HOSPÍCIO CHINÊS: CALMANTE OCIDENTAL E ACUPUNTURANELESMAOTERAPIAUm relato sobre um importante centro psiquiátrico de Xangai; e umaentrevista com dois médicos de província; os chineses tratam ospacientes também com um remédio que consideram infalível: Pensamentosde Mao, os já famosos, em doses diárias e segundo prescriçãomédica.Por Gregório Bermann, cientista argentino. Bermann esteve três vezes na China,e em 1970 lançou "A Saúde Mental na China", série de artigos e reportagenssobre a situação psiquiátrica naquele país. Após uma vida política intensa, queabrangeu os mais variados campos da medicina e da filosofia, Bermann morreuem 1972, com quase 80 anos.Aproximava-se do fim a minhaúltima viagem à China, e eu estava bemlonge de ter captado os valores e osentido da revolução cultural na psiquiatria,apesar de todas as demonstraçõesque me fizeram. Tudo isto é tãodiferente de meus conhecimentos e deminha vida! Em primeiro lugar, o quetinha me chocado era a caricatura derevolução cultural que tinha testemunhadoem um hospital psiquiátrico deprovíncia. Devo acrescentar que tinhauma prevenção contra a ação dasmassas, eudeusadas na China como ascriadoras de um novo mundo, emrazão da experiência tão dolorosamentenegativa que tinha sofrido na Argentina,minha pátria. Lá, aclasse operáriae uma parte importante das classesmédias foram conduzidas por um líder,adorado pelo povo, e levadas em umadireção que, na minha opinião, nãofavoreceia a sua libertação, bem pelocontrário.Vou contar como começou a decepçãode que falei acima. Fui acolhidocom grande cordialidade pelo pessoaldo hospital e "pelos doentes, que nomeio da neve, ao ar livre, entoavamcitações do presidente Mao, repetindoconhecidos slogans. Me disseram que ohospital não tinha diretor, que ocomitê revolucionário assumia o poderno quadro de uma direção coletivaonde havia somente um jovem médico.Um membro da direção tomou apalavra, creio que era um enfermeiro,enquanto o responsável, que tinha todaa aparência de um oligofrênko, nãoabriu a boca durante toda a reunião.Os médicos estavam confinados nospavilhões esperando os doentes. Noúltimo momento, a meu pedido apareceuum professor de psiquiatria, e faloumuito pouco.No hospital não existiam estatísticas,não se publicavam estudos, não sefaziam pesquisas. Neste caso, ao menos,a revolução cultural era umagrosseira demagogia. A revolução culturalparecia ter, aqui, diminuído, oudegradado, aqueles que deveriam dirigir;no caso deste hospital, os médicos.Os rebeldes revolucionários que tomaramo poder ocuparam o vazio deixadopela direção, provavelmente porquenão havia entre os médicos pessoasenérgicas e com um pensamento claroe correto. Foi com estas coisas nacabeça que conheci, então, a experiênciado hospital psiquiátrico de Xangai.E Xangai é, sem dúvida, o centropsiquiátrico mais importante da China,não só pela sua organização e seuensino, como porque aqui trabalha ohomem que abriu o caminho para apsiquiatria no país* o professor Hsia. Ohospital que visitamos, em 1965, tem600 leitos, é bem equipado, tem muitopessoal, e sua disciplina e higiene sãoexcelentes. Em ! 967, no total, Xangaipossuía 2 700 leitos no domínio psiquiátrico.Vou procurar reproduzir aqui, namedida do possível, as próprias palavrasdas pessoas com as quais falei. Asituação da revolução cultural, ao níveldo hospital, é o reflexo exato daquiloque se passa no país, e que tende adestruir o privado para construir opúblico.A CURA PELO PENSAMENTOEles citam Mao Tse-tung: "as idéiasdos homens não têm outra origemsenão a prática". O trabalho clínicoensina que os doentes mentais estabelecemrelações precisas com as situaçõesreais. É necessário, antes de mais nada,conhecer a realidade do pensamento ea ideologia dos pacientes. O conhecimentoaprofundado dos pacientes realiza-segraças aos laços estreitos que osunem aos médicos e ao pessoal sanitário.Uma vez que se sabe o que elespensam e quais são os seus problemasideológicos, pode-se estudar com elesos meios de resolver os problemas, emfunção de cada doença.Ptir exemplo, um paciente melancólicoconsiderava sua doença muitograve e incurável; o que ele tinha de maissério era sua intensa preocupação -assim, tentou muitas vezes o suicídio;durante anos, nada disse do que sepassava na intimidade de seu coração, eaqueles que viviam a seu lado podiamconstatar somente a sua vontade desuicidar-se. Finalmente os médicosentenderam o que se passava. E, comeie, leram os tres mais importantesartigos de Mao, e constataram a suaperda de confiança na capacidade decura. Durante longos anos, nem osremédios puderam curá-lo, coisa queentendeu lendo os artigos. Uma vezcurado, o paciente escreveu um artigosobre o que tmhr, se passado em seuespírito e em seu coração no processode cura. „"Para que o pensamento de Maopenetre m espírito dos doentes, épreciso saber o que eles pensam. "Emprimeiro lugar, mostramos verdadessimples que cada doente pode colocarem prática. Os artigos de Mao sãomuito simples, mas têm um conteúdode verdade muito profundo que orientapara a ação", dizem os médicos.Eu perguntei em que medida osensinamentos da psicologia médica sãoutilizados na China. Me disseram que otrabalho médico se funda sobre o amorde classe: "em nossa sociedade, estabelecemosrelações de amizade íntimacom os pacientes, e isto nos permiteum justo conhecimento de seu espírito;conforme a realidade viva de cada um,empregamos métodos específicos Idetratamento".No hospital, assisti a uma reuniãode estudos mantida pelos doentes, apartir de leitura de citação de Mao; ascitações eram comentadas pelos própriosdoentes, na presença dos enfermeirose com a sua colaboração. Umdoente diz: "ser médico não é importante,o importante é aprender parapoder servir ao povo". Outro doenteatribui sua doença a uma causa ocasional;"é preciso se armar de coragempara enfrentar os problemas", diz ele,citando outro "pensamento".CADA DOENÇA, UM ARTIGOA grande maioria dos doentes sãooperários, camponeses e membros dopartido. Antes do intemamento, elesestavam habituados, como todo omundo, na China, a estudar os ensinamentosde Mao, o que facilita muito otrabalho. Segundo aqueles ensinamentos,um divide em dois: de um lado, osaspectos patológicos do espírito; deoutro lado, os aspectos sadios; "são osúltimos que devem ser reforçados paracurar as partes doentes".
Os doentes são divididos em funçãoda etapa em que se encontram de suaevolução mental e orgânica. Diferentesartigos de Mao, são usados paraenfrentar essas situações diversas. Nodecorrer da terapia, acontece seguidamenteque os pacientes recusam tomarremédios ou seguir outro tratamento.Eles são ajudados pela leitura de"Como Yukong ultrapassou a Montanha",por exemplo. Um paciente queescondia seus medicamentos, após estasleituras, fez sua autocrítica reconhecendoos erros e mudou de conduta. Navéspera de sair do hospital, existempacientes que desenvolvem idéias erradas;que os outros zombam deles, etc.Neste caso, é sugerida a leitura de"Sobre a Guerra Prolongada", e assimeles "elevam o nível de consciência e aconfiança em sua possibilidade devencer as dificuldades". Há outros queperdem a coragem e vacilam emcontinuar vivendo: eles são encorajadoslendo "Servir ao Povo", ou as citaçõessobre a "Crítica e Autocrítica", etc,Os médicos apontam os resultadosde seu método:1. Eleva-se a atividade subjetiva dosdoentes e, por aí, eles são ajudados avencer seus sintomas e suas dificuldades.Numerosos doentes aprendem aconsiderar suas emoções como "tigresde papel", desprezando-as estrategicamentee tomando-as em consideraçãotaticamente. Numerosos pacientes "criticamas idéias errôneas que tinhamsido; por exemplo, alguns pensavam demaneira desordenada em mil coisasdiferentes, de maneira unilateral, tomandoassin; o aspecto pelo todo:depois desse tipo de estudo, elescorrigem seus pontos-de-vista errôneos".Alguns doentes manifestavam "confusãoideológica"; se preocupavam excessivamentecom o futuro, de modo queviviam sob perspectivas sombrias,tinham medo de não poder maistrabalhar; estudando, "seu nível seelevou, a luz aparece em seu espírito, esob o efeito da atração exercida pelasolidariedade e pelo fim de seu egocentrismo,o que desenvolve seu gostopelo interêsse público, suas crençasdesaparecem". Uma atividade corretada parte dos doentes diante de seuspróprios sintomas é uma vantagem quepermite levar mais adiante o tratamento.2. Os médicos se educam por simesmos, estudando junto com ospacientes e os enfermeiros.3. Através da organização do estudo,pode-se reforçar o sentimento dedisciplina através do trabalho conjunto,enriquece-se a vida cotidiana. Em tudo,as pessoas se ajudam e se criticammutuamente. Estudando com os doentes,os médicos podem ver se manifestaremalterações e sintomas que nãopoderiam ver nas entrevistas individuais.Os doentes falam e comentamentre si o que estão pensando, equando encontram alguma dificuldadeem um comportamento, falam com osmédicos. Os resultados obtidos "sedevem ao prestígio de Mao". O dr. YuShei-Tsei, de Xangai, diz: "Devemosestudar de maneira viva. Durante asdiferentes etapas do processo de suadoença, os pacientes têm diferentesidéias. Os médicos organizam o estudopara substituírem as idéias errôneas poridéias justas. Estimulam a ajuda mútuaentre os doentes, o que anima a vida dospavilhões. O hospital se transformanuma escola".O hospital que visitamos fica ao sulda cidade de Sian. Tem 250 leitos eum dispensário; 22 médicos, 62 enfermeirose 66 membros entre o pessoalda administração e empregados. Um"comitê revolucionário" de 10 pessoasdirige o hospital-, representando atríplice união: "soldados-quadros dirigentes-massaspopulares". Nossos entrevistados,dr. Han e dra, Sho, fazemparte desse comitê.Dr. Han — Adquirimos novos conhecimentossobre doenças mentais apartir das teses filosóficas do presidenteMao. No campo da psiquiatria,como em todos os outros, há uma lutaentre duas linhas, conseqüência de duasconcepções diferentes do mundo: aindividualista, onde o homem se situano centro do universo, e a coletivista,onde o homem está a serviço dasociedade. Em nosso campo, a primeiraconcepção criou as grandes sumidadescujas teorias são aceitas mais pelo pesode sua autoridade, que pelo seu valorobjetivo; essas sumidades detêm sozinhasas chaves da sabedoria e suassentenças são inapeláveis. Dessa maneira,muitas doenças mentais que podiamser curadas foram declaradas incuráveis;o erro dessa concepção é entregar oindivíduo a tratamentos ou medicamentossem pensar que as raízes domal se encontram na sociedade, e éelevando a consciência de cada um deseus membros que encontraremos osmeios de trazer o mal à superfície. Asteorias da psiquiatria ocidental podemser resumidas em três tendências:a) a tendência dos que explicam asdoenças mentais por um funcionamentopatológico dos órgãos; b) a tendênciados que explicam as doençasmentais por causas hereditárias; c) e,finalmente, o grupo dos "agnósticos",que preferem ignorar as origens reaisdos desequilíbrios mentais.O pensamento do presidente Maoconsidera que todas as coisas douniverso são regidas por leis próprias eque o homem é capaz de descobri-las edominá-las - o homem, é claro, no"ESTUDAMOS FREUD PARA COMBATER SEUS ERROS"sentido de coletividade humana, depovo. As massas populares, diz Mao,têm um poder criador ilimitado. Elassão capazes de se organizar, de dirigirsuas forças e de lançar sua energia emtodas as direções e dentro de todos oscampos. Noutro tipo de sociedade,cada pessoa é condicionada por seumodo de vida; suas idéias têm sempreas marcas de sua classe. Muitas dasanomalias e desequilíbrios mentais saoreflexo da luta entre duas concepçõesde mundo. Em regimes sociais diferentes,as doenças mentais têm característicasdiferentes. A psiquiatria, portanto,é ao mesmo tempo ciência médicae social.Nossa, sociedade evolui rapidamente.Há apenas 22 anos éramos dominadospor um regime feudal e capitalista.Nosso sistema atuai é uma etapa detransição. Esse progresso em busca deuma organização social mais justasó pode ser feito através de umconstante processo de "luta-crítica-reforma",cujo ponto crucial é a transformaçãoda mentalidade de cadaindivíduo. Num regime socialista, grandeparte dos desequilíbrios mentais seproduzem nos indivíduos que nãoassimilaram a nova concepção coletivado mundo e não aceitam a direção e ametodologia dos trabalhadores. Sãoindivíduos que não puderam resolver acontradição entre o subjetivo e oobjetivo, entre o proveito pessoal e obem-estar coletivo, entre o indivíduo ea nossa sociedade. Isso produz umaperturbação no cérebro, causadora degrande parte das neuroses e psicoses deque tratamos. Desse ponto de vista,nossa terapia consiste princip^ menteem educar o paciente de modo que elepróprio resolva suas contradições. Nossométodo consiste em fazê-lo estudartodo dia as obras do presidente Mao.Dessa maneira, ao mesmo tempo quecompreende a nova orientação da sociedade,integra-se aos três movimentos denossa revolução: a luta entre categoriassociais, a luta pela produção e experimentaçãocientífica.Essa educação do doente é seguidapor uma ação médica na qual intervém,ao mesmo tempo, elementos da medicinaocidental e da medicina tradicionalchinesa (a acupuntura, por exemplo).Da medicina ocidental, utilizamosalguns calmantes, aplicados em pequenasdoses. Após a revolução cultural,eliminamos os três elementos considerados"mágicos" para esse gênero dedoenças: o choque de insulina, ochoque elétrico e grandes quantidadesde calmantes. O tratamento ideológicoé o principal, o tratamento médico ésecundário.- O senhor nos falou de neuroses epsicoses produzidas por uma inadaptaçãosocial. Em seu hospital não existenenhum caso de demência produzidapor outras causas ?Dr. Han - Sim, temos também asdoenças provocadas por lesões deórgãos internos, por envenenamento,por intoxicação, doenças nervosas, etc.Quando as lesões cerebrais impedem acompreensão, utilizamos acupuntura ecalmantes, mas nos momentos delucidez, tentamos reeducar os pacientescom a ajuda do pensamento de Mao,para que eles adquiram, por seu lado, avontade de se curarem.- Em seu modo de ver, todas asdoenças mentais são curáveis?Dr. Han - Em nossos hospitais, 90%dos doentes melhoram; 80% recuperam-setotalmente.- E os incuráveis?Dra. Sho — Temos centros de internação,cuja orientação é completamentenova. Não há camisas de força nemcelas. Quando a situação permite, osinternos vivem com suas famílias.Participam das atividades do hospital,segundo a capacidade de cada um, eaos sábados e domingos vão à* cidadevisitar amigos. Organizamos tambématividades esportivas e culturais* comopor exemplo representações teatrais.- Qual é a idade média de seuspacientes e de que camada socialprovêm na maioria?Dra. Sho — A maior parte são operáriose camponeses, entre 25 e 50 anos.Mas se considerarmos que essas duasclasses representam 90% dos habitantesdo país, não podemos afirmar que amaior parte provenha dessas camadassociais. Isso significa que, seguindo adiretiva de Mao, as camadas sociaispobres são as mais visadas pelo esforçosanitário.- O senhor acha que a implantaçãodo regime socialista e sobretudo darevolução cultural provocou um aumentode doenças mantais?Dr. Han - Evidentemente, as pessoasmarcadas profundamente pelamentalidade individualista adaptam-secom dificuldade à nova organizaçãocoletiva; essa mudança radical podeoriginar um trauma psíquico. Mas emnossa sociedade atual não existemmuitos dos desvios da sociedade ocidental.- Vocês usam a psicanálise?Dra. Han - Nós usávamos antes darevolução cultural, mas hoje a consideramosum método idealista, e por issofoi suprimida. No lugar, procuramosfazer a mais completa pesquisa possívelno meio onde o doente nasceu. Em suamaneira de ser, em suas reações e emseus contatos com outras -pessoas,encontramos as raízes de sua doença.- Vocês conhecem Freud?Dr. Han - Suas teorias já tiverambastante influência sobre os psiquiatrasde nosso país. Hoje, estudamos Freudpara combater seus erros. Nossa concepçãonão aceita a existência deprincípios inatos que determinam ossentimentos e a vida do homem. Todoo conteúdo de nossa consciência vemdo conhecimento sensitivo.- Mas vocês não adiam que háneuroses provenientes de anomaliassexuais?Essa pergunta incomodou visivelmentenossos entrevistados, que, porum pudor incompreensível, evitaramtodas as perguntas referentes a problemassexuais./«•.