Nestas duas páginas, falam, escreveme desenham vários internosde três hospícios de Buenos Aires.O material todo — textos, conversasgravadas, desenhos — foirecolhido durante cinco anos porVicente Zito Lema, poeta e advogadoargentino. Uma parte de seutrabalho foi publicada pela revistaCrisis, também de Buenos Aires,de onde extraímos os textos edesenhos aqui apresentados.— Que castigos?— São vários, diferentes. Porexemplo te pegam no banho comum cobertor, vários enferemeiros,e até com ajuda de outrosinternos, e te cobrem de porrada,no estômago, isso tudo ...— Continuam usando camisade força?— Sim, e molham as camisaspara amarrar os doentes . . .— Alguma vez lhe aplicaramchoque?— Sim . . . como esquecer. . .É uma barbaridade, o castigo quelhe dão aqui é uma barbaridade.Te pegam aí, te amarram ... ospróprios doentes mandados pelosenfermeiros, quando vêem quealguém se rebela ou porque nãovão com a cara . . .— Antes da internação, vocêtrabalhava em quê?— Pedreiro, servente de pedreiro.— Que cuidados tomam comvocê?— Praticamente nenhum. Ointerno fica abandonado aqui,não há tratamento, não ... Comopoderia dizer... não ajudamo interno, precisavam cuidardele ...A MORTEMas para que querem, entender?...A morte me mostrou a língua aolado de uma árvore, enquanto meupai preparava o assado e eu decidiase dava ou não um tiro em mim,com a pistola Tala. Entendeu bem?Te ponto a ponto ele ponto a ponto.Dei-me conta de que a Tala podiaficar talado e via o buraco brancoe a morte mostrando-me a línguae isso me excitava e para não memasturbar pus-me a caminhar e umespinho me entrou e começou adoer a doer mas continuei caminhandoe então apareceu o Anjo e coma espada cortou a língua da morte eeu aproveitei e passei-lhe a mão' nabunda e voltei correndo para juntode meu pai que continuava fazendoo assado e quando me viu disse: vocêparece São Pedro, e começou arir.CASIMIROCom apenas 10 anos, CasimiroDomingo - nascido em 1882 numpovoadozinho espanhol - foi paraMadri e começou a trabalhar de sapateiro:seria sua profissão pelo restoda vida. Com 31 anos, Casimiro veiopara a América Latina e instalou-sena Argentina. Sapateiro, sempre.Em 1935, teve o primeiro "chamadoobsessivo" de que "os espíritoso reclamavam como intermediário entreeles e o mundo". E assim, obedecendoa "forças alheias", começoua desenhar, sem ter a menor noçãodo que fazia nem ter nunca tentadosequer traçar um risco. A mesma vozinterior guiava seus textos, cheios desabedoria e inocência.Casimiro Domingo, após uma longainternação, morreu no hospícioem 1969. Seu valor não está apenasem suas formas de expressão, capazesde despertar beleza, emoção, a infinitaânsia do maravilhoso; mas tambémem ter sido, apesar de sua inocênciaou por causa dela, o donooriginal de conhecimentos profundosque escapam daqueles que o prenderamdeclarando-o "incapaz".Com a palavra— Você acha que agora, sobum governo popular, podemmelhorar as condições destehospital?— Poderia ser se mudassem asautoridades daqui, porque hojecontinua sendo tudo igual, nãomudou nada.—Quanto tempo faz que vocêestá aqui?— Tenho seis anos aqui esempre estão os mesmos. Jáestavam aqui antes de Lanusse.— E como vê a vida nessasituação?— Eu lhe digo: espero ficarbom, cair fora e trabalhar, paraser útil à sociedade.— O que é pior aqui, alémde estar preso?— Tudo é mau, não apenas acomida. Afora isso, maltratam agente brutalmente, que seieu . . . te fazem de tudo,aqui ... os médicos, os enfermeiros. .. Sem contar que osenfermeiros tomam o pecúliodos internos, então não podemoscomprar nada, nem cigarros. . .— E vocês não têm jeito dedefender-se?— Que jeito? se vão e dizemao médico e nos metem umainjeção ou choque elétrico! Nosmaltratam, nos maltratam.Quando não amarram a gentenuma cama, de castigo. E daí agente vai reclamar pra quem?Contudo não os odeio. Fazemo que podem.O terrível é que nos trazempara que a gente não morra pelasruas. Ê logo todos nós morremosaqui.— E choque elétrico, continuamaplicando?— Continuam.— Mesmo contra a vontadedo interno?— Claro. Mesmo assim aplicam.Alguém reclama mais duramente,outro se rebela, vocêbriga por alguma coisinha,enfim ...— É uma forma de castigo...— É como a "congesta" dapolícia.— Como acha que se poderiamelhorar a situação geral dohospital?— Eu a primeira coisa quefaria seria tirar o diretor e asdemais autoridades que estãocom ele, porque são pessoasque não se tocam. Pelo menos deviampercorrer os pavilhões ondeestão torturando os internos,onde estão amarrados com lençóis,e o diretor não toma nenhumamedida, não tem nenhumaresponsabilidade. E tambémtem a negociata da carne; acarne que entra aqui, eles tiramcom um caminhão pelo outrolado, pela porta de ferro quedá para a avenida Brandsen, epor ali tiram tudo — assim queentra, levam de novo ...— E quem é responsável porisso?— E quem mais séria... asautoridades, não?CARTA A MINHA MUIÉ "SOLEÁ'Estas longe muié! Estás longe!Deus benditif te ampare, madona.Como pashas? Eu estou como Deusmanda.Às vezes, às vez pensso. Puderiamosestá jontosh. Mas se Deus oquero. Que sheja u que Deu queira.Bendita a mãe que te pariu. Benditasheja. Deste-me uns anos bons.Que mais? Madona: lembra-se demim às vezes? Sabes que existo?Que lindo guisadus fazias! Que olé!Que Ele te tenha. Tu mereches.Eu esto facendo meu calvário paranão deixá de esta cuntigo. Porqueestarás muito pertinha dos quirubins,serafins e arcanjos.Se às vezes tenho uma fraquez,me perdoas. São coisas que sau. MasSoleá, como sempre me faz acumpanhadu,shei que voltarás.Devo confessar-te uma coisha. Perdão.Tenho outra muié. Me perdoas?Se chama, também, SOLEÁ.Teu marido
AMos oprimidos— Você se sente abandonado?- Naturalmente, porque nãohá quem me ajude. E sem contarque os médicos pegam gente ebotam para trabalhar, porque nãotêm pessoal, não têm nada, eentão os próprios internos têmque distribuir medicamentos, darinjeção, os próprios doentes. .. porque há um enfermeiropara cada quatro ou cinco andares,então os internos têm aschaves dos consultórios, eles dãoinjeções, comprimidos... enfim. . . e são doentes mentais quenão têm responsabilidade! Imagine,se vão e lhe dão umremédio errado, porque não sabem. . .ASPIRALNada sou nada posso senti paimeu . mas siétua dibina bontade algoeu poderei espricar algo poderei dizerconcernente com esta aspirai que sejapintado que sejadesenhado nadamais para irmanifestando algo destesfenômenos naturais que nosvassendo dado compreender para iranalisando aque causas ou efeitosobedecem estes fenômenos que seestãodesenvolvendo em nosso redor sem poderesf®ar-nos quesão e que poderãoser esta agromeração de raias e pontosem cores dirijidos a distintas direçõespara ir-se cordenando um cosoutros e poder conbinar uma massadeconjunto de cores e podê-la lebara formar uma mole como é esta aspiraique neste quadro avemos pintado avemos desenhado para poder sentitizaralgo do ultra tereno e poder-nosentroduzir nesse mundo astral espiritualonde todos os seres nos mobemosnos ajitamos em distintas formasdebida a manifestar por suascombinações de bida abiber nestemundo em quebimos a nós e emque bibem os outros mas tendo relaçãouns cos outros isso quer dizerDeus meu isso quero traçar do que estaaspirai ou significa em sua birtualidadeosiniftcado que ensi tem oupode ter este gran conjunto de manifestaçõesde estados de alma mais oumenos ebolucionadas umas se dirijempor um lado outras por outro mascada uma tem ensi um coloridoquesedesprede amedida que vaebolucionandoamedida que seu pensamento bamodificando-separaser uma força deconjunto de colorido ouexpressão de estadode alma que é dirijir-se auns fins demodificaçãodeste gran conjunto de expressãoque ensiemos tido até que a nósoutros outro maior chegou em outra ordemde coisas decores bistas sob um estadode alma em uma ordem mais superiorquese dirije paraunlado parao outro e por último forma uma— Em geral, a maioria dosinternos veste uma espécie deuniforme e bem gasto, muitoroto. Não dão roupa a vocês?— Roupa? Tem um depósitoonde precisa ir comprar; eu,por exemplo, comprei estas calças,porque aqui não me davamroupa. É a mesma roupa que ogoverno manda para agente, masacontece que aqui eles pegam evendem.— E com a comida, o queacontece?— Também: você dá uma gorgetaao cozinheiro, e ele dá umpedaço de carne. Se não, vocênunca recebe ...— Você é casado?— Não, solteiro.— Você acha que aqui existeinjustiça social?— Naturalmente, todos percebemos.— E quais são as evidênciasdesta situação?— Pra mim, o castigo que dãoaos doentes.Casimiro Domingocurba entre estas duas raias ou sejaentre estes dois estados de alma ouseja entre estes dois caminhos quesejam aberto asegir neste granconjunto de colorido adifiniouirdifinindoamedida que bamos traçandoalguns destes rasgos destas raias decor ou deexpressão desta cor desta afinidácorelatiba um com outro epoder for mar uma cubra nesta cubraum triângulo neste triângulo umaraia e desta taia for maremos umacadeia e com esta cadeia e elos quepodemos ir unindo nos irá conduzindoaos uns eaos outros a estagran mole de aspirai a este espaçoinfinito e este tempo inter minável aesta bida em que bibemos todos unidosbamos conduzindo-nos em redordesta aspirai desta causa sem fimnemlimiíes desta gran vida unibersalmanifestada nesta gran mole aspiraique nos baconduzindo por meios derotatibos copi suas curbas com suasraias air for mando distintas de novascadeias de união debida mas quesempre é uma avida universal quesempre jira sobre esta mole sobreesta aspirai de bida infinita que sempreem redor nos ba fazendo jirar paraque asigamos em seus estados derotaçãoa manifestação de expressão desteestado de alma em ordem manifestatibasuper ebolucional anteriorque espresso e se manifestou porsegir esta curba que nos bai traçandouma raia para que podamos formarum novo triângulo nesta bida progressibaque bamos tendo todas asalmas que nela bamos ebolucionando"bamos progressando quer dizer bamosper feccionando-nos nós mesmos nestasde rotatibos debida asegir sobreesta curba sobre esta raia destagran mole de aspirai que nos bailevandoque nos baiconduzindo cadavez mais aque nos harmonizemosabiber nesta ordem ebolutiva e derotativa.Quais são para você as causas econseqüências da reclusão noshospícios?Acho que a maioria das pessoaspadece de transtornos mentais,inclusive os próprios médicos.Ou por acaso a maioria dosque estão nos armazéns e naslojas é gente de razão? Nenhuma!E os médicos, por exemplo,uns mais, outros menos, padecemde psicoses. E será que alguémsabe o que é alma, o que é ointelecto?Me aplicaram choque elétrico.Vê-se que queriam arrancar-me adoença do corpo. Mas não mequeixo. Do que teria que mequeixar? Os médicos são bons.Fazem o que podem. Receitam,dão conselhos...E mais, se saísse daqui,aonde iria? Não tenho nada. Nãotenho ninguém.No fundo os médicos nãoentendem dessas coisas da mente,do espírito. Portam-se bem, masnão podem ser o que não são.Simplesmente tomam a temperatura;dão comprimidos, injeções,como se se tratasse de umarmazém. E esquecem que nofundo é uma questão moral. Enão conheço ninguém que possaentender a mente.O que é poesia para você?Criar poesia determina emmim um compromisso enquantodevo expressar, o mais fielmentepossível, aquilo que nos fazvibrar, cotidianamente. Tento expressaro gesto, a dor, o rosto, detodo este microcosmo que estáem volta.Acho que é ver além do papel;da correta forma do verso.É récriar nossa vivência, nosdemais, com toda intensidadepossível. Não é fácil, pressupõepassado onde bronca, frustração epenas são os componentes essenciais,a maioria das vezes.Quero lembrar isto ao leitor,transmitir o que sente "nossohomem da rua''. E como setransforma ao deixar de sê-lo,quando ingressa num "lugar paradoentes mentais".Ali aparece uma faceta poucoconhecida da poesia. Quase diria,temida pelo homem. Faz sofrermuito. Ele não agüenta.Deve-se romper o mito. Aqueleque escreve viajou com o leitorem ônibus, come, troca a camisa,vê através dê seus mesmos olhos,quer dizer, é sobretudo HU-MANO.Este é o compromisso com^os demais.TÃO POUQUINHOSó de ilusões vivemos.Quantas promessas nos fizeram equão poucas foram cumpridas...Uma delas, foi um trator que passariadiariamente recolhendo o restode comidas, pois é até ridículo quetenhamos de ir todos os dias, ospacientes dos pavilhões, jogar fora osdesperdícios. Se lêem isto, que oleiam como uma lembrança do prometido, do tão pouquinho que foiprometido mas igualmente negado oupor acaso esquecido.