O título é um poema do poetaCarlos, que você vai conhecer já.É o poema preferido de Nise daSilveira, diretora da Terapia Ocupacionaldo hospital Pedro II, noRio, que assina o 19 texto destaspáginas: ela fala sobre o artistaque todos nós somos. E apresentaalguns trabalhos de seus hóspedes— expostos no Museu das Imagensdo Inconsciente, por ela fundadohá 28 anos.O diretor do Museu de ArteModerna de S. Paulo visitou o estúdiode pintura e escultura do CentroPsiquia'trico do Rio e não teve dúvidaem atribuir valor artístico verdadeiro amuitas das obras realizadas por homense mulheres ali internados. Talvez estaopinião de um conhecedor de artedeixe muita gente surpreendida eperturbada. É que os loucos sãoconsiderados comumente seresembrutecidos e absurdos. Custaráadmitir que indivíduos assim rotuladosem hospícios sejam capazes de realizaralguma coisa comparável às criações delegítimos artistas — que se afirmemjusto no domínio da arte, a mais altaatividade humana.Examinemos de perto se de fatoloucos e normais s-ãofundamentalmente diferentes.Todos temos a experiência dosonho. Nos seus breves instantespodem ser vividos os mais recônditos eimpossíveis desejos, encontram meio deexpressão nossas tendências maisprofundas. Através do sonhomanifesta-se o inconsciente, usando avelha língua das imagens em estranhasfiguras, umas servem de máscara aoutras, representam muitas de maneiraconstante os mesmos pensamentoscomo nos hieróglifos. Mas apenas seabrem os olhos voltam todas para seumundo subterrâneo. Os delírios, se osestudamos atentamente, são de certomodo sonhos prolongando-se pelaEU NÃO PERGUNTARIA VIDA?EU LEMBRARIA A VIDA...vigília. Na sua trama de idéias ilógicas,encaradas do ponto de vista do adultocivilizado desperto, descobriremos osentido da realização de desejos talqual no sonho, sob o disfarce dosmesmos mecanismos psicológicos.Os adeptos de certas religiões dooriente costumam concentrar-se emlongas meditações durante as quaisacontece não raro que os pensamentosse tornam visíveis, adquiram forma ecor. Se estes fenômenos se firmassemnuma condição permanente seria difícildistingui-los de sintomas psicóticos.Entretanto, o adepto foi instruído deque essas formas e cores são vaziasainda quando representem deuses ouancestrais. Após as intensasexperiências das horas de meditação,ele retoma suas ocupações diárias semque ninguém conheça os segredos desua vida interior. Por tudo quanto dizou faz é um homem sensato e sábio.O artista é certamente um serextraordinário. Seus fortes impulsosinstintivos não se amoldam aoprincípio da realictede. Insatisfeito erebelde foge para o mundo da fantasia,onde lhe é dado viver seus desejoslivremente. Mas vínculos de amor,exigente necessidade de comunicaçãocom seus semelhantes, o atraem denovo ao mundo. E ele retorna,trazendo-nos a dádiva de suas aventurassubjetivas, que apresenta ora quasenuas ora complicadamente veladas.Parece mesmo encontrar prazer emexibi-las; alegra-se quando os outros osntendem e o aplaudem. A atividadeartística seria pois "caminho de voltaque conduz da fantasia a realidade"(Freud).Outros seres igualmente entram emconflito com o mundo exterior e seevadem para reinos imaginários. Mas aíse perdem. Neles, as produções dafantasia tornam-se mais vivas, maispoderosas que as coisas objetivas.Invadem a esfera da consciência comtanta força que o indivíduo já não asdistingue das experiências reais. Perturbam-seassim suas relações com o meiosocial — passam a ser chamados loucos.Outra prova de que apenas questãode grau, de permanência ou transitoriedadeem estados semelhantes diferenciamnormais de psicóticos é estaprópria exposição. Por que vos emocionaiscontemplando estes desenhos,estas pinturas e esculturas? Decerto,entre os motivos de vossa emoção, estáque eles despertam • ressonâncias, quefazem vibrar em cada um cordas afins.Este é um dos caminhos pelos quais asobras de arte nos atingem. Se Hamletcontinua através dos séculos abalandoprofundamepte os públicos do mundointeiro, explica a psicanálise, é que oforte sopro dessa tragédia toca emcheio o complexo de incesto comum atodos os seres humanos. Os poetasouvem as vozes abafadas do inconscientee exprimem para os demais seusoprimidos desejos. Parecem mesmohaver herdado de Homero o privilégiode descer aos infernos e voltar à luz dosol contando aos mortais o que viramnaquelas regiões tenebrosas. AssimFausto, ansioso de evocar Helena,mergulha no mais profundo dos abismos,onde habitam as figuras primígenasdas mães. E o estremecimento demedo que sente ante essas deusaspoderosas ao redor de quem se movemas imagens da vida comunica-se aoleitor do drama imortal. Estes mesmosarquétipos que do inconsciente coletivoemergem como relâmpagos nas visõesde poetas, de pintores, vêm constituiro conteúdo avassalador de neuroses epsicoses.Talvez muitas das obras aqui apresentadascausem a impressão de estranhezainquietante que acompanha amanifestação de coisas conhecidas nopassado, porém que jaziam ocultas(conceito do sinistro segundo Schellinge Freud). Presumimos obscuramentepossuir no fundo de nós mesmosimagens semelhantes. Exemplos destetipo são os desenhos evocadores defiguras místicas que acreditávamos superadasou os que representam desdobramentosda personalidade, reveladoresde épocas psíquicas primitivas, nasquais o ego ainda não se havianitidamente delimitado em relação aomundo exterior. Se certas figurasangustiam, a beleza de outras formasfascina. Ressaltam estruturas concêntricas,círculos ou anéis mágicos, denominadosem sânscrito mandalas, imagensprimordias da totalidade psíquica.Místicos, hindus e chineses utilizammãndalas de rico valor artístico comoinstrumento de contemplação. Imagensde idêntica configuração surgem nasmind pictures de jovens e sadiasinglesas, que as vêm de olhos fechados.
num estado de repouso próximo aoque precede o sono, em experiênciasfeitas nas aulas de pintura de umaescola secundária feminina (HerbertHead). Símbolos eternos de humanidade,aparecem também pintad;: pordoentes mentais europeus (Jung) o poresquizofrênicos brasileiros completamentedesconhecedores ao símbolo religiosooriental. Os que se debruçamsobre si próprios estarão sempre sujeitosa encontrar imagens dessa categoria,depositárias de inumeráveis vivênciasindividuais através de milênios. Daías analogias inevitáveis entre a pinturados artistas que preferem os modelosdo reino do sonho e da fantasia e apintura daqueles que se desgarrarampelos desfiladeiros de tais mundos.Surpreende o número de doentesmentais que buscam expressão gráfica.E freqüente desenharem sobre as paredesou em qualquer pequeno pedaçode papel que lhes caia nas mãos.Mesmo os mais inacessíveis, de contatomais difícil, raramente deixam dedesenhar se lhes entregamos o materialnecessário. Este fato curioso explica-sequando nos colocamos no> ponto devista da psicopatologia genética, admitindoocorrerem nas psicoses processosregressivos, que reconduzem o indivíduoa fases anteriores do seu própriodesenvolvimento ou mesmo da evoluçãoda humanidade. O pensamentoabstrato, aquisição mais recente , cedelugar na doença ao pensamento concreto,isto é, as idéias passam a apresentar-sesob a forma de imagens (aliás, omesmo acontece no sonho e nosestados intermediários entre sono evigília). Uma vez cindido e submerso opensamento lógico, fic% simultaneamenteprejudicada a linguagem verbal que éo seu instrumento de expressão. Desdeque seu pensamento flue agora emimagens, o indivíduo muito naturalmenteusará exprimir-se reproduzindo-as.Pode projetá-las, entretanto, semnenhum intento de comunicar-se comoutro, impulsionado por mera tendênciafisiológica à exteriorização. Nestecaso os desenhos nascem inteiros deum só jato, multiplicam-se em númeroespantoso e suas cores são quasesempre muito vivas. Mas apenas o egocomeça a lançar frágeis pontes para omundo real, aos modelos interioresvêm juntar-se objetos do mundo exteriorrecordados ou vistos no presente, aprodução diminue e faz-se atravéstrabalho mais demorado, o colorido seenriquece de nuances. Esses sinaisindicam que passos começam a serdados no caminho de volta à realidade,desenho ou pintura estão se tornandolinguagem emocional. A atividade artísticapoderá mesmo adquirir o sentidode um verdadeiro processo curativo.Compreende-se pois, a importânciada instalação de estúdios de pintura ede escultura nos hospitais psiquiátricos,tanto para meio de estudo de obscurosmecanismos psicopatológicos que setornam patentes nas produções plásticas,quanto pela função terapeuticade que a própria atividade artísticamuitas vezes se reveste.Levantar-se-á talvez a pergunta: senascem no inconsciente as fontes detoda a inspiração e o louco é aqueleque foi invadido pelas torrentes subterrâneas,então estaria ele mais queninguém em condições de criar obrasde arte? Decerto não basta sonharacordado, ter contato íntimo comimagens primígenas, falar a linguagemios símbolos, sofrer a tensãode intensos conflitos. Trate-se de artistassadios ou de artistas doentes,permanece misterioso o dom de captaras qualidades essencialmente significativasseja dos modelos interiores sejados modelos do mundo exterior. Haverádoentes artistas e não artistas, assimcomo entre os indivíduos que semantêm dentro das imprecisas fronteirasda normalidade só alguns possuema força de criar formas dotadas dopoder de suscitar emoções naquelesque as contemplam.Voltemos a acentuar o fato fundamental:os mais estranhos fenômenosencontrados nas doenças do espíritoem nada diferem qualitativamente demecanismos que também podem sersurpreendidos na vida psíquica normal.Nessas doenças são mudanças na estruturapsíquica que ocorrem. Estágiospretéritos da evolução emergem eimpõem suas maneiras correspondentesde sentir, perceber e pensar. Osindivíduos assim atingidos tornam-seinaptos para o nosso tipo de vida sociale por isso são segregados. Antes que seprocurasse entendê-los, concluiu-se quetinham a afetividade embotada e ainteligência em ruínas. Estariam, portanto,muito bem habitando edifícios--prisões chamados hospitais, abrigadose alimentados. Nas melhores dessascasas vêem-se leitos forrados de colchasmuito brancas e corredores de soalholustrosissimo. Mas que se procure sabercomo correm para seus habitantes aslongas horas dos dias, durantes meses eanos a fio. Venha-se vê-los vagando nospátios murados, tais fantasmas. Pois averdade é que as .tentativas depsicoterapia e ocupação terapêuticafeitas nos nossos hospitais têm apenas ovalor de amostras do que poderá serrealizado, não chegando ainda a adquirirsignificação, dado o reduzido númerode beneficiados em face da imensamaioria desatendida.Esta situação decorre de se haveradmitido arbitrariamente que nos doentesmentais se tenham extinguido asmúltiplas necessidades humanas alémde dormir, comer e quando muitotrabalhar em ofícios rudimentares.Entretanto, só os poderes da inérciafavorecem a aceitação conformista• 1Àdesse estado de coisas. Ninguém ignoraa extraordinária renovação da psiquiatriarealizada por Freud e Bleuler desdeos primeiros anos do século. Até entãose aceitava que a demência precoce(esquizofrenia) conduzisse inexoravelmenteà demência e ao apagamento daafetividade. Hoje está demonstrado quemesmo após longos anos de doença ainteligência pode conservar-se intata e asensibilidade vivíssima. E aqui estãopara prova os nossos artistas: Emigdio,internado há 25 anos, e Raphael,doente desde os 15 anos, ambos sob odiagnóstico de esquizofrenia.Os hospitais, porém, continuam seguindorotina de raízes em concepçõesjá superadas, muito distantes da culturaatual de seus médicos. Cumpre reformá-los.Sejam os trabalhos apresentadosuma mensagem de apelo neste sentido,dirigida a todos os que participaramintimamente do encantamento de formase de cores criadas por sereshumanos encerrados nos tristes lugaresque são os hospitais para alienados.(Nise da Silveira)Borboletas Negras doloridasQue vejo sempre na mata voarFantas de mel ha ProcuraBorboletas hei de sempre amarEu sou ha Borboleta queitaQue me ves sempre pousadaDeixa-me em Paz doradoraPorque Oh Deus do incerto amorCe um dia de mim lembrasahirei ha Procura e ha PensarEncontrei quem de mim se lembresou eu Venho agrader e ProsarEras que deixar saudadesDos tempos que la ce vãoDo meigo abraçar apertarDe uma lavadeira Precisa e amarVenha ou anoitecerDos dias de amargorVida sonha meditarDos anjos acalentarDeixe eu ser carbodas floresDe um Perfume entenecedorPensando estas em amargorOh mel de mim VaidadeOh cachopa cem contarDe dias e longos annoscem percentir ou caçohare esqritor a trabalharNegruras ha dor orfeãoDe tremidos vandavaessimbilante ha PerguntarAmando sou seu amarEu sou oh cagado da cascataQue vivo sempre ha rodarNo ceiro da verde grammaem sopapo PensadorPedrinha dos meus olharesSerás por deus inquecivelOh Deus deixa-me viverPorque outra ha de nacer