,a) C.A. dos Reis.Para brancomanjarmelhorSentindo-me em grande forma nestedia decidi expôr ao público Murracenseum dos seus costumes que demonstrafalta de senso.Não quero falar contra ninguém.Cá nas festas de casamento há o custumede se dar comida diferente aos convivassentados a mesa. Quer dizer: comidabem preparada para os brancos e outra,inferior, para pretos, sendo a mesma festa.Pouco importa a mim que isto vospareça justo. Da minha parte digo assim:- Se as famílias dos noivos tem respeitoaos brancos que convide então so aosbrancos, que é para lhes preparar bommanjar, mas se também estima aos pretos,então peço-lhe queforneçam um manjarigual para todos, caso contrário,nenhum preto instruído educado pisaráa casa de alguns noivos,a) R.V. Meireles.


EXTRA 25QComeçou chupando sangue da namorada© Seduzia vítimas tocando Brahms ao piano€)Rasgava gargantas e tomava o sangueO Dissolvia os corpos e atirava no esgotoSERÁENFORCADOHOJE OVAMPIRO DELONDRESLONDRES, e t AFP) - O "Vaupirode Londres". Jotm GeorgeHalgb. será enforcado amanh&.O sinistro cerimonial da praxefoi hoje concluldt O corpo deHalgb penderá na (orca duranteuma hora Será, depois enterradono proprio cemtterlo da prisãoLembra-se que. se u corda wromper, o rei terá de agraciar ocondenado. E' a ultima e %enueesperança para o "Vampiro". Irto.porem, não acontece há 300 anosna historia da Inglaterra.Em sut célula. Halgh, que «at»que vai morrer amanhá, joga ©oraos guardas suas ultimas partidasde xadrez.Esta noite, o major Benke. diretorda prls&o foi incumbido deconversar com o réu. no sentidode obter sve« ultimas confissões,a» quais, aliás, em hipótese alguma.poderiam Influir na sorti docondenadoA seguir: a confissão de John Haig, o Vampiro deLondres


"O sangue espirrou das arvores.Escorria pelos troncos. Caía dosgalhos, vermelho. Tive aimpressão que ia desmaiar/ 7Vou ser enforcado amanhã. Atravessarei,pela primeira e última vez, uma dasduas portas de minha cela, a que nuncavi aberta. Uma serve para os guardasquando vêm me ver. Mas sei que aquela,sempre fechada, é por onde passa ohomem que vão executar. É a soleira doalém.Atravessarei aquela porta se/n medonem remorsos. Os homens mecondenaramporque os apavorei. Eu ameaçavasua sociedade miserável, sua ordem.Mas estou acima deles; participo de umavida mais alta, e tudo o que fiz, aquilo aque chamam de crimes, cometi impulsionadopor uma força divina. Ê por issoque fico indiferente quando me tratamde crápula ou louco; tao indiferente quemulheres estúpidas se comprimem parame ver. Parece - disse-me um guarda -que numerosas cartas desse sexo frívolochegam para mim, na prisão. Eu me perguntose existe sobre a terra alguém quepossa me compreender.A pri meira pessoa que matei chamavaseWilliam Donald McSwan. Mais tarde,iria matar-lhe pai e mãe. A maneiracomo conheci Swan não oferecenenhum mistério. Ele tinha uma casa dejogo em Tooting.Era o ano de 1936. Eu estava saindo daprisão, por fraude. Foi a primeira deminhas condenações. Li um anúncio emque Swan procurava um gerente paraseu negócio. Mandei-lhe um telegrama,e foi assim que ele me empregou duranteum ano, depois que voltei aliberdade.Sozinho de novo, pude ganhar dinheiromais fácil, graças a várias fraudesengenhosas. Infelizmente fui descoberto,e novas condenações me obrigaram aficar na cadeia até setembro de 1943. Aosair, reconciliei-me com o jovem Swan.Durante aquele tempo, não andara mal.Transformara seu dinheiro em propriedadese estava explorando industrialeve. Por acaso, comecei a me dedicar aomesmo tipo de trabalho, e logo me estabelecipor conta própria. Uma noite, em1944, reencontrei Swan num café deKensington. Estava preocupado. Tinhamedo ae ser convocado para a guerra emeconfiou sua intençãoaeseesconder,para não ter que se alistar. Voltei a vê-locom freqüência: ele chegou até a levarmeà casa dos pais. Uma noite, propus aele que fosse visitar meu apartamento desubsolo, no número 79 da GloucesterRoad. Não posso explicar o que fizentão, sem evocar fatos anteriores quelevam à minha infância. É necessáriomencionar os sonhos que eu tinha.Minha mãe gostava muito de estudaros sonhos. Achava que eles previam ofuturo. Comprava todos os livros sobre oassunto, e eu os lia. Minha mãe pressentia,às vezes, a doença ou a morte de nossosparentes. Esses pressentimentoseram sempre exatos. Mais tarde, eu viriaa ter a mesma faculdade. O primeirosonho que recordo com precisão é daépoca em que cantava no coro da catedralde Wakefield. A noite, de olhosfechados, eu via Cristo torturado nacruz. Na igreja, eu contemplava o crucifixo;e na cama, via a cabeça coroada deespinhos, ou o corpo inteiro do Cristo, osangue escorrendo das feridas.Em outro sonho, eu construía umaimensa escada telescópica, em que euchegava à Lua. De lá, olhava a Terra ameus pés, não maior que um confeito. Oque significava este sonho? Achava queele queria dizer que eu faria coisas grandiosasna vida. A maior parte das vezes,meus sonhos falavam de sangue. Tinhamum papel terrível e fascinante em minhavida. E no entanto eu ainda não conheciao gosto de sangue. Um acaso iria fazermeexperimentar, e eu não iria esquecermais. Estava com dez anos. Tinha machucadoa mão numa escova de cabelo decerdas metálicas. Chupei o sangue, eaconteceu uma revolução fem todo omeu ser. Aquela coisa viscosa, quente esalgada, que eu sugava à flor da pele, eraa vida - a própria vida. Foi uma revelação,que me perseguiu durante anos.Logo, comecei a ferir os dedos ou a mão,de propósito, para colocar meus lábiossobre a ferida aberta, e sentir de novoaquele gosto encantador. O acaso,assim, me havia feito voltar àqueles temposfabulosos em que o ser extraía suaforça do sangue do homem. Descobrique pertencia à raça dos vampiros. Porque? Por que eu? Não saberia explicar.Apenas descrevo o que me aconteceu.Adolescente, durante um encontroamoroso, mordi os lábios que a garotame oferecia. Foi um gesto inconsciente,ao sentir sua boca quente em contatocom a minha. Mas tive um lampejo delucidez e fugi antes de ter provado o gostodaquele sangue. Do contrário, não seio que teria acontecido. Mas alguns incidentescomo este haviam despertado emmim a necessidade frenética, a grandenecessidade de sangue, que eu precisavasatisfazer com urgência.Na páscoa de 1944, fiz uma viagem deautomóvel. Passando por Three Bridges,vi um caminhão na minha frente. Muitotarde. Foi um choque terrível. O carrocapotou, sofri um corte profundo nacabeça. O sangue corria pelo rosto, até aboca. Aquele gosto despertou tudo emmim, de maneira decisiva. Naquela noitetive um sonho terrificante. Vi umafloresta de' crucifixos, que se transformavamem árvores. Primeiro, pensei quefosse chuva, pingando dos galhos. Mas,chegando perto, compreendi que erasangue. De repente, a floresta inteiracomeçou a contorcer-se, e o sangueespirrou da:, árvores. Escorria pelos troncos.Caía dos galhos, vermelho. Tinha aimpressão que ia desmaiar. Vi umhomem que ia de árvore em árvore.recolhendo sangue. Assim que o poteficou cheio, aproximou-se de mim."Beba", disse ele. Mas eu estava paralisado.O sonho acabou. Tinha consciênciade meu enfraquecimento, e todomeu ser se inclinava em direção ao pote.Despertei quase em estado de coma. Viasem parar a mão que me estendia o pote;e esta terrível sede que nenhum homem,hoje, pode entender, instalou-se emmim para sempre. Durante três ou quatronoites, tive o mesmo sonho; e a cadadespertar eu estava mais cheio desseterrível desejo.Agora vocês compreendem a que seexpôs o jovem Swan, quando ficou sozinhoem minha casa, naquela noite deoutono de 1944. Derrubei-o com um péde mesa. já não me lembro bem. Então,rasguei-lhe a garganta com um canivete.Tentei beber seu sangue, mas não estavaconfortável. Não sabia em que posiçãome colocar. Arrastei-o até um ralo e,com um copo, tentei recolher o líquidovermelho. Finalmente, acho. foi mesmoo corte aberto que suguei lentamente,com profunda satisfação. Quando meergui, fiquei assustado com a presençadaquele corpo. Não sentia remorso. Eume perguntava como poderia livrar-medo corpo. Depois fui dormir.Naquela noite sonhei com a floresta.Mas desta vez consegui agarrar o pote, eao beber o sangue tive a mesma satisfaçãosentida na realidade. Acordei; e aícomecei a refletir sobre o que tinha feito.Sobre como podia ter chegado a esse,ponto. Voltei ao porão. Vi que precisavatomar uma decisão quanto ao corpo. Derepente, imaginei um bom método.Eu guardava no escritorio uma boaquantidade de ácido sultúrico e clorídrico,para aplicar em metais. Conhecia osuficiente de química, para saber que ocorpo humano é composto de áçua, namaior parte. E o ácido sulfúrico e ávidode água. Só precisava descobrir um recipientepara colocar o corpo. Encontrei,num cemitério, uma espécie de toneidemetal. Pus McSwan dentro do barril.Usei um balde para derramar o ácido.Não tinha previsto os vapores, e fiqueiincomodado a ponto de sair para respirarum pouco de ar fresco. Depois saípara o trabalho, deixando fechada a portado porão. Quando voltei, vi que aoperação tinha ido bem. O corpo derretera.Fiz uma ligação entre o barril e oesgoto e deixei escorrer aquela mistura.Se ainda sobrava alguma coisa de McSwan, seria encontrado no mar, lá ondedesaguam os esgotos de Londres.Agora precisava explicar o desaparecimentode Swan. Voltei à casa dele paraver seus pais. Contei a eles que o filhoestava escondido para fugir a convocação.Escrevi algumas cartas com a sualetra e as remeti da Escócia. Os velhosacreditaram nas cartas e não fizeramnenhuma pergunta.Jamais tive medo de ser descoberto.Nem sentia remorso. Eu era conduzidopor um ser superior, que estava a meulado e me controlava. Dois meses depoisfiz uma segunda vítima, uma mulner.Tinha uns 35 anos. Era morena, de alturamédia. Tínhamos nos encontrado na ruae soube imediatamente que ela iamorrer. Eu estava num ciclo de sonhos equeria beber no pote. Ela aceitou ir atéminha casa. Golpeei-lhe a cabeça e bebi-Ihe o sangue. Coloquei a moça dentrodo barril, e então achei que seria práticoter uma bomba para derramar ácido. Saíe comprei uma. Só depois do segundoMc Swan, o pai do jovem Swan, é quepensei em usar máscara, para não serincomodado pelos vapores. Mais tardearranjei botas, luvas e avental. Assimequipado, mexia a mistura, armado deum pedaço de madeira.Matei os dois velhos Mc Swan no mesmodia. Nenhum de meus mortosmorreu porque eu tivesse intenção delucro. Quando havia algum lucro, aceitavacomo prova de solicitude que medava a força suprema. Quanto aos Mc-Swan, fui até a casa de um advogado deGlasgow e falsifiquei um contrato passadoem tabelião, onde eu aparecia com onome de Willian Donald Mc Swan. Imiteisua assinatura com facilidade. Já tinhafeito, como se sabe, minhas provas deaptidão como falsário. Graças a essa fraude,consegui vender as propriedades dafamília Mc Swan, o que me trouxe cercade 4 mil libras. A policia nunca percebeuo desaparecimento dos Swan.Minna quinta vítima foi um moço desconhecido,Max. Mas vou falar dos números6 e 7: o jovem casal Henderson.Archibald Henderson era um médicolondrino. Tinha uma jovem e belamulher, chamada Rose. Desapareceramem fevereiro de 1948. A polícia jamaisteria resolvido o mistério, se eu nao ajudasse,revelando que os matara.Conheci o casal da maneira mais simplesdo mundo. Eles tinham posto umanúncio para vender casa. Respondi,porque era um bom método para entrarem contato com as pessoas. Fiz isso umaporção de vezes. Os Henderson queriam8.750 libras pela casa. Respondi, paragrande surpresa deles: "Não é muitocaro. Se aceitarem 10.500 libras, estou deacordo!" Tempos depois, soube queRose Henderson tinha dito ao irmão:- Acabo de errcontrar o maior dosimbecis.vAo que o irmão respondeu: "Quandoum homem fala desse jeito, é melhortomar cuidado". Não Ine faltava intuição,como se vê.Logo em seguida, comuniquei aosHenderson que não tinha conseguidoreunir o capital necessário, mas eles nãofaziam mais questão do negócio, Eu já


"Sentia-me protegido. Estava tãoseguro, que deixei osno escritorio e saicorposparacomprar um novo recipiente."tinha ficado íntimo deles. Passamos muitasnoites juntos, em Fulham.Eu tocava Brahms ao piano. Eles escutavam,horas inteiras. Tinham umcachorro, um magnífico perdigueiroirlandês de pelo ruivo, que se chamavaPat e que ficou meu amigo. Lembravaum cachorriho que meu pai me deraquando eu era menino. Sempre gosteidos cães; e me lembro de ter escandalizadonão sei que idiota, dizendo-lheque, se tivesse que escolher entre matarum homem ou um cachorro, mataria ohomem. Quando os Henderson morreram,recolhi Pat por alguns dias; e termineialojando-o num aos melhores canisdo país, porque ficou cego.Archibald Henderson era viúvo. ERose era divorciada. Tinha sido casadacom um engenheiro alemão, RudolfErren. Na I Guerra Mundial, Erren tinhaparticipado do famoso grupo de pilotoschamado "O Circo de Ricnth ofen", doqual Goering era chefe. Coisa extraordinária:Erren e Rose moraram uns temposem Onslov Court, o hotel de Kensigtononde eu viria a instalar-me. Rose estavamesmo fadada a me encontrar, e foiassim que conheci a dedo a força superiorque me comanda.Após o divórcio, Rose casou em 1938com Archibald Henderson, médico brilhante,de clientela de luxo. Viviam suntuosamentee Rose aparecia nas recepçõesmagnificamente vestida e cobertade jóias. Era uma mulher muito bonita,morena e viva. Em 1926, tinha concorridonum concurso de beleza, e sua fotosaíra nos jornais. Para terminar, devodizer que era filha de um médico de Manchester,e que tinha um irmão, ArnoldBurlin, homem prudente nos negócios,que vai ter importante papel no desenrolardestas minhas memórias. Já senotou que sua desconfiança tinha sidodespertada, quando propus aos Hendersoncomprar a casa por uma quantia tãogrande.Enquanto duravam minhas relaçõescom os Henderson, tive um sonho doloroso.Ah, desta vez não eram árvoresensaguentadas. Agora, eu mordia o pescoçoda filha de um amigo esugava-lneosangue gulosamente. Fiquei horrorizadocom a idéia de, mesmo em sonho, ferirquem eu amava. Os Henderson nãoeram meus amigos. Relações agradáveis,só. Quando sei que uma pessoa podetornar-se minha vítima, ele sempre meimpede de provar-lhe amizade. Rose mecontou que. sob a aparência de luxo, elae o marido passavam dificuldades.Assim, também não foi por interesse queos matei. Archie tinha dívidas, e muitasbrigas por causa de dinheiro surgiramentre ele e a mulher. Em 1948, os Hendersonpartiram para Brighton, e ficaramno hotel Metrópole. O ciclo de desonhos chegava ao ponto culminante.Sentia-me doente. Archie tentava medistrair: não lhe dava atenção. Já estavatomado pela terrível necessidade. Acordavacom aquele desejo atroz, imperioso.Era preciso que Archie fosse minhapróxima vítima. Sob um pretexto qualquer,levei-o a Leopold Road e, em meuescritório, matei-o com uma bala nacabeça, usando seu próprio revólver,roubado durante uma noite em sua casa.Voltei a Brighton e disse a Rose:- Archie ficou doente lá em casa. Nadagrave, mas quer que você vá vê-lo.Ela foi comigo, sem desconfiar denada. No escritório, derrubei-a, já nãome lembro como. Sentia-me protegidopor uma mão visível. Estava tao seguroque deixei os corpos no escritorio,enquanto procurava comprar uma máscaracontra gás e novo recipiente, para amulher. E, num sábado à tarde, o belocorpo que fora o responsável por todo ocharme de Rose Henderson estavaderretido em ácido, como uma bonecade cera exposta ao calor. Sua forma e suacor desapareceram lentamente, gigantescotorrão de açúcar que eu mexia comum grande bastão, pacientemente, tranqüilamente.Voltei a Brighton, triste lugar popular,e paguei a conta do hotel aos Henderson.Peguei suas bagagens e Pat, o bomcachorro, e voltei para casa. Era precisoentão evitar desconfianças. Escrevi aohomem de quem os Henderson eraminquilinos, em Fulham; e ao irmão deRose, em Manchester, imitando perfeitamentea caligrafia e assinatura damoça. Requintadamente, usei um papeltimbrado do hotel Metrópole. Expliqueique, em razão de certas dificuldades, osHenderson tinham decidido emigrarpara a África do Sul; e que eu tinha sidoencarregado de cuidar de suas coisas. OsHenderson morreram no dia 13 de fevereirode 1948. No dia 17, recebi telefonemado irmão de Rose, Arnold Burlin.- O que está acontecendo? - ele perguntou.- Não se preocupe - respondi. Entreinum acordo com Archibald. Empresteilhe2.500 libras, antes de sua partida. Seele não me pagasse em dois meses, teriaque me passar o automóvel e a casa. Possoaté mostrar a carta que Archibald memandou, pedindo para pagar a conta dohotel em Brighton e pegar o cachorro.Também tenho aqui um contrato...Eu forjara os dois documentos. Burlin,desconfiado, foi até Brighton. O hoteleiroconfirmou que eu tinha ido buscar ocachorro e pagar a conta. Dias depois,ele veio me ver, com a mulher. Estavapreparado para essa visita. Expliquei aeles que o motivo da partida eramproblemas do casal: que os dois queriama família afastada da embrulhada. Leveios Burlin à estação em meu carro, paraque tomassem o trem de volta a Manchester.De repente, a mulher de Burlinabaixou-se e apanhou uma pequenacaderneta dentro do automóvel. Espantou-se:- Mas é a caderneta de endereços deRose!Tive suficiente presença de espíritopara responder:- É verdade! Deve ter caído quandopeguei as coisas no hotel.O incidente, porém, provocou umesfriamento. Antes de passar para a plataformada estação, Arnold Burlin me disse:- Se minha irmã e meu cunhado nãoaparecerem até segunda-feira, vou avisara polícia.Mentalmente, inscrevi Burlin, suamulher e sua filha na lista das minhaspróximas vítimas. Eles iam avisar a políciana segunda, mas no sábado receberam aseguinte carta:Meu caro Arnold:Faz tempo que vocês não recebemnotícias nossas, e devem ter ficado preocupados.Infelizmente, naqueles dias,Archie percebeu que eu queria deixá-loassim que voltássemos a Londres. Discutimossobre isso em Kingsgate. Ele meacusava de lhe causar aborrecimentos eesbanjar dinheiro. Ameaçou suicidar-sese eu o abandonasse. Não havia outracoisa a fazer, senão agir rapidamente. Eletomara dinheiro emprestado do JohnHaigh (vocês se lembram, devem tê-loconnecido em Berkley), e assim comeceia executar um plano que fizera para estaeventualidade. Correu tudo bem,embora tivéssemos que mentir vergonhosamentedurante uns tempos.Pensei que pudessemos ir visitá-losno fim desta semana, mas é precisotomar algumas precauções durante maisou menos três semanas. Evitamdo as ligaçõeshabituais de Archie. Ele está muitogentil e bebe muito raramente. Iremos aNewcastle na terça próxima. É tudo oque queria dizer nesta carta. Vocês compreenderão,logo que me virem. Sóespero que John Haigh esteja bem. Atemperatura caiu bastante e eu precisovestir algumas roupas a mais. Vou compraralgumas na Dawes Road, logo quevoltarmos. Espero que estejam todosbem. Não se preocupem. Lembranças àMumsy".A assinatura de Rose enganou totalmenteArnold Burlin. Durante o processo,Burlin lembraria que Rose tinha usado"Mumsy" quando ela normalmentedizia "Mummie". Havia também errosde datilografia e de ortografia, masnaquele momento ele não se dera contadisso, pensando no estado em que a irmãse encontrava. Devo reconhecer que, àsvezes, cometo erros de ortografia. Napoleãotambém cometia. Um desses errosmelevara à prisão após uma fraude,porqueesqueci um D no nome Guildtord.Finalmente decidi jogar a grande cartada.Escrevi nova carta a Burlin, assinandoRose. Conhecia tão bem a vida particulardos Henderson, e imitava tão bemo estilo e a letra de Rose, que todos ospoliciais e peritos da Scotland Yard, maistarde, consideraram esta carta uma obraprimada falsificação. Fiquei tão orgulhosoquanto Rembrandt ficou cfe su§,melhor tela. As falsificações são, paramim, uma arte. Minha vocação de falsáriovem da infância. Na escola, já imitavaa assinatura dos professores.Com estacarta de 15 páginas, convenci Burlin deque os Henderson tinham trocado aInglaterra pela África do Sul. Ele veio aLondres para liquidar os negócios dairmã. Recepcionei-o amavelmente.- Não foi gentil da parte de Rose, partirsem dizer adeus a sua velha mãe, já cega- disse-lhe eu.A velha mulher, mais tarde, tambémprovocaria complicações. Em fevereirode 1949, ela ficou bem doente. Burlinmandou um recado a Rose; ficou semresposta. Então, me telefonou e disse:- Estou preocupado. Da próxima vezque for a Londres, vou procurar a ScotlandYard.- Perfeito - concordei eu. Mas passeantes para me ver.- Claro - respondeu ele.- E, me diga, você vai trazer a sra.Burlin e sua filha? Ficarei contente emvê-las - convidei.- Eu lhe prometo que sim. Você é muitogentil - respondeu o imbecil.Não pude deixar de rir do outro ladodo fio. Três ou quatro dias depois, avelha sra. Burlin morreu. No,dia seguinte,Arnold leu a notícia, do desaparecimentode uma rica senhora, madameDurand-Deacon. Lia distraidamente,quando a última linha do fez saltar: "...-no dia de seu desaparecimento, a sra.Durand-Deacon tinha encontro marcadocom certo John Haig, que se apresentouà polícia, a quem prestou informaçõese propôs participar das buscas..."Arnold caiu em si. Num golpe, percebeutudo: o desaparecimento dosparentes; o da sra. Durand-Deacon; eaquilo que ia acontecer a si próprio, àmulher e à filha, se fosse me ver. Teveapenas que fazer esforço de apanhar otelefone e discar três vezes o número9,para pedir socorro policial. Eu estavaperdido.A sra. Durand-Deacon foi a nona pessoaque matei. Não gosto de chamar aisto assassinar", porque o termo dáimpressão de crueldade e sofrimento.Matar, ao contrário, é o resultado inevitávelda vontade de um Espírito todopoderoso,que me guiou e me ordenoutomar o sangue aos homens e dasmulheres. O nomem é um joguete nasmãos do Ser-Supremo.A mesma força exterior decidiu,


"Fui negligente com a ultimavitima. Queimei sua bolsa pelametade, talvez já estivessecansado desta missão superior.agora, que chegou a minha hora demorrer, e eu aceito seu julgamento divino.Estou cansado, além do mais. Li muitoe muito escrevi, e tenho pressa dechegar ao fim dessas memórias. Souobrigado, para continuar a escrever, acolocar os óculos dourados que pertenceramao doutor Henderson minha sextavítima. Mas vamos à sra. Olive Durand-Deacon, a última pessoa nesta terra dequem bebi um copo de sangue.- Ela era, quando a encontrei, "umamulher no crepúsculo da vida", parausar os termos ao procurador-geral emmeu processo. Devo dizer que, com ela,fui negligente. Não que seja o meu natural.Agrada-me repetir que gosto mais deuma injustiça do que de uma desordem.Mas eu me senti a tão protegido pela forçasuperior, que me esqueci das precauçõesmais elementáres. A sra. Durand-Deacon morava na mesma pensão familiarque eu, em Kensington. Agradei-afalando-lhe de música, arte, literatura.Tivemos também conversas filosóficas ereligiosas. Ela via em mi,m, apesar dosmeus 40 anos, "um jovem homem quetem tudo o que se pode desejar".No processo, o público ficou excitadocom o motivo engraçado que a levou ameu apartamento. A velha senhorasofria por não ter mais unhas, e eu lhedisse que poderia tazer-lhe outras deplástico' , em minha oficina. Foi assim queela partiu'pa ra sua ú Itima viagem, a 18 de fevereirode 1949. Matei-a com uma bala nanuca. Fiz um corte em seu pescoço ebebi um copo de sangue. Ela trazia umacruz amarrada ao pescoço. Senti umaalegria infinita em esfregar a cruz.Ja disse que fui negligente com a sra,Durand-Deacon. Queimei sua bolsapela metade; não dissolvi completamenteo corpo.Certo, agi mal. Mas imaginemque eu precisava introduzir um corpo de90 quilos num barril. Não é suficientepara explicar a negligência. Talvez euestivesse simplesmente cansado dematar, e desta missão confiada peladivindade superior, e quem sabe ansiosopara acabar com ela e encontrar orepouso, mesmo que fosse na asquerosacela de terra reservada aos condenados àmorte. Cansado de carregar o corpo davelha senhora, saí para tomar um chá.Quando voltei, vi que tinha deixado aporta aberta. Qualquer pessoa poderiater entrado, ter visto o cadáver. Matei-anuma sexta. No domingo, estava na casade amigos. Uma jòvem me disse derepente:- Não me olhe desse jeito.Desviei o olhar, mas continuei a vê-laem pensamento. Ela então disse: .- Sinto que você continua me ofhando.E gritou:- Assassino!Este poder de adivinhação me pareceuincompreensível. Logo, os policiais queinvestigaram o desaparecimento da sra.Durand-Deacon descobriram em minhacasa os restos de seu corpo e de suas coisas.Agora que termioou, queria dizeralgumas xõisas. Uma de minhas últimasrecordações vai para Pat, o cão dos Henderson.Foi um grande companheiropara mim, e estou feliz de ter podidofazer algo por ele.É uma pequena vaidade,mas pode-seadmitir isto num homem que está prestesa morrer: gostaria que as roupas queeu vestia no dia do julgamento fossemenviadas ao museu de cera de madameTrussaud, para que vistam minha efígie.Desejo que o conservador do MuseuTrussaud cuidè para que minhas calçastenham sempre um vinco impecável.Engordei na prisão: é desagradável.Espero que, para minha efígie, conservem-meuma linha mais esbelta.Existe ainda uma revelação engraçada.Fiz minhas experiências com ácidos naprisão, quando estive condenado porfalsificaçoão. Eu trabalhava na oficina.Combinava com ós.prisioneiros que trabalhavamno campo, e-eles me traziamratos. Ficava horas observàndo a lentadecomposição dos ratos no ácido. Ratose homens...como diz a Escritura.Da porta de minha cela, sei que 15 pessoasme separam do cadafalso. É poucopara transpor a eternidade. Chove hoie.Vejo a chuva bater no alto dos telhadosque vislumbro por cima do muro da prisão.Ela me transmite o mesmo desejoque senti várias vezes, sob o arvoredo deuma magnífica floresta, quando solitárioprocurava um objetivo que, quem sabe,não existe mais. Penso nestas linhasescritas por um grande homem da antigüidade,não sei mais quem foi: "Nãoantes que as profissões sejam paralisadase que as lançadeiras cessem de correr,Deus não desenrolará o quadrorevelará o porquê".nemNasci a 24 de julho de 1909, em Stanford,Lincolnshire. Meuspais estavam namiséria. Meu pai tinha 38 anos; minhamãe, 40. Meu pai era contramestre eletricista,mas nao tinha trabalho. Minhamãe estátcerta de que os meses de sofrimentosque precederam meu nascimentosão a causa daquilo que ela chama deminha doença mental. "A culpa éminha", disse ela, "por que não compareçodiante dos juizes ao lado de meufilho? sou tão responsável quanto ele!"Meu pai era o chefe de uma comunidadereligiosa. Eles me educaram numclima inumano, pior que num mosteiro.Sobre a fronte de meu pai há uma cicatriz,uma espécie de cruz deformada. Eleme explicava que era a marca de Satã. Eletinha pecado, e o Diabo tinha punido.- Se você comete uma falta, Satã omarcará do mesmo jeito.Durante anos, olhei a fronte das pessoas,para ver se tinham a marca. E achavaque meu pai era o único a ter pecado,e que o resto era inocente. À noite, faziameu exame de consciência. Ia instintivamentepara perto de um espelho, paraver se a marca tinha aparecido em minhafronte.Fui à escola só até os 17 anos. Fazia partedo coral na igreja. Domingo, levantavaàs 5 horas para assistir à missa. Ficava na>igreja o dia todo, até a missa da noite.Voltando, encontrava meus pais rezando,e me ajoelhava junto deles. Asjovens da minha idade não gostavam demim. No entanto, eu estava semprepronto para ajudar o próximo. Adoravaos animais. Dava minna própria comidaaos cães vadios. Amava também os coelhose as aves selvagens.Em 1927, com 18 anos, acreditava quetinha uma grande missão a cumprir entreos homens. Comecei a pregar; e descobriesta coisa maravilhosa: eu tinha odom da palavra. A multidão de fiéis meouvia palpitante e lágrimas corriamsobre os rostos. Meus pais ficaram orgulhosos.E era eu, aquele jovem apóstoloapaixonado pela pureza, quem seencontrava, apenas alguns anos mais tarde,na prisão de Leeds, condenado porfraude. O que passou? Primeiro, eramminhas mãos, minhas alvas mãos de artista.Toda minha vida eu as adorei, comuma espécie de fetichismo que não possoexplicar a mim mesmo. Na prisão,sofro por não ter sabão e água quente,para limpá-las várias vezes por dia.Trabalhei um ano numa fábrica demotores, depois um ano num escritório,aí um ano na companhia Shell. Cheguei,assim, á maioridade e decidi trabalharpor minha conta. Montei uma empresaae ceguros e publicidade; em 1933,montei outra empresa, de anúnciosluminosos. Tudo isso deu muito trabalhoe pouco lucro. Compreendi, então, quea honestidade não dá lucro. Foi em 1934que dei o passo decisivo.Percebi que o sistema de venda e aluguelde automóveis era mal organizadoe podia permitir falcatruas fáceis. Entreinuma sociedade dessas. No mesmo ano,em julho, casei com uma jovem de 21anos. Beatrice Hamer. Desposei-a paradeixar meus pais. Não podia mais ficarcom eles e seus princípios religiosos,agora que tinha escolhido a vida desonesta.Mas minha felicidade conjugai foicurta. Em novembro, fui posto na cadeia.Tinha vendido automóveis que não existiam.Minha mulher decidiu nunca maisme ver. Durante meus dias naprisão, deuà luz uma menina, que foi adotada pordesconhecidos. Existe hoje uma jovemde 14 anos, que ignora que seu verdadeiropai sou eu, John Haigh, aquele quechamam de Vampiro de Londres.Saí da prisão em novembro de 1933 evoltei para a casa de meus pais, que meperdoaram. Meu empreendimentoseguinte valeu 4 anos de prisão. Escolhi onome de um advogado ao acaso, e abriem seu nome um escritório em outracidade. Vendi aos clientes ações que nãoexistiam. A Grã-Bretanha estava emguerra, quando me vi em liberdadeoutra vez. Procurei emprego na DefesaPassiva. E forma os horrores dos grandesbombardeiros sobre a Inglaterra que mefizeram abandonar a idéia de um Deusjusto.Estava um dia com uma enfermeira daCruz Vermelha num posto de guarda,quando ouvi as sirenas. Saímos para nossospostos. De repente, escutei um silvoterrível e me atirei sob um portão. Abomba explodiu com um estrondo doApocalipse. Quando levantei, machucado,uma cabeça rolou a meus pés. Era ade minha companheira de todos osmomentos, que era tão alegre, tão bonita.Como Deus permitiu esse horror?Agora, não creio mais em Deus, masnuma Força Superior que nos empurra aagir e rege misteriosamente nosso destino,sem se preocupar com Bem ou Mal.Contei como ela meempurrou a degolaros seres humanos. E foi a niim, que amo eadoro a menor, a mais frágil das criaturas,que Ele ordenou cometer essas mortese beber o sangue humano. Isso não épossível: meus 9 mortos precisam ter suaexplicação em algum lugar deste mundo.Não é possível que sejam absurdamenteapenas o sonho de um loucocheio de brutalidade e furor, como disseo grande Shakespeare.Existe uma vida eterna? Logo maissaberei. Esperando, adeus...Enforcado ontem o" Vampiro de Londres"IjONDBES, 10 (AFF) —Sem 6menor Incidente, John Georg«Haigh assassino da viuva DurandDeacon e, provavelmente, de oitooutras pessoas, foi enforcado boje.ás nove horas, no patlbulo da prts&Ode Wandsworth.Após uma Instrução sensacional»um Inquérito no qual Interveio to»da a policia da Inglaterra e ug»processo sem Imprevistos, seguidode m» Inevitável condenação émorte, veio encerrar este estranhpeplsodio da historia criminal daGrã-Bretanha.


i&j&injcUrchTCOMETASão Paulo, dezembro de 1973 ANO 1 - N? 2MUNDOTODOPODE SER VENDIDO SEPARADAMENTELOUCO: FESTADO EMBALO!Leianapagina 3AMERICANO VENDEPASSAGENS PARA0 DISCO VOADORLeia na página 3• • ms • 4 - A.".' " 1CIENTISTAwejwm * » w • •*ACHA JG' - mm ám. m JÍimilf :KOHOUTEKVOMITO»Leia naDébora Piter achou graça quando perguntaise ela sabia que o Kohoutek ia dar uma vopor trás do sol e ficar mostrando a cauda, invtida; "Grande coisa - disse ela - só não fiz i;até agora porque nJo pediram". Débora estaBei Ami, fazendo strip-tease todos os dias.e a vontade de Deus!Leia na pagina 3POLICIA NÃO AGABA TR0T0IR NO CEMITÉRIOLeia napágina 2


Falou: a boca era dos espíritosVIGARISTA- Os espíritos de outros níveis,que vivem ao lado do Mestre,falam pe^a minha boca. Esão eles que anunciam: o cometaque vem vindo aí é o caminhãode lixo do Universo. Ele tem amissão de higienizar a Terra.A declaração é de SalomãoDahar, áxabe, 51 anos, há maisde 45 anos vivendo no Brasil, casado,pai de três filhos, vendedore espiritualista. Salomão ficacom os olhos fixos e sua bocaparece independente de sua vontade,quando ele começa a falarsobre as coisas do outro mundoque acontecerão na Terra.— Cada 6.666 anos, somos visitadospor um astro que vem higienizara Terra como aconteceuno tempo do Dilúvio, no tempoda Arca de Noé. E agora já faz6.666 anos que isso aconteceu.Por isso, o cometa Kohoutek estácompletando o seu ciclo evem para a Terra para levardaqui os espíritos que não estãopreparados para permanecer entrenós no Terceiro Milênio. Elevai funcionar na Terra como umcaminhão de lixo, tirando daquitodos os detritos.Guerra MundialSalomão, que já viveu em Barretos,de onde foi obrigado a sairhá três anos por causa de problemascriados com as visões quetinha, afirma que a passagem docometa desencadeará a TerceiraGuerra Mundial:- O Kohoutek vai fazer a sucçãodos maus espíritos. Por isso,a conseqüência será a TerceiraGuerra Mundial. Uma guerra degrandes proporções que vai atingiro mundo todo. Uma guerraque já está prevista no Apocalipse.E será nesta guerra que aspessoas serão levadas.O começo da Terceira GuerraMundial, segundo os espíritosque falam pela boca de Salomão,mas que ele consegue identificar,já tem data marcada:PASSAVA CONTO DO PACOQUANDO SAÍ DE CASA JÁSABIA QUE IA SER PRESOO cometa Kohoutek não teve nadaa ver com a minha prisão. Estou presopor conseqüências da vida, coisasque acontecem alheias a nós - declarouLeo Koch, 42 anos, casado, presoEva Wilmaeofimdo macho— Estou com medo queo Kohoutek liquide de umavez com a potencialidademasculina — um processoque já começou há algumtempo — e que se instaureno mundo a viadagem totaldeclarou a atriz EvaWilma, a Raquel da novela"Mulheres de Areia", que aTV-Tupiapresentadiariamente.Eva que se recupera deum acidente automobilísticona via Anchieta, estavagravando um dos últimoscapítulos de sua novela, eprestou declarações àreportagem no intervalo deseu trabalho. Realmentepreocupada, ela argumentoucom alguns fatos, paracomprovar seus temores:Vejam a moda unisex e omovimento de libertaçãofeminina, que já estádescaracterizando oshomens e que podem levaros homens do mundo todoa ignorar totalmente asmulheres.E concluiu:— Só desejo que, se issoacontecer realmente, sesalve o meu marido JohnHerbert.em flagrante pelos policiais do 49Distrito Policial Paulista quando sepreparava para aplicar o conto do paccem um incauto. Leo afirmou queDeus manda um cometa sempre parafazer o bem, nunca o mal.- Quando eu saí de casa no dia daminha prisão, já sabia que ia ser preso.Eu sentia isso. E o cometa nãopoderia fazer nada. Eu já trabalheiem grandes firmas durante muitosanos. Mas aí minha vida começou acomplicar, a faltar dinheiro, e entãome juntei com mais dois amigos paraver se conseguíamos algum dinheiro amais. Não fui feliz.Leo Koch, o vigarista preso no 49Distrito, sabe muito a respeito de cometase mostra certo grau de instrução.Disse ele:- Já vai fazer uns cinco meses queouvi falar no cometa Kohoutek. Maseu já sabia de outros cometas. Comoo de Halley, por exemplo. £le apareceuno céu e, no dia seguinte de noite,surgiu uma grande cruz de sangue.Logo depois estourou a primeiraGrande Guerra MundiaL Li que oKohoutek vai passar a 110 mil quilômetrosda terra. Se ele passasse maisperto, ia tudo pro beleléu, porque tudoé um problema de ventos.Leo Koch, entretanto, consideraque, mesmo das coisas ruins, é possívelretirar bons resultados:- Os cientistas estão estudando,observando o cometa. E podem descobriruma física ou química qualquer,para acabar com esta doençaque está destruindo a humanidade, ocâncer.Instado pela reportagem a pronunciar-sesobre por que aplicava oconto do paco, o vigarista afirmou:- Eu escolhi o conto do paco,porque sei que o cara só cai se forpior do que a gente que está dando ogolpe. Sabe como é? A gente pedepro cara levar um pacote num endereço,porque a gente tem de viajar logoe não tem terrçpo. Aí, mostra-se o pacotepro trouxa: uma nota de 10, 50ou 100 em cima, e o resto papel cortadoretinho, parecendo um maço denotas. Aí o cara topa levar o pacote,já pensando em ficar com ele. Entãoa gente pede umâ garantia, um dinheiroqualquer, que o cara tenha nobolso e que a gente devolve quando ocara voltar com o recibo da entrega.O paco -é assim. O cara que toma ogolpe é mais safado do que a'genteque aplica.— Á guerra vai começar em1975, quando o cometa estarámais próximo da Terra. Vai durarmuitos anos, envolver todosos países do mundo e só vai terminarquando todo o lixo tiverdesaparecido. Enfrentaremos situaçõesterríveis e a humanidadepassará por uma dura prova.Disco VoadorSalomão cita o Evangelho paradizer como tudo acontecerá:- Os justos herdarão a Terra.Não haverá mais egoísmo, vaidade,preconceito. A Humanidadeviverá como uma só familia e todosse entenderão.Haverá a separação do joio dotrigo e depois o Mestre voltarácom todos os outros seres queestá preparando em outros níveis,para tomar conta da Terra.O Mestre virá acompanhado detoda sua corte, em naves espaciais.Os discos voadores estão aíanunciando o que vai acontecer.lintoirno cemíterio! - Pelé, depois de muito soli-A Polícia paulista vem desenvolvendoverdadeira "'blitz", para acabarcom o trotoir na avenida Consolação,principalmente o que se desenvolve?.•"> vizinhanças do cemitério da Consolação.Apesar das inúmeras detençõesmuitas mulheres já foram presase soltas mais de cinqüenta vezes - aprática continua ofendendo o decorodas famílias que residem nas vizinhançasou que por ali transitam.Maria - 25 anos de idade, 40 detenções;e Helena - 15 anos 47 detenções,estavam irritadas quando areportagem do JC as abordou na portado cemitério da Consolação, vizinhançasda .rua coronel Euzébio: éque elas tinham acabado de escaparde mais uma prisão. Em palestra como repórter, elas se lamentavam porqueo muro do cemitério é muito alto,razão pela qual não havia possibilidadede ser escalado quando das batidaspoliciais.As mulheres "de vida fácil" afirmaramque as batidas - ou "arrastão"- na localidade são quase diárias.E as mulheres surpreendidas naprática de trotoir são encaminhadaspara as delegacias ou plantões policiais,sendo despojadas de todo o dinheiroque portam. Inquiridas pelareportagem sobre a próxima passagemdo cometa Kohoutek, manifestaram-seinicialmente surpresas. Posteriormentetravaram o seguinte diálogo:- Isso e cascata, Maria. Ele estácom grupo pra não pagar . . .- Deixa o rapaz falar, Helena.- É sobre o cometa que está aí.- A viação Cometa?- Não. Conjeta é um negócio quebrilha assim lá em cima (Maria abre efecha a mão).- Vem da Lua?- Acho que é de mais longe.As garotas conversavam, e o repórterestava ao lado observando e anotando,enquanto os motoristas doscarros que passavam faziam piadas dotipo "compra um carro que elas saemcontigo". Finalmente, depois de algunsminutos, Maria, a mais afável, impacientou-se:- Vamos embora, Helena, que essecara quer é encher o saco.Kohoutek vomitouO descobridor de cometas, cientistaLubos Kohoutek, cansado de suaviagem a bordo do navio "Queen Elizabeth",afirmou que não viajarámais em navios. Kohoutek, que embarcoua bordo do navio a convitedas autoridades norte-americanas,passou dois dias no mar tentando vera olho nu o cometa que havia fotografadoenquanto trabalhava noObservatório de Hamburgo, na AlemanhaOcidental. Juntamente com oastrônomo, embarcaram no navio:George Halley, descendente do astrônomoEdmund Halley, que deu nomeao célebre cometa de Halley em1910; o cientista e escritor de ficçãocientifica Isaac Asimov (autor de"Eu, Robô"); professores universitários;turistas; e dezenas de astrônomosamadores. O preço da passagempara os 1.693 passageiros variou de130 a 295 dólares.Mas a viagem foi uma decepção docomeço ao fim. O cometa não apareceunenhuma vez - choveu durantetodo o tempo que durou a viagem; eKohoutek enjoou o tempo todo, passandoa maior parte do tempo em suacabine, vomitando. Por isso, ao embarcarpara o Chile, onde ia tentarobservar novamente o cometa quedescobriu, Kohoutek preferiu oavião.AMERICANO VENDEU AVIAGEM NO DISCO FALSOEm Wisconsin, nos Estados Unidos,o chefe da Igreja do Mistério Infinito,Edward Ben Elson, anunciouque está vendendo passagens para suanave intergaláctica, a 10 dólares porpessoa. A nave, que ninguém viu aindamas que ele diz ser muito parecidacom um disco voador, partiria no dia24 de dezembro último. Entretanto,como para escapar da lei, Ben Elsonjá dizia que não dava "nenhuma garantiade que a nave iria partir". Nãoaconteceu nada com ele, e o discovoador não subiu.Ben Elson conseguiu vender váriaspassagens, principalmente aos integrantesda seita do Mistério Infinito,porque seu chefe afirmava que erapreciso partir da terra antes que osgases do cometa Kohoutek inflamassemas reservas de petróleo da terra etrouxessem a morte para a maior parteda humanidade.Neste mês de janeiro, quando 6cometa Kohoutek for visível a olhonu depois do por do sol, o planetárioHayden, de Nova York, planejou umhappening sofisticado: o "vôo do cometa".Serão seis dias a bordo ae umBoeing-747, fretado especialmentepara a ocasião. A viagem inclui paradasnos observatórios da Calilifórnia eArizona, e lá os participantes dosvôos cearão à luz de candelabros, ouvindoconferências. No céu, o Kohoutek.Preço da passagem: 1.750dólares por cabeça.PELE VAIJOGAR NAALEMANHAO astrólogo paulista professorRudi afirma que o ano de 1974- ano do cometa Kohoutek -será tão bom para o Brasil queaté existe a possibilidade de sairmoscampeões da Copa do Mundooutra vez. Ele, que é diretordo Instituto Brasileiro de Astrologia,no largo 7 de Setembro,52, 39 andar, ao lado de sua esposa,professora Nalva, diz quePelé voltará a jogar na seleção edisputará o tetracampeonato pelaequipe brasileira na Alemanha.citado e regateado, chegará a ir ejogar, mas não será o mesmo.Pensem nisso.O professor Rudi disse queainda não completou os estudosnumerológicos de 1974/ o anodo Kohoutek, mas que é possível, adiantar previsões a respeito dealguns artistas:- Elis Regina, de Peixes, serámuito favorecida no correr de1974, com o ressurgimento desua reintegração ao público brasileiroe uma grande consagraçãono exterior; Luiz Américo, deLeão, vai ser um dos cantores demais sucesso e criatividade, consagrqndo-seno panorama nacional;Chico Anísio, de Carneiro,será muito favorecido por Saturno.. • fará o coração e a cabeçadeL ossegar com a possibilidadede amor, muito amor;principalmente depois do seuaniversário.Falando sobre o cometaKohoutek, o professor Rudi, aolado de sua esposa, professoraNalva, anunciou que ele marcaráa passagem de uma nova era,pois sua passagem se dará naabertura da era de Aquário.- Na era de Aquário o homemvai colocar a cabeça no lugare começar a pensar em si eno próximo. Será uma era depaz, amor e compreensão, e poucoa pouco, entre os povos, sedisseminará a idéia de Cristo de\que "somos todos irmãos".O diretor do Instituto Brasileirode Astrologia afirma que oKohoutek, para os astrólogos, "émais uma fase cadente e mutávelna carta celeste, sem grandesignificado no sideral para influenciarnas casas do Zodíaco ".- Apesar disso, as pessoasque nasceram sob sua influência,isto e, as crianças que irão nascersob o signo de Capricórnio em1973, todos os nativos de Aquárioem 74 e parte dos nativos de Peixes,terão Kohoutek em suas vidas.O cometa marcará suas vidas,pois eles serão os homens emulheres do futuro.CIENTISTA ACHA QUE JC É O <strong>MELHOR</strong>Depois de examinar o número 1 do Jornal do Cometa, suplementodo Jornal EX, o professor Ronaldo Mourão, diretordo Conservatório Nacional do Rio de Janeiro, elogiou efusivamentea sua seriedade científica. Disse o professor que as informaçõese alternativas de interpretação apresentadas pelo JCeram extremamente ricas de dados. Finalmente, comparando-ocom publicações similares, afirmou que era das melhores quetinha visto nos últimos tempos.


JORNAL DO COMETA PÁGINA 3FESTA DO EMBALO DEIXA TODO MUNDO MUITO LOUCOPM FICACOM MEDOE TRÂNSITO- Acho muito difícil o cometaaparecei; mas se ele vier, só tenhomedo do que vai acontecer no trânsito.Todo mundo vai querer ficar paradoolhando pra cima, e aí o congestionamentovai ser ainda maior.A declaração é do cabo Paula, doServiço de Trânsito de São Paulo. Depoisde informar à reportagem do JCque o surgimento do Kohoutek temsido discutido pelos integrantes desua companhia de motocicletas, elefaz um apelo aos motoristas e transeuntes:- Quando o cometa vier, procuremum lugar adequado, fora das ruasprincipais; encostem os veículos, e sódepois fiquem observando.O cabo Paula - um dos 200 novosmotociclistas, colocados nas ruas paratentar melhorar o trânsito - acha queo aparecimento de cometas é oanúncio de coisas maléficas. E argumentacom a grande chuva que caiusobre São Paulo no último dia 20,que causou grandes prejuízos, matandovárias pessoas:- Chuva como essa fazia anos quenão caía em São Paulo. Esses trovões,relâmpagos e aquela água. Isto só podeser coisa do cometa!Denúncia em SalvadorBARBADO AGORAESTA FALANDOQUE NEM MULHERSalvador (JC-ESPECIAL) - Estãocirculando em Salvador vários trabalhosde trovadores baianos a respeitodo cometa Kohoutek. Um dos quemais sucesso vem fazendo, entre osque apreciam o gênero, é o trabalhodo autor Rodolfo Coelho Cavalcante,sob o título "E a Terra Brilhará OutraVez". O livreto de cordel foi postoà venda ao peço de CR$ 1,00 e oposto principal é a Banca de Postaldo sr. Durvai, na parte alta do ElevadorLacerda, na capital baiana.RecomendaçãoOs livros de cordel do sr. RodolfoCoelho Cavalcante são recomendadospelos eminente historiador e especialistaem folclore baiano, Odorico Tavares.No trabalho sobre a vida docometa Kohoutek, o trovador baianoressalta, no início, que "há muitagente assombrada / com a nova previsão/ do cometa Kohoutek / que surgirána amplidão". E mais adiante:"Cada vez que um qpmeta / Noinfinito aparece / O povo fica abismado/ Dizendo: o mundo perece.../ Porém isto é pecado / Quetráz o povo assustado / Ao castigoque merece."No século Vinte não há / Lugarpara superstição / Acredito que o Cometa/ Seja a anunciação / Para umnovo nascimento / De um ser no firmamento/ Com especial missão".Referindo-se aos temores que osurgimento do cometa provoca, escreveo trovador Rodolfo Coelho Cavalcante:"O medo é quem faz o bicho / Dotamanho que se quer. / Eu já vejo ohomem barbado / Falando como mulher/ Cabra que se diz corajoso / Jáanda todo medroso / Quando o cometavier".E finaliza fazendo um apelo a todoo povo:"Vamos olhar para o alto / PorqueDeus está presente! / O Cometa glorioso/ Nada tem de deprimente /Que uma era não distante / Ilumine oCavalcante / E o Brasil com sua gente".RIO - (Especial) - Uma guarniçãocompleta de soldados da Polícia Militarda Guanabara, foi chamada aobando de hippies, artistas e astrônomosamadores promovia verdadeirafesta de embalo em homenagem aocometa Kohoutek. Apesar da intensaalgazarra que os participantes da festapromoviam, os policiais não puderamdeter ninguém, uma vez que não seconstatou nenhuma irregularidade.Os soldados da PM ficaram no localaté o amanhecer, apreciando as verdadeirasloucuras que os artistas promoviam.A festa desenrolou-se numa noitebastante quente e as pessoas estavammuito doidas. Primeiramente apareceramvários artistas plásticos, carregandobandeiras coloridas cujo únicosímbolo era um cometa pintado devermelho. Deitados no chão, moças erapazes barbudos ficavam olhandopara o céu através de binóculos depapelão, enquanto os mais velhos agitavamas bandeiras, gritando para ocometa Kohoutek:- Apareça! apareça!O cometa não apareceu nenhumavez. Isso não impediu, porém, que todavez que passava um avião pelo local,todo mund» se levantasse gritandoe aplaudindo.Já no final da festa, um enormepapagaio de papel, de quase um metrode comprimento - que não conseguirasubir até aquela hora por faltade vento, finalmente foi empinadopor alguns participantes da festa.Marta Alencar, poetiza, uma das organizadorasda festa, teve que explicaraos policiais porque toda aquela confusão,gritarias. Mas, depois de algunsminutos, os ânimos serenaram e a festaprosseguiu com Marta atirando papéispicados na cabeça dos soldados edos repórteres presentes aos acontecimentos,até 7 horas da manhã.Travesti tem vergonhaA ma Aurora continua sendo o Depois das explicações de que de- se ver^Sabe, eu sou de São Vicente,A rua Aurora continua sendo ocentro dos invertidos sexuais, emboraeles também freqüentem a avenidaSão João e imediações. A reportagemdo JC, na porta do cine-strip-show riarua Aurora, entrevistou Roberto, nomomento em que acabava de se apresentare saía em direção de sua residência.- Esse cometa é como tantos outrosque já passaram: o de Halley, etc.E sempre que eles passam surgem comentáriossui-generis, esse sensacionalismoque a imprensa registra diuturnamente.Para mim é apenas uma estrelacadente, nada mais.- A respeito de os cometas seremo anúncio de acontecimentos funestos,Roberto afirmou:- Isso é bobagem. Pura bobagem.Se por acaso o cometa de Halleyanunciou em 1910 a primeira guerramundial, anunciou tampem a descobertada penicilina, não é?Outra boneca, çjue não quis declararo nome, também prestou declaraçõesà reportagem na esquina da avenidaSão João com Ipiranga. Instadopelo repórter, a boneca foi logo sedesculpando:- Não vai poder ser, meu bem. Jáestou acompanhada.Depois das explicações de que desejávamos,ficou afobado:- Como? Sobre esse cometa quevai passar? Não sei de nada. Sabe?Não sou uma pessoa muito estudada.Ai, meu Deus! Essas fotografias! Oque é que a minha família vai pensarFAXINEIRA AFAN/ORADA:E A VONTADE DE DEUSse ver'.' ~5abe, eu sou de São Vicente,mas não escreve no jornal não, porfavor i Faz só duas semanas que estouaqui em São Paulo, procurando emprego.Vou trabalhar de bailarina natelevisão. E com licença, estou atrasada»HIPPIE- PERIGO0s hippies estão numa nova onda: ir olhar o céu na praia.Centenas de cabeludos e barbudos, com suas roupas esfarrapadase levando suas barracas de lona e sacos de dormir' nascostas, estão se dirigindo para o litoral de São Paulo e deoutros Estados, a fim de aguardar a chegada do cometaKohoutek.Eles utilizam os mais diversos meios de transporte, mas omais comum é pedir carona nas estradas. Por isso, as autoridadespoliciais estão advertindo-os, principalmente se houver moçasnos grupos, para que tenham cuidado e observem bem,antes de entrar num veículo ao pedir carona. A polícia temeque se repitam novamente os ataques de motoristas, principalmenteàs moças que acompanham os hippies.Maria Francisca de Souza,37 anos de idade, faxineirana estação rodoviáriade São Paulo, confessou àreportagem do JC que estáapavorada:— Eu não posso dizernem que sim nem que não.Tudo isso é coisa de Deus eninguém pode garantir oque vai acontecer. A únicacoisa que se sabe é que ocometa vai aparecer no ceú.Instada pela reportagem,a faxineira disse que a chegadado cometa Kohoutek afazia lembrar-se de quandoera criança e morava no interiorde São Pauto:— Eu tinha 8 anos de idadee vimos uma estrela comuma cauda bastante comprida.Ela passou três dias nocéu e depois desapareceu. Agente ficou um pouco apavoradaporque tinha vistoaquela coisa — quando agente é criança fica com medo—eminha mãe dizia queo mundo ia acabar. Mas nadadisso aconteceu.Maria Francisca de Sousa,entretanto, não se tranqüilizae espera a chegadado cometa para ver o quevai acontecer:— O jornal e a televisãojá deram. Ele vai aparecer.O que vai acontecer depois,não sei...REIMATA o egoísmo e só morrerão quandoOs cometas - do gjrego komete(cabelos longos) - têm sido objeto.deterror, reverencia e medo através dahistória. E os antigos tinham umadesculpa mais do que legítima parasuas fantasias: ninguém sabia de ondevinham os cometas e para onde iamdepois que desapareciam de vista.De acordo com algumas interpretaçõesbíblicas, um cometa brilhanteapareceu sobre a Judéia por volta doano 7 antes de Cristo. Os oráculosdisseram ao rei Herodes que a "estrelade cabelos longos" anunciava onascimento de um menino que estavadestinado a ofuscar o próprio monarca.Foi para evitar essa ameaça à suasupremacia que Herodes desencandeouuma onda de infanticídios emtoda a Judéia, e da qual fugiram Josée Maria, emigrando para o Egito.AVISARAM:SERÁ O FIMDE NIXONVários jovens brasileiros, cujaidade variam de 20 a 25 anos,procuraram o professor RonaldoRogério Mourão, diretor doObservatório Nacional do Rio deJaneiro, para anunciar o fim dopresidente Richard Nixon, dosEstados Unidos. Os jovens pertencemà seita mística "Filhos,de Deus", fundada nos EstadosUnidos pelo norte-americanoMoisés David, pseudônimo deDavid Berg, de 54 anos de idade.Em contato com o professor Ronaldo,os jovens mostraram umasérie de cartas que receberam dolíder Moisés David, afirmando:— Deus vai destruir a Nínivemoderna, a moderna Babilônia, eo seu rei King Richard, o último.Para os "Filhos de Deus",Nínive, Babilônia, são os Estados.King Richard, o presidenteNixon.O professor Ronaldo RogérioMourão, em contato com a reportagem,explicou que como vivemosnuma época mística, e numaépoca de expectativa, as pessoasque estão infelizes na Terraficam esperando sinais dos céus.E aduziu:— Uma coisa são os astros,outra são os homens. OKohoutek é apenas um dos trezentoscometas que passaram pelaterra desde a passagem dogrande Halley, que vai voltar em1986. Os problemas dos homensnascem fundamentalmente como homem deixar de ser egoísta.Os jovens da seita "Filhos deDeus", a quem o professor Mourãorepetiu as mesmas coisas, noentanto, acham que ele não querdizer a verdade sobre o "Monstrodo Natal", porque está comprometidocom o sistema, argumentado:— O "Monstro" vai causarmudanças incríveis na Terra,apesar dos cientistas do sistemanão explicarem sua significaçãoaos povos. Mudanças incríveis;não sei bem quais, mas incríveis!O professor Mourão, porém,já tem opinião firmada sobre oassunto:— É muito fácil esperar queum cometa mude e vire a Terranum planeta habitável. O difícilé a própria humanidade dar essavirada.Milagre: Corintians campeão mais uma ?ez!Acredito"muito em Deus,pois o importante é ter fé. Respeitomacumba, pois cada umtem sua crença. Mas Deus estáacima de tudo. Se for para oCorintians ser campeão outravez, imploro que o cometa venhae seja bacana. Mas que não acabecom o mundo.As declarações são do "reizinho"do Parque, Roberto Rivelino,falando à reportagem doJC, com exclusividade. Em seuapartamento moderno, e cercadopor seus passarinhos, Rivelinoafirmou que sabia pouco de cometas:"nas horas vagas faço só oque gosto: cuidar dos meus passarinhos".— Mas já ouvi falar algumacoisa do Kohoutek. Se ele vier,espero que faça o Corintianscampeão mais uma vez - já faz20 anos que não tiramos umcampeonato. Quero que ocometa seja enorme, que é promundo ter paz.Informado pela reportagemde que o cometa Halley passouem 1910 pela Terra, Rivelinosurpreendeu-se:- Em 1910 o Corintians foifundado. Quem sabe este novofaça da gente campeão outra vez.O pai de Rivelino, que estavana casa do filho preparando-separa comemorar as festas de fimde ano, afirmou ser a pessoamenos indicada para falar sobrecometas, pois nunca estudou astronomia.— Mas acho que é uma estrelacadente, não é? Acho, entretanto,que a melhor higiene mentalé o esporte, e não ficar perdendotempo com cometas, notícias deguerra e política. É melhor ficarlonge de coisas ruins.A mulher de Rivelino, Maísa,também quis dar sua opinião:— Acredito muito em cometas,embora eu ach que não vaidar para ver a olho nu. O surgimentodele já estava previsto numaprofecia de Nostradamus praeste século.


COMETASão Paulo, dezembro de 1973 ANO 1 - N? 2PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTEPELÉ VOLTA À SELEÇÃO EJOGA NA ALEMANHA EM 74Rei cometeuinfanticidioLeia na página 2 Leia na página 3 Leia na página 3Policia avisahippies: cuidadocom motoristasLeia na página 3QUE NEM MULHER!Leia na página 3


- Eu sou responsávelpor tudo. Continue comos choques, por favor.- Tá bom. (zzumpf!)- Me soltem daqui,vocês não têm direito deme manter aqui! Meucoração! (berros)- Continue por favor.- Veja, ele está mal,não tá ouvindo? Deus, eunão sei não...- £ preciso continuar.Uma experiência de arrepiar:mostra que a gentepode ferir um semelhantepara não desobedecer àautoridade. O psicólogoStanley Milgran fez aexperiência na Universidadede Yale, EUA. Eescreveu o artigo quepublicamos nas 2 páginasseguintes.


- Sinto muito, acho quequando os choques são assimcontínuos, são perigosos.- £ absolutamente essencialque continuemos...A obediência é basicamente um elemento de estruturada vida social. Algum sistema de autoridade énecessário a todos os agrupamentos comunitários, esomente a pessoa isolada não é forçada a responder,com o desafio ou submissão, ;io comando de outras.O dilema da submissão à autoridade é tão velhoquanto a história de Abraão; a questão de se deverobedecer às ordens quando estas conflitam com aconsciência já foi discutida por Platão, dramatizadaem Antigone e analisada filosoficamente em quasetodas as épocas históricas.Os aspectos legais e filosóficos da obediência sãode enorme importância, mas dizem muito poucosobre como a maioria das pessoas se comporta emsituações concretas. Realizei uma simplesexperiênciana Universidade de Yale para testar quanta dor umcidadão comum infligiria a outra pessoa apenas porquereceberia, de um cientista experimental, ordenspara fazê-lo.No plano básico da experiência, duas pessoas vãoao laboratório de um psicólogo, para participar de umestudo de memorização e aprendizado. Uma delas édesignada como "professor e outra como "aluno".O cientista diz que o estudo busca saber os efeitos dapunição no aprendizado. O "aluno" é conduzido auma sala, sentado numa espécie de miniatura decadeira eletrica; seus braços são atados para evitarexcessos de movimentos, e é colocado um elétrodoem seu pulso. É dito a ele que lerá uma série de palavrascomuns e depois será testado em sua capacidadede lembrar a segunda palavra de um grupo de quatroquando ouvir a primeira delas, a palavra chave. A cadaerro que for cometendo receberá uma descarga elétrica,em intensidade crescente.O objetivo real da experiência é o "professor".Após o "aluno" atado à cadeira, o "professor" se sentarádiante de um impressionante gerador de choques.O painel de instrumentos consiste em 30 chaveselétricas dispostas em linhas horizontais. Cada chaveestá claramente rotulada com uma designação de voltagem,indo de 15 até 450 volts. As indicações seguintesestão claramente indicadas por grupos de quatrochaves, indo da esquerda para a direita: ChoqueLeve, Choque Moderado, Choque Forte, ChoqueMuito Forte, Choque Intenso, Choque de ExtremaIntensidade. Perigo: Choque Crave (duas chavesapós esta última indicação estão marcadas simplesmenteXXX).Quando uma chave é acionada uma lâmpada pilotocorrespondente a cada chave é acesa em vermelhobrilhante; ouve-se uma campainha elétrica; uma luzazul, rotulada "amplificador de voltagem", pisca; odial do medidor de voltagem corre para a direita; esoam vários cliques de relês.O canto esquerdo do gerador, no alto, tem a etiqueta:GERADOR DE CHOQUE TIPO ZLT, DYSONINSTRUMENT COMPANY WALTHAM, MASS.CAPACIDADE DE 15 A 450 VOLT.Cada "professor" recebe uma amostra de choquede 45 volts do gerador, antes de começar a experiencia.O "aluno" ou "vítima" é, naturalmente, um atorque não recebe choque nenhum. O objetivo daexperiência é ver até onde uma pessoa irá, numasituação concreta e mensurável, na qual é ordenada ainfligir dor crescente numa vítima que protesta.O conflito cresce quando o homem que recebechoques mostra que está se sentindo mal. Aos 75 voltsele geme; aos 120 volts reclama alto; aos 150, pedepara ser liberado da experiência; à medida que a voltagemcresce seus protestos tornam-se mais veementese emocionais. Aos 285 volts sua resposta pode serdescrita apenas como um grito de agonia. Poucodepois ele já não emite som nenhum.Para o "professor" a situação rapidamente ganhauma tensão opressiva. Não é um jogo para ele; o conflitoé intenso e óbvio. O sofrimento manifesto do"aluno" pressiona-o para que desista; mas cada vezque ele nesita em aplicar um choque, o cientistaordena-lhe que continue. Para se livrar dessa situação,o "professor" precisa adotar uma clara atitude derompimento com a autoridade.Cretchen Brandt (o nome foi trocado por motivoséticos) é uma atraente médica de 31 anos de idadeque trabalha em Yale. Ela chegou da Alemanha há 5anos.Em várias ocasiões, quando o "aluno" reclama, eiavolta-se calmamente para o cientista e pergunta:"Devo continuar?". E prontamente volta a sua mesaquando o cientista manda que continue. Na aplicaçãoao choque de 210 volts, ela vira para o cientista edeclara com firmeza, "Bem, sinto muito, mas achoque não devemos continuar".CIENTISTA: A experiência exige que voce continueaté que ele tenha aprendido todos os pares de palavrascorretamente.BRANDT: Ele tem um problema de coração, sintomuito. Ele lhe disse isso antes.CIENTISTA: Os choques talvez sejam doloridos masnão são perigosos.BRANDT: Bem, sinto muito, mas acho que quandoos choques são assim contínuos, são perigosos. Pergunte-lnese ele quer desistir, é a vontade dele.CIENTISTA: É absolutamente essencial que continuemos...BRANDT: Gostaria que perguntasse a ele, viemosaqui de livre e espontânea vontade. Elelhe disse quetinha um problema cardíaco, sinto muito. Não queroser responsável por nada que venha acontecer comele. Aliás, eu não gostaria que fizessem isso comigo.CIENTISTA: Voce não tem outra escolha.BRANDT: Eu acho que estamos aqui por nossa vontade.Não quero ser responsável por nada que aconteçaa ele. Por favor entenda isso.Ela se recusa a ir adiante e a experiência está terminada.A mulher é firme e resoluta através de toda a experiência.Sua entrevista indica que nunca ficou tensaou nervosa, e isso corresponde a sua experiência controladadurante o teste. Ela sente que o último choqueque aplicou no "aluno" foi extremamente doloroso erepete que "não queria ser responsável por nenhummal que viesse a acontecer a ele".O comportamento honesto e atencioso da mulherno teste, a falta de tensão e o controle total sobre osseus próprios atos, parecem fazer da desobediênciaum fato simples e racional. Seu comportamento é aexpressão correta do que previ que constataria emtodos os terstados.Antes de começar a experiência, fui ouvir o palpitede vários tipos de pessoas sobre os resultados - psiquiatras,estudantes, adultos da classe média, estudantesgraduados e catedráticos de ciências comportamentais.Com incrível unanimidade eles prognosticaramque virtualmente todos os testados se recusariama obedecer o cientista. Os psiquiatras, especificamente,previram que a maioria dos testados não iria alémdos 150 volts, quando a vítima fizesse o primeiro pedidopara ser liberada. Eles esperavam que apenas 4%chegariam aos 300 volts, e que apenas uma minoriapatológica - por exemplo 1/1000 - aplicaria o maiorchoque do painel.Essas previsões estavam totalmente erradas. Dos 40testados na primeira experiência, 25 obedeceram a$ordens do cientista até o final, punindo a vítima atéalcançar o choque mais potente indicado pelo painel.Depois que os 450 volts foram aplicados 3 vezes, ocientista suspendeu a sessão. Muitos "professores"obedientes, soltaram então, suspiros de alívio, franziramas sobrancelhas, esfregaram os olhos, ou nervosamenteacenderam um cigarro. Outros demonstraramainda mínimos sinais de tensão, do começo até ofim.Quando o primeiro dos testes foi realizado, foramusados estudantes de Yale como "professores", e cercade 60% foram completamente obedientes. Umcolega meu imediatamente minimizou o resultadodizendo que os estudantes de Yale são altamenteagressivos, um bando de jovens competitivos quepisam na cabeça uns dos outros à menor provocaçao.Ele me assegurou que quando testasse pessoas "comuns",os resultados seriam bem diferentes. A medidaque passamos dos estudos-piloto à série de experiênciasregulares, foram contratadas pessoas detodas as camadas sociais da vida de New Heaven: profissionaisliberais, executivos, desempregados eoperários. O resultado da experiência foi o mesmoque havíamos observado entre os estudantes.Além do mais, quando as experíncias foram repetidasem Princeton, Roma, Munique, África do Sul eAustrália, o nível de obediência foi invariavelmenteum tanto maior do que o verificado na pesquisa relatadaneste artigo. Um cientista de Munique constatouque os 85% dos testados foram obedientes.As reações de Fred Prozi, embora mais dramáticaque as da maioria, ilustram os conflitos sentidos poroutros de forma menos visível. Com cerca de 50 anosde idade, e desempregado na época das experiência,ele é do tipo bonachão, embora levemente dissolutona aparência e com o costume de esmurrar as pessoasmais ou menos corriqueiramente. Ele começa a ses-


- Alguma coisa estáacontecendo com esse,elenão responde nem nada.- Continue usando a chavede 450 volts, por favor.são normalmente mas torna-se tenso à medida emque prossegue. Após aplicar o choque de 180 volts,ele se remexe na cadeira, sacode a cabeça e dirige-seao cientista em tom agitado:PROZI: Eu não agüento. Não vou matar essehomem aí. O senhor não ouve ele gemendo?CIENTISTA: Como eu lhe disse antes, os choquespodem ser dolorosos, mas...PROZI: Mas ele está gemendo. Ele não agüenta. Oque vai acontecer com ele?CIENTISTA: (sua voz é paciente, frise-se). A experiênciaexige que o senhor continue, professor.PROZI: Áaah, mas unh, eu não vou machucar essehomem doente aí - tá entendendo?CIENTISTA: Agradando ou não ao aluno, devemoscontinuar, até o último par de palavras.PROZI: Me recuso a assumir a responsabilidade.Ele está gemendo!CIENTISTA: É absolutamente essencial que continue,Prozi.PROZI: (indicando as perguntas ainda por fazer)Ainda há muitas per aqui, quero dizer, Jesus, se eleresponde alguma errado, ainda tem muitas delas.Quero dizer, quem vai assumir a responsabilidade sealguma coisa acontece a esse cavalheiro?CIENTISTA: Eu sou o responsável por qualquer coisaque aconteça a ele. Continue por favor.PROZI: Tá bom (consulta a lista de palavras). Aspróximas, são "lento, caminhar, caminhão, dança,música". Responda por favor, (uma campainha indicaque o "aluno" marcou a resposta) ERRADO. 195 volts.Dança". (Zumpfff).ALUNO: (gritando) Me soltem daqui! Meu coração!(o professor olha para o cientista)CIENTISTA: Continue, por favor.ALUNO: (berrando) Me soltem daqui! Vocês nãotem o direito de me manter aqui! Me deixem sair. Omeu coração! Me soltem!PROZI: (sacode a cabeça, tamborila na mesa nervosamente)Veja ele está mal, não está ouvindo? Deus,eu não sei não...CIENTISTA: A experiência exige que...PROZI: (interrompendo) Eu sei que exige, senhor,masquerodizer-humh! Ele não sabe o que está recebendo.Está chegando aos 195 volts (a experiênciacontinua, vai aos 210 volts, 225, 240, 255, 320 volts,ponto no qual Prozi, com alívio evidente, termina alista.CIENTISTA: Você vai ter que voltar ao começo destaúltima página novamente, até que ele aprendatodas direitinno.PROZI: Ah, não! Eu não vou matar esse homem! Osenhor quer dizer que eu tenho que aumentar aindamais? Não senhor, ele está gemendo ali. Eu não voumeter um 450 volts nele.CIENTISTA: A experíncia exige que continue.ALUNO: Ohhhhn! Me recuso a continuar respondendo(gritando seguidamente e agora) Me soltemdaqui! Não podem me segurar mais aqui. Me soltem!Me soltem! Me soltem já daqui!CIENTISTA: Continue. A próxima palavra é "verde",por favor.PROZI: Verde - grama, chapéu, tinta, maçã. (Nãoacontece nada). A campainha de resposta não soua.Apenas um melancolico silêncio)PROZI: Não acho que ele vá responder.CIENTISTA: Se o aluno não responde num temporazoável, mais ou menos 4 ou 5 segundos, considere aresposta errada. E siga o mesmo procedimento quetem seguido para respostas erradas. Diga "errado",diga-lhe o número de volts, aplique-lhe a punição eleia para ele a resposta correta. Continue, por favor.PROZI: "Verde - grama, chapéu, tinta maçã. Responda,por favor, (mais silêncio).CIENTISTA: Siga com o procedimento, por favor.PROZI: 315 volts. A resposta é "tinta". (Zzumpf!)ALUNO: Ohh! Oooohh!PROZI: (pulando a resposta): A próxima...ALUNO: Me recuso a responder!...PROZI: Você tem que responder! Você toma umchoque, se não responder! (a experiência continua,com o aluno se recusando a responder e, finalmente,parando até com gemidos e lamentações. Aos 375volts o "professor" se levanta).PROZI : Eu acho gue está acontecendo alguma coisacom este cara. Nao estou recebendo nenhuma resposta.Ele está gemendo na última voltagem. Não dápara o senhor dar uma checada nele e ver se está tudookey, por favor.CIENTISTA: (com a mesma desinteressada calma):Não, uma vez que começamos. Por favor, continue,Professor.PROZI: (senta e suspira profundamente): "Frio -dia, sombra, água, pintura". Responda, por favorfVocê está bem aí? Você está bem.CIENTISTA: É favor continuar, Professor. Continue,por favor. (O professor puxa a chave. Zzmpf!)PROZI: (Contorcendo-se na cadeira): Alguma coisaestá acontecendo com este homem aí. (se remexe).Próxima. "Baixo - dólar, gravata, lua, pintura", (remexendo-sede novo). Alguma coisa está acontecendocom este homem. É melhor examiná-lo, meu senhor.Ele não responde, nem nada.CIENTISTA: Continue, prossiga, por favor.PROZI: O senhor aceita esta responsabilidadetoda?CIENTISTA: A responsabilidade é minha. Exatamente.Por favor, continue, (o testado volta à lista,começa a correr com as palavras, lendo o mais rápidoque pode, palavras até os, 450 volts).PROZI: Pronto, acabou.CIENTISTA: Continue usando a chave de 450 paracada palavra errada. Continue, por favor.PROZI: Mas eu não estou obtendo resposta nenhuma!CIENTISTA: Siga, por favor. A próxima palavra é"branco".PROZI: Por favor, o senhor não acha que devia daruma olhada nele?CIENTISTA: Não, uma vez que a experiência foicomeçada.PROZI: E se ele morrer aí? (gesticula apontandopara a cadeira elétrica). Quero dizer que ele me dissenão poder suportar choques, senhor. Não quero sermal-educado, mas acho que o senhor devia dar umaolhada nele. Tudo o que o senhor precisa fazer é daruma olhada nele. Tudo o que o senhor precisa fazer édar uma olhada na porta. Não estou recebendonenhuma resposta. Alguma coisa deve estar acontecendoa esse cavalheiro, senhor.CIENTISTA: Devemos continuar. Siga, por favor.PROZI: Como, continuar? Dando a ele o quê? 450volts?CIENTISTA: É isto mesmo. Continue. A próximapalavra é "branco".PROZI: (agora em tom furioso): "Branco, nuvem,cavalo, pedra, casa". Responda, portavor. A respostaé cavalo. 450 volts. (Zzzumpf!) Próxima palavra, "SA -CO; PINTURA; MÚSICA; PALHAÇO; GAROTO". Aresposta é pintura (Zzumpf!). 450 volts. Próxima palavra,"Curto - sentença, cinema..."CIENTISTA: "Desculpe, Professor. Teremos queinterromper a experiência.Morris Braveman, outro que foi testado, é um assistentesocial de 39 anos de idade. Ele parece mais velhodo que é por causa da careca e do ar grave. Suassobrancelhas são carregadas, como se toda a carga domundo estivesse sobre seus ombros. Ele parece inteligentee interessado.Quando o aluno se recusa a responder e o cientistadiz a Braverman para ameaçá-lo, que a falta da respostaé o equivalente a uma resposta errada, Bravermanacata a ordem ao pé da letra. Antes de aplicar 300volts, ele afirma gravemente à vítima, "senhor Wallace,seu silêncio tem que ser considerado como umaresposta errada". Depois aplica o choque. Ele seoferece medrosamente para trocar de lugar com oaluno, depois pergunta ao cientista: "tenho queseguir estas instruções literalmente?" Fica satisfeitocom a resposta de que deve segui-las. Sua maneiraeducada e autoritária de falar é enormemente prejudicadapela risada ofegante.As anotações do cientista sobre o senhor Bravermandurante os últimos poucos choques são:Quase estoura agora cada vez que aplica um choque.Fica vermelho de tanto sufocar a risada.Piscando, tentando esconder o rosto com as mãoj,ainda rindo. Não consegue mais controlar a risada aesta altura, não importa o que faça.Cerrando os punhos, batendo-os na mesa.Na entrevista após a sessão, o senhor Braverman sintetizaa experiencia com fluência e inteligênciaimpressionantes. Ele tem a impressão que a experiênciatalvez tenha sido planejada agora também para"testar os efeitos no "professor", num papel essencialmentesádico, bem como as reações de um estudantenuma situação de aprendizado autoritária epunitiva.Quando perguntado quão doloroso foram os últiíospoucos choques aplicados no aluno, ele afirmaque o mais forte dos que existemna escala não é conveniente/ondeo painel diz EXTREMAMENTE DOLO-ROSO). É quase impossível analisar sua enorme calmadurante a entrevsita. Nos termos mais tranqüilos,ele fala sobre sua violenta tensão interna.CIENTISTA: A que ponto o senhor se sentiu maistenso ou nervoso?BRAVERMAN: Bem, quando ele começou a chorarde dor e eu percebi que estava sendo ferido. Issopiorou quando ele simplesmente se bloqueou, recusando-seresponder. E ali estava eu. Sou uma boa pessoa,eu acho, ferindo alguém enuma situação que meparecia maluca... E no interesse da ciência, a genteacaba indo até o fim.Quando o entrevistador fala sobre os aspctos geraisda tensão, Braverman, espontanéamente mencionasua risada."Minhas reações foram horrivelmente esquisitas.Eu não sei se o senhor estava me obsedrvando, masminhas reações eram de dar risadinhas e de tentaresconder um riso maior. Normalmente, eu não souassim. Essa foi uma reação inusitada dentro de umasituação totalmente impossível. Isso de eu ter queferir alguém. E me sentindo sem ajuda e apanhadonuma circustância da qual não podia sair e onde nãopodia ajudar o aluno. Isso me deixou pior."O sen hor Braverman, como todos os testados, recebeuinformações dos reais propósitos e natureza daexperiência. Um ano mais tarde, respondendo a umquestionário, ele afirmou que aprendera algo degrande importância pessoal: "O que me atingiu foique eu podia possuir esta capacidade de obediencia esubmissão a uma idéia central, isto é, o valor de umaexperiência sobre a memória, mesmo depois de ficarclaro gue a aceitação desse valor se dava ás custas daviolaçao de outro valor, isto é, não fira ninguém quenão esteja ferindo e indefeso. Como diz minhamulher, "você pode se chamar a si mesmo de Eichmann".Espero agir mais positivamente diante dequalquer conflito de valores que encontrar".A ETIQUETA DA SUBMISSÃOUma interpretação teórica deste comportamentoconclui que todas as pessoas abrigam instintos profundamenteagressivos, continuamente pressionadospara virem à tona, e essa experiência fornece uma justificativainstitucional pára a liberação desses impulsos.De acordo com este ponto de vista, se uma pessoaé colocada numa situação na qual tem completopoder sobre outro indivíduo, que ela pode punir tantoquanto queira, tudo o que é sádico e bestial nohomem vem à tona. O impulso de aplicar choquesna vítima é visto como derivado de tendências agressivaspotentes, que são parte da vida motivacional doindivíduo, e a experiência - porque fornece legitimidadesocial - simplesmente abre porta para sua manifestação.Tornou-se vital, portanto, comparar a atitude dotestado quando sob ordens e quando lhe fosse permitidoescolher a intensidade do choque.O procedimento foi idêntico à nossa experiênciapiloto,exceto que se disse ao "professor" que eleestava livre para selecionar qualquer intensidade dechoque, em qualquer dos julgamentos. (O cientistarecebeu choques para provar ao "professor" que estepoderia usar a mais alta intensidade do gerador, amais baixa, as médias ou qualquer combinação deintensidade). Cada testado procedeu a 30 julgamentoscríticos. Os protestos do aluno foram coordenadosà intensidade dos choques padronizados - o primeirogemido vindo ao 75 volts, o primeiro protestoveemente a 150 volts.A média de choque usada durante os 30 julgamentoscríticos, foi menos que 60 volts - a mais baixa doque oponto no qual a vítima mostrou os primeirossinais de mal-estar. 3 dos 40 testados não foram alemda mais baixa intensidade do painel, 28 não passaramde 75 volts e 38 não ultrapassaram os 150 volts, após oprimeiro grito de protesto. 2, porém, forneceriam aexceção, aplicando acima de 325 e 400 volts, mas oresultado médio foi de que a grande maioria das pes-


- Continuar com 450 volts?- É isso mesmo, continue!- Ok! (furioso) 450 volts!- Desculpe, teremos queinterromper a experiência.soas aplicou choques muito baixos, geralmenteindolores, quando a opção era explicitamentepara aumentá-los.Esta circunstância da experiência enfraquece outraexplicação comumente aceita sobre o comportamentotestado - de que aqueles que aplicam choques navitima em intensidade alta, vêm somente da pacelasádica da sociedade. Se se considerar que quase 2terços dos participantes caem na categoria de "oberdientes",e que eles representavam pessoas comuns -isto é operários, executivos e profissionais liberais - oargumento tornava-se muito frágil. Na verdade, issolembra muito um ponto levantado por HannahArendt, em seu livro "Eichmann em Jerusalém", de1963. Arendt argumentou que os esforços da acusaçãopara classificar Eichmann como um monstro-sádico,estavam errados na essência, e que elegeria mais umburocrata sem inspiração que simplesmente sentavana sua cadeira e fazia o seu trabalho. Por expressaressa opinião, Arendt transformou-se em alvo de considerávelescárnio, mesmo de calúnias. De algumaforma, sentiu-se què a obra monstruosa praticada porEichmann requeria uma personalidade distorcida,brutal, a encarnação do mal. Para testemunhar centenasde pessoas comuns sendo submetidas à autoridadeem nossas próprias experiências, devo concluir quea concepção de Arendt sobre a trivialidade do malchega mais próxima da verdade que se possa ousarimaginar. A pessoa comum que durante a nossa experiênciaapplicou choaues na vítima, fez isso a partir deum senso de obrigação - uma impressão de seusdeveres como testado - e não a partir de quaisquertendencias peculiares.Esta é, provavelmente, a lição mais fundamental denosso estudo: pessoas comuns simplesmente executandoseus trabalhos, e sem nenhuma hostilidade particular,podem vir a ser agentes de um terrível processode destruição. Além cfisso, mesmo quando os efeitosdestrutivos do seu trabalho, venham a ser patentementeclaros, e pede-se a eles para praticar açõesincompatíveis com os padrões fundamentais damoralidade, poucas pessoas relativamente têm areserva necessária para resistir à autoridade.Muitas das pessoas eram de alguma forma, contra oque estavam fazendo, e muitas protestavam, mesmoenquanto obedeciam. Algumas estavam totalmenteconvencidas dos erros de suas ações, mas não conseguiamromper abertamente com a autoridade. Elasmuitas vezes obtinham satisfação a partir de seus pensamentose sentiam que - pelo menos intimamente -estavam do lado dos anjos. Tentavam minimizar seuprocedimento obedecendo ao cientista mas "apenaslevemente", encorajando o aluno, e movendo osbotões do gerador suavemente. Quando entrevistado,um deles diria, para se aliviar, que tinha consultadoseu humanismo e assim aplicado o mais curto choquepossível. Assumir o conflito dessa maneira era amaneira mais fácil do que se rebelar.A situação é montada de tal forma a que não hajapossibilidade do "professor" parar de dar choques noaluno" sem violar as definições do cientista sobresua própria competência. O testado teme parecerarrogante e mal educado, se desobedece. Emboraessas emoções inibidoras pareçam pequenas, emrelação a violência que está sendo aplicada no "aluno",elas aliviam a mente e o sentimento do testado,que se sentia muito mal diante da perspectiva derepudiar a autoridade à sua frente. (Quando a experiênciafoi alterada de forma a que o cientista dessesuas instruções por telefone, ao invés de pessoalmente,só 1 terço das pessoas foram totalmente obedientesaté 450 volts).DEVE SER CONFLITOOs testados sentem satisfação ern infligir dor, maseles geralmente gostam da sensação de estarem agradandoao cientista sob circunstâncias difíceis.Enquanto aplicavam apenas choques leves, por suaprópria iniciativa, uma variação experimental mostrouque, sob ordens, 30% deles estavam querendosoltar 450 volts mesmo quando tinham que forçarenergicamente a mão do aluno sob o eletrodo.Bruno Batta é um operário de 37 anos de idade quetomou parte na variação que incluia o uso da força.Nasceu em New Heaven, seus pais na Itália. Ele temuma expressão rude que pressupõe uma quase totalfalta de agilidade. Tem alguma dificuldade em dominaro procedimento experimental e precisa ser corrigidopelo cientista várias vezes seguidas.Mostra-se agradecido pela ajuda, e também mostradisposição para fazer o que é pedido. Após o choquede 150 volts, Batta tem que forçar a mão do aluno naplaca de choque, já que o aluno se recusa a fazer issode livre e expontanea vontade.Quando o aluno emite a sua primeira queixa Battanão lhe dá atenção. Seu rosto mantém-se impassívelcomo que para distanciar-se do comportamento erradodo aluno. Quando o cientista o instrui para forçaramão do aluno para baixo, ele assume uma atitude rígida,mecânica. Ele testa o botão do gerador. Quando obotão falha, ele imediatamente força a mão do alunona placa de choque. O aluno pede-lhe que pare comaquilo, mas com uma impassividade de robô, ele continua.0 que é extraordinária é sua aparente indiferençaem relação ao aluno; ele não toma consciência doaluno como ser humano. Enquanto isso se relacionacom o cientista de forma cortês e submissa.Aos 330 volts, o aluno não só se recusa a tocar a chapaelétrica, como também a responder qualquer coisa.Irritado Batta volta-se para ele. "É melhor você respondere acabar logo.com isso. Não podemos ficaraqui a noite inteira'. Essas são as únicas palavras queele dirige ao aluno no espaço de uma hora. E não falarámais nada com ele. A cena é brutal e deprimente,sua face, dura, impassível, mostrando total indiferença,enquanto domina os gritos do aluno e aplica-lhechoques. Ele não parece sentir nenhum prazer no atoem si, apenas uma surda satisfação em estar executandoo seu trabalho a contento.Quando aplica o choque de 450 volts, volta-se parao cientista: 'E de pois disso, Professor?" Seu tom érespeitoso e expressa sua vontade de ser uma cobaiaque coopera, em contraste com a obstinação do aluno.Ao final da sessão, ele diz ao cientista como se sentiuhonrado por tê-lo auxiliado. E num momento dearrependimento: "Sinto muito, professor, que nãotenha saido tudo perfeito".Ele fez o melhor possível. E honestamente. Foi apenaso comportamento deficiente do aluno que nãopermitiu que a experiência fosse perfeita. A essênciada obediência é que uma pessoa veja a si própriacomo um instrumento para defender a vontade deoutra pessoa. Assim ele não é mais responsável pelospróprios atos. Uma vez que essa substituição de opiniãocrítica ocorre, todos os outros mecanismos daobediência se desenvolvem. A conseqüência maisprofunda: a pessoa sente responsabilidade em relaçãoà autoridade que a dirige, mas não sente responsabilidadeem relação à autoridade que a dirige, masnão sente responsabilidade para com o conteúdo dasações ordenadas pela autoridade. A moralidade nãodesaparece, ela adquire um enfoque radicalmentediferente: a pessoa subordinada sente vergonha ouorgulho, dependendo se desempenhou bem ou malas ações ordenadas pela autoridade.A linguagem fornece numerosos termos para precisaresse tipo de moralidade: lealdade, dever, disciplina,todos são termos saturados de significadomoral. Eles se referem a correção com a qual uma pessoacumpre suas obrigações para com a autoridade. Amais freqüente defesa, usada por um indivíduo quetenha praticado um ato extremamente mau sob ocomando de uma autoridade, é a de que ele simplesmentecumpriu com o seu dever. Usando essa defesa,o indivíduo não está levantando uma álibi preparadopara aquele episódio, mas sim relatando honestamentea atitude psicológica induzida pela submissãoà autoridade.Para uma pessoa se sentir responsável por seus atos,ela deve ter consciência de que a atitude veio do seu"íntimo". Na situação que estudamos, as coisastinham exatamente a visão oposta de suas ações comooriginadas nas razões de outra pessoa. Durante asexperiências, os testados cobaias diziam freqüentemente,"Se fosse por mim, eu não a aplicaria choquesem nenhum aluno".Chegamos a algumas conclusões:1 - A presença física do cientista tem relação decisivacom a autoridade. A obediência caía sensivelmentequando as ordens vinham por telefone. Mas o cientistaquase sempre convencia uma cobaia desobediente,assim que voltava ao laboratório.2 - O conflito de autoridade compromete seriamentea ação. Quando 2 cientistas de status igual,ambos sentados nas mesa de comando, dão ordenscontraditórias, nenhum choque é aplicado.3 - A ação rebelde de um cobaia debilita seriamentea autoridade. Numa variação da experiência, juntamospara os testes 3 "professores" - 2 atores e 1 cobaiareal. Quando os 2 atores desobedeceram o cientista ese recusaram a ir além de uma determinada intensidadede choques, 36 ou 40 cobaias juntaram-se aos parceirosdesobedientes e também recusaram.Citarei uma variação final da experiência querepresenta um dilema que é mais comum nodia-a-diados homens comuns. O cobaia não precisava puxar aalavanca que dava choques no aluno. Ele simplesmentedeveria'cuidar de uma mesa auxiliar, aplicandoo teste das palavras, enquanto outra pessoa aplicava aalavanca dos choques. Nesta situação, 37 de 40 "alunos"continuaram até a intensidade mais elevada dechoques. Presumivelmente eles desculpavam seucomportamento dizendo que a responsabilidade erarealmente do homem que puxava a alavanca. Isto talvezilustre um comportamento típico de uma sociedadecomplexa: é fácil ignorar a responsabilidadequando alguém é apenas um elo intermediário numacadeia de ações.O problema da obediência não é totalmente psicológico.A forma e formação da sociedade e a maneiracomo ela se desenvolve tem muito a ver com,isso.Houve tempo, talvez, em que as pessoas conseguiamdar uma resposta totalmente humana a qualquersituação, porque estavam totalmente envolvidasnaquilo como seres humanos. Mas assim que houveuma divisão de trabalho, as coisas mudaram. Além decerto ponto, com as pessoas assumindo trabalhosmuito especializados, uma pessoa não consegue ver asituação por inteiro, mas apenas pequena parte dela.Assim, ela é incapaz de agir sem algum tipo de autoridade,de direção. As pessoas clamam por autoridade,mas fazendo isso se alienam de suas próprias ações.Mesmo Eichmann ficava enojado quando excursionavapelos campos de concentração. Mas, enquantotinha apenas que sentar numa cadeira e remexer compapéis, estava tranqüilo. Ao mesmo tempo, o homemque realmente soltava a Cyclon-b nas camaras de gásdo campo de concentração podia justificar seu comportamento,afirmando estar seguindo ordens superiores.Assim há uma fragmentação do ato humano total:rninguém é confrontado com as conseqüências desua! própria decisão de executar um ato mau. Talvez estaseja a característica mais comum do mal socialmenteorganizado na sociedade moderna.


"Não existe nenhumtermo adequado em inglêspara o que eu vou dizeragora: au revoir!"(Richard M. Nixon, Casa Branca, agosto de 1974)WANTEDífiillS-^•ESBglragàwRS II. IOGQMZAiBZDOJÍ&LD


JORNAL DE TEXTO,FOTO,QUADRINHOE O DIABO.Compre o Ex! Melhor ainda: assine o Ex, mandandoeste cupon (ou cópia dele, pra não estragar o jornal)para a Rua Santo Antônio, 1043, São Paulo -CEP 01314Nome:Endereço:Cidade:CEPNome:Endereço:Cidade:CEP:Data:12 EDIÇÕES (Cr$ 70) 6 EDIÇÕES (Cr$ 35)Estado-Estado-Data:12 EDIÇÕES (Cr$ 70) _ l 6 EDIÇÕES (Cr$ 35)2050Os que vão morrerEu. Meus filhos todinhos.Meu pai. Idem minha mãe.Meus avós que restam. Opresidenteda República. CnarlesChaplin. 270 milhões de brasileiros,todos os maiores artistasvivos que você conhece, semcontar você.Vai morrer o Papa algumasvezes, vão morrer milhões defiéis, a Sophia Loren vai morrer,também o Drummond, oNixon, a Golda, o Gato Barbieri,o Grande Otelo,,o NelsonRodrigues, a Elke Maravilha, oGil. Todos os ministros de Estadovão morrer, na França. Evários imperadores ainda porventuraexistentes.I bilhão e meio de chineses280 milhões de franceses430 milhões de americanosII milhões de uruguaios48 milhões de argentinos(inclusive Perón)1 bilhão e 200 mil indusEnfim, trata-se de genocídios.Vão morrer: (faça sua listinhaparticular; bom divertimento).Mylton Severiano da SilvaANÚNCIOS FÚNEBREStJ.D. PERÓNOs editores e funcionários da Ex-Editora cumprem odever de comunicar o falecimento.tH.KISSINGEROs editores e funcionários da Ex-Editora cumprem odever de comunicar o falecimento.Forma de pagamento: cheque nominal para a Ex-Editora Ltda.NANICO ÉCOM A CHRISTemos números atrasados doEx e Crisis, Cadernos de Çrisis,Publicações do Quino,Livros Latino-Americanos, deArte e Comunicação. E mais:Números atuais e atrasados detodos os jornais Nanicos.A Chris fica aberta todos os dias (inclusivesábados e domingos) até meia-noite.LIVRRRIRCHRI/Av. Paulista, 809 — São PauloINDEXClassificadosex-ANUNCIEPROCESSOFoi você, seu filho,(soa um tapa, voa uma pata)Seu pai, sua mãe, seu amigo,(e o fio corre para a tomada)Foi você, seu cão(a mão no interruptor)Sua namorada, seu irmão,(o murro, o urro ininterrupto)Foi você, seu maldito,foi seu sanguevermelho, (água, sal,o mergulho no tanque)Foi você, sua mão, seu olho,sua unha, seu dente, seu corpo,seu pulso sem impulso, seu lábio roxo,seu coração sem ação,seu morto.Otoniel Santos Pereira


A fábrica Chisso, em Minamata, Japão, atira suas águas usadas,na baía onde os pescadores sempre pescaram. Contendomercúrio, as águas da Chisso fizeram surgir uma novadoença: a "Minamata", que cega, paralisa, mata. Algunsmédicos dizem que 10 mil pessoas ainda estão por morrer,de Minamata.


A fábrica Chisso, jogando mercúrio naságuas, criou a doença "Minamata" a partirde 1953. A doença: "Um entorpecimentodos membros e lábios; falta de visão; a falafica difícil; e o cérebro, esponioso". O mercúrio,segundo os médicos, se acumula naplacenta das mães sadias. Mas a "Minamata"levou 6 anos para ser reconhecida pelamedicina e até hoje não há qualquer documentooficial que indique a existência demercúrio nas áçuas da baía. Em 20 de marçode 1973, 127 vítimas venceram um processoe a Chisso foi condenada a pagar 5,8milhões de dólares. Os doentes e os mortosforam as peças desse processo. Kemichi Shimadaé um bom presidente da Chisso: visitouos doentes, ajoelhou-se muitas vezes,rezou sobre túmulos. Mas nas*assembléiascom os parentes das vítimas, foi incansável:"A Chisso não pode pagar tudo".Foram necessários 20 anos para se saberaverdade sobre Minamata. Tempo em quenão foi possível fazer nada, além de autopsiaros cérebros atrofiados. Como o do sr.Hayashide, da cidade de Akasaki, próximade Minamata, que agoniza nos braços desua mulher. Ele pegou a doença em 1953 e,morto, se tornou prova do processo contraa Chisso. Hoje, os pescadores da baía, maisde 5 mil, fazem um bloqueio de seus barcose da pesca. Exigem novas investigaçõessobre o conteúdo das águas assassinas daChisso. Os peritos negam que as águas contenhammercúrio. O que elas cont.êm,então?


MINAMATAAadolescente Tomoko Uemura é,na definição de um médico, "umlegume humano": ficou doente noventre da mãe, jamais enxergou,nunca falou, apenas se mexe. Tomokonão tem consciência nem mesmode aue existe, nem chega a ser umaadolescente. Vítima da Chisso, "vive"nos braços de sua maê.O diálogo entre a Chisso e osparentes de suas vitimas até hoje semantém sem qualquer solução final.Além das reuniões-maratonas, dosprotestos, as passeatas com os mortos-retratosão uma forma de cobraro que realmente jamais a Chissopoderá pagar.Minamata, além do nome do antigopovoado de pescadores e de umanova doença, capaz ainda de matarmilhares de pessoas, virou filmedocumentário.Exibido em Paris, odocumentário de Moriaki Tsuchimotolevou inquietação aos franceses.Alguém constatou que as águasdo Reno carregam mercúrio. "Nãohá nada em comum entre o Japão e aAlsácia", disseram alguns. "Há pelomenos 3 coisas: a presença do mercúrio,dos trustes e do desleixo dogoverno", responderam outros.


-mkmi:-'WmÊmm


quando aparece algum jornalista querendo falarcom David Carradine, o Kung Fu. O novo deus datelevisão ocidental vive no alto de uma montanha e nãoesconde que planta no próprio quintal de casaa maconha que consome. Caratê? judô Kung-fu?David nunca lutou nada disso:"Uh, é um barato, meu! num sei lutar picas, saca?É tudo fajuto, saca?" Nosso herói desta QuartaNobre na Rede Globo, 21 horas,se acha um novo Guevara e odeia televisão!


KUNG.FUMACETEXTO DE TOM BURKE"Daí ele diz ao Times que planta seufumo no próprio quintal! Depois dessalamentação em voz baixa, o conservadíssimoprodutor de TV, os cabelos longosbem cuidados, barba ruiva grande, lançouum olhar arregalado para a piscinaao Beverly Hills Hotele colocou uma dasmãos sobre o copo de Margarita, comose o estivesse silenciando. "O Times",diz ele, "saca essa/"Tínhamos queimadodois cigarrinhos "colombianos no caminhopara cá, em seu Mercedes, e agora,após três drinques e mais um sub-reptíciocigarrinho passado por baixo damesa, sufocando pelo ar abafado da piscinaaquecida, seu machismo estimuladopelos cigarros arrefeceu. "Babe",começa ele agora - em vez de usar"Man , - gesticulando a esmo, "Ouça,babe, o que eu estou querendo dizer éque Denis Hopper e Peter Fonda já fizeramrebelião, isso é muito 1968; além domais é muita estupidez, quando vocêvive num estado policial f... e o seu passadorprovavelmente é um tira disfarçado,você declarar ao Times que vocêplanta, o seu fumo! Quer dizer, a ABCnão está nem aí, eles conseguiram botaruma porcaria em 7? lugar de audiência.Eles jamais sonharam que Kung Fu ia vingar,e agora estão amarrados nessesuperstarhippie, e não param de dizer aele "uh, David, você não poderia, uh,maneirar um pouquinho mais em seu,uh, comportamento público?" E elesjogam ele no show oe entrevistas deCavett que ele foi fazer muito chapado.Cavett começa a suar, então aparece agarota de David, Barbara Hershey? Ela sótrocou o nome para Barbara Seagull(Gaivota) - você ouviu essa já? - porqueum pássaro morto dormiu com ela oucoisa parecida, e ela traz o bebê que elesbatizaram de Free, Cavett fica mais pálido.Free começa a berrar e Barbara,diante das câmaras, abre o suéter e põeum pra fora e dá de mamar para ele,diante das cameras! Corte imediato paraCavett, que está verde, e diz "Uh, creioque acabamos de testemunhar algo inéditona TV..."Esse é o tipo de cochicho acovardadoque você ouve hoje dentro das víscerasda indústria da televisão (um espíritomais baixo que o do cinema, se é que istoé possível), sobre o sucesso de Kung Fu ea repentina cánonização de David Carradinepela mass-media, a menos que vocêfale com a ABC, onde todo mundo estáexultante como o que é um dos dois outrês maiores esdrúxulos sucessos da históriada TV, como Laugh-ln e SesameStreet. Bem, apreensivamente exultantes.Principalmente quando alguémpede uma entrevista com David Carradine.Do outro lado da linha telefônica háuma série de pigarros do pessoal de relaçõespúblicas; depois o empurraempurra:você tem que chamar Mortypara resolver a coisa, e Morty apresentaoa Gordon, que explica que esse tipo decoisa geralmente é resolvida por Dave,ou então você devia procurar Sheldou,até a hora que não sobra ninguém e voceouve: "Hmmm, naturalmente, isso precisaser discutido... a orientação doshomens lá em cima é tão... naturalmente,David vive muito simplesmente lá emcima em Laurel Canyon ligado à terra,um cara muito simples. Na o acho quevocê vá conseguir muita coisa. Você,hmmm, você não vai publicar nadasobre o que ele planta...?"Por que você simplesmente não telefonapara ele?" Impaciente, enquanto arede de TV discute o caso, a genteprocuraum orador de Canyon quase tao lendárioem Laurel quanto o próprio Carradine,um jovem candidato a escritorator,chamado Michael Peito, que pareceJames Dean aos 20 anos se Dean tivessetido cabelos iguais a Julie Christie, eque trabalha para David no time deescritores-atores-carpinteiros errantesque a gente observará durante toda*aprimavera, martelando taciturnamentesobre as vigas enegrecidas da velha efantástica casa meio-queimada, queDavid comprou no pico da montanhamais alta de Laurel. "O número dele estáaí na lista", diz Miehael, bucolicamentegentil. "Mas claro, é só discar, ele gostaoe estar em contato com as pessoas".Oh! O que dirá disso o conservadíssimoprodutor de TV, quando lhe contarem:"Lindo! Perfeito, babe! O número nalista!"A conversa telefônica com David tendeà incoerência: "Yeh, man, uh, sábado...não, venha domingo... bem, uh,pah! A voz dele é um ronronar de gato, édefumada.O domingo chega escuro; no sul daCalifórnia, um dia sem sol atinge a gentecomo a cegueira; é com receio que agente sobe, por entre galhos agressivos,os 78 degraus de madeira, quebrados,até a desintegrada casa de fazenda, tambémde madeira, que David está ocupandoaté que a casa queimada estejapronta. A porta antiga tem uma inscriçãomanuscrita, NÃO DEIXE BLUEBÍRDESCAPAR, ELE ESTÁ NO CIO, e quematende além de Bluebird, a cocker-spaniel,é Barbara Seagull, campestrementebonita, impassivelmente sorridente numvelho suéter desabotoado, para alimentarFree, que parece mamar perpetuamente.Barbara murmura coisas de boasvindas - na casa de David, às coisas parecemser murmuradas, em vez de ditas ouexclamadas - e saracoteia sob as vigas detoras cortadas a machado (por David) deempoeirado living, passa pelos móveis(um piano de meia cauda, um colchãode molas), até chegarmos à outra únicadependência da casa, um quartinhocontendo um arremendo de esteiraoriental e David, de cócoras, à moda chinesa,vestindo calças esfarrapadas e umacamisa careca de lã marrom, com umbotão de latão de identificação de motorista:1950, CHAUFFEUR 29796.Embalando sua guitarra, ele arreganhaum sorriso perto da cara do visitante efaz um aceno com a cabeça; nenhumagrosseria tipo aperto de mão é necessárianeste dormitório. Barbara e o bebêdobram-se ao lado dele, Free babandoanimadamente sobre o pijama cor-derosa,enquanto ouve enlevadam ente osarranhões e zumbidos saídos do instrumentode David, agarrado à guitarra ecomeçando a cantar a canção-título deum filme independente que acaba deproduzir e dirigir, estrelando ele próprioè Barbara: "You and me... that's how it'seorfaa be... from now on... "Cause that'sthe name of this song." Ele canta paraBarbarai, embora não olhe para ela.Eventualmente, a gente tenta; numapausa, introduzir a idéia de uma conversarudimentar; ele não rejeita nem resistea isso, ignora-o, se arreganhando,balançando a cabeça, arranhando, zumbindo,eventualmente indo até o livingpara consuJtas com os atores-carpinteirosque parecem estV sempre entrandoe saindo vagarosamér\te. Seu bizarrocachimbo doméstico, um fantástico carburadorde lata, que ele próprio construiu,é passado entre os horriens, depoisele o traz para nós, no dormitório, sacudindosuavemente a grande cabeça episcando os curiosos olhos inchados.Após mais guitarra embalado peloexcepcionál cachimbo, ele começa afalar sobre a evoluçãodesse enigma, essasúbita lenda. Kung Fu, um velho roteiroretirado de uma estante poeirenta daWarners (que produz a série para a ABC)sobre esse jovem órfão, meio-chinês,meio-americano, chamado Kwai ChangCaine, que foi levado por monges budistasa um templo shaolin na China, paraali aprender a antiga arte oriental ("ciência",diz o serviço de imprensa da Warners)do combate pessoal chamadoKung Fu (você quase pode ouvir osbocejos na mesa de discussão de programaçãoda Warners). O jovem Caine matapor engano um príncipe de Casa Imperiale, com a cabeça a prêmio, foge para aAmérica, onde perambula no meio dacorrida do ouro do Velho Oeste, desinteressadopelo ouro, defendendo osoprimidos e quase nunca sorrindo. (Bocejo,arroto). Misteriosamente, talvezmagicamente, Jerry Thorpe, jovem produtorcontratado pela Warners-TV paradesenvolver novos projetos, disse, oubajulou ou hipnotizou o estúdio de formaa que aquele roteiro resultasse numexcelente filme-piloto. Cautelosamente,exibiram o filme, e a receptividade foitambém excelente. Quando a série chegoua um ano de vida, a Warners estavaestocando e distribuindo filmes Kung Fubaratos, na mesma base de confiançatotal com que o oriente estava fabricandorádios transistorizados."... Então minha cabeça foi ra pada",está contando David, "algunsdiás antesde eu ter ouvido qualquer coisa sobreesse roteiro. Um barato. Mas não eranada místico. Mora, eu tinha feito um índionum filme, e tinham riscado toda aminha cabeça, meu cabelo ficou todofudido, então pensei que a única saídapra voltar a ter o cabelo normal era raspara cabeça. Barbara mesma fez issocom essa... navalha. Depois peguei oroteiro de Kung Fu, um barato! Só queeu nunca pensei que esse Western chinêsrealmente chegasse à TV. Fui falarcom eles, de aualquer forma, e esse produtor,jerry Thorpe, ele vai até a Warnersno seu Lincon Continental marrom chocolate,e está vestido de marrom chocolatee carrega uma maleta marrom chocolate,um verdadeiro tipo de estúdio,um homem da companhia, e eu pensei:"Este homem é Satã! O Demônio!"Saca?"Suas mãos de presunto traçam pequenosgolpes de caratê no ar, para reforçar.


46ééEu estou, humm, tendo uma"Daí eles fie olham nlhzm para nzrz mim, esses occoc hhomensn m o n c *da companhia, minha careca e tudo, eme querem para o papel, mas depois doencontro ouço dizer que um deles disse:"Mas olhem, ele é um toxicômano". Umbarato! Na vez seguinte que apareci parafalar com eles, eu não estava realmentealto, mas a intenção tinha sido de ficarchapado. Entrei nesse escritório de executivose me larguei no sofá de couromarrom, roncando. E eles ainda me contrataram..."A guitarra de novo. mais fumo. "Vouand me..."canta ele, docemente, despojadamente,para Barbara. De repente, saio sol, para nos lembrar de onde realmenteestamos, em Hollywood, umlugar criado por um fenômeno nãosonhado através de todos os séculos atéeste em que estamos. Por incrível quepareça, David está falando de novo, eespontaneamente: "Uh, eles me perguntaramno estúdio se eu sabia algumacoisa de, você sabe, caratê, judô, as artesmarciais, a luta Kung-Fu. Eu disse praeles: "Picas", e até hoje não sei picas.Depois que assinei e começou o espetáculo,eles tentaram achar alguns especialistaslocais em Kung-Fu, - e tem montesdeles em todo lugar hoje em dia - pra virajudar a gente mas elés recusavam, pen-. savam que a gente fosse apenas uns picaretascomerciais. As pessoas que praticamKung-fu são muito delicadas, muitosérias. Daí, mora, é tudo fajuto, man ascenas de luta são, mora, coreografadas.Isto é, sou um dançarino..."Barbara vai atender o telefone, emseguida acena para David; estranhamente,é um guri de 12 anos, de Massachusrsetts, que conseguiu o número com atelefonista. David se arreganha no fonecom esse adorador desconhecido:"Hey, man..." No meio da conversa, ogaroto lhe pergunta se as lutas Kung-fusão reais ou falsas. "Yuh, bem, um montede gente pergunta isso...". Suave, comtato, ele responde honestamente. Estamostodos no living agora, menos Barbara,que prepara um café na minúsculacozinha ao lado, murmurando algumasvezes lá de sua atravancada ilha femininapara a península maior masculina - ondeos montanheses toscamente talhados, osatores-carpinteiros, esperam as próximaspalavras de David. Eles são, a gentepercebe, exatamente o tipo de entourageque costumava seguir Dennis Hopperquando, no final da década de 60, Hopperfoi reverenciado com o novo Salvadorda mídia.Carradine fala! Da próxima vez quefala, não é na montanna, é lá embaixo,no mundo real, no restaurante dos executivosda Warners. A maioria dos atoresde seriados, mesmo os astros, não comeaqui, mas David entra ingenuamente,descalço, como estava ha quatro minutoslá atrás no cenário de Kung-Fu, acidade do Oeste dos filmes, com seugrande armazém e sua oficina de ferreirode plástico, carinhosamente pintadaspelos derradeiros artesãos das belasartes,os decoradores de cenário, paraparecer madeira rústica talhada. A genteassistiu às últimas tomadas da manhã,uma seqüência que será exibida semanasmais tarde, o familiar Confronto Kung Fude Rua: Piscando inescrutavelmente,Caine encara ladrões de gado, ou assaltantes,ou magnatas de estrada-de-ferromontados em cavalos de estúdio. Umdeles diz a David que eles sabem que foium chino que roubou o carregamentode ouro e simultaneamente estuprou asrta. Ainsley. Ao que David, na pele deCaine, retruca que eles deviam dar aosoperários da estrada-de-ferro menoshoras de trabalho. O mais ignóbil dosmagnatas desmonta num abrir e fecharde olhos e o ameaça com seu gordopunho, do qual Caine se afasta com dignidade.Quando novamente ameaçado,ele sacode o antágonista no ar, depois deter observado, como sempre, os ensinamentosdo templo shaolin: Evitar, antesde lutar; mutilar antes de matar; humildade,paciência, paz.Corta! Okay, pessoal, almoço rápido,próxima cena à uma hora; necessários àuma em ponto são o senhor Carradine, osenhor... Rindo, os atores se livram imediatamentedas roupas características,como marionetes desligadas dos fios;menos David, que parece livrar-se deCaine suavemente, para ir passando lentamenteda austeridade ae caráter dopersonagem para o seu:prãípio, indefinido.Ficou claro, olhandó-o no cenário,de algum jeito que nunca .é claro na televisão:a maneira contemplativa , altamenteformal com que ele se move e falaquando representa Caine é intencionalmentesatírica um atravessado comentáriocara-de-pau em cima do despropósitoda história e de seu papel."Oh, yeah", diz ele quando mencionoisso, rindo, balançando a cabeça, pulandosobre a porta encrencada do seuvelho e cicatrizado Lancia conversível,para nossa corrida através das ruas dosestúdios, até o restaurante onde apressadamenteordena ovos mexidos e café, deque parece tomar uma duas dúzias de xícaraspor dia. Apôs a comida, tento denovo falar sobre o humor de seu desempenho;desta vez ele pensa, mastigando,depois bajança a cabeça, com grandeanimação."Você viu aquilo? Aquilo é um barato,man. Bom. Tentei mantê-lo muito, sabecomo é? sutil. Talvez esteja suavizadodemais, porque acho que os espectadoresnão sacam aquilo. Num sei... Achoque vão se acostumar mais a isso na próximasérie, em parte poraue estouentrando mais c/aro nessa. Incrivelmente,ele está falando com grandevelocidade, quase com vivacidade,como se tivesse deixado seu espírito demontanha lá na cabana do Canyon."Quero que eles percebam o humor,mas ainda levo muito sério o papel.Alguém disse, quando contei aue aslutas eram falsas: "Oh. então é tudo apenasencenação". Apenas encenaçao?Man, pra mim, encenar é vida, não façodiferença entre encenar e viver. Queroviver o Caine, quero que ele cresçacomigo. Saca, só no nível físico - o guarda-roupatem os sapatos que eu deviausar, mas logo no começo eu tirei ossapatos e fiquei descalço. Cheguei àconclusão de que Caine não precisariade sapatos e pão os usaria. E estou simpiesmentedeixando o cabelo crescer,não o cortei mais desde que começamose não vou cortar, tive que lutar com elespor causa disso e venci. Veja, quero Caineatingido por essa nova cultura na qualfui empurrado, a coisa americana... talvezeste país maluco comece a diverti-lo,talvez Caine venha a ficar menos rígido,esse novo mundo, gradualmente, muitosutilmente, vá aliviando-o..."Num relance ele acaba os ovos e estamosde volta no Lancia. Dificilmente é omomento de fazê-lo examinar-se pessoalmentecomo uma presença quemagicamente entra, toda semana numadeterminada hora (como Deus entravauma época nas cabeças e corações aosdomingos de manhã), em milhões desalas à meia-luz, para planar através damente da República suburbana. Ao contrário,neste momento a gente meramentepergunta-lhe se está preocupadocom o prêmio Emmv (para o qual foiindicado), ou se submete a algo tãomundano como enfiar um smocking ecomparecer à cerimônia. A perguntaparece pertubá-lo; de novo ele assume ocomportamento de montanhês. "Uh,sacar... bem, eu saco as cerimônias, as,uh, pompas... eu saco essas coisas. Mas oque pensei que faria, era mandar emmeu lugar, saca, o mais humilde empregadode Kung Fu, como o cara do carrinhode café. Saca essa? Um barato."Esse ar, inocente, essa caipirice, emboraaparentemente genuínos, deixam agente perplexo. Você fica admirado:como David pode ter trabalhado longotempo no ambiente sofisticado dos palcosde Nova York? Em que fração deminuto a vasta audiência de Kung Fupoderia conceber que, antes de se transformarem Kwai Chang Caine, ele, entreoutras coisas, representou Laerte noHamlet de seu pai, brilhando na Broadway.essa Bizâncio cansada ondeopulentas filosofias homossexuais sãoapresentadas em seis sessões noturnas eduas matinês, para burgueses ricos edesconfiados que cochilam em meioàquela água-com açúcar? Ainda em 65faziam fila para vê-lo como o chefe incaem The Roval Hunt of the Sun."Uh, foi um barato" diz ele. "Nao,man, eu gostava da Broadway, era umagrande coisa representar esse grandepapel nesta grande peça toda noite". E oque o levou ao teatro nao foi exatamenteuma viagem num caminhão honestonuma estrada do interior. Seu pai, JohnCarradine, era um astro do teatro e docinema que gastou um monte de tempoem turnes, casamentos e divórcios; naadolescência, David já tinha estado emseis escolas particulares das duas costas enum internato, por ter gazeteado emtodas as outras. (Isso foi o início da décadade 50; agora ele está com 37 anos,uma estranha idade para o herói de umpúblico jovem que anteriormente idolatrouDavid Cassidy). Ele também estevena Universidade Estadual da Califórniapara estudar música. "Mas saca, na lanchoneteos estudantes de música tinhamsuas mesas, e os estudantes de teatro assuas. Eu, naturalmente, me liguei narapaziada de teatro, eu sacava eles."Maseles não diziam a David - seria uma caretice- que certas noites ficavam acordadosaté tarde para ver o pai dele na TV,em filmes como "O Tesouro de SierraMadre"..."Oh, eu acho, saca? que não teria metornado ator se meu velho não tivessesido; ele me influenciou paca. Nós sempreestávamos OK um com o outro, ásvezes e/e me parecia um Deus, às vezes...menos, mas, man, saca, ele foi o primeirohippie, o cabelo dele descia até as costasna década de quarenta. Ele agora vivenesse barco, no mar. Ele consegue serrealmente conservador, não acreditoque aprove Barbara e eu vivendo juntose tendo o bebê e tudo, mas ele estámelhorando, acho que agora ê/e gostariade viver como nós. Minha mãe viveem San Francisco, ela casou outra vez eparece que saca a nossa; acho quepeguei minha, uh, idéia de liberdadedela. Veja, meu pai... eu idolatrava elequando eu era moço, depois vi que estavamacaaueando ele, fazendo seu estilo,caí fora.O cair fora aparentemente aconteceudepois do desbunde: David deixouOakland para começar representandoem pequenos teatros ao norte da Califórnia,na maioria fazendo os clássicos eShakespeare, como seu pai tinha feito.Também recitou poesia em cafés honestos,da década de 50, vendeu máquinasde costura e enciclopédias de porta emporta, e tornou-se um dos primeirosbeatnikis de San Francisco.Foi preso com maconha. Em seguidaconvocado pelo exército; a acusaçãofoi retiraaa, mas o exército foi mais per-.sistente. Passou depois dois anos em FortEustis, na Virgínia, a maior parte do tempona cadeia, depois de várias cortesmarciais, três em dois anos. "Porque,hmmm, em nenhum lugar, man, comono exército, eles te encanam se o cordãodo seu sapato está desamarrado. Não,até que me diverti lá: eu tinha esses uni~formes muito bons, muito bem cortados,realmente enfeitados! só que eu tinhasempre que enfrentar a corte marcial,daí que nunca recebi, nem botei aquelasinsígnias ou coisa parecida em cimadeles, assim o resultado foi que meu uniformeera muito vazio, como o de umoficiahtinha cara que até me batia continênciapensando que eu era isso mesmo.Saca?" A única coisa da vida militar queparece tê-lo interessado, além do uniforme,eram as competições de talento."Fui finalista em um show", diz ele,obviamente orgulhoso disso. "Fiz o, uh,monólogo de Ricardo II. Huh! Daí perdio primeiro lugar para um cara que faziamalabarismo..."Depois da baixa, que naturalmente foihonrosa, ele fêz mais um bocado de teatromenor e muita televisão, inclusiveum ano da série "Wagon Train", unspapéis em cinema, na de espetacular, e acoisa da Broadway. "Yeh, eu pertubeipaca. Eu gostava de representar, noduro, eu respeitava a profissão e tudo,mas eu fazia... as escolhas erradas: mora,The Royal Hunt of de Sun foi aquelegrande sucesso da Broadway e eu saídela só depois de seis meses para fazer oo papel principal na série Shane, da TV,baseado no velho filme, sabe como é?Sóque eu tentei fazer de Shane um tipo de


EXTRA 47# 9 #positiva sobre a juventude. Um barato!/ /herói meio diferente, meio cômico, eacho que a TV não estava preparada paraisto na década de 60, e a série foi pro brejo!"A indústria então o puniu, dando-lhequase só. papéis de vilão, em filmes chatoscomo "Heaven with a Gun", estreladopor Glenn Ford (Clen Ford?)e Bárbara Hershey, que ainda nãotinha encontrado o tal pássaro condenadoque a levaria mudar de nome.Alegremente, ela explica isso, o negóciodo pássaro. Nós estávamos sentadosnovamente na esteira do quarto de dormir,a criança agarrada a Barbara, comosempre, como se fosse um faminto irmãosiamês. Novamente é domingo; nocomeço da tarde, David tocou um poucode guitarra e fumou um pouco. Chegamalguns carpinteiros e ele precisa falarcom eles. No quarto não havia nenhumfumo. "Não, eu nunca me liguei em drogas",diz Barbara. "Oh, eu tentei comtodas elas, em várias épocas, mas elasnão são realmente minha viagem. Nuncagostei de fumar, por isso realmente nãoaprecio o fumo, e agora, com o bebê, dequalquer forma não fumaria." Ela falaanimadamente, sorrindo muitas vezes,embora tenha começado dizendo tranqüilamenteque resiste à idéia de darentrevistas. E mais, que David, de certaforma, força-a a dá-las; ele sente que issoé importante para os dois, agora queestão fazendo seus próprios filmes."Eu acho, hmmm, que David e eu realmentenão vivemos muito como asoutras pessoas. Saca, nós nunca Vamos afestas aqui, nunca somos convidados;ele sabem que não iríamos. Às vezes nóssaímos sim, como quando fomos ao balé,pára ver Nureyev. Foi estranho, eu nãoimaginava aue não se pode levar umbebê ao balé. Free chorou um bocadodurante o espetáculo, tive que ir lá pratrás como ele..."Ela olha para o bebê babante comamor infinito. "Foi tão genial quandoFree começou a nascer, David estava' aqui comigo, vestido com uma pele deanimal e todas as suas jóias indianas.Tocava piano e guitarra e se dependuravanas vigas do teto para relaxar. Hmmm?Oh, sim, eutive Free aqui em casa. Tinhadecidido não chamar um médico, masdepois que estava no meio do parto, meacovardei e chamei um. Foi uma noitebrava. A maior parte do tempo fiqueisentada naquela cadeira de balanço. Aforça de gravidade ajuda o bebê a descere sair... é mais fácil do cjue ficar deitada,,quer dizer, imagine see possível evacuardeitado. Nós, uh, tínhamos planejadocomer a placenta. Os animais fazem isso,é incrivelmente nutritivo. Mas depoisque a vimos, decidimos enterrá-la eplantar uma figueira em cima, e quandoa figueira crescer, Free vai poder comeros figos crescidos de sua própria placenta.E, sabe de uma coisa? a árvore estáficando bonita..."Claro, a gente diz. Silêncio. Uh, e onome? "Bem, sempre tive um pouco devontade de mudar meu nome, entãoenquanto fazia Last Summer - você assistiu?- eu fazia uma garota muito perturbadaque ajuda uma gaivota e quando agaivota a ataca,.ela a mata. Bem, o pássarocom que trabalhei era muito especial,eu podia sentir seu espírito, me sentimuito ligada a ele. Ea equipe costumavame chamar "Bárbara Gaivota". Mas,numa cena, eu tinha que atirá-la para oar, para fazê-la voar, e tivemos aue ficarrepetindo a cena e eu via que ela estavamuito cansada; e quando a tomada ficoupronta, Frank Perry, o diretor, veio medizer que na última atirada, o pássarotinha quebrado o.pescoço. Exatamentenesse momento senti que seu espíritoentrou no meu corpo.Não disse isso a ninguém durante muitotempò. Finalmente, compreendi quetinha que mudar meu nome e fiz isso, nocartório. Ah, sim, eu li jonathan LivingstonSeagull, mas isso realmente não temnada a ver com minha viagem. A não serque é lindo livro, sabe? Agora, tenhaesses grandes sonhos alados, eu realmenteplano. Fui à Holanda para fazeressè outro filme, e quando cheguei láexpliquei sobre o nome aos caras e elesficaram apavorados, queriam usarHerhey, que era conhecido, mas fui firme..."O planeta gira; Free ouve com olhosespantados o murmúrio do living, queKUNGFUagora está a meia-luz e salpicado decigarrinhos acesos, como vagalumes circulando.David volta, sorri para Bárbarae suavemente canta outra música queestá compondo para outro filme que vãofazer. Os dois estão planejando um montede filmes, quer arrumem dinheiro ounão. Até o momento,'um desses distribuidoresjá viu partes de um copião muitoprecário de You and Me, que parecetratar exaustivamente (e em grande partesilenciosamente) de uma longa viagemde um motociclista e um garotir\jionuma moto de alta potência. Os fantasmasde Dennis Hopper e Peter Fondaparecem espreitar nas beiradas destedelicado kodachrome de David; é algoalegórico da intimidade dele, o sentidodoiilme não é facilmentê percebido."Dirigir é essa nova, incrível viagempra mim... mora, pra mim, um filme éuma Proclamação da Independência,uma declaração de liberdade. E liberdade,man, eu acho que você já notou, éuma grande coisa. Se você faz um filmeque é verdadeiramente pessoal, semcompromissos, ele será comercial também,eu sei disso. Agora, Fellini... eleslhe disseram que sua viagem não seriacomercial, mas ele não escutou..."A gente pergunta a ele sobre os filmesque ele gostou ou não gostou; o assuntonão o sensibiliza. Ele achou What's UpDoe? hilariante e parece espantadoquando lhe digo que, como toda obra dePeter Bogdano vich, é um filme semamor, transigente e sem humor. "Bemeu ri paca... Não acho que qualquer dessescaras como Bogdanovich, ou RobertAltman, ou Frank Perry, estejam realmentetentando dizer alguma coisa. Elesnão têm qualquer declaração a fazer,sabe disso?"Ele examina o ciparrinho aceso queestá segurando e da uma tragada tranqüila."O que há comigo é que... nãotem sentido escrever a meu respeito, amenos que você me leve a sério, porquesou realmente, hmmm, uma coisa séria.Eu estou, uh, naturalmente, tendo umainfluência positiva sobre pelo menos ajuventude dos EUA e, potencialmentedo mundo. Um barato! O que todomundo está olhando, saca, em Kung Fu,sou eu - alguém aue está fazendo umabusca espiritual, alguém que fez 400 ou500 viagens de ácido, que usou LSDcomo ferramenta para adquirir conhecimento,para, hmmm, descobir a verdade.Hmmm? Não, eu me Sentiria fantástico,como um herói cultural, dizendo atodos os garotos que me vêem para largaro ácido, porque algumas pessoasviram um lixo com ele; mas eu poderiadizer-lhes que eu próprio não vejo razãopara temer o que possa acontecer comminha cabeça. Eu quero saber, essa é aminha viagem, eu sou como Che Guevara,só que faço isso numa série de TV. Éextraordinário, você não encontra genteassim, fazendo uma série de TV. Certo?Bem, um meio de se conseguir isso é seesforçar constantemente para nuncamentir, em nenhuma circunstância, pornenhum motivo, nunca. A verdade écomo, hmmm, um deserto, todo areiabranca; e uma mentirá é como umamancha negra nessa areia, visível a quilômetros..."Ele curte esta metáfora por, talvez,vários minutos, ou mais, é difícil dizer."... £ Bárbara, na primeira noite que dormimosjuntos, ela disse olha, nuncavamos mentir um para o outro. Uau, aidéia me chocou. Quer dizer, uma coisaé não mentir, mas não mentir para umamulher? Impossível!" Ele sorri tão raramente,que quando o faz é como umabenção inesperada. Não se deve interrompê-lo,a menos que seja para encorajá-lo,porque se sente que esses monólogossão, para ele, raros, algo difícil, e nãosuportam repetições. "Mas o ácido... eunum sei, não tem em mim o efeito quedizem ter. Por exemplo, nunca tive umaalucinação, óh, não sei porquanto temponão vou ter. Estou ficando impaciente:mora, se é verdade mesmo que existereencarnação e que nós estamos semprenuma reciclagem até ficarmos no pontocerto, bem, quero ser um reflexo deminha época e ir caminhando para apróxima: sinto a responsabilidade defazer isso. Eu vou ser isso através da verdade,com a qual estou trabalhando háanos e agora estou, uh, quase cem porcento verdadeiro. Mora, antigamente eucostumava até roubar porcarias em lojas.Agora não".A gente é tentado, nessa altura, acomentar que a honestidade é mais viávelcom um contrato de televisão de cemmil dólares por ano; mas a gente nãocomenta. "Portanto, uh, mas minha últimaviagem pesada de ácido - bem, viajandoeu sempre entro nessa coisa de umprofundo exame de conciência, comoum raio-x que vem e me mostra por dentro.Em alguns lugares, eu pareço estarenvolto em bandagens e vejo afi tudocinzento é decadente, e pergunto aoraio-x: que p... é essa? Preciso examinarisso! E ele deixa. Mas nessa última viagem,nós estávamos caminhando atravésdesse corredor dentro de mim e haviauma porta e ele medisse"você não podeentrar, man", e eu disse "eu preciso ver,e peguei na maçaneta e ela desapareceu!Saca? E aí então descobri que essaexperiência psicodélica nunca será suficientepara quebrar todas as barreiras.Entendeu? E descobri também que nãose pode quebrar elas com sistemas - psicanálise,religião, cientologia - porqueeles estão todos, uh, abaixo do problemaespiritual que estou pesquisando. Porqueeles existem. Isto é, quando umaidéia passa para o papel, ela se tornaestacionaria para sempre, bloqueada. Seela não é estacionária, pode., uh, semprecontinuar a se expandir como o universo.Entendeu?"Definitivamente, David, você não precisaficar elaborando. "Assim... não sei,acho que não quero continuar fazendoessa série por muito tempo", declararepentinamente. "Isto é, existe essaenorme distância entre mim e a estrutura.O estúdio me deu o emprego porquesabia que eu era bom para o papel:Caine não é tocado pela estrutura e eutambém não. Eu busco o que Caine busca,saca? Ouça, man, esses caras do estúdio,todos tomam drogas, só que dapesada, e cheiram coca, eles não tomampsicodélicos porque sabem que o LSDpoderia quebrar a estrutura deles, o sistemadeles, seria uma tremenda sacudidana estabilidade deles. Por isso elesprocuram só a fuga, não o conhecimento.Eles sabem que a estrutura deles estácondenada, como Terceiro Reich. Essejerry Thorpe, o produtor - e/e é como KitCarson, que o presidente emprega pr>rase comunicar comigo, o Jerônimo; ele éa ligação entre mim e Eles, só que eletambém é Eles, saca? Thorpe transa como universo de um modo totalmente individualista,o universo é como ele o vê nacabeça dele. Ele é como um feiticeiroque não tem poder nenhum. "Mora,desde o começo, toda a preocupaçãoque ele tinha com Kung Fu era que asérie tivesse sucesso, aue desse índice deaudiência, fizesse dinheiro; ele não davaa mínima para os valores espirituais.Agora, quando os roteiros estão errados,ou são ruins, ou são falsos em relação aosvalores espirituais, eu ienho de brigarcom ele. Eles. Os homens da companhia.E todos eles são feiticeiros. Há talvez umaou outra jyessoa envolvida na série, alémde mim, que eu sinto que estão numa boa.Bem, merda, o que è que você podeesperar? Thorpe, man, todos eles, afinalde contas, trabalham na televisão..."Ele sorri com sarcasmo. Silêncio.Durante a tarde, andando pela casa, éque me ocorreu o que estava faltandoali: um aparelho de TV. Pergunto, masele está afinando a guitarra e a questãopode distraí-lo."Hmmmmm? Oh... Yeah. Bem, mora,eu já tive um, uma vez, mas joguei elefora. Ver televisão é envenenador. Poluia consciência. Você viu aquele filme decinema, Play it as it Lay? Aquele ator nofilme que come a garota e que poucoantes daquilo eles tiveram que sentarpara vê-lo no seu show de TV? Se vocêcomeça a se levar muito a sério, é issoque você vira".


Reincursões de João Antonio pelo mundode um personagem à beira da morte,um personagem que também chamam de lúmpen.O "conto", extraído de uma conversa comHamilton Almeida Filho, marcava um ano atrás orelançamento do escritor depois de passar10 anos sem conseguir editor para seus livros.OMERDUNCHOUm conto oral de João Antonio


Então a sinuca sempre caminhou assimcomo um troço esquecido. Quandorealmente, ela representava a concentraçãode um tipo que fica muito próximodo marginal, que e o lumpen, que é ocara marginalizado mesmo. A sinuca éum negocio desconhecido e quandoaparece um cara falando disso com propriedade,é levado como pitoresco! Éum meio de divertimento, digamosassim: um lugar lúdico, e também umganha pão para outros caras que não têmmeios para grandes jogos, né? Os mesmoscaras do salão de sinuca, colocadosassim no Jóckey são uns pés de chinelo,uns caras que jogam muito pouco. Sãocaras que jamais sonharam com Bolsa deValores, eles nem sabem o que é Bolsade Valores... são caras assim que não sãodados ao pôquer, o máximo que elesjogam no baralho é jogo de ronda essesjoguinhos de 21, o ioguinho do bicho.Agora, a gravidade da sinuca taí: quenem no divertimento, nem no campo lúdicoesses caras tem assim o direito dodivertimento, porque até isso pra eles éum negócio patético, é um negócio dramático.é um negócio do dia de amanhã,entende? O camarada quando tá jogando50 contos numa partida de sinuca, ou20, ou 10, ele tá jogando é o dinheiro daxepa de amanha, do ragu, da comida. E asobrevivência dele.Esse negócio ganha uma dimensãomuito grande e isso passou desapercebido,até agora, pelo menos pela maioriados carás. E cada vez que um jornalistavai falar sobre sinuca, o cara vai procuraruma porrada de coisas que já tão escritasem outros jornais, vai conversar commeia-dúzia de malandros-chave, são osmedalhões da sinuca, são os gênios dasinuca realmente: o Lincoln, Carne Frita,o Estilingue, o Boca Murcha. Esses carasaqui e em São Paulo, esses caras dão umavisão fantasiosa da sinuca porque dasinuca eles tiraram um statuzinho social,o de jogador de sinuca. O Frita chegou aviajar pra baixo e pra cima com o dinheirode sinuca.Então, a sinuca é mais um fenômenoque escapa ao intelectual da nossa sociedade.Nosso intelectual está preocupadocom outras coisas porque já encontratodo um processo pra só pensar nessasoutras coisas,Por exemplo: os americanos, comtodos os defeitos que eles têm, com todaaquela preocupação de fazer indústriade cinema, industria de livro, indústria donão sei o quê, ainda assim eles fizeramum filme sério sobre sinuca. Com muitosdefeitos. Um filme com o Paul Newman:o "Desafio à Corrupção", É um títulobabaca, como os outros que estãoaí. Mas era um filme sério. Ele apresentavaa sinuca realmente. A realidade. Sóque não apresentava a polícia, um elementofundamental na sinuca, aparecendocomo o elemento mais sórdido,como elemento de exploração do jogador.O policial aparece no jogo da sinucacomo explorador do próprio jogador.Então, a sinuca também é uma cópiada nossa sociedade. Na sinuca existe opatrão, existe o empregado: o cavalo;existe o sujeito que tem dinheiro e nãosabe jogar, que e o sujeito que patroa ojogo. Aparentemente é um joguinho,mas se visto da angulação do malandro,daí a grandeza, se visto da angulação domalandro... tá lá no livrinho que eu fiz;ela é a própria síntese do patetismo davida, da dramaticidade, da luta. Daí porqueos caras dizem troços que me parecematé hoje meio piégas, melodramáticos:"A mesa é triste como uma bola brancaque cai."Isso é frase que apanhei de vagabundoda Lapa. Parece uma frase literária, masnão é. Você imagina: urri cassino do lúmpen.O que seria? Seria uma mesa desinuca às quatro da manhã, ou às cinco,ria hora em que a polícia já se esbaldoude aproveitar, já passaram por ali aquelesque não têm compromisso nenhum coma sinuca, os que jogam para passar o termpo, e estão os sobreviventes da sinuca,uns comendo os outros. Violentamente,tá entendendo? Você vai encontrar umcassino preto e branco, sem retoque,você vai encontrar o cassino do chamadolúmpen. Que é o lúmpen mesmo - ojogador de sinuca não é bem o malandro,nem bem o trabalhador, nem bemo operário, ele fica vizinhando a pobreza,vizinhando a miséria, não é o esmoleirotambém; pode ter algum elementoligado à prostituição, que vai lá apostar...é um lúmpen mesmo.Acho que a sinuca é a mais característicadessas coisas, dessa faixa social meiovaga chamada lúmpen; assim talvez sótão característica quanto estes escrevedoresde jogo do bicho, que são carasrealmente lumpen, caras que só sabemfazer aquilo.Então essa gente ganha assim umpoder dramático, a partir da figura físicadeles, da magreza, aa palidez, do envelhecimentoprecoce. Entende? Não sãobem os bandidos, não são bem os marginais:são mais uns pés-de-chinelo, o pérapado,o zé-mané, o eira-sem-beira, omerduncho - aqui no Rio se usa muitoessa expressão merduncho. Quer dizer,é um depreciativo quase afetivo de ummerda, merda-merda; então, em vez deum bosta-bosta, o cara diz - "é um merduncho".É um troço da maior tragédia,que evidentemente não podia sensibilizara classe média, nem os intelectuaisbrasileiros. Não é por mau-caratice, nãoé por nada, é que eles são filhos da classemédia, jamais vão olhar essas coisas,jamais!Como é que um cara como eu - nãoescrevi sobre sinuca à toa, fechei botequimcom 16 anos! Eu jogava bem: comoé que um cara como eu cai nisso? Umcara com sensibilidade, vivendo em VilaAnastácio, em São Paulo, que é um, fimde mundo, é onde-judas-perdeu-asbotas,um problema sério, até de condução.Então esse cara, um cara de certa sensibilidade,tem desejo de aventura, temessa coisa maravilhosa da juventude, do"grande feito" - e onde é que ele vaijogar isso? Numa vidinha danada dedura, com tudo certinho, contadinho,tudo contadinho, um miserê danado portodos os lados? A sinuca era o lúdico, asinuca era a aventura, finalmente ele iafazer qualquer coisa maldita, mal comportada.Esse desejo que a juventudetem de contestar, a sinuca era - claro,minusculamente - uma forma de dizer:"Pô, não! Eu vou entrar num salão desinuca. Não pode menor de idade?Não quero nem saber!"Tinha çara na minha idade, com 16,17anos, que só achava graça em beber cervejadentro de um salão de sinuca oudentro de uma zona de meretrício...Porque ali ele via a grandeza da vida.Ali ele topava com tipos autênticos - nãotinha aquele vai-nao-vai dos lugaresonde ele vivia. Geralmente eram os lugaresonde se afirmava sua condição dehomem. Porque desaparecia toda a frivolidade,você precisava saber o que éque você estava fazendo. Você precisavasaber com quem você estava mexendo.Ao mesmo tempo, havia.um aprendizado,assim de vida, naqueles ambientesque você sabia que nada podia ser degraça. Tudo custava alguma coisa, inclusiveem termos éticos, de respeito pelooutro. Embora, como diria uma visãoburguesa, fosse um "mar de lama", umaperdição - era realmente com dramastremendos. Mas havia outra grandeza,que isso aí estonteava os caras da minhageração.Naquele tempo o cara precisava saberdançar direitinno porque ele era umduro; se fosse lá no dancing e não dançassebem direitinho, as mulheres cobrabamdinheiro dele e ele não tinha comque pagar. Então ele tinha de dançarbem pra conquistar uma mulher, praque aquela mulher ficasse camaradadele e dançasse de graça. A sinuca, comoo taxi^dancing, esse mundo todo, oscaras continuam se devorando - quenem porco-espinhoenroscandoumnooutro, vai indo.O grande momento é a tarde, a horanão percebida. A única vantagem dessescaras, esses caras jamais são obvios, sãoos caras que aprenderam a dissimulação.A dissimulação entre eles, e também odesacato. Seguindo uma partida de sinucaentre jogadores mesmo, você vai verque eles têm as armas mais sutis, as maispolíticas inclusive. O sujeito ganhar apartida do outro, desacatando o outro,encabulando o outro através da fala.Assim um desacato debochado, aquelacoisa que rumina dentro do sujeito, instigação,e a coisa não acontece por acaso.Por exemplo: um jogador de sinucanão bebe, não bebe nem café.Você assiste um cara jogar 8,10 h, elesbebem água com açúcar por incrível quépareça, ou então um suco de qualquercoisa bem acucarado, e ficam ali em voltada mesa durante todo aquele tempo,num controle de nervos danado.Ainda hoje, na Central, por exemplo,você vê partidas como essa. Você vê, porexemplo, tipos desalojados de outrosramos de malandragem. E aquilo formauma faixa de gente especial, inclusive seesconde durante o dia, nas últimas horasda manhã. O respeito com que eles tratamum otário é impressionante. Porqueeles só sé desrespeitam, se desacatamentre si; quando chega o otário, eles tratamo otário como uma majestade:como a prostituta trata o seu freguês, oseu cliente e, se quiser, o seu prostituinte- ela é mesurosa, mesurosa porque tácom tóxico na cabeça, se não ela enforcavaaquele cara. Ê mesurosa, agradável,tolera, agüenta aguele sujeito até nãopoder mais, até nao poder mais.O cara da sinuca é muito mais o carade viver a vida, de procurar sugar umpouco mais. O cara de sinuca é o caraque vive realmente, dentro do padrãoao seu limite. Então, aqui no Rio, quandocai o Lamas, não é exatamente oLamas do filé à francesa, que foi freqüentadopor Coelho Neto, por Machadode Assis e pelos estudantes não sei dequê: quando cai o Lamas, cai a sinucaatrás, separada por uma porta, separadatotalmente.O cara que freqüenta a mesa de sinucado Lamas é o cara que ntinca sentou namesa para comer aquele prato. Talvezele ate desconheça a existência daqueleprato, ele é um cara que comeu em casaou não comeu, ou defendeu um sanduíche.Ele é realmente um miserável: e ooutro, qualquer cara que freqüenta oLamas, não entra lá com menos de 50contos no bolso. Agora o cara que passadireto pelas mesas e vai lá pro fundo,esse cara não tem 50 contos não; e setiver é uma plantação que ele vai fazercom aquele dinheiro, pra investir aqueledinheiro, pra retirar 70 ou 100. Ele é umhomem muito mais fixado naquela realidade,aquela realidade não aparente doLamas, que é a realidade lá atrás, fora doquase acontecimento social.É um problema de conceito. O Rio,que é a capital do samba, o melhor carnavaldo mundo, esse negócio todo, oRio de Janeiro não tem mais casa de samba,as casas de samba eram divertimentospopulares, onde você pedia umcachaça, uma cerveja, você comia umtira-gosto qualquer e tal. Era um negócioque você fazia com pouco dinheiro. Issofoi invadido pela zona Sul, os endinheirados.Então esses divertimentos pra uma faixinhasocial, a gafieira, a casa de samba,os dancings, esses eram os divertimentospopulares. 0 mesmo processo acontecehoje em limite muito maior com as escolasde samba. Portela hoje é uma indústriade samba, a Mangueira hoje é umaescola que fatura horrores, é uma caixaregistradora.Não tem mais aquela aventurada coisa pobre, não há mais lugarpra pobre nesses lugares, como não nábotequim. O desaparecimento do botequimno Rio é um fato sensacional. Ouvocê bebe de pé, ou o botequim do Riode hoje é uma farmácia, é um negóciocom mesa de fórmica e tal. Acabouaquele negócio de você poder sentarpara tomar um café da manhã. E acaba 0botequim, acaba de você tomar cervejade noite. No momento que cai a distinçãode Zona Norte e Zona Sul, sobe a dequem tem carro e de quem não tem. AsPessoas que não têm carro não usammais a rua, elas andatn de carro pela rua.Mas elas não têm mais a praça, não têmmais o botequim porque a vida se transformaem 4 paredes. Não têm mais contatohumano com a cidade. O que acaboua praça, acabou a casa de samba,acabou a Lapa. Hoje o sujeito tem medode entrar numa boate, e vergonha porqueele não tá vestido, nem sabe o preçodo uísque, esse distanciamento de vidana rua vai te afastando.Porque rua hoie é um fato conflitante,é um elemento de desgosto, o cara sai decasa, pisou na rua, pumba! conflito. Conflito,você tá na área de conflito, te cuida,salve-se quem puder!Então o mundo da sinuca era uma ilhadentro dessa área de conflito, uma dasúltimas que restam nessa fileira de casade samba, de gafieira em geral, de botequimem geral, de praça em geral. Elaaliava o alto poder artístico à habilidade,mas também com a devoração dos carasuns pelos outros. Era o abrigo dos marginaisdo tipo "ventanistas" (ventana,janela). O cara que você chegava, tiravao paletó, e daqui a pouco não tinha maispaletó. Cadê o paletó? O ventana levou.Era um lugar de curtir a solidão, de assumira sua solidãd com aquela machezaqúe a solidão tem. Evidentemente qualquerantro de jogo é lugar de gente complicada,os mal-amados, os esquecidos,os abandonados, os tímidos, esses doentesnervosos todos, evidentemente asinuca é um excelente escoadouro dessagente. O lugar de curtir solidão, masaquela solidão menos doença nervosa,solidão mesmo. Aqueles caras aue ficamolhando o jogo, ficam até 3 noras damanhã, jamais jogaram sinuca, sabem,percebem alguma coisa. Especialmentevelhos, o velho não tem mais lugar, ondevai o velho? Eles ficam por aí fazendoapostas por fora, que o jogador não temnada a ver com isso; é um divertimentoonde as horas passam, quando o cara selembra já é de madrugada, vai pra casa,dorme, esquece que tá sozinho.Na sinuca existe o leite de pato, o caraque brinca em serviço - é o estudante, ocara classe média sem compromisso, quevai ali para se divertir. E há o profissional:o jogo é realmente o sustento dele, porincrível que pareça, é o sustento dele. Háuma diferença brutal de classe, quecomeça pela maneira de vestir e que acabana própria psicologia de vida. Até agíria é diferente, só eles se entendem.Que é pra poder dissimular os outros eos outros ficarem na dúvida. Isso é umsobrevivente urbano num gratí mesmode lúmpen, não chega a pertencer àmarginalidade. No máximo, você podeenquadrá-lo no artigo 59, de Vadiagem.Se você correr as bocas, vai encontrarcasos até hoje de tuberculose, de carasque estão tuberculosos. Inclusive aquelebrilho nos olhos, caras subalimentados,que passam ali dias e noites, e ao ladodisso os seus exploradores, os seus patrões,os caras que estão apostando neles,a total responsabilidade no taco.Ficou célebre aqui na Gávea a passagemdo Boca Murcha, que é um velhomalandro, cujo apelido vem do fato delenão ter dente.Elé se veste como um caipira,um matuto, mete umchapelão, uma calçalarga, e chega aqui na Gávea, e duranteuma semana ele passou perdendo.Perdia pra um, perdia pra outro, hoje 40contos aqui, 50 ali; assim ia fazendo suaplantação. Sozinho, era um lúmpen solitário,arriscado a matarem ele lá dentroou na saída.Numa bela segunda-feira, Boca Murchaapareceu no salão de madrugada, às3 h, e começou a quebrar, o que vinhaele traçava, ele ja tinha estudado asmesas, ele jogou até a tarde, ele já tinhaquebrado todo mundo, inclusive doispatrões de jogo, e lá pelas 5,6 h da tardeele conseguiu correr no meio de umapartida pro meio da rua São Vicente epegou um táxi. Conseguiu derrubar todaa curriola de um botequim que ele tinhaplantado uma semana.O Boca Murcha vai desaparecermeses, vai se mandar por aí. A vida delesé isso mesmo, eles circulam sem parar.Alguns se regeneram, ou "se regeneram",como o Carne Frita.Por exemplo o Frita, o Valfrido. consideradoo melhor taco do Brasil. Ele é umartista, um esteta jogando, é dentro damalandragem uma certa aristocracia,certo estilo de Gerson, de Nilton Santos,dessa categoria, apesar de malandro esórdido, como todos os outros. O Fritahoje tá velhinho, é um sergipano pequeninho,muito vaidoso no vestir, comotodo jogador vaidoso, mão manicurada,aquele negócio todo, trocando de terno.Isso você nota muito no jogador de futebol,nos Paulos César da vida. O cara precisaser visto. Inclusive alguns deles conseguemimpressionar como grandescaras fora do salão, justamente pela vestimentae pelo comportamentp disciplinadono meio da rua. São educados,incapazes de brigar por uma ninharia,uma pessoa de tino trato. E um pobreque mal sabe escrever, ler.Então, acabou o divertimento popular,e a sinuca é uma dessas coisas. Imaginenessa sociedade bem comportada,embora torturada sem comunicação,mas bem comportada, o cara tem vergonhade viver um grande amor. A palavraamor é ridícula, hoje não existe coisamais ridícula que o amor.Você chegar prum cara e dizer quevocê está apaixonado, é ridículo. Nãopode. Hoje e vergonhoso viver um grandeamor. É ridículo.Então a sinuca é um pedacinho dessascoisas todas. (Cravado por HAF).


50CHEGOUA SUA VEZ!OÃO ANTÔNIOAmigo:dadeiro indicador profissional.Nos últimos 3 meses, após 2 anos de Evidentemente, ideal é que o amigoexistência, éasegundaoportunidadeque autorize a publicação de 12anúncios (12apelamos para os amigos. 'números, um ano). Como será de grandeQuem conhece o Ex sabe.valia que autorize um rhínimo de 5 anún-Temos vendido uma média de 18 mil . cios; os quais podem ser pagos à vista; ouexemplares. A 3,30 o exemplar (dos6 cru- então, à vista o primeiro, e os restantes,zeiros do preço de capa, 2,70 vão para a mediante promissórias mensais de 100distribuidora e para as bancas):ião 59 mil cruzeiros.e 400 cruzeiros que nos sobram. Nosso Nossa intenção e atingir rapidamentecusto industrial - só.gráfica - é de.47 mil. 48 ,inúncios, suficientes para encher umaFicam 12 mil e 400 cruzeiros. Com duas página - 4.800cruzeiros (uma página cuspáginasde anúncios pagos, temós.24 mil e ta 6 mil). Nosso "index" de classificados400 cruzeiros. Mas.há outros gastos, você vai atingir pessoas especiais - leitores dosabe, filmes, condução, material de reda- Ex. E aqui vamos adiantar ao amigo esta.ção, aluguel, luz e água. Então, veja nosso informação recentíssima, qüea Distribuirexpediente, quantos somos, e imagine "o dora Abril nos deu: a partir de nosso ri'17estàpeio na hora de distribuir a grana que passaremos a vender no mínimo 25 milsobra", (Ex-'16, pág. 4).exemplares - e cada exemplar é lido em'Três meses atrás, fizemos uma campa- média por 4 pessoas. Assim, nossos classinhade "assinantes., mais queridos". E, ficados servirão de indicador profissionalembora precisássemos de .100, apenas 57 a 100 mil pessoas.amigos puderam comprar assinaturas Assine nossos, classificados, eles ven-.especiais, ao preço de 500 cr.uzeiros. Mas dem tanto quanto qualquer outro - eagora o caso é outro.: Estamos aqui em quem compra é sempre amigo do Ex,busca de assinantes para instituir uma como você.seção de classificados. Serão pequenos * tamanho padrão: 6,3cm x 4cmanúncios, * conforme modelo anexo, ao -preço de 100 cruzeiros, de modo que / " V ® 7"muitos possam colaborar com pouco ao^wmRXCJTORAUM.RUISMA.IH^O.043SP•mesmó tempo em que nosso jornal passaa veicular, em seus classificados, um ver- ^ ^...quando uma roeapod©8en uma armacontra vooôUM FILrME DEColégio EQUIPEReserva de vagas.Informações de segunda a sexta, das 9 às 17 horas.Rua Martiniano de Carvalho, 156, telefones 289-2008 e 289-2709.GRUPOEDUCACIONALEQUIPE


O TERREMOTOReportagem de Gabriel Garcia MarquezFoi lá pelo fim do ano de 1969 quetrês generais do Pentágono jantaramcom cinco oficiais do exército chilenurnacasa nos arredores denoWashington. O anfitrião era, então, ocoronel Geraldo Lopez Angulo, adido-assistenteda Missão Militar Chilenanos Estados Unidos, e os convidadoseram colegas seus de outrasarmas. O jantar era em homenagemao novo diretor da Academia da ForçaAérea Chilena, General Carlos ToroMazoto, recem-chegado aos EstadosUnidos para uma missão de estudos.Os oito oficiais jantaram salada defrutas, cabrito ao forno com passas, ebeberam o generoso vinho de suaterra natal, onde os pássaros brincavamna praia enquanto se cobriam deneve; e conversaram, sempre eminglês, sobre o único assunto queparecia interessar aos chilenos naquelesdias, a aproximação das eleiçõespresidenciais marcadas para o mês desetembro seguinte. Já na sobremesa,um dos generais do Pentágono perguntouo que faria o exército chileno,se o candidato da esquerda, um certoSalvador Allende, fosse eleito.O General Toro Mazoto respondeu:"Tomaremos o Palácio de LaMoneda em meia hora, mesmo quepara isso tivermos que destruí-lo".


1 KISSINGER E NIXON SABIAM?Um dos convidados era o generalErnesto Baeza, hoje diretor da SegurançaNacional do Chile, o homem que liderouo ataque ao palácio presidencialdurante o golpe de setembro último, equem deu a ordem para incendiá-lo.Dois de seus subordinados naquelesdias, ficaram famosos durante a mesmaoperação: general Augusto Pinochet.presidente aa junta militar, e o generalJavier Palácios. Também à mesa, estava obrigadeiro Sérgio Figueiroa Gutierrez,da Força Aérea, hoje ministro dos ServiçosPúblicos e amigo íntimo de outromembro da junta militar, general GustavoLeigh, que ordenou o bombardeio dopalácio presidencial. O último convidadoera o almirante Arturo Troncoso,governador naval de Valparaíso atualmente.Foi ele que realizou o expurgode oficiais-marinheiros esquerdistas, efoi um dos desencandeadores do levantemilitar de 11 de setembro.Aquele jantar provou ter sido umencontro histórico entre o Pentágono ealtos oficiais do serviço militar chiíeno.Em outros encontros que se sucederamem Washington e Santiago, chegou-se aum acordo a respeito de um plano deemergência, de acordo com o qual,tomariam o poder em caso de vitória dopartido de Allende, a Unidade Popular,nas eleições.O plano foi concebido de maneirafria, como uma operação militar, e nãoera conseqüência de pressões feitas pelaInternacional Telephone and Telegraph(ITT). O plano era inspirado por razõesmais profundas de política mundial. Dolado norte-americano, a organizaçãoque se movimenta era a "Defense InteligenceAgency", do Pentágono, mas aque estava realmente encarregada doplano era a agencia de informações daMarinha, sob alta direção política da CIAe do Conselho de Segurança Nacionaldos EUA. Foi uma coisa bastante normalter colocado a Marinha e não o Exércitono encargo do projeto, pois o golpechileno iria coincidir com a operaçãoUnitas, nome dado a um conjunto demanobras das marinhas americanas echilenas no Pacífico.Estas manobras se realizavam todo omês de setembro, o mesmo das eleições,e o aparecim ento em terra e no céu doChile de todo tipo de equipamento militare de homens bem treinados nas artese nas ciências da guerra, era natural.Durante esse período, Henry Kissingerdisse, em particular, a um grupo dechilenos: "Eu não estou interessado,nem sei nada sobre a porção sul do mundo,dos Pirineus pra baixo". Na época, oplano de emergência já estava prontonos seus mínimos detalhes e é impossívelque Kissinger ou mesmo o presidenteNixon não estivessem a par.O Chile é um estreito país, com cercade 4 mil quilômetros de comprimento, euma média de 180 quilômetros de larguta,tem10 milhões deexúberantes, habitantes,cerca de tres milhões dos quaisvivem na área metropolitana de Santiago,a capital. A grandeza do País nãoderiva do número de virtudes que pos-&u,i, mas muito mais, das suas muitas singularidades.A única coisa que produz«om seriedade absoluta é cobre, masfcsse cobre é o melhor do mundo e seuvolume de produção é ultrapassado apenaspelo dos Estados Unidos e UniãoSoviética. Também produz vinho, tãobom quanto as melhores espécies européias,mas apenas uma pequena partedele é exportada. Sua renda per capita,650 dólares, se classifica entre as maioresda América Latina, mas tradicionalmente,quase metade do produto nacionalbruto sempre foi dividido entre poucomais de trezentas mil pessoas. Em 1932, oChile se tornou a primeira repúblicasocialista das Américas,, e com õ apoioentusiástico dos trabalhadores o governotentou nacionalizar o cobre e o carvão.A experiência durou treze dias apenas.No Chile, acontece um tremor deterra a cada dois dias em média, e umterremoto devastador a cada mandatopresidencial. O menos apocalíptico dosgeólogos pensa no Chile não como umpaís do continente, mas como uma pontados Andes em pleno mar, e acreditaque todo seu território nacional estácondenado a desaparecer num cataclismafuturo.Os chilenos são muito parecidos comseu país, de certa maneira. São o povomais agradável do continente; gostamde viver, e sabem fazê-lo da melhormaneira possível, e até um pouco mais;mas têm uma perigosa tendência para oceticismo e a especulação intelectual.Um chileno disse-me, certa segundafeira,que "nenhum chileno acreditaque amanhã é terça"; e ele próprio nãoacreditava. Ainda assim, apesar destaprofunda incredulidade, ou graças a ela,os chilenos atingiram um grau de civilizaçãonatural, de maturidade política eum nível de cultura que os coloca separadosdo resto da região. Dos três PrêmiosNobel que a literatura latinoamericanaganhou, dois foram para oschilenos, um dos quais, Pablo Neruda,foi o maior poeta deste século.Henry Kissinger devia saber disso,quando disse que não sabia nada sobre aparte sul do mundo. Emtodo caso, asagências de informações americanassabem muito. Em 1965, sem a permissãodo Chile, a nação se transformou em palcocentral e base de recrutamento deuma fantástica operação de espionagemsocial e política: o Projeto Camelot. Erauma investigação secreta, destinada aprecisar através de questionários, submetidosa pessoas de todos os níveissociais e todas profissões - até dos maislongínquos rincões das nações latinoamericanas- de uma maneira científica,o grau de desenvolvimento político e astendências dos vários grupos sociais. Oquestionário destinado aos militarescontinha a mesma pergunta que os oficiaischilenos ouviram no jantar emWashington: qual seria sua posição se ocomunismo chegasse ao poder? O Chilede há muito era preferido como área depesquisa pelos cientistas sociais americanos.A idade e a força de seus movimentospopulares, a tenacidade e a inteligênciade seus líderes e as próprias condiçõeseconômicas e sociais permitiamuma antevisão do destino dofpafsjNãoeram necessários os resultados cio projetoCamelot para se aventar hipótese deque o Chile era um dos primeiros candidatosa se tornar a segunda repúblicasocialista na America Latina, depois deCuba.2 COMO DERRUBAR ALLENDE?No dia 4 de setembro de 1970, comotinha sido previsto, o médico socialistaSalvador Allende foieleito presidente daRepública. O plano de emergênciaentretanto não foi posto em ação. Aexplicação mais difundida é também amais incrível: alguém cometeu um enganono Pentágono e requisitou 200 vistosde entrada para um suposto coral daMarinha; no entanto, havia vários almirantesentre eles que não sabiam cantaruma nota sequer. Essa gafe, supõe-se,determinou o adiamento da aventura.A verdade é que ò projeto tinha sidoavaliado em profundidade: outras agênciasamericanas, particularmente a CIA eo embaixador americano no Chile, sentiramque o plano era por demais umaoperação militar e não levava em contacondições políticas e sociais do momento.De fato, a vitória da Unidade Popularnão trouxe o pânico social que a espionagemamericana esperava. Pelo contrário,a independência do novo governonas relações internacionais, e a sua atitudedecidida nos assuntos econômicos,criaram imediatamente uma atmosferade júbilo social. Durante o primeiro ano,47 firmas foram nacionalizadas juntamentecom grande parte do sistema bancário.A reforma agrária viu a desapropriaçãoe incorporação à propriedadecomunal, de mais de seis milhões deacres de terra, antes pertencentes agrandes latifundiários. O processo inflacionáriofoi brecado, conseguia-seemprego pleno e os salários receberamum aumento de trinta por cento.O governo anterior, liderado peloDemocrata Cristão Eduardo Frei, deualguns passos na direção da nacionalizaçãodo cobre, um processo chamadoentão de "Chilenização". Tudo que oplano fez foi comprar 51 por cento dasações das minas de cobre controladaspejos Estados Unidos e, pela mina dè EÍTeniente apenas, pagou uma somamaior do que o valor total de todas aspropriedades. A Unidade Popular, comapenas um ato legal, apoiado no Congressopor todos os partidos políticos dopaís, recuperou para a naçao todos osdepósitos de cobre das companhiasamericanas Anaconda e Kennecott. Semindenização. (O governo calculou queas duas companhias, durante um períodode quinze anos, tinham obtido umlucro ilegal que ultrapassava a casa dos800 milhões de dólares, o que superava ovalor das idenizações.)A pequena burguesia e a classe média,as duas grandes forças sociais que teriamapoiado um golpe naquele momento,começava a desfrutar de vantagens nuncavistas, e não às expensas do povo,como sempre tinha sido, mas sobretudoàs custas da oligarquia financeira e docapital estrangeiro. As forças armadas,como grupo social, têm as mesmas origense ambições da classe média; portantonão tinha motivos, nem sequer álibipara apoiar o pequeno grupo de oficiaisda reunião de Washington. Cientedessa realizade, os democratas-cristãosnão somente não apoiaram o plano militar,mas até se opuseram a ele, por saberque este seria impopular mesmo entresuas próprias fileiras. .Sua estratégia era diferente: usartodos os meios possíveis para estragar aboa saúde do governo, e assim obter amaioria de dois terços no Congresso naseleições de março de 73. Com esta maioria,eles poderiam votar a remoção constitucionaldo presidente da república.A Democracia Cristã se constitui numaenorme organização, que não conhecelimites sociais, com uma autêntica basepopular entre o proletariado das modernasindústrias, os pequenos e médiosproprietários de terras, e a pequena burguesiae a classe média das cidades. AUnidade Popular, ainda que tambémmesclada socialmente, era a expressãodos trabalhadores das classes menosfavorecidas, do proletariado agrícola eda baixa classe média das cidades. Osdemocratas cristãos, aliados ao PartidoNacional, de extrema direita, controlavamo Congresso e o Judiciário. A UnidadePopular controlava o Executivo. Apolarização destes dois grupos políticosera, de fato, a polarização de toda nação.Curiosamente o católico Eduardo Freifoi quem mais se beneficiou e tirou vantagemdas lutas de classe; foi quem asestimulou e as levou ao confronto, paradesacreditar o governo e derrubar o paísno abismo da desmoralização e dodesastre econômico.O bloqueio econômico ordenadopelos Estados Urwdos devido a desapropriaçõessem indenização, fes o resto.Bens de todos os tipos são manufaturadosno Chile, desde automóveis até pastade dente, mas sua indústria de basetem uma falsa identidade: em 160 dasmais importantes firmas. 60% do capitalera estrangeiro e 80% das matérias-primasbásicas vinham do exterior. Alémdisso, o país precisava de 300 milhões dedólares para poder importar bens deconsumo e outros 450 milhões parapagar os juros de sua dívida externa. Ocrédito concedido pelos países socialitasnão_podia suprir a falta de peças dereposição, pois grandepartedos equipamentosusados no Chile, na agricultura,na indústria e no transporte é de origemamericana. A União Soviética chegou acomprar trigo na Austrália par? mandáloao Chile, uma vez que ela própria nãotinha o cereal, e através do Banco Comercialda Europa do Norte, em Paris fezvários emprestimos em dólares. Mas asurgentes necessidades chilenas erammuito maiores e se aprofundavam cadavez mais. As alegres damas da burguesia,a pretexto de um protesto contra a inflaçãogalopante, o racionamento e ospedidos feitos pela classe pobre, saíramas ruas batendo em suas panelas vazias.Não foi por acaso, bem ao contrário; foimuito significativo o espetáculo detalheres cie prata e chapéus de flores teracontecido na mesma tarde em queFidel Castro encerrava uma visita de trintadias ao Chile - uma visita que provocouum terremoto de mobilização socialentre os que apoiavam o governo.3 ALLENDE VENCE DE NOVOO presidente Allende entendeuentão, e o disse, que o povo tinha ogoverno mas não tinha o poder. A fraseera mais amarga do que parecia. E tambémmuito alarmante, pois dentro de si,Allende carregava o germe da legalidadeque continha a semente de sua própriadestruição: sendo um homem que lutouaté a morte em defesa da legalidade, eleteria sido capaz de deixar o Palácio de LaMoneda, de cabeça erguida, se tivessesido destruído pelo Congresso^ dentrodos limites da Constituição.A jornalista e pofltica italiana RossanaRossanda, que visitou Allende nesteperíodo, encontrou-o idoso, tenso echeio de funestos pressentimentos,enquanto falava, sentado no sofá de cretoneamarelo onde, sete meses maistar-


de seu corpo semvida seria encontrado,seu rosto atravessado por um tiro derifle. Então, às vésperas das eleições demarço de 73, nas quais seu destino estavaem jogo, ele teria se contentado com36% dos votos a favor da Unidade Popular.E ainda assim, apesar da galopánteinflação, do racionamento e do concertode panelas das alegres madames dosbairros elegantes, ele recebeu 44% dosvotos. Foi uma vitória tão espetacular eao mesmo tempo tão decisiva, quequando Allende ficou em seu gabinetecom seu amigo e confidente, o jornalistaAugusto Olivares, ele fechou a porta edançou uma "cuenca" sozinho.Para os Democratas Cristãos erapatente que o processo de justiça social,colocado em movimento pela UnidadePopular, não poderia ser revertido pormeios legais, mas Jhes faltou visão paramedir as conseqüências das ações queempreenderam então. Para os EstadosUnidos, a eleição era um aviso um poucomais sério, que ia além dos simples interessesdas firmas nacionalizadas. Era umprecedente inadmissível para o progressosocial e pacífico dos povos do mundo,particularmente aqueles da Itália e daFrança, onde as condições do momentopoderiam tornar possível uma experiênciado tipo chileno. Todas as forças dareação interna e externa se uniram para.fórmar um bloco compacto.Por outro lado, os partidos que compunhama Unidade Populâr, com rivalidadesinternas bém maiores do que asnormalmente admitidas, não conseguirram chegar a um acordo na análise daseleições de março. O governo viu-se àsvoltas com várias existências: os da extremaesquerda pressionavam para que ogoverno tirasse vantagem da evidenteradicalização das massas, revelada pelaseleições, e agfsse de maneira decisiva,avançando no programa de mudançassociais. A ala moderada da Unidade'Popular^ receosa de uma guerra civil,pressionava dando ênfase a um acordocom a Democracia Cristã. É bastante óbvioagoraque esse possível acordo estielaoposição era simples artifíciomulaao pepara ganhar tempo.A greve dos proprietários de caminhõesfoi o golpe final. Devido à agressivageografia do país, a economia chilenadepende muito do transporte. Parar oscaminhões eqüivale parar o país. Foimuito fácil para a oposição coordenar agreve, pois os proprietários de caminhõeseram um dos grupos mais atingidospela falta de peças de reposição; ealém disso, eles se sentiam ameaçadospor um pequeno plano-piloto do governo;destinado a fornecer um serviçoestatal de caminhões, adequado para aregião sul do país. O movimento grevistadurou até. o último minuto, sem ummomento de descanso, pois era financiadode fora do país. "A CIA abarrotouo país com dólares, para apoiar a grevedos patrões, e esse capital estrangeiro,foiaproveitado na formação de um mercadonegro" - escreveria Pablo Neruba aum amigo na Europa.Uma semana antes do golpe, óleo, leitee pão iá tinham acabado. Durante osúltimos aias da Unidade Popular, com aeconomia esfacelada e o país à beira daguerra civil, as manobras do governo eda oposição se centralizaram na tentativade mudança da balança de poder noexército, para um ou outro lado. O últimomovimento foi perfeito e alucinante:48 horas antes do golpe, a oposição conseguiutirar da ativa todos os altos oficiaisque apoiavam Salvador Allende e colocarem seus lugares, um por um, todosos oficiais presentes ao jantar de•Washington.Naquele momento, entretanto, o jogode xadrez da política já tinha saído aocontrole dos jogadores. Levados poruma dialética irreversível, eles terminaramcomo peões de um jogo de xadrezmuito mais complexo e politicamentemais importante do que qualqueresquema montado pela espionagemcontra o governo de Allende. Era umterrível confronto de classes, que fugiadas mãos daqueles que o tinham provocado,um duelo cruel entre interessesopostos, e cujo resultado tinha que serum cataclisma social sem precedentes nahistória das Américas.Üm golpe militar nessas condiçõesnão deixaria de ser sangrento. Allendesabia disso. "Não se brinca com fogo",ele disse a Rossana Rossanda. "Sealguém pensa que um golpe militar noCnile será como os dos outros paísesamericanos, com uma simples troca deguardas do Palácio de La Moneda, estámuito enganado. Se o exército sair doslimites da legalidade, haverá um banhode sangue;®será uma nova Indonésia".Essa certeza tinha uma base histórica.4 APARECE CERTO PINOCHETO exército chileno, ao contrário doque fomos levados a acreditar, intemuna política, toda vez que seus interessesde classe pareciam ameaçados, e o fezcom uma ferocidade e uma repressãoincomuns. As duas constituições que opaís teve nos últimos cem anos foramimpostas pela força das armas, e o recentegolpe militar foi o sexto nos últimos 50anos.A história do exército chileno começouna escola das lutas corpo-a-corpocontra os índios Araucanos - uma lutaque durou 300 anos. Em 1891, duranteuma guerra civil que durou apenas setemeses, dez mil pessoas morreram numasérie de encontros armados. Os movimentospopulares foram reprimidoscom a mesma brutalidade. Depois doterremoto de Valparaíso, em 1906, as forçasda Marinha dizimaram a organizaçãoaos doqueiros, composta de oito mií trabalhadores.Em Iquíque, no começo doséculo, um grupo de grevistas tentourefugiar-se das tropas efoi metralhado -em dez minutos havia dois mil mortos.Em 2 de abril de 1957, o exército acaboucom uma manifestação civil no centro deSantiago e o número de vítimas nuncachegou a ser relevado, pois o governoescondeu os corpos dos mortos. Duranteuma greve da mina de El Salvador, nogoverno de Edu. ardo Frei, uma patrulhamilitar abriu fogo contra um grupo demanifestantes, com o objetivo de dispersá-los.Seis pessoas morreram, entre elasalgumas crianças e uma mulher grávida.O comandante do grupo de militares eraum obscuro general ae 52 anos, pai decinco crianças, e autor de vários livrossobre assuntos militares: Augusto Pinochet.O mito do legalismo e cia delicadezadeste exército foi inventado pela burguesiachilena, em seu próprio interesse.A Unidade Popular manteve o mito, naesperança de mudar o esquema decomando em seu favor. Mas SalvadorAllende sentia-se mais à vontade entreos Carabineiros, uma força armada, deorigem popular e camponesa, que estavasob comando direto do Presidente daRepública. De fato, a junta teve de descerquatro degraus da hierarquia dpsCarabineiros, até encontrar um oficialque apoiasse o golpe. Os jovens oficiaisentrincheiraram-se com seus colegas deoutras patentes, na escola de oficiais deSantiago, e resistiram quatro dias, atéserem desalojados por ataque aéreo.Esta foi a mais conhecida batalha detodas as que se travaram dentro dos postosmilitares, na véspera do golpe. Osoficiais que se recusavam a apoiar o golpe,ou que falhavam nas missões derepressão, foram mortos f riamente pelosconspiradores. Regimentos inteiros seamotinaram, tanto em Santiago comono interior, e foram reprimidos sem perdão,tendo seus líderes sido mortos comolição para as tropas...O comandante daunidade de blindados de Vina Del Mar,coronel Cantuarias, foi metralhado porseus subordinados.Será preciso muitotempo, para que o número de vítimasdesta carnificina interna seja conhecido,pois os corpos dos mortos foram transferidosdos quartéis em caminhões de lixóe enterrados secretamente.A história do golpe tem que ser contada,com informações de várias fontes,algumas de confiança, outras não. Umnumero não preciso de agentes secretostomou parte do golpe. Fontes clandestinasnos informam que o bombardeio dopalácio de La Moneda - cuja precisãotécnica surpreendeu os especialistas -foi executado por um time de acrobatasdo ar americanos que entraram no paíssoba proteção da Operação Unitas, a fimde fazer uma demonstração aérea no dia18 de setembro, dia da IndependênciaNacional. Há ainda a evidência de quemuitos agentes das polícias secretas depaíses vizinhos se infiltraram através dafronteira boliviana, e se esconderam atéo dia do golpe, quando deram início auma sangrenta perseguição contra osrefugiados de outros países latinoamericanos.Em 1972, um grupo de conselheirosamericanos fez uma visita a LaPaz, cujo objetivo não foi revelado.Talvez tenha sido apenas coincidência,entretanto, que pouco tempodepois desta visita, começaram movimentosde tropas na fronteira da Bolíviacom o Chile, dando aos militares chilenosmais uma oportunidade de reforçarsuas posições internas, e realizar transferênciasdo pessoal e promoções na áreado alto-comando favoráveis ao golpe.Finalmente, a' 11 de setembro,enquanto se desenvolvia a OperaçãoUnitas, o plano original - concebido àmesa de um jantar em Washington - foiposto em pratica, com um atraso de trêsanos, mas precisamente como tinha sidoconcebido: não como um golpe convencionalde quartel, mas como umadevastadora operação de guerra.k jUM CORPO DESFIGURADOTinha que ser desta maneira, pois nãoera apenas o problema de derrubar umgoverno, mas de plantar as negrassementes do terror, de tortura e de morte,até que no Chile não restassenenhum vestígiodaS estruturas políticase sociais que tornaram a Unidade Popularpossível. A fase mais cruel, infelizmente,apenas começou.Naquela batalha final, com o paísdominado por incóntroladas e desconhecidasforças de subversão, SalvadorAllende ainda se deixava guiar pela legalidade.A contradição mais dramática desua vida, foi ter sido um inimigo congênitoda violência e umapaixonado revolucionário.Ele acreditava ter resolvido esta contradiçãocom a hipótese de que as condiçõeschilenas permitiriam uma evoluçãopara o socialismo, sob a legalidade burguesa.A experiência ensinou-lhe, muitotarde, que um sistéma não pode sermodificado por um governo sem poder.Essa tardia desilusão deve ter sido afòrça que o impeliu a resistir até a morte,defendendo as ruínas flamejantes de umacasa que não era a sua, uma sóbria mansãoque um arquiteto italiano construiupara ser urri palácio e que terminoucomo refúgio de um presidente sempoder. Ele resistiu por seis horas, comum rifle, que lhe foi presenteado porFidei Castro. Foi a primeira arma que SalvadorAllende usou em sua vida. Por voltade quatro horas da tarde, o generalJavier Palacios conseguiu chegar aosegundo andar do palácio, acompanhadode seu ajudante de ordens, capitãoGallardo, e um grupo de oficiais. Ali, emmeio às falsas cadeiras estilo Luís XV,vasos chineses e pinturas de Rugendas,na ante-sala vermelha, Salvador Allendeos esperava. Ele estava em mangas decamisas, com um capacete de mineiro eo rifle/mas tinha pouca munição.Allende cónhecia.bem o general Palacios.Alguns dias antes ele disse a AugustoOlivares que este era um homem perigoso,com ligações muito estreitas comos serviços secretos americanos. Assimque o viu nas escadarias, AHende gritou:' Traidor", e atirou em sua mão.De acordo com a história dè uma testemunhaque pede para não citar o seunome, o presidente morreu numa trocade tiros com o grupo. Depois, todos osoficiais, um ritual de casta, atiraram nocorpo. Finalmente um oficial não comissionadodeu uma coronhada em suaface, còm o cabo do rifle. Há uma foto:o fotógrafo oficial Juan Enriques Lira, dojornal El Mercúrio, bateu uma chapa. Foio único a quem se permitiu fotografar ocorpo. Estava tão desfigurado, que quandofoi mostrado, já no caixão, a senhoraHortensia Allende, não se permitiu a eladescobrir a face. Ele faria 64 anos no últimomês de julho e era um Leão perfeito:tenaz, firme em suas decisões e imprevisível"O que Allende pensa, só Allende,só Allende sabe", disse-me um de seusministros. Ele amava a vida, as flores, oscães, era muito galante, com um toqueda velha escola em sua volta, coisascomo cartas perfumadas e encontrosfurtivos. Sua maior virtude foi sempreseguir adiante, mas o destino lhe reservouapenas a trágica e rara grandeza demorrer em defesa dos anacrônicosbonecos da. justiça, defendendo umaCorte Suprema da Justiça, que o tinharepudiado mas que legitimaria seusassassinos; defendendo um Congressomiserável que o tinha declarado ilegal,mas que se dobraria docilmente ante avontade dos usurpadores; defendendo aliberdade dos partidos de oposição quevenderam suas almas ao fascismo;defendendo toda a parafernália de umsistema de merda que ele tinha propostoabolir, sem um tiro ser disparado. O dramaaconteceu no Chile, para tragédiados chilenos, mas passará à históriacomo algo que aconteceu a nós todos,crianças desta era, e ficará em nossasvidas para sempre.


Ch^ 6° V,Um moço, chamado Ademir, depoisque entrou para a TFP, passoua achar pecaminoso abraçara própria mãe! Surrou as irmãsporque usavam calça comprida!Sua mãe, aona Maria Conceição da Luz, 46anos, moradora no bairro paulistanoda Aclimação, prestou depoimentoao repórter Dácio Nitrini.E fez um apelo a Plínio Correia de Oliveira,presidente da Tradição, Família e Propriedade.


SEU PLÍNIODEVOLVAMEU FILHOEle, meu filho, conheceu um moçoque tava na TFP, o Bruno, que estudavajunto com ele e que tinha uma pernamecânica. O Bruno era um tipoassim bonitinho, gordinho, eramamigos inseparáveis um do outro. OBruno tinha um carro, eles iam juntospara a escola, quando chovia elevinha buscar, tinha umas meninasque também estudavam com eles. Eunão sei porque, mas o Bruno já era daTFP, e foi levando ele. Depois inclusiveo professor de religião começou avirá-lo. Esse professor, parece queinclusive depois expulsaram ele docolégio onde* lecionava, lá em SãoBernardo do Campo, porque desvioumuitos rapazes para a TFP. Essesenhor professor mora lá no Largo doCambuci com a senhora mãe dele,que é velhinha, ele também já ésenhor, o tal professor que deséncaminhouele mais o Bruno.Quando chegava Carnaval, SemanaSanta, coisa assim, ele pedia algumdinheiro (ele não trabalhava), para irpara uma chácara que a TFP tem lá emItaquera, diz que é muito rica a chácaralá de Itaquera, e eles iam acamparlá em Itaquera. Eu gostava, eracoisa de religião, sabe? Todos osdomingos o professor dava aulas parair conféçsar e comungar. Todos osdomingos ele começou a ir na Igreja,lá perto dçi casa da minha mãe. Masdaí o padre se escamou, estranhou,ele viu aquele rapaz todos os dias etocou ele lá da Igreja, daí ele mudoupra outra e foi mvdando, mudandoaté que ia todos os dias lá na Catedralconfessar e comungar. Quando eu víaquilo e senti... não dava mais.Ele mudou. Em casa ele era umrapazcomum, tomava o copo de cervejadele, tinha um conjunto, tinha dezoitoanos, até tenho fotografia. Compreiuma guitarra pra ele, compreium violão que tenho guardado atéhoje. Ele ensinava os meninos a tocarcavaquinho, dava aulas. Todos osdomingos tinha um quarto vazioonde ensaiavam para tocar num bailinhoda vila, ganhava corbeille deflores, um dinneirinho, e vinha umsenhor de carro buscar pra eles tocarempor aí.Depois, quando ele começou bemmesmo na TFP, chegava em casa enão queria que as irmãs usassem calçacomprida. Quando foi um dia,minha mãe não estava em casa, elepegou as três meninas, pegou umaborracha e falou para elas:-"Vocês, agora, vão tirar essas calçascompridas. Quem demorar maispara tirar, apanha mais. Quem tirarmais rápido, apanha menos."Então ele ficou no quarto, elastiram as calças e deram. Ele saiu para oquintal, jogou álcool e pôs fogo. Eleestava mesmo mudado, iá estavamudado, ele começou a bater nasmeninas, até que um dia a gente faloupara ele ficar de vez na TFP.Um dia ele deu um ponta-pé nairma dele, na Mirian, que machucoutodo o braço, não chegou a quebrar,mas machucou. Mas aí ele ficou sópensando na religião, só falando emSanto, só falando em Deus, tudo paraele era pecado. Tirar a meia pra eleera pecado, se você tira a camisa pertode uma pessoa é pecado, eu queera a mãe dele não podia por a mãonele, a mãe gosta de chegar perto dofilho e abraçar, mas não podia pór/ãmão nele que era pecado, tudojjaraele ficou sendo pecado.Um dia mostrei o blusão çjô LiceuSiqueira Campos, onde ele tirou oginásio. Sabe, os moleques todosescrevem uns nas costas aos outros,fazem desenhos, tudo..., pintado. Aífalei assim: "é, Adentfr, eu guardeiesse blusão aqui porque a gentepagou o ginásio pára você aí, comtanta dificuldade, que quis guardaresse blusão como lembrança". Elerespondeu para mim: "Mãe, dá queeu vou queimar esse blusão porqueisso é coisa do capeta".Aí que eu ví que ele já tava... quenão adiantava... Daí o pai disse paraeu dizer para ele que se ele quisessevoltar a estudar, era só dizer o quê eonde, que ele pagava tudo e que seele quisesse morar numa pensão,num hotel, onde fosse, que o paipagava... Fui lá na TFP e falei para ele.Daí ele respondeu oara mim: "eunão vou mais estudar porque osestudantes são todos uns satânicos".E parou, não estuda mais.Voce vai lá na sede e vê muitosmorando lá. Tem bastante. Todos defamília, todos estudados, um já éengenheiro, outro é médico, outro éadvogado. Todos que estão lá nasede, a maior parte mora por ali mesmo,parece um quartel, sabe? Todosmorando por ali mesmo, todos estudados,todos com seu diploma... Só omeu filho, ele e mais alguns, que nãodeu tempo e não chegaram a terminaro curso. Foi assim que eu perdi•meu filho.Ele vem visitar minha mãe de vezem quando. Mas não demora muito.Ele nem pergunta por mim, acho queele acha que sou mulher à toa, quesou isso, que sou aquilo, ele nãosuporta, não gosta. Ele pergunta paraas meninas se lélias gostam de mim.Elas respondem que é lógigo que elasgostam, e ele fica quieto. Ele fugiu dafamília, quer dizer que para ele nãotem família. Ele se dava muito commeu irmão, que é pouca coisa maisvelho que ele. Eles ficaram mocinhosjuntos, um usava a roupa do outro,meu irmão sempre dava um dinheirinhopara ele - meu filho não fuma,nem bebe - mas meu irmão sempredava um dinheirinho para ele.Eles perderam a amizade. Um dia,lá na rua Agostinho Gomes, no Ipiranga,eles estavam fazendo umacampanha com bandeiras, faixas,meu irmão viu e correu atrás deles.Por isso eles não se falam mais.A última fez que fui pedir paraest: Jar, ele falou para mim que o Dr.Plinio deu umas aulas para ele e disseque tem que ter todas as classes.Que tem que ter o varredor de rua,que tem que ter o faxineiro, que temque ter o porteiro... que tem que tertodas as classes. Eu falei para ele:"Você não tinha dinheiro, mas umdia você poderia ser alguém, não serrico, mas ser alguém de nome porquevocê estava estudando, um dia poderiaser médico, ser advogado, ser oque quisesse." O homem pôs nacabeça dele que ele não poderiaestudar porque tem que ter a c!a::epobre que varre o chão, que limpa. Lána TFP ele é faxineiro, é garção.A primeira vezquefui naTFPepergunteipor ele, ninguém o conhecia.Eu falei que era meu filho, que faziatanto tempo que tinha saído oe casa eeu sabia que ele tava lá. Então eu deium aperto e apareceu outro que disseque ele tava em outra casa, naoutra sede, eu fui me informando. Aíchegou um senhor de moto, eu faleipra ele que era a mãe do Ademir,assim assim, e que queria falar comele. Ele mandou eu voltar no outrodia e consegui falar com meu filho.O pai dele foi diversas vezes lá e foimal recebido, eles falam que não estáe fecham a porta, não querem pessoasde fora, não têm atenção paraoutras pessoas.Agora eles estão com uma santa,acho que é Nossa Senhora de Fátima,dizem que é uma santa muito milagrosa,uma santa que fala. Ele não éao Brasil, ela veio de avião, eles vãofazer uma procissão estão vendendoum santinho dela por Cr$ 10,00.Em frente de onde ele mora temuma colega de infância dele, que estálouca para falar com ele, conversar.Ela me disse que o Ademir já reconheceuela mas não olha para ela.Acha que eles não olhanr. .íinguém,eles recebem instrução para nãoolhar.No dia do aniversário dele, na casada minha mãe, eu estava conversandocom ele, peguei e dei um abraçorápido nele, ele pegou e me empurrou.Eu falei, puxa vida, eu sou suamãe, será que nem eu posso te agraçar,sou sua mãe, posso até te darbanho. Falei brincando e ele nãoachou graça, ele não achou graça, elenão acnou graço em nada.Ele me falou assim: "A senhoragostaria de me ver usando hábito?".Eu respondi, mas como é que é isso?.Ele me respondeu: "Lembra-se doSão Francisco, quando andava pelomundo, andava de hábito". Achoque agora na TFP, os que subiremmais, se aprofundarem mais, vão vestiressa roupa.Um dia eu estava atacando a TFP eele me mostrou a fotografia do Dr.tPlínio - é um senhor velho - beijou eguardou no bolso. Me assustei e perguntei: "Ué, ele já virou santo?". Eleme respondeu: "Não, mas devo tudopara esse homem aqui porque foi elequem me deu educação". Eu faleique não, "você não deve nada a ele,porque quando ele pegou você, vocêera um moço estudante, não fumava,não bebia, era um rapaz educado,todos gostavam de você". Ele ficoubravo e falou: "A senhora aueria mever com um copo na mão dentro deum bar, ou então queria me vertomando tóxico ou senão agarradocom umas prostitutas. É isso que asenhora quer?" Eu respondi quequeria e até gostava, porque assim"você era igual aos outros, igual..."Ele evita falar com a gente. Ele nãoolha, ele não olha assim para os olhosdos outros, ele fica olhando para olado, parado, não encara as pessoas,entende? Não dobram as mangas dacamisa perto da família, se vai dormir,e tem alguém no quarto ele não vai,se ele estiver deitado no quarto, nemque seja a mãe, o irmão, qualquerum, não pode vê-lo, não pode nempassar. A gente fica interessada, seaprofundando para tentar chegar lámas não dá... Outro dia dei um chinelopara ele e ele me disse: "A senhoraacha que vou andar de chinelo?"Nemo pé! Eles não podem tirar a meia pertode ninguém, eles nao queremmostrar naaa do corpo.Só sei dizer que entrei lá e tem umpavilhão bem grande com muitosrapazes, mas muitos mesmos, sabe oque é um quartel que tem bastantegente? Era assim, um tipo de umquartel. Um entrava, outro saia, gentedo interior que chegava. Passamperto um do outro e fazem que nemsoldado, fazem continência. Todossabem essas lutas: o Ademir pareceinclusive que dá aulas de caratê Ia'.Tem o de gráu mais alto, de gráumais baixo; batem o pé um para ooutro e chamam qualquer pessoa desenhor, pode ser até uma criancinhaque é senhor. A gente não conseguedescobrir o que é. Só vamos sabermesmo quando sair alguém lá dedentro. Faz tempo, um tal de Orlandosaiu, ví no jornal, atacou mas nãoacontece nada, ninguém se importacom eles na rua, a polícia não taznada.A última vez que eu vi o Ademir foina TFP. Cheguei lá e duas senhorasvelhas mandaram entrar. Fiquei numlugar que tinha escrivaninha e a máquinade escrever dele. Quando elechegou e me viu disse: "Olha, estouem cima da hora e agora vou fazeruma coisa muito importante..." Eufalei pode ir, pode ir porque nuncamais volto aqui. Saímos nós três, eu eas irmãs dele. E ele saiu também, foiembora com um terço desse tamanhoas irmãos dele. E ele saiu também, foiembora com um terço desse tamanho,que eles usam na mão.


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SolaisCAP. XVII - VERS. U-Xi VBEIJE MEU ANEL,SEU FARISEUARROGANTEíT/,ki W itVOol//Qo \\úo ulon^Edição fac-similar realizada nas oficinas • gráficas da Imprensa- Oficial do Estado de São 'Paulo, junho de 2010.

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