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CATÁLOGO DE EXPOSIÇÕES ESPAÇO MIRA 2021|2022

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TIRESIAS UND DER KLEINE TOD



CATÁLOGO 2021

DE

EXPOSIÇÕES 2022

ESPAÇO

MIRA

AIDA CASTRO & MARIA MIRE | ALISA HEIL | ANA DEUS |

ANDRÉ SOUSA | ÂNGELO FERREIRA DE SOUSA | ANTÓNIO LAGO |

CARLA CRUZ | CELESTE CERQUEIRA | COLETIVO INTERSTRUCT |

COLETIVO LAB. 25 | DANIEL PINHEIRO | DUDA AFFONSO |

DYLAN SILVA | ECE CANLI | FILIPE MOREIRA | GARCIA DA SELVA |

INÊS TARTARUGA ÁGUA | JOÃO BROJO & FELÍCIA TEIXEIRA |

JOÃO DO VALE | JOÃO SOUSA CARDOSO | JORGE LOURENÇO |

JOSÉ OLIVEIRA | LEONOR PARDA | MAFALDA SANTOS |

MANUEL SANTOS MAIA | MARIA MIGUEL VON HAFE |

MARIA PAZ | MARIANA BARROTE | MARIANA CAMACHO |

MAURO CERQUEIRA | MAX FERNANDES |

MIGUEL ÂNGELO MARQUES | MIGUEL CARNEIRO |

NELSON DUARTE | NUNO RAMALHO | O GRINGO SOU EU |

PATRÍCIA TIMÓTEO | PAULO ANSIÃES MONTEIRO |

PEDREIRA | REBECCA MORADALIZADEH |

RODRIGO B.CAMACHO & SARA RODRIGUES |

SÉRGIO LEITÃO | SILVESTRE PESTANA |

SOFIA LOMBA | SUSANA CHIOCCA |

SUSANA GAUDÊNCIO | VICENTE MATEUS |

VINÍCIUS FERREIRA | VITOR ISRAEL |



Í N D I C E

ONDE NASCE A LIBERDADE

25 DE ABRIL E 1 DE MAIO

NO ESPAÇO MIRA

5

O FUTURO CORRE PARA NÓS

A GRANDE VELOCIDADE

19

MULTIPLEX 2021 - 2022

31

UM LUGAR SEM PAÍS

NO MUNDO

121

GARCIA DA SELVA

139

OS MALEFÍCIOS DO TABACO

149

$EM VERTIRESIAS UND DER KLEINE TOD

41

163

25 DE ABRIL E 1 DE MAIO

GUARDA-SÓIS

NO MIRA

51

175

QUEM É MORTO SEMPRE

AS LUZES

APARECE: EX VOTOS

DO TIGRE

PARA O SÉC.XXI

59

195

SOLTAR A

CADEIA

81

ZUM

ZUM

101

ÍNTIMO A POLÍTICO:

UM AVATAR COL ETIVO

211

FICHAS TÉCNICAS

230


4


ONDE

NASCE

A

LIBERDADE

25 DE ABRIL

+

1 DE MAIO

5

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA E JOÃO TERRAS

JOÃO TERRAS

25 ABR / 29 MAI . 2021


6


7


EXTENSÃO DE UM MODO DE

CONVOCAR E DIFUNDIR ABRIL

DA GALERIA AO PÁTIO,

DO DIGITAL À RÁDIO

8

JOÃO TERRAS


9

Uma das mais belas frases inscritas nas paredes de Paris, em 1968, gravou-se

já no final do período revolucionário

de Maio. Com a cidade já morna e bêbada,

descalça e a fumear, lia-se entre os carros e

a parede. “Sous les pavés, la plage!” - Por debaixo

das pedras da calçada, a praia!. O que

mais nos aquece no Maio de 1968 é ainda

hoje sabermos que debaixo do chão que pisamos,

debaixo daqueles paralelos que barricaram

as ruas e que foram arremessados

às tropas, está esse areal do inexplicável,

essa terra virgem e selvagem, esse mundo

indomável e livre, incolonizável, sem império,

permeável, apolítico, associal, sociável, incansável,

infindável.

“Sous les pavés, la plage!”,

o mar e a areia, o horizonte.


Aquilo que mais nos agita no Maio de

68, assim como, noutra direção, energiza Abril

de 74 é o sentimento vertiginoso da revolução.

A revolução não nos entrega a solução, não nos

oferece o compêndio ao capital, nem a ordem

para a lei, não nos catequiza nem direciona para

o binómio da correção, a revolução é vertiginosa,

é marginal, é mundana.

Para o homem imperioso e conquistador

uma calçada descoberta é como um corpo

nu na praça, é como um vulcão em erupção, é

o indomável, o desviante, o descontrolo que o

despolariza. Os romanos sempre tiveram mais

medo do Vesúvio do que de Cartago, os gregos

mais fantasmas com o Mediterrâneo do que

com os Persas. O que tira ao humano o poder

do humano é a falência das suas mãos com a

areia a correr-lhes entre os dedos. Não existe

maior revolução do que a revolução permanente

dos corpos e da natureza.

E isto convoca-se no MIRA em mais

uma celebração de Abril pois, além do sentido

plural e comunitário de memorar Abril, todo o

momento de revolução do princípio do fim de

um tempo imperial e colonizador, estimula-nos

sempre a perceber como podem, no presente,

os corpos existirem em revolução, vertiginosamente

indomáveis, submetidos a esse chão de

areia. Memora-se, sendo-se.

Em 2021, o MIRA dilui o corpo de exposição

aos sacrilégios dos meios e espaços de

leitura e apresentação. Como num tempo de

clandestinidade, socorremo-nos do sussurro e

do ouvido, comunicamos pelos lugares do calabouço,

difundimos como cópias, estendemos

10


DYLAN SILVA

Sem título, 2021

11

JORGE LOURENÇO

Não poder nem dever, 2021


VÍTOR ISRAEL

Guerra e Paus I e II, 2015

12


13

ao encriptado, acedemos ao proibido, até ao

ponto em que a forma se dilui num tempo maior

que o tempo, num espaço maior que o espaço,

plural e intratável. Da galeria ao pátio, da rádio

ao digital, aquilo que damos a ver torna-se poroso,

periférico, líquido.

Abrimos a galeria com os corpos líquidos

de Dylan Silva, cuja prática nos tem habituado

a um olhar continuado do corpo aos

corpos, retratos plurais, de para quem o desenho

é o gesto matricial da visão e do tato.

Expandido o pequeno formato, os corpos ilustrados

nas folhas e cadernos, esculpem agora

na parede da galeria como películas de um desenho

maior mas que ainda é desenho, ainda

da escala da mão. Qualquer corpo desenhado

é por isso indomável.

Face aos corpos de Dylan, erguem-se

as esculturas de Vitor Israel, fálicas e agrestes.

Armas e armadas, convoca-nos à origem

da guerra como Coubert pintou “a origem do

mundo”. Essa prepotência heroica das formas,

ainda que sejam testemunhos de uma

virilidade neoplástica e abstrata, a possante

figuração que lhes possamos adivinhar é

encadeada de uma delirante ironia flácida.

Encandeamento falível, tal qual o que Jorge

Lourenço apresenta ao projetar uma escultura-instalação

que, convocando as especulações

dos modos vernaculares de agir sobre a

arquitetura e território, não conseguem atingir

o seu fim. O muro de vidros em degradé cromático

é um símbolo do que é ser um muro

num território que se quer de vizinhança.


Ao centro do espaço, um duplo de projeções,

Brio de Vinícius Ferreira e Margarida

Tengarrinha de Max Fernandes. Da ficção

ao comentário, o realismo tem paredes leves

e Brio traz-nos o caçador pela presa, numa

captura de imagem em contínuo, de um corpo

algemado numa sala fechada onde domínio e

controlo permanecem como mantra de uma

condição impossível. Do outro lado do véu,

trinta e dois minutos de Margarida Tengarrinha

ou mesmo que 92 anos de militância, ativismo,

mulher e corpo em velocidade pela sombra e

fuga. Professora, artista, política e revolucionária,

desde os anos de 1950 ao lado dos movimentos

do Partido Comunista Português, e

de livre e independente pensamento, encontrou

na cópia, na imagem, na edição e na produção

de conteúdos gráficos, a difusão de um

pensamento em resistência, precioso e poético

sentido revolucionário este da clandestinidade

da verdade.

Entre o centro da galeria e a flora do

pátio, situam-se dois olhares microscópicos

numa abstração das formas para acedermos à

falência do tempo e do real. Em três “acidentes”,

ecrã, parede e online, Aida Castro e Maria Mire,

como dupla, perseguem uma visão estereoscópica,

em diferentes tempos, lenta e aproximada

de um vulcão em erupção.

Ligação entre micro e macro escala,

tornando a catarse monumental em algo da

espessura da derme, tornando a natureza em

corpos, a explosão em fluídos, a natureza como

corpos, ligados.

AIDA CASTRO E MARIA MIRE

DANIEL PINHEIRO

[vistas parciais]

DANIEL PINHEIRO

DYLAN SILVA

MAX FERNANDES

[vistas parciais]

14


15

DYLAN SILVA

VÍTOR ISRAEL

MAX FERNANDES

[vista parcial]


Num mesmo espetro, só que sobre uma outra

espessura da imagem à luz e, por isso em movimento,

instala-se Azimute do Colectivo Lab.25,

uma escultura-película em binómio luz-tela, que

surge a partir de um arquivo de slides encontrados

na antiga fábrica Fogões Meireles na zona

do Bonfim. O tempo da cidade e a falência do

território são convocados pela casualidade

irónica, aleatória de um arquivo encontrado no

interior ruinoso da antiga fábrica. Imagens em

slide de diferentes tipologias diluem-se pela microbiótica

do tempo, e o coletivo expandiu as

imagens à potência nefasta dessa degradação,

ampliando duas delas possibilitando, assim,

pela abstração, o sentido de representarmos e

olharmos um território através da ficção e idílica

realidade das imagens.

No Banquete de Platão era o amor, no

de Duda Affonso também, mesmo que esteja

entregue ao tempo. Com esta natureza morta

composta por fruta-feia recolhida em Miraflor

e arredores, a artista sintetiza as linhas de

tempo, memória, durabilidade e passado pelas

quais caminhamos anteriormente aumentando

a sua escala ao tempo do orgânico e do vital. O

Banquete é este, e pensar no alimento aqui é

também pensar no sentido do sentar à mesa,

do beber, de quem serve, de quem come.

O tempo é o da fruta.

Ainda no exterior, temos acesso ao som

que se expande ao corpo da rádio, ao imaterial

e invisível, é como continuar a murmurar ao

ouvido de um amigo, é como ainda comunicar

no incontrolável espaço do ar, aquele que

ainda não conquistamos mas que tentaremos

COLETIVO LAB.25

Azimute, 2021

16


erguer a tempo de o colonizar. Desde pelo menos

o início do século passado, foi pela rádio

que fugimos, indescritível e encriptada e indecifrável

história do ar e da rádio, da matéria do

intocável, do “escapável”.

José Oliveira,

Felícia Teixeira e João Brojo,

Ana Deus (poema de Regina Guimarães),

Susana Chiocca e

Paulo Ansiães Monteiro,

difundem.

17

DUDA AFFONSO

Um banquete à decadência:

a coisa no tempo, 2021


18


O

CORRE

FUTURO

PARA

NÓS

A

GRANDE

VELOCIDADE

19

CURADORIA:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA E JOÃO TERRAS

06 MAI / 17 JUN . 2021


PROGRAMAÇÃO

06 de maio

ANDRÉ SOUSA C/ JOSÉ MAIA E JOÃO TERRAS

13 de maio

NUNO RAMALHO C/ JOSÉ MAIA

20 de maio

AIDA CASTRO E MARIA MIRE C/ RITA CASTRO NEVES

27 de maio

SUSANA GAUDÊNCIO C/ MAFALDA SANTOS

20

03 de junho

DANIEL PINHEIRO C/ SAMUEL GUIMARÃES

10 de junho

SILVESTRE PESTANA C/ MAX FERNANDES

17 de junho

ANTÓNIO LAGO E SUSANA CHIOCCA C/ JOÃO TERRAS


21

Mostra de criações digitais e ciclo de conversas online.

Todas as quintas-feiras, em Maio e Junho,

às 21h30, nas plataformas digitais

Facebook,

Instagram

YouTube

do Espaço MIRA, apresentámos uma nova

obra digital e conversámos com criadores

sobre as práticas artísticas, obras e

percurso artístico.


06 de maio

ANDRÉ SOUSA

conversa com JOSÉ MAIA & JOÃO TERRAS

CLÉMENCE : (comme etonné), 2021 22


13 de maio

NUNO RAMALHO

conversa com JOSÉ MAIA

23

Salvator, 2021


20 de maio

AIDA CASTRO & MARIA MIRE

conversam com RITA CASTRO NEVES

VULCANISMO:

ACIDENTE 1_ ACIDENTE 2 e ACIDENTE 3, 2021 24


27 de maio

SUSANA GAUDÊNCIO

conversa com MAFALDA SANTOS

25

Equestrian Project ,2021

(Original de 2008)


03 de junho

DANIEL PINHEIRO

conversa com SAMUEL GUIMARÃES

Mesurability, 2021

26


10 de junho

SILVESTRE PESTANA

conversa com MAX FERNANDES

27

UNI SÓ VER, 2020


17 de junho

ANTÓNIO LAGO & SUSANA CHIOCCA

conversam com JOÃO TERRAS

Conversa-Performance, 2021

28


29


30


MULTIPLEX

2 0 2 1

-

2 0 2 2

31

CURADORIA:

DURAÇÃO:

ULP

02 JUN / 05 JUN . 2021


EXPOSIÇÃO DE VIDEOMAPPING

ARTISTAS ESTUDANTES

COMUNICAÇÃO AUDIOVISUAL E MULTIMÉDIA

UNIVERSIDADE LUSÓFONA DO PORTO

32


33

Numa parceria anual entre a Universidade Lusófona do Porto

e o Espaço Mira, apresentámos uma exposição coletiva de

videomapping de criadores finalistas do curso Comunicação

Audiovisual e Multimédia.

Organizada pelo curso de CAM da ULP, a exposição apresentou

8 projetos realizados especificamente para o Espaço Mira.

Todos os trabalhos foram concebidos ao longo de 3 meses, enquadrados

na unidade curricular de Atelier de Produção e Realização

Audiovisual e Multimédia II (APRAM II) com a direção do

professor e artista Rodrigo Carvalho.

Figurativas ou abstratas, realistas ou ficcionais, abordam temáticas

contemporâneas tão diversas quanto o ambiente, a condição

humana, o pensamento abstrato, o sonho ou o futuro.


MULTIPLEX 2021

ANA SANTOS, BEATRIZ CORREIA

& RENATO VALDOLEIROS

To be continued, 2021

video mapping

ANTÓNIO MORAIS, FRANCISCO

PEREIRA & JOSÉ LOUZADA

Infinity, 2021

video mapping

HUGO SILVA, MARIA TEIXEIRA

& RICARDO FERREIRA

Unknown, 2021

video mapping

DIEGO GARCIA, INÊS BARROS

& MARIA INÊS REGO

Reflexo do Escuro, 2021

video mapping

ANA RIBEIRO, BERNARDO COSTA

& CRISTIANA FERNANDES

Apartamentos Martins, 2021

video mapping

Unknown, 2021

AGOSTINHO ALVES, CAMILA

FREITAS, INÊS VAL & FRANCISCO

RAMA

Art with Motion, 2021

video mapping

PEDRO MACHADO, JOANA

TEIXEIRA & BRUNO CASSEMIRO

Alive, 2021

video mapping

ARÍCIA LIMA, CHRYSTIAN FERRAZ

& GUILHERME TOLEDO

Thing in a box, 2021

video mapping

Alive, 2021

34

Reflexo do Escuro, 2021

Apartamentos Martins, 2021

To be continued, 2021


35

Thing in a box, 2021

[vistas parciais, inauguração]

Infinity, 2021 Art with Motion, 2021


MULTIPLEX 2022

MIGUEL SILVA, LUCAS MAUES,

SARA CAMPOS & FRANCISCO BERNARDES

Psychedelic Garden, 2022

video mapping s/ vasos com plantas

200x160cm

RUI TEIXEIRA, JÚLIA SILVA & CAROLINA GUEDES

Butterfly Effect, 2022

video mapping s/ papel, tinta e spray

200x350cm

VITOR MOREIRA, VANDA FERREIRA,

RITA CARVALHO & JOANA PINHO

O que vestem os sonhos, 2022

video mapping s/ um vestido branco num

manequim

207x203cm

INÊS XARÁ, ARTUR PINHO, DIOGO SÁ,

ADRIANO ABREU & DIANA FERREIRA

Sónia, 2022

video mapping s/ papel

240x145cm

ANA CATARINA, ANA NOGUEIRA,

DANIELA SILVA & LEONARDO BOU ANNE

Raio X, 2022

video mapping s/ cartão

177x117cm

SOFIA OLIVEIRA, DÉBORA ARAÚJO,

MATEUS MARTINI & BRUNA NOGUEIRA

Illusion, 2022

video mapping s/ parede

dimensões variáveis

36

RÚBEN GOMES, RODRIGO RANGEL,

CÁTIA SÁ & CATARINA RODRIGUES

Oppositum, 2022

video mapping s/ papel

41x30cm

CARLA LOUREIRO, LEONOR BESSA,

EMANUEL & LUCAS SILVEIRA

Alter-, 2022

video mapping s/ superfície espelhada

dimensões variáveis

[vistas parciais]


37

[pormenores]


38


39


40


$EM

VER

41

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA E JOÃO TERRAS

JOÃO TERRAS

12 JUN / 10 JUL . 2021


42


43


$EM VER

44

JOÃO TERRAS


45 Uma das astúcias das cidades reside em fazer-nos crer que elas são eternas.

Querem que pensemos que elas são o fim das civilizações

naturais, que as explicam. O que existe

de verdadeiramente rompante nesta frase de

J.M.G. Le Clézio em o Índio Branco, é o desvínculo

absoluto na descrença de um saber humano. Verdadeiramente

rompante por colocar o Homem

como pronome da cidade.

Basta de fechaduras!

Muito provavelmente, mesmo que no centro

da Amazónia, Clézio também escreveu este

texto numa cidade e no carro se orientou para o

café. O peso da arte, a linguagem a comer-se a ela

própria. O que verdadeiramente nos rompe neste

seu pensamento é a tentativa, mesmo que forçada,

de se desvincular de um humano absoluto, detentor,

sabedor, alto, de um humano-pássaro, não

por voar mas pelo olhar picado. Homem-Satélite.


Foram as palavras de Clézio as primeiras

que surgiram, poderiam ter sido outras,

poderiam não ter sido nenhuma, afinal, diante

desta nova presença de Celeste Cerqueira no

Espaço MIRA (depois de 2015 e 2016), estamos

num declive profundo da linguagem enquanto

elemento de prova. Estes desenhos, pinturas,

formas e corpos, antes de serem a imagem de

onde partem são de uma absoluta libertação.

Talvez seja esse o anúncio que encontramos no

fazer artístico de Celeste Cerqueira, não pela

absoluta certeza da sua direcção mas porque

é mais necessária a libertação do fazer do que

o suporte ou forma que possamos gerar, é mais

urgente e necessário esse lugar desvinculado

para podermos olhar o mundo, perceber como

habitá-lo, como o somos habitando-o. E a criação

e suas matérias surgem nessa fenda.

Nesta nova exposição a instalação viraliza-se

pelo espaço da galeria sustendando-se

em dois polos, ambos opostos ao peso da arquitetura

do lugar, chão e ar. Ao mesmo tempo que

são cor, são a sua ausência, são papel e transparência,

forma e plano. Os objetos suspensos,

tal como o corpo e o território, deformam a imagem

de desenhos a grafite de arquiteturas de

poder, europeias, profetizando a profunda insustentabilidade

dos seus alicerces. Arquitetura

passa a ser corpo, passa a ser da mão, passa

a mover-se. No chão, os movimentos de ondas,

a imagem do real interestelar, além da escala do

humano, imagem da supervisão, são as primeiras

palavras que surgem.

A cor destes desenhos, algures entre a

escala do digital e a forma aquosa da tinta, re-

46


47

Ecrãs, 2021


cumperam-nos o mesmo sentimento quando os

primeiros satélites foram além da nossa altura:

alcançar um conhecimento do desconhecido

repintado esse outro lugar a uma nova escala já

não humana. E nessa escala de forças, os desenhos

de Celeste Cerqueira são, ainda, as nuvens,

castelos suspensos, as cores, o chão e o rio. Que

tempo este de ainda valer apofenia. Tudo recusa

o outro. Não há tempo para o homem.

O Desenho do mundo é sempre medonho.

E porque o real é absoluto, no após destas

imagens, aprovem-me dizer que tudo o que

é daninho ou daninha, o que deixa de se ver, o

que nos desnivela, nos rompe, o que é matéria

do sopro e do ar, de falas do escuro, tudo aquilo

que não conseguimos pesar, que cobrimos

com o sagrado, acabará por amedrontar o controlo

e o poder. Se tivermos tempo livre um dia

as casas serão dança, a economia e o cantar, o

cimento a pedra, as cidades e o mar.

G7 / G20, 2019-2021

[pormenores]

48

Ecrãs, 2021

[pormenor e vista parcial]


49

G7 / G20, 2019-2021


50


G U A R D A

-

S Ó I S

51

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

ESAP

MARIA COVADONGA BARREIRO & NUNO RAMALHO

16 JUL / 31 JUL . 2021


GUARDA

-

SÓIS

52

MARIA COVADONGA BARRARREIRO & NUNO RAMALHO


53 ‘Guarda-Sóis’ é o título da exposição que reúne obras criadas pelos alunos

finalistas das licenciaturas em Artes Plásticas e

Intermédia e Artes Visuais – Fotografia da Escola

Superior Artística do Porto, que assim concluem

esta fase da sua formação.

O título faz naturalmente a evocação da

época estival que atravessamos, aludindo ao

merecido repouso especialmente conquistado

por estes alunos no fim de um ano particularmente

desafiante.

Mas, mais do que isso, estas palavras propõem

também uma outra profundidade no seu

entendimento; ‘Guarda-sóis’ pode e deve aqui ser

lido como ‘aqueles que guardam os sóis’.

Porque é nestes jovens criadores que

agora se deposita a certeza de um devir cultural,

de serem uma espécie de guardiões da chama

que alimenta a Humanidade enquanto tal.


É isso que a qualidade do seu trabalho,

do seu envolvimento e entusiasmo já reclama.

Isto, precisamente na altura em que conhecemos,

melhor do que ninguém, a importância que

os raios luminosos da Cultura nos oferecem em

situações particularmente sombrias e difíceis

como as que ainda atravessamos.

A responsabilidade destes jovens é pois

a de cuidarem, promoverem e darem continuidade

a esses fugazes mas vitais Sóis, da fotografia

e das artes plásticas, das possibilidades

únicas das imagens, das ideias e modos inéditos

de as expor, das formas e dos sons que

agora podemos testemunhar nesta exposição.

Sabemos bem como estes raios luminosos

a todos nos protegem e alimentam, na nossa

frágil humanidade e resiliência. Que venham

então os momentos propostos por estes criadores,

para que os possamos celebrar também

na sua fundamental tarefa de serem já aqueles

que guardam o sol.

54

JOANA COUTO

Pedido de socorro, 2021


BERNARDO CASTRO

Brutalismo, 2021

[pormenores]

55

LUCIANA RODRIGUES

Deformação marinha, 2021


56

[vistas parciais]

BERNARDO CASTRO

Brutalismo, 2021


57

[vistas parciais]


58


AS

LUZES

DO

TIGRE

59

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA E JOÃO TERRAS

ANDRÉ SOUSA & JOÃO TERRAS

04 SET / 02 OUT . 2021


60


61


AS LUZES

DO TIGRE

62

ANDRÉ SOUSA


63 Quando um reputado e laborioso escritor se permite a pensar numa merecida

mudança de ares, esta tem que ser potencialmente

produtiva porque nunca saberia praticar

o ócio senão como tarefa ou estágio. A sugestão

da viagem surge, enquanto caminha na capital

da Baviera, ao cruzar-se com imagens mentais

de paisagens distantes, florestas frondosas e

com o olhar iluminado de um tigre agachado —

exotismo geográfico e uma referência óbvia ao

mundo dos instintos.

Ainda que a grelha da cidade não tenha a

ortogonalidade do tabuleiro de xadrez, tem como

princípio o respeito e a adesão inquestionável às

normas, hierarquias e movimentações sociais.

Desfeito isto, logo surgiriam, entre as figurinhas

da civilização, macacos desregrados, ele-


fantes enfurecidos e Shere Khan, um tigre-alfa

com vontade de matar.

Não se tome o pequeno gato doméstico,

comum companheiro de quem escreve, pelo inverosímil

grande felino. Nem se confundam as

luzes do tigre com os faróis de um carro de linhas

ferozes e cores ousadas.

As luzes são, claro, os olhos iluminados

do tigre, quando no escuro se dá a mais perigosa

troca de olhares. Na floresta ou na cidade.

São a memória do medo primordial e o princípio

da comunicação, num instante único que antecede

tanto a paz como a violência.

As luzes do tigre são o olhar do outro,

aqui, tu que lês estas palavras e talvez, momentos

antes, miraste uma pintura, escultura

ou filme. Movido por instintos, o tigre selvagem

pondera e nem sempre ataca. E quanto ao longínquo,

ao exotismo, ao outro e à morte, estavam

afinal logo ali, do outro lado dos Alpes, em Veneza.

Bem perto, como quase sempre acontece.

64


PICADA/

_____

Uma picada de abelha no Alandroal,

2017. Apoiado entre dois muros elevei o corpo,

suspendendo-me. Pensava na possibilidade de

uma pintura. Tinha ali, horas antes, ao pisar uma

placa de mármore que de imediato partiu, feito

um rasgo na perna direita. Ao repetir a posição,

procurando recriar o momento do salto antes

do acidente, pousei a mão numa abelha que se

defendeu com uma picada. Qual castigo-relâmpago

sobre aquele que ousou, parar o tempo e

transformar o acidente original em mais valia.

65

É nas costas desta picada que, no ano

seguinte, pintei a _____. Já não sei se foi viagem

ou sonho, estátua ou linha de texto que me levou

a esta pintura. Uma vez mais tentava o difícil

exercício de levitação. Depois um cérebro

de valor questionável. Gestos que se volatizam.

Uma mão que segura uma nuvem —Júpiter ali

escondido. E um ventre que se esvazia.

Ao abrir a porta, esta será a primeira imagem

da exposição. E com quem entra, chegará

também a única luz que a iluminará — estratégia

de mitificação, elogio da sombra e convocatória

da história da experiência das imagens em

grutas, templos e palácios de iluminação rara.

PICADA/ _____, 2017-2018

[pormenor]

Foi num desses momentos, à luz de uma

tarde de Verão, que _____ ganhou uma nova dimensão.

Fui visitado por uma imagem dos protestos

Black Lives Matter, em Portland. A 21 de

Julho de 2020, one forty five “éi-éme”, durante


uma manifestação e para fazer frente a um batalhão

policial surge Atena nua. Improvisa movimentos

e logo se senta no chão, de pernas

abertas, virada ao clarão com que os militares

encadeiam os manifestantes. Explica-se a máquina

do mundo e o princípio da igualdade, desperta

a humanidade no militar.

Opõe-se a carne à armadura, o indivíduo

à máquina, toma a flor o lugar da bala - a tradição

é já longa, mas uma vez mais, o que aqui

nasce é novo e mágico.

E agora já não sei se sou ainda eu, se

uma mulher-divindade, ou uma cidadã americana

que ali figura. E também já não sei que primeira

luz é esta. Solar, cirúrgica ou militar.

66

LIVRO DOS JOGOS, 2017-2018

[pormenor]


LIVRO DOS JOGOS

67

E se eu já disse, várias vezes, que muitas

destas pinturas-porta são como impressões

directas do meu corpo, rastro da minha movimentação

frente ao plano, então, o tabuleiro de

xadrez e a tenda que aqui se erguem, terão que

evocar dois corpos e quem sabe uma roda de

espectadores. Se a partida ainda não começou,

é por nós que esperavam. Se a partida já terminou,

é então agora a nossa vez. Tomemos o lugar.

A sugestão de uma longa conversação teve

como ponto de partida uma pequena pintura do

séc. XIII, pertencente ao Libro de los Juegos de

Alfonso X de Castilla, representando um cristão

e um mouro jogando xadrez. É certo que as

religiões que cada um professava alimentaram

séculos de fervorosa guerra, mas esta imagem

é mais frequentemente usada para representar

o tempo em que as diferentes religiões coexistiam

na península Ibérica, e de que o outro, mais

do que uma ameaça, era uma fonte de saber

enriquecedora.


C I N E - S I R E N A

O estreito de Gibraltar muda o nome aos

mares, a fé e a língua às gentes, mas a paisagem

e as fisionomias são contínuas. A transformação

é gradual. Viajo com o dedo no mapa.

Entre Múrcia e Cartagena, encontro um lugar

chamado Mar de Cristal. Aí, na Calle Rembrandt

há um cinema ao ar livre. É um espaço murado,

com um ecrã fixo, cadeiras de plástico e uma

programação repetitiva, provavelmente em torno

de uma coleção de películas que roda pelos

vários cinemas de Verão do Sul de Espanha. O

preço de entrada contempla dois filmes, e não

há desconto para quem quiser ver apenas um.

Cine-Sirena, está por agora fechado.

CINE-SIRENA, 2021

Sereias, um vulcão à beira mar e uma

torre faroleira decoram os painéis de um cinema

itinerante. A proposta é fantasiosa, a

geografia é fetichista e o tempo é o dos mares

finitos. Estaremos em torno do mediterrâneo.

Sem ousar molhar os pés a experiência será

sempre mais pobre. Tentar a travessia pode

ser valentia desmedida, risco desnecessário

ou última salvação.

68

[vistas parciais]


69

CINE-SIRENA, 2021


Mapeamento / This Is Happening, 2014-2021

[frames]

70


M A P E A M E N T O

71

Mas se a pintura decorativa sugere ingenuidade

e encanto, esta é logo cortada pelo

carácter das imagens projectadas. Em cartaz

está “Mapeamento / This is Mapping” - um

filme que junta imagens de diferentes geografias

e tenta viagens no tempo: grutas em

Matera, algumas transformadas em templos

cristãos; a judiaria do Porto e as muralhas de

Castelo de Vide; La Alberca, uma aldeia serrana

de Castela e Leão marcada pela presença

de novos-cristãos; a arquitectura em Frankfurt

am Main; os frescos de Piero della Francesca

em Arezzo; o problema da ocupação da página

e do território em Jean Genet; um programa

de rádio da NPR sobre a exibição de força e

o processo de intimidação de jovens palestinianos

pelo exército israelita; e um vulcão dos

Capelinhos, no Faial.

O filme está provavelmente inacabado

— como tudo o resto.


IMAGENS PROSCRITAS

O INTERDITO

E O ESCURO

72

JOÃO TERRAS


73 A gruta de Marguerite Duras é em Matera. O Homem só, diante do oceano, sabido

pelo desenho das mãos, unas, únicas, sós.

O Homem da Gruta de Duras é o Homem de Matera.

Da terra da origem e de todos os tempos.

É o Homem diante da imensidão, do intocável,

insustentável, do proscrito. A palavra por inventar,

o corpo do outro por revelar, essa potência

do outro por vir. Um lugar com todos os tempo e

todas as suas falências, maldito e proscrito, selem-no,

escavem-no, tampem-no a nu.

Esses lugares e corpos fora da história

num lugar indomável, num lugar de ravina, onde

as coisas findam. Espelho desse outro lugar nessa

outra ponta de Itália, humana e célebre, onde

Cristo parou (Cristo Parou em Eboli, Carlo Levi).

A partir daqui todas as imagens são desse lugar.

Todas as imagens ou nós próprios, somos a partir


daqui, esse caminho de penhasco e gruta, tal

como se abre esta porta, gesto divino e revelador,

iluminando a imagem, trazendo-a à luz,

revelando-a. Todas as pinturas se tornam sombras,

todos nos tornamos esse alguém diante

do outro ou do vazio do oceano. Tornamo-nos

diante de. Gritando por alguém ou esperando

a sua vinda, ou quem sabe, vendo apenas a

forma das suas mãos.

Todos os lugares são essa morada subterrânea

de que nos falava Platão. Todos os

lugares são essa alegoria entre luz e sua ausência,

corpo e sombra. Mais do que o saber

da longevidade da pintura daquelas mãos, da

sua astúcia, da sua voracidade, da sua tensão,

o que nos palpita em toda a matéria criada é

esse saber fantasmático da presença docorpo

e sua especulação. A vida daquele possível

corpo diante do oceano, essa hipotética

história, esse mito inflamável sustenta todas

as possibilidades de nos encontrarmos com

o outro a partir das imagens. Esse encontro a

partir dos desenhos que agora olhamos e nos

aproximamos, esse encontro não somente

com a sua resposta mas com a possibilidade

da sua fala, inflama-nos.

74

P A U S A


75

[vistas parciais]


76

PICADA/ _____, 2017-2018

[pormenor]


77

E os interditos estavam por todo o lado, a repousar

em todas as escarpas, nestas luas, sóis,

corpos, lentes e figuras, nesse mar, por todo o

lado como na conversa entre Sócrates e Glauco,

como na chegada de Bataille à gruta de

Lascaux, como nas mãos Magdalenianas das

grutas. Os interditos estão por todo o lado, nas

janelas negras, nas casas fechadas, no subsolo.

O Interdito, o negro, a ausência da luz, tal como

o é na ausência da forma. Os interditos estão

em toda a matéria, em toda a matera criada.

São todos os desenhos, as formas, os volumes,

as pinturas que já vimos ou nos contaram.

Quando retiramos uma pedra da parede

ou do chão acedemos ao seu corpo vazio, ao

seu interdito, à sua forma da escuridão, ao seu

todo. Iluminar é o mesmo que retirar. Iluminar ou

trazer à luz é próximo do gesto de extrair, podendo

então reescrever uma nova posição do

nosso sentido para a história. Uma história do

vazio e não da soma.

FIM DE PAUSA I


A Caverna desta exposição é também, se não

mais, a tenda dessa gravura, o tabuleiro e os

jogadores diante do jogo, da iluminação e do

medo, todas essas dimensões que o compõem,

essas luzes do tigre, esse olho no olho, longínquo,

a imprevisibilidade, o mundo inteligível do

ócio, a suspeita. Durante longos anos foi o ócio

e o jogo proscrito, imoral por convocar o irracional

e o desnível, por desconcentrar. Talvez por

isso, em mil gravuras, frescos e paredes, encontramos

alegórica, metafórica e mítica a representação

do jogo no seu máximo poder do simbólico.

O jogo como campo bipolar, duas faces,

dois corpos, mundos, mudos, frente a frente,

oposição e visão, choque e contraste. No jogo

jogamos os mundos ao seu diálogo e confronto.

Aquele que aqui nos dá a ver, soma,

como todos os que criam, corta e coze, une matérias,

une imagens, compõem e redige. Como

há mil milhares de anos, todo o desenho, agora

imagem em movimento, tela luz, tela forma,

é se não a escrita dessa história condenada ao

inexplicável, uma história de subtração e não de

acumulação, uma história do avesso e de erosão,

mapeada pelo desenho do outro sobre o

mundo. Expor é como ocupar uma Terra diaba

diante da imensidão do oceano. Encarando os

olhos do animal selvagem, do amante, do outro.

78

Mapeamento / This Is Happening, 2014-2021

[pormenores e vista parcial]


79

PICADA/ _____, 2017-2018

[pormenores]


80


SOLTAR

A

C A D E I A

81

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA E JOÃO TERRAS

JOANA MENDONÇA & JOÃO TERRAS

09 OUT / 06 NOV . 2021


82


83


A PAISAGEM

SIMBÓLICA NA OBRA

DE MAURO CERQUEIRA

84

JOANA MENDONÇA


85 “A compaixão não tem horários, trabalha

sem descanso, come sandes, passa o dia

na bonança do dever. Se é ou não feliz assim,

ninguém o sabe. Mas havendo uma aliança

entre hermenêutica e doença, a morte custa

menos a passar, os dias dão no alvo

da limpeza e a cidade desenvolve

uma beleza cristalina. Campânula de ozono

onde se pode, por milagre, respirar.” 1

1 [SILVA, 2005]

Entramos num lugar que não reconhecemos

imediatamente.

Uma galeria que habitualmente visitamos para

conhecer obras e exposições e onde, ano

após ano, reencontramos amigos e conversamos

acerca do estado das coisas; dos filhos,


[vista parcial, instalação de tapetes e vídeo-projeção]

86


87

do trabalho ou do estado do tempo. Vemos

que algo está diferente: a que se deve? O chão

do Espaço Mira apresenta-se coberto por um

conjunto de tapetes a que imediatamente associamos

casa, mas não é conforto a primeira

palavra que nos vem à cabeça.

Nos projetos artísticos da última década,

o artista Mauro Cerqueira tem vindo a conciliar

conjuntos simbólicos de despojos de um

lugar com a criação de outros objetos a partir

destes. Quando o lugar de origem está em

constante deterioração, estes artefatos vivem

de uma capacidade de resistência, de uma capacidade

de sobrevivência.

O conforto aparente que nos é proposto

pelo conjunto de tapetes que revestem o

chão da galeria para a nossa passagem contrasta

com a forma como cada um dos “não

atores” se movimentam na tela que enche o

espaço: o andar, o sentar, o fumar e até o falar

para o lado, alinham-se num conjunto de gestos

expectáveis de quem não está bem na sua

própria pele, mas não se atreve a queixar.

Em 2014, Mauro Cerqueira utilizava

excedentes de materiais das empresas e comércio

falido da rua dos Caldeireiros para criar

instalações multidisciplinares como uma espécie

de palimpsesto da experiência do lugar;

hoje em 2021, utiliza os letreiros usados das

imobiliárias/leiloeiras que vendem e revendem

os imóveis devolutos (alguns habitados) para

que se tornem luxuosas casa de alojamento

local. Os letreiros são aproveitados como suporte

para composições visuais, que, como

delicadas pinturas, procuram um equilíbrio


entre os objetos encontrados, as características

cromáticas de cada um, as combines (à

Raushenberg) concebidas pelos despojos do

lugar, resultando numa espécie de tesouro

para estes habitantes.

Cerqueira retrata as pessoas e os lugares

de uma forma em que aquilo que os liga

é também o que os afasta, concebendo uma

performance realista na qual o espectador

vai recebendo aos bocadinhos aquilo que no

dia-a-dia faz por evitar. Se não estivéssemos

perante uma experiência na primeira pessoa,

acharíamos que o sentimento voyeur destas

imagens em movimento não nos era devido,

que não seríamos dignos de penetrar no declínio

dos cursos individuais das personagens

desta rua, tão subtilmente diluídas na cidade.

A apresentação em contexto expositivo,

de “Soltar a Cadeia” atira para o público um

conjunto de reflexos - sem filtro - onde este se

revê e se purga, num sentimento de afogamento

em seco. A identidade da cidade do Porto

é-nos apresentada através de um momento

congelado no tempo, em que a transformação

irreversível do centro da cidade é, na verdade,

um fenómeno que se podia prever, e ao qual temos

vindo a assistir inertes neste nosso tempo

de vida. Nesse sentido, “Soltar a Cadeia” é um

documento sólido de representação do aqui e

agora, numa ótica de realismo com que a arte

contemporânea sempre foi conseguindo lidar,

e que será revisto num futuro que não temos

forma de antecipar.

A estética da miséria a que o Porto antigo

e cinzento nos habituou - especialmente

[vista parcial, instalação de tapetes

e vídeo-projeção]

[frames Soltar a Cadeia]

88


89

[frame Soltar a Cadeia]


para quem, como eu, se mudou para aqui antes

do Porto 2001 - está em vias de se extinguir, à

medida que a cidade se vai reconstruindo, reabilitando,

vendendo e revendendo. À medida

que muda, a cidade faz-nos mudar também:

viver na periferia é cada vez mais uma opção,

mudar a vida para as cidades dormitório. Mas

há os que ficam, por não terem para onde ir.

No entanto, sentem que a cidade não é

para eles, que os turistas se riem na sua cara,

que a estética de uma fotografia que possam

tirar à roupa estendida é a mesma de um rosto

desdentado - por anos de abandono ou

desleixo - e que eles, indivíduos, na verdade

não importam.

Esta é uma oportunidade de confronto:

não é todos os dias que temos a possibilidade

de ver num contexto expositivo o que nos

esforçamos para evitar nos restantes dias. O

conforto fornecido pelos tapetes debaixo dos

nossos pés é apenas temporário e ilusório.

Para Stanley Brouwn - figura das artes

performativas na Alemanha anos 1960/70,

que conseguiu convencer a comunidade artística

a não o entrevistar, fotografar, publicar

informação biográfica sobre si ou as suas

obras, - a forma como a arte habitualmente

se promove, expondo as maiores fragilidades

dos artistas e/ou modelos e forçando o

público a tomar um posicionamento, é uma

prova de que a arte contemporânea foi longe

demais, ou ultrapassou mais uma barreira

que será difícil de voltar a colocar de pé.

Para Brouwn, “A arte deve ser purgada de cor,

(HERBERT, 2016, P.51),

sentimentos e expressão individual”

[frame Soltar a Cadeia]

HERBERT, M. (2016), “TELL THEM I SAID NO”,

ED. STERNBERG PRESS, BERLIN;

90


91

[frame Soltar a Cadeia]

a ação artística deve ser conceptual e apresentar-se

de forma clara, o que no seu caso se

refletiu numa carreira obcecada por unidades

de medida, distância, escala, o espaço: estar

com outros no espaço. Mas o nosso corpo

não se consegue manter afastado de outros

corpos, a atração que sentimos pelos outros

não tem apenas a ver com romance, existem

muitas outras formas de proximidade. Há uma

maneira de estar em que desejamos e compreendemos

que podemos ajudar o próximo

mesmo sem saber como. Talvez seja por isso

que nos identificamos com a obra de Cerqueira.

Os rostos deste filme acusam depressão,

desilusão, desistência, mas também a relação

que estabelecem com o vício, a dependência

de estupefacientes variados, que, de uma forma

ou de outra, os levam ali, mesmo que dali

nunca tenham tentado sair.

Cerqueira mostra-nos alguns rostos

fugazes, com planos afastados, e outros sem

qualquer distanciamento, levando-nos a experimentar

a profundidade de um olhar triste,

dorido. Num plano mais elevado, a cidade

aparece, com a sua representação mais marcante:

a ausência de cor, a chuva miudinha e

as gaivotas. É quase como se fosse um resumo

do que já antes vimos, mas que ajuda

a engolir um pouco mais de oxigénio, porque

este parece escassear.

Os letreiros de venda que vimos invadir

as exíguas janelas e varandas da rua dos Caldeireiros

ganham cada vez mais importância

à medida que vemos o filme. Como grandes

bandeiras ou lençóis, evocam simbolicamente


as mantas que colocamos nas varandas para a

passagem de uma procissão cristã, ou receber

a visita Pascal em dia de celebração religiosa.

Os “não atores” são afinal agentes ativos

da obra de Cerqueira, pois são eles que

apanham os letreiros dos seus lugares originais

(antes ou depois da venda), numa parceria,

uma forma de co-criação ou colaboração.

Estes atores deixam-se filmar, entram

em diálogo(s), compreendem o lado voyeur

como algo necessário, para que seja possível

passar uma determinada mensagem, contando

as micronarrativas de cada um deles: desde

os problemas das casas às situações individuais

de cada um, ou até dos vizinhos.

Este filme é como se fosse um retrato,

como ato de resistência, pelos que ainda se levantam

para viver mais um dia, por si mesmos

e pela comunidade onde pertencem. Seguramente,

um dia olharemos para trás para entrar

a obra de Mauro Cerqueira inserida numa narrativa

muito maior do que nós.

92

[frame Soltar a Cadeia]


[frame Soltar a Cadeia]

93

REFERÊNCIAS:

DELEUZE, G. (2004), “A

IMAGEM-MOVIMENTO CINEMA

I”, ED. ASSÍRIO & ALVIM, ED.

ORIGINAL 1983, LES ÉDITIONS

DE MINUIT, PARIS;

DIDI-HUBERMAN, G. (2012),

“IMAGENS APESAR DE

TUDO”, LISBOA, ED. KKYM, ED.

ORIGINAL 2004, LES ÉDITIONS

DE MINUIT, PARIS;

RANCIÈRE, J. (2003), “O

DESTINO DAS IMAGENS”, ED.

ORFEU NEGRO, LISBOA;

HERBERT, M. (2016), “TELL

THEM I SAID NO”, ED.

STERNBERG PRESS, BERLIN;

SILVA, J. M. (2005),

“MOVIMENTOS NO ESCURO”,

ED. RELÓGIO D’ÁGUA, LISBOA;

[frames Soltar a Cadeia]


EDIFIQUEI A MINHA

CABANA NO

MEIO DOS HOMENS

UMA PÁGINA PARA SOLTAR

A CADEIA DE MAURO CERQUEIRA

94

JOÃO TERRAS


95 Ainda aqui estamos, é tudo o que as criações de Mauro Cerqueira continuam

a dizer. É o que me apetece escrever

sobre este mundo e sobre estes lugares, até

porque no limite as obras de Cerqueira assim

como a matéria fervente de todos os artistas,

poetas e filósofos são tudo aquilo que nos permitem

apetecer escrever e rever do mundo.

A cidade do Porto que cedo o artista

narrou não se tornou capa de fundo de uma

vontade documental. O Porto é a deriva de um

lugar pensante para alcançar qualquer outro.

Afinal ainda aqui estamos e o Porto são todos

os outros lugares que se desenvolvem sobre

esta égide de cidade, aqui como em qualquer

outro lugar. A rua dos Caldeireiros, como a ribeira

da Faina Fluvial de Manoel de Oliveira.

Partir do Porto para olhar o mundo, partir da

ficção sobre os sulcos do real para só aí o po-


dermos alcançar em pleno.

Sem qualquer tipo de conivência aquilo

que vemos agora, aqui sentados e diante

deste filme, é de novo o corpo do artista,

agora com a mão numa câmara a gravar-nos,

nós e todos os que habitam a cidade nos sulcos

das suas margens, aqueles que suturam

e que cozem os desvios da ordem e do processo.

(lembro de novo a mão de Duras e as

ruas de Paris).

Dos lugares de desvio e controle às vezes

esquecemo-nos das ruas.

O final, uma sequência cinematográfica

montada numa assemblagem do mesmo

modo como aglomera e monta uma imagem,

quadro, escultura ou instalação. A mesma explosão

e implosão das matérias do mundo.

E a obra de Mauro Cerqueira tem cimentado

a certeza de que tudo é o mesmo,

não existem grandes distâncias nos gestos,

estamos sempre num mesmo vórtice, as assemblages,

as aglomerações de objetos, o

desenho gravado, pintado ou rasurado, as projeções,

os vídeos e as performances, o artista

a saltar sobre as obras, as obras a implodirem,

afinal o espaço da criação vive do mesmo gesto

e mostra o mesmo.

No filme parece surgir mais presente

e direto, porém, toda a obra sempre foi isso,

sempre foi a cidade, a invasão do real, as explosões

petrificadas, a revelação do presente,

a projeção das várias cadências e decadências,

as vertigens dos homens, o ócio, (...) a velocidade

como que as imagens correm é que

são de tempos diferentes, aparentemente.

[pormenor,

instalação de tapetes]

96


97

Se olharmos de frente para a conversa

que “Soltar a Cadeia” nos permite, não se trata

de um trazer à tona, de um mostrar um lugar

escondido, de ser dominado pelo submundo

de uma cidade, trata-se de uma visão clara daquilo

que são os movimentos e os corpos de

um tempo e de um lugar e o que eles ainda nos

dizem sobre o mundo.

Os poetas desde o início dos tempos

são aqueles que melhor narram o mundo, nas

palavras as imagens existem e correm com a

mesma velocidade que no filme. Ainda aqui

estamos e ao ver o filme de Mauro Cerqueira

copio as palavras transcritas do mandarim antigo

para o português moderno, pelas tramas

da língua e aquilo que se possa ter perdido,

uma parte de um poema de Tao Yuanming um

dos antigos poetas da China ou dos inícios das

civilizações orientais.


Ainda que sórdido podemos ouvir este poema

ao olharmos estas imagens.

Bebendo vinho

Edifiquei a minha cabana

no meio dos homens

porém não se ouve o clamor

de carroças ou cavalos

e tu perguntas-me,

Como é que é possível ?

Quando o coração se ausenta,

até os lugares se afastam também.

(...)

Alguém se apercebeu de que falta alguém ?

Tao Yuanming

98


99

[frames Soltar a Cadeia]


100


ZUM

ZUM

101

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA E JOÃO TERRAS

JOANA MENDONÇA & JOÃO TERRAS

13 NOV / 11 DEZ . 2021


102


103


QUEM TEM MEDO DE EXPOSIÇÕES,

OU A ARTE DE CONFRONTAR

AS NOSSAS PRÓPRIAS EXPECTATIVAS

104

JOANA MENDONÇA


105 “Qual é a lógica, a necessidade ou o desejo que provoca mais e mais artistas

(Holmes, 2007)

a trabalhar fora dos limites da sua própria disciplina,

definida pela noção de reflexibilidade

livre e pura estética, encarnada pelo circuito

galeria revista-museu-coleção, e assombrada

pela memória dos géneros normativos,

pintura e escultura?”

Esta provocação de Brian Holmes é no

meu entender, uma das maiores inquietações

dos artistas nos séculos XX e XXI. A questão

não procura uma resposta, nem Holmes a

está a desvalorizar, talvez esteja a apenas a

apontar a problemática ao tentar compreender

o que têm em comum tantos artistas de

tantas diferentes áreas/práticas, geografias e

materialidades.


A obra e prática artística de Sérgio Leitão

deambula entre as potencialidades da linguagem

visual - a espacialização da palavra - da

pintura e da escultura, mas também entre uma

certa obsessão pelo fazer (e como fazer), e

os despojos disso, ou seja, pelos materiais de

criação. Desde o objeto livro que serve de referência

literária e conceptual, aos materiais de

revelação fotográfica ou de serigrafia, todos os

objetos que servem de suporte ao processo artístico

podem acabar por tornar-se parte dele.

De tal modo que, em alguns casos - e aqui estou

a pensar na instalação que esteve na Bienal da

Maia 2021, entre setembro e outubro deste ano

- o material que serve de suporte para a criação

das obras é na verdade um excedente de outras

produzidas previamente.

Na exposição ZumZum no Espaço

Mira, um texto com três versões em folhas

manuscritas de uma apresentação do artista

na República Checa parece servir como guião

ou como ponto de partida para um discurso

expositivo. Numa tentativa de falar em checo,

uma língua que desconhecia, leu em português

um texto polifónico, usando uma entoação

que os checos entendiam. Num exercício

de partilha sonora, “LINGVISTA / THE

LINGUIST” (2021), em que o que era mais

importante para Leitão não era a mensagem

transmitida, mas sim a possibilidade real de se

fazer entender, fazia com que, por outro lado,

ele próprio não percebesse o que estava a dizer.

Com esta ação que se tornou na realidade

numa performance, Leitão conseguiu revelar

a potência e força da linguagem no seu corpo LINGVISTA / THE LINGUIST, #1, 2021

106


107

de trabalho, ao mesmo tempo que saiu da sua

zona de conforto. No contexto dessa saída da

sua zona de conforto, Sérgio Leitão lida de

duas formas possíveis: a primeira é deixar-se

entusiasmar, extasiar-se com o novo, o diferente;

a segunda é usar a referência do Jaques

Rancière para introduzir aqui um mestre

ignorante. Compreender algo com a ajuda de

um professor, ou de um sistema de escolarização

é algo pelo qual todos passamos (ou

passámos) em algum momento da nossa vida:

afirmando que fazer uma interpretação através

de um conjunto de ferramentas aprendidas

à priori condiciona a experiência. Isto é

factual, e algo que dificilmente conseguimos

mudar, a não ser que tenhamos decidido sair

do sistema educativo (algo que a corrente lei

não permite). Esta exposição de Sérgio Leitão

funciona como uma proposta de criar mudança

nos sistemas de leitura, interpretação e

compreensão individuais e coletivos: a partir

de um exercício de interpretação, criar extrapolações

para esta exposição, ou para todas

as exposições alguma vez concebidas.

Num extremo, ela pergunta-nos: o que

é uma exposição, o que é uma obra de arte

contemporânea, o que é um público? Além

de serem questões que me assombram desde

que eu própria passei por um processo de

formação artística em Belas Artes há cerca de

20 anos, elas não desaparecem do ambiente

deste texto, e ficam entranhadas em todos os

que a visitam. Na verdade, são coisas partilhadas

pela maioria de nós, ainda que não seja

algo consciente: como nos devemos compor-


tar numa exposição, podemos fazer barulho,

tocar nos objetos?

De que forma nos relacionamos com

um objeto expositivo? O que deve ser esperado

do público: que se compadeça do que vê,

se emocione e relacione, ou que se distancie

de sentimentos enquanto interpreta conceptualmente

os objetos (mesmo que não consiga

perceber porque são obras de arte).

Os vídeos de Sérgio Leitão presentes

em ZumZum apontam ampliações de outras

obras, as imagens pixelizadas das capas dos

livros são apresentadas com movimentos de

zoom in/out, onde diferentes variações cromáticas

apontam texturas, sensações térmicas,

impressões sonoras, ao mesmo tempo que

fazem uma viagem pela história das imagens:

imagens que não são as iconografias que estamos

à espera, mas sim ampliações máximas

delas, evocando um minimalismo visual que

muito interessa ao artista.

ZumZum _ atelier, 2021

[vista geral e pormenores]

108

O potencial criativo de uma imagem

raramente chega a ser alcançado na arte contemporânea

porque é facilmente abandonado

ou substituído por algo novo.

No caso de Leitão, a imagem pode resistir,

regressar ou transformar-se, assim como

aparecer com todas as falhas, variações, erros,

ruídos, no fundo, gralhas que humanizam o processo

criativo e aproximam o artista do público.

Muitas vezes estas tentativas são compreendidas

como demasiado reveladoras: o artista que

se expõe corre o risco de ser desvalorizado.


Se tivesse que pensar num tema para esta exposição,

diria que o conhecimento - a procura do conhecimento - é

o único elemento transversal, no sentido em que formas de

conhecimento são aqui motivo, matéria e resultado, tudo ao

mesmo tempo.

“Não tenho receio de “dilema”, porque fazer arte é um dilema,

é um dilema entre teoria e prática, é um problema de posicionamento

e uma questão de forma, porque o meu problema

- como artista - é:

Como posso tomar uma posição?

“Como posso dar uma forma a essa posição?” (Hirschhorn, 2014, p. 207)

109

Ou então dilema que, como refere Hirschhorn, é uma condição

necessária de fazer arte. O dilema de como colocar as peças

umas a seguir às outras: como condicionar a interpretação

final no sentido das questões éticas implícitas em cada

um dos elementos apresentados. O dilema

de como circular, como seguir de uma obra

para outra, porque estas vão deixando subtis

apontamentos que se revelam de forma

mais ou menos clara perante nós.

Finalmente o arquivo seria outra escolha para

tema, motivo ou resultado: o arquivo de Sérgio

Leitão que nos recorda imediatamente a imagem

de Malraux a olhar o seu Museu Imaginário

colocado no chão, e que ao mesmo tempo

nos olha a nós.


Revelo ainda uma grande curiosidade

em compreender a cadência do tempo desta

exposição, que com os seus ZumZums nos

remete para ruídos de raspagens, mosquitos

esvoaçantes, palavras ditas baixinho nos ouvidos

dos entes queridos. Quanto tempo demoraremos

a conhecer

“ZumZum”? Quanto tempo Sérgio Leitão nos

recomendaria dispensar?

110

Vamos ter que lhe perguntar a ele.


111 Referências:

AAVV (2009), “Art and Contemporary Critical

Practice”, eds. Gerald Raunig & Gene Ray,

ed. may fly, Londres;

AAVV (2017), “I Can’t Work like this - A Reader on

Recent Boycotts and Contemporary Art”, ed. by

Joanna Warsza,

ed. Sternberg Press, Salzburg;

MALRAUX, André (2010) “O Museu Imaginário”

(original edition from 1965, France),

ed. 70 - Arte & Comunicação;

RANCIÈRE, Jacques (2010) “O Mestre Ignorante

- Cinco Lições Sobre a Emancipação Intelectual”,

ed. Pedago, Mangualde;


112


113


FONEMAS DE UM UNVIVERSO

HAVER POLIFÓNICO

TEXTO E PALAVRAS PARA

ZUMZUM DE SÉRGIO LEITÃO

114

JOÃO TERRAS


115 No dossel florestal das mais densas florestas, destes lugares da mais antiga existência,

desses alicerces arquitetónicos da civilização,

no dossel das florestas, onde a copa

das arvores se funde com o negro dos céus é

o zumbido que lhes dá o corpo e alma. A ordem

está no restolhar das folhas, no zumbido dos insetos

e répteis, no zumbido, no zum, zum.

O fonema das florestas é o seu corpo de

vozes múltiplas, indomável, indecifrável.

A floresta é uma polifonia de corpos, movimentos

e danças. Da micro à macro escala, do

plano ao volume, do voo picado ao plano rastejante

e ao subsolo. Creio que por tal deriva será

a floresta o lugar da maior abstração e libertação,

o espaço de descontrolo por primazia

genética, onde o Homem ainda é só, só. Carlo

Carrà (figura gravítica do Futurismo) acrescentará

um r ao seu nome e logo este perdera a sua


potência de nome para dar espaço a sua potência

de ação. RRRRRÁ.

Carlo Carrrrrà.

Aquilo que os futuristas sabiam, mas a

cidade lhes encarregou de encobrir, era que

o maior dos zumbidos alucinantes, a maior

das velocidades, prospeções e possibilidades,

a maior das metafísicas, estava nas florestas

e não ali.

Sérgio Leitão é um artista dos que ainda

não cessa de ir mais longe, de acumular, somar,

aprofundar, sem com isso se deixar explodir

na experimentação, no fluxo, na criação. Aquilo

que um artista, artista, pode ser, e ele o é, é

pensante, pensador, gravador, filósofo, um artista

que não encontra só no fazer, encontra no

problema do fazer, esticando a corda do fazer.

O eixo mediador e meditante, possibilitador,

mas ainda assim sempre intersticial desta

exposição, são três textos (LINGVISTA / THE

LINGUIST [I-III]).

Três textos e o mito de um outro.

Três textos em secções quase claras:

princípio meio e fim.

As três páginas destes três textos flutuam

na mesma dimensão de todos os outros

elementos instalados na galeria, como a imagem

por vir, a vida das formas inanimadas através

do movimento nos ecrãs, desta mesma

forma, as três páginas são além da sua forma

gráfica, a forma da boca e da língua.

São os fonemas que, pelo exercício,

acabaram em signos na folha. O que paira

na forma destas folhas é o som que delas

116


117

podemos emanar. O som e o corpo do artista.

Este exercício surge da prática do artista

na aprendizagem de uma língua como também

de uma outra linguagem. Ao aprender a língua

checa invertendo um filme legendado em checo

do Inglês, Sérgio explora, partindo da abstração

da linguagem, a aprendizagem de um novo

colo de comunicação.

A outra língua quando não conhecida é o

indecifrável e por isso o desviante.

O signo e a palavra, do signo à palavra,

encontramos um lugar tremendamente vertiginoso

onde, do tudo ao nada sabermos, está

apenas a sua composição.

A potência dos fonemas nos textos é a

mesma das imagens no chão, ao caminhar para

o total processo de negação, subversão das

imagens, possibilidade das formas, arquivos

de arquivos de arquivos, imagens das imagens,

línguas das línguas, até às línguas indecifráveis

por nós, em todo o lado, Sérgio Leitão está a

trabalhar na senda onde nos é ainda possível

fugir do capitalismo, neste lugar onde a comunicação

ainda está a procurar a sua composição,

onde ainda não falamos línguas universais,

composições algorítmicas, ritmos casados.

Sérgio Leitão oferece-nos a vertigem.

Pensando no nascimento do MIRA, como lugar

para a experimentação e exploração dos campos

da imagem e seus formatos expandidos, da

fotografia à imagem em movimento, a instalação

de Sérgio forma-se também nessa potência

encontrada na história e genética da fotografia.

Uma instalação onde a imagem se esta

a formar, a revelar, a conceber, a negar-se, a


possivelmente surgir, onde as imagens surgem

como diaporamas, projetam-se, arquivam-se,

onde as imagens do real se procuram.

Toda esta complexa teia, que cruza várias

formas e objetos numa assemblage de materiais,

está na base crítica de uma historiografia

do universo da fotografia e por si das imagens

do mundo contemporâneo.

O fim da experiência deste lugar habitado,

poderá 1encontrar-se na sequência fílmica:

TEMPO, TEMPO, STOPPZEIT! KLANGZEITFI-

GUREN (2021) uma paisagem de cores, linhas

e movimentos ópticos, um mantra que poderia

ser para Carrá e seus fonemas, para as suas

paisagens e animais. Neste filme, onde vemos

gráficos de estudos de processos estocásticos

(padrão nas teorias e estudos das probabilidades

onde o indeterminado se forma a partir de

um evento aleatório), Sérgio deixa-nos no últi-

118

[vistas parciais, registos da inauguração]


mo lugar das forças e das ordens, no indeterminado

e aleatório onde os fenómenos ocorrem

na pausa (STOPPZEIT!) Pausa.

Lugares de aleatoriedade como o são

os lugares do sono, do ócio, da loucura e do

marginal. Deixa-nos num lugar fora das forças.

Como no lugar indecifrável da linguagem, como

lugar irrevelável das imagens. Nesta instalação,

aqui, somos ainda “o céu na boca” para citar

Mumtazz e Poppe.

esse grande no descomunal.

O céu na boca.

119

Amar amar, amar rrrr [1]

É na língua, ingua, ingu, a, na língua.

[1] Mumtazz, António

Poppe. O agitador

e a corrente: cena e

poema- 1 a ed. -

[S.l.]: Mariposa Azual,

2020.


120


UM

SEM

NO

LUGAR

PAÍS

MUNDO

121

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOÃO TERRAS

JOÃO TERRAS & SUSANA CHIOCCA

17 DEZ 2021 / 22 JAN . 2022


122


123


UM LUGAR SEM PAÍS NO MUNDO

124

JOÃO TERRAS


125 Penso que bastará não mais procurarmos o princípio e o fim de alheava,

Já nem esse lugar pertence ao artista que o

possa ter iniciado, a obra nunca pertence, na

verdade, ela já nunca domina o homem, nem o

tempo, nasce e logo se dá ao descontrole do

ser. Alheava é assim, nasceu nessa terrível tarefa

de desenhar o tempo, um tempo.

- Infinito processo cíclico, viagens de retomas a

futuros incessantes.

1999, as imagens pelas palavras, o artista Manuel

Santos Maia, a ficção do conto, as imagens

formadas pelas palavras do outro, a ideia de um

lugar, a ideia de um lugar e de um outro. 2014,

a viagem e a retoma, Moçambique. Incessantemente

voltar, quem escreveu a história, quem

nos fala, porque fala, de que ela nos fala.


- Precisamos apagar as imagens, reescrever

sentidos, lermos e conhecermos o outro a fundo,

penso, talvez não.

Quem escreve sobre os lugares, sobre

o passado e o agora, África, Europa, América,

Ásia, oceanos e mares as florestas.

Que são os filósofos e os geólogos e os

mecânicos e os seres do espaço, quem são todos

os que nos falam do outro.

Como vivemos com os objetos, dialogamos

com a história de forma ampla, partimos

sempre de uma terra já pisada, de uma história

já infligida, sabidos que esse passado, talvez

identitário, esse outro somos nós, aquele que

se senta à nossa mesa, somos nós, somos e

seremos a terra já pisada, salvando-nos a vontade

de que até que os corpos debaixo do chão

tenham nome, até que a história retome na sua

natureza cíclica e bífida, possamos chegar a um

lugar sem país no mundo, não para partimos do

zero mas para olharmos com menos certezas

de onde partimos.

126

Estas são as terríveis palavras para entrarmos

na terrível tarefa de desenhar o tempo.

Tenham dúvidas e medos, mentiras e anseios, o

que vemos é esse desenho do tempo e da memória.

Quem desenharia a memória a lápis.

O desenho é este, são as malgas de terracota,

são o cheiro, o toque a cor e o sabor dos

grãos esfarelados e da terra, são o cozido, o co-


127

alheava_Primeiro, conheci o desconhecido;

depois, desconheci o que conhecera;

mais tarde, abordei o que conheço como quem desconhece., 2020


sido, o bordado no tecido, são as pedras com

cor somadas no colar, na fita. Como imaginariam

desenhar um lugar a lápis? É este o desenho

falível de uma nova memória, de um lugar

alheado para podermos estar dentro do tempo

por algumas horas.

128

alheava_Primeiro, conheci o desconhecido;

depois, desconheci o que conhecera; mais

tarde, abordei o que conheço como quem

desconhece., 2020


129

“um lugar sem país no mundo”, 2018-2021

[pormenor]


O REGRESSO A UM LUGAR

130

SUSANA CHIOCCA

em Arte Capital


131 Alheava é um projecto multifacetado que Manuel Santos Maia iniciou

enquanto estudante da FBAUP, em 1999.

Num sentido amplo pensa-se o outro,

o colonizador,

o colonizado

e as suas repercussões.

Num sentido não menos abrangente temos a

experiência pessoal, que se aproximará à vivência

de tantas outras pessoas, filhos de colonizadores,

ou netos de colonizadores, neste caso;

e, também, filhos de colonizados que vieram

adoptados por desconhecidos para Portugal

depois de verem as suas famílias destroçadas e

novamente colonizados, aculturados num país

igualmente estranho. A criança, o Manuel de 6

anos, trouxe memórias que foi alimentando e


recriando com a ajuda dos familiares, da mãe,

do pai, dos avós, dos irmãos, dos tios e também

dos objectos - alguns dos quais se mantiveram

guardados até Santos Maia decidir abrir arcas

e móveis onde se mantinham guardados e expô-los

[1] - os filmes e fotografias do pai, que retratam

o seu mundo, a família, a casa construída

pelo avô, a fazenda, os trabalhadores, os monumentos,

a paisagem. Diz-se que a infância é

das fases mais importantes da vida, porque nos

marca para sempre, talvez por tudo ser novo,

desproporcional e sentirmos mais profundamente.

A descoberta tem sido constante, neste

reavivar de lembranças, da realidade atroz, dos

relatos e leituras sobre o que aconteceu em

Moçambique, durante a colonização, a guerra e

pós-colonização que não se podem esquecer,

para percebermos o que somos hoje.

Rever o passado também transforma

as memórias que muitas vezes não têm uma

correspondência real, há algo que não foi dito,

algo que não foi lido e que é percebido mais

tarde, como na ampliação das fotografias do

pai, António Machado Maia, apresentadas na

exposição individual alheava_Nampula na galeria

Quadrado Azul em 2012. Esta permitiu ao

artista questionar e reflectir a condição dos

autóctones e de si e dos seus familiares descendentes

de portugueses na machamba (fazenda),

onde aqueles trabalhavam. Afinal não

viviam nas mesmas condições, apesar da boa

relação que mantinham com os trabalhadores.

Em alheava_filme, de 2007, o artista recupera

os filmes super 8 do pai e coloca-o enquanto

narrador de um discurso recolhido em diversas

132

alheava_configura-se em função da

origem, não da memória, mas daquilo que

não aconteceu ainda.

(ucronia) _ II, 2020


133

vezes, ao longo de três anos. Aqui desvela-se

mais uma vez, através da vivência pessoal de

alguém nascido em território colonizado, o seio

familiar e a complexa realidade que foi, de parte

a parte, a guerra e descolonização e a barbárie,

a crueldade e a miséria por elas provocada.

Mas voltemos à criança que regressa

ao lugar de origem dos seus avós, que na realidade

não é um regresso porque vem para o

desconhecido: é agora estrangeira, alheada,

num universo com uma língua outra, que tem

de aprender para passado um ano entrar na

primeira classe. Faltam-lhe as cores vibrantes,

os cheiros, a paisagem, os sons da mestiçagem

singular de Nampula. Existe uma ruptura com

o seu país, os amigos, a natureza, a liberdade e

descontração que o calor permite. É essa não

pertença e o que ficou para trás, que a leva, em

adulto, a desenhar este projecto que se desdobra

numa série de trabalhos entre a performance,

o teatro, a instalação, a fotografia, a imagem-

-movimento, o som e a pintura apresentados

em mostras colectivas e individuais.

O título da presente exposição, Um lugar

sem país no mundo, patente no espaço Mira,

revela a criação de um outro lugar, um lugar inexistente

enquanto espaço físico. Um lugar que

se estabelece pelo fazer, pelo vínculo e afeição,

por um fazer de mãos dadas. Pela devolução

de um tempo ao tempo. Cria-se um novo lugar

de reflexão, de idealizações, de aprendizagem;

um lugar que também pertence a quem vê e que

surge dessa sinergia entre o artista, o colaborador,

o espectador e a obra. Santos Maia recorre

novamente à família e aos amigos para esta


construção; são as mãos da mãe Albertina que

bordam a toalha e guardanapos com os signos

retirados da bandeira de Moçambique (o fuzil, a

enxada, o livro aberto, a estrela) e desenhos da

cestaria daquele país. Padrões que se re-apresentam

em alheava_configura-se em função da

origem, não da memória, mas daquilo que não

aconteceu ainda (ucronia)_III, realizado pela

amiga Maria José Correia. Esta fita de missangas

que envolve o recanto da mesa como que

tornando visível o que os conecta, o imaginário.

O sobrinho Afonso Alexandre, que o ajuda na

recolha do barro em Quiaios (a localidade onde

cresceu), para juntos moldarem as rudimentares

taças-almofariz que contêm as diversas especiarias

e sementes trazidas da sua viagem-

-regresso a Moçambique em 2014.

E o último trabalho que dá título à exposição,

no qual colabora mais uma vez a mãe

Albertina e a irmã Anabela Maia, que remete a

outras intervenções e exposições anteriores.

Algo terá ficado em reminiscência da exposição

individual de 2017 também no espaço

Mira alheava_o lugar dos afectos. Contudo,

aí encontrávamos um espaço mais preenchido,

com vídeo, instalação e um trabalho de luz

minucioso, onde as sombras dos próprios espectadores

contaminavam a obra. Essa ocupação

do espaço talvez surja não só pela grande

produção do artista, como da necessidade de

mostrar a intensidade da vida em Nampula na

actualidade. Existe um antes e um depois no

projecto Alheava que altera significativamente

a obra e o modo de a dar a ver após a viagem-

-regresso, com uma abertura que apela a todo

alheava_configura-se em função da

origem, não da memória, mas daquilo que

não aconteceu ainda.

(ucronia) _ III, 2021

[pormenores]

134


135

o corpo, à vibração das cores, ao cheiro e a uma

certa sensualidade. Um trabalho de luz e sombra,

o contraste entre o brilho, o pôr-do-sol e o

lusco-fusco. Vêem-se fotografias recortadas

como fios que por vezes se tornam tridimensionais,

que relembram alguns retratos de Esther

Ferrer, como um alongamento do próprio

corpo para além do limite fotográfico, criando

uma nova totalidade, onde os interstícios sejam

ausências, invisibilidades ou algo ainda por

acontecer. O ano de 2017, no qual apresenta

mais duas exposições individuais, que são

exemplos do trabalho que deixa de ser tão hermético

e abraça a organicidade, como a exposição

alheava_a criação do mar, na Escola das

Artes da Universidade Católica. Novamente os

círculos de luz que não iluminam apenas, mas

focam o nosso olhar em partes das instalações

que por vezes se estendem para além dos mesmos

- uma lua, um sol, um monóculo, alguém

que espreita e recorta a realidade.

alheava_Primeiro, conheci o desconhecido;

depois, desconheci o que conhecera;

mais tarde, abordei o que conheço como quem

desconhece, é o título do trabalho central que

reflecte bem o que acima expusemos. O barro

volteado parece pão, o pão que se partilha à

mesa, a mesa que será a reconstrução de algo

que também não existiu ou que existe apenas

na imaginação. O ritual e o performativo em

potência tomam lugar de anteriores projectos

a solo mais coloridos e cinematográficos. Mesmo

assim, temos um quase país desenhado a

açafrão - a mãe assim o interpretou! - com especiarias

que se podem moer, para condimenalheava_configura-se

em função da origem,

não da memória, mas daquilo que

não aconteceu ainda. (ucronia) _ I, 2016

alheava_configura-se em função da origem,

não da memória, mas daquilo que

não aconteceu ainda.

(ucronia) _ II, 2020


tar essa comida que chegarà à mesa, por onde

os corpos comungaram; os doze guardanapos

usados, a remeterem para o cerimonial da refeição,

onde se deixa o rasto das bocas falantes e

comentes, da comunhão, onde se deixa um rasto

da desejada união entre povos, etnias, simplesmente

pessoas.

A ucronia é quase inevitável quando se

tenta uma reconstrução do passado. E o artista,

agora adulto, aproxima-se da etnografia

construindo um imaginário num regresso às

tradições, à manualidade onde a mão activamente

prepara, molda, borda, actua e torna

possível um sentido de comunidade e de um

tempo interior, um tempo do pensar, um tempo

para o silêncio, um tempo que se sobreponha

às ruínas, aos fragmentos e aos medos e que

permita a existência viva e o reencontro em

diálogo com o lugar.

136


137

“um lugar sem país no mundo”, 2018-2021

[pormenor]


138


G A R C I A

DA

SELVA

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CONCERTO:

DATA DE APRESENTAÇÃO:

GARCIA DA SELVA

29 JAN . 2022


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APRESENTAÇÃO DO ÁLBUM

"SANTA TECLA"

DE GARCIA DA SELVA

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COM INSTALAÇÃO DE MAFALDA SANTOS

143

Garcia da Selva é uma das agências de Manuel

Mesquita, artista multifacetado e dotado

de uma inesgotável força anímica. Com da

Selva, Mesquita articula os elementos contraditórios

da nossa situação (tão singular como

paradoxal) de pré-urbanidade pós-colonial

com os símbolos de uma pop cosmopolita,

universal e recursiva. Entre o dândi e o estroina,

Garcia destaca-se pela imagem dúplice

que deve a influências tão distantes como o

hipster, cosmopolita elegante, o coronel sertanejo

e o troglodita grosseiro. Ecléctico, pois

claro, Garcia da Selva oferece-nos uma música

nefelibata cheia de matizes telúricos: os

pés podem não estar assentes na terra mas

as mãos não se furtam à lama.

Santa Tecla foi tocado no MIRA numa instalação

de Mafalda Santos pensada a partir da

capa que fez para o álbum.


[registos do concerto]

144


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[registos do concerto e instalação de Mafalda Santos]


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OS MALEFÍCIOS

DO

TABACO

149

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA

JOÃO SOUSA CARDOSO

28 JAN / 26 FEV . 2022


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OS MALEFÍCIOS DO TABACO

152

JOÃO SOUSA CARDOSO


153 Após dois anos a debatermo-nos com uma pandemia, à escala global, o entendimento

nas nossas sociedades das noções de

bem-estar, saúde e segurança mudam aceleradamente

e os fossos sociais na economia digital

são iluminados na sua brutalidade. A exposição

OS MALEFÍCIOS DO TABACO, de João

Sousa Cardoso, propõe um ensaio estético

sobre um novo tempo cultural e um renovado

entendimento dos corpos, da diferença social e

duma poética da revolta. E assinala o regresso

do artista-ensaísta-encenador a uma exposição

individual em dez anos.


A exposição parte da obscuridade confrontando

o espectador com uma série de imagens

de diversas temporalidades e geografias

que evocam a montagem cinematográfica e a

sala de projeção. Ao mesmo tempo, a arquitetura

do desenho de luz evoca a dramatização

do espaço, dos corpos e dos objetos na

lógica disciplinar do teatro, implicando fisicamente

os espectadores.

Os Malefícios do Tabaco, 2021

Instalação com tecido, objectos, água,

desenho de luz e impressões fotográficas s/ papel.

Direção técnica de Miguel Ângelo Carneiro.

[vistas parciais e pormenores]

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conversa com

João Sousa Cardoso

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159

conversa com

João Sousa Cardoso


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TIRESIAS

UND

KLEINE

DER

TOD

163

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA

ECE CANLL

05 MAR / 02 ABR . 2022


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165


THE APOTHEOSIS OF OBLIVION

166

ECE CANLI


167 In this room, here we are, sitting back to back, dwelling in one single body.

We are wide open to the inscrutable countenances of the outside

world, yet faceless to each other:

Together we are Janus.

Then, there is a cut between us.

A bottomless bleeding respiring slit, as deep as one’s

consciousness goes, as shifting as tides.

You and me, indeed, we live in an event – within a deed of

continuous gash.

See, our lives are made of an unceasing act of cutting, in slow

motion, in each instant approximating to a perfect fissure yet

never falling apart.

It is not a cut that splits. You and me. Here and there. Now and then.


It is a reflection of a two-faced head, in one split

second; one piercing the void of this thick air,

the other escaping through the looking glass.

It is an aperture, an aisle, a passage.

An incision turning into a wound turning into a

crust turning into a scar.

A baby being born.

A splinter of guts made of ice, melting.

It is the golden hour. Alpenglow. Belt of Venus.

A record of an elapsed time where we relinquish

our human faculties and become Chiroptera.

It is life after death after life.

“Which comes first?” you ask.

“Dreams beyond death and life”

168

At the pinnacle of your harvest, you were a

docile garden.

Now your crops are your roots, rambling wild.

Here we are, together in this room, cutting the

crops, cutting the cut, and from that crack exude

a new dreamer. They say

“Tell your good dreams to the trees, bad dreams

to the water.”

The cut, at the end, is the atrophy of our mind, a

break to the past, our fading into oblivion.


169

TIRESIAS UND DER KLEINE TOD , 2022

[Fotografia Filipe Braga]


But the past harkens back to us,

“Together we are one.”

Our apotheosis is remembrance.

170


171


[publicação]

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25 DE

A B R I L

NO

MIRA

175

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOÃO TERRAS & JOSÉ MAIA

JOANA MENDONÇA

09 ABR / 01 MAI . 2022


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177


O 25 DE ABRIL NO MIRA,

HOJE E SEMPRE

178

JOANA MENDONÇA


179 “Debaixo das cidades, a revolução”.

Com este título se apresenta a exposição que

celebra, uma vez mais, o 25 de abril de 2022 no

Espaço Mira, em Campanhã, na cidade do Porto.

Esta é uma exposição que resulta da

procura por uma narrativa que reflita o que significa

celebrar abril hoje, proposta pela dupla de

curadores residentes (e resistentes), José Maia

e João Terras. Segue uma linha de programação

que sempre incluiu abril (desde 2013), mesmo

quando a pandemia de COVID 19 não permitia

manter as portas do Espaço Mira fisicamente

abertas. Explorando formatos alternativos,

como o online, a mail art, as conversas com o

público através da plataforma zoom, o Espaço

Mira manteve durante 2020 e 2021 uma programação

diversificada, numa comunicação

constante com os públicos, não numa lógica de


MARIA PAZ, CARLA CRUZ & ÂNGELO FERREIRA DE SOUSA, JOÃO VALE

[vista parcial]

180


181

desenrascar uma situação desesperada, mas

antes numa abertura cada vez maior dos seus

espaços a um público que vai crescendo num

sentido mais plural.

Qual é o significado de fazer hoje uma

exposição em contexto de celebração do 25

de abril? O que representa para o momento

que vivemos agora, em que estamos a desabrochar

de um acontecimento coletivo que nos

mudou para sempre?

Na perspetiva destes curadores, o que

se avizinha é auspicioso: estamos disponíveis

para nos olharmos e nos melhorarmos enquanto

seres humanos, cada vez mais empáticos e

relacionais; temos cada vez mais representatividade

de minorias em exposições de arte nos

museus, galerias, e até em cargos de gestão e

direção criativa. O que assistimos pode ser considerado

como resultado de um investimento a

longo prazo de uma geração (a minha, agora

nos quarentas) na formação dos públicos que

hoje temos, através do contacto com os nossos

familiares e amigos, através de uma projeção no

futuro dos nossos filhos, do que queremos para

eles - e não queríamos para nós. Os casos onde

isso não acontece são denunciados, trazidos

para a praça pública, debatidos nas plataformas

artísticas e culturais: cada vez temos mais

dificuldades em ficar calados.

Ora vejamos o caso do Projeto de

Carla Cruz e Ângelo Ferreira de Sousa, sob

o nome Associação de Amigos da Praça do

Anjo (AAPA), nascida das cinzas da escultura

de José Rodrigues, um anjo do sexo feminino

- roubada alguns anos antes, segundo consta,


pelo material valioso (bronze) de que era feita.

A praça do anjo referia-se ao antigo Clérigos

Shopping, que, embora localizado em zona nobre

da cidade invicta, permaneceu abandonada

durante anos até à sua recente restruturação

inserida no investimento turístico a que toda

a cidade do Porto tem pertencido. Assistimos

ao vídeo assim que entramos no Espaço Mira,

ladeado de cartazes realizados pelos manifestantes

nas diversas ações concebidas pela

AAPA, em que foram sendo produzindo objetos

memorabilia do que se pretende mostrar e

reivindicar, mas essencialmente construir memória:

através de um livro, publicação que compila

os anos de existência da associação, marcada

pela ausência da “anja”, ou seja, através

da introdução na academia de um discurso crítico,

sustentado e fundamentado do estado da

arte, a que não se fica indiferente. O vídeo com

a história do nascimento e das diversas ações

realizadas pela AAPA está inserido na mostra

de arte online que ainda decorre nas diversas

redes do Espaço Mira, e que acompanha a exposição

“Debaixo das Cidades, a Revolução”.

Além do vídeo da AAPA, esta mostra

apresenta todos os dias um novo trabalho,

passando por Maria Miguel Von Hafe, Nelson

Duarte, Vicente Mateus, Ece Canli, Inês Tartatura

Água, Pedreira, Sara Rodrigues e Rodrigo

Camacho /Landra, Filipe Morais /Réptil, Leonor

Parda, Mariana Barrote e Rebecca Moradalizadeh.

Alguns destes artistas estão ainda integrados

na série de performances realizada no dia

23 de abril, numa maior aproximação ao público,

agora sim, fisicamente, e até já sem máscara.

182


183

CARLA CRUZ & ÂNGELO FERREIRA DE SOUSA

“Grandiosa Romaria em Honra

do Corpo Ausente da Anja”, 2021


Na exposição, e em vizinhança da AAPA,

encontramos uma evocação à cidade que não

sabe quem é, através da pintura de João do

Vale, numa espécie de paisagem reflexo de pulsão

natural - mas organizada através de uma

estrutura demasiado urbana. Encontramos o

Álvaro Lapa ali, na sua matéria, na espessura da

tela quase caixa, na paleta cromática escolhida

por João, na sua narratividade sem palavra, mas

com tanto para dizer.

Com a pintura em grande escala de Maria

Paz, viajamos até uma referência ao corpo

feminino, assumida através de cores vibrantes,

que facilmente poderíamos confundir com

o brando estado de receber flores - mas estas

viram-se contra o masculino, o arquétipo opressor,

libertando-se perante um mundo que é e

será das mulheres e dos seres híbridos onde o

futuro nos prevê fazer chegar.

Ainda numa fase inicial da nave central

da galeria, conseguimos vislumbrar um desenho

no chão, resultado da luz e sombra da obra

de Mariana Barrote, realizada através do corte

(físico e gestual) de uma superfície estável, com

um lado positivo e negativo, ou melhor um lado

preto e um lado branco. Através deste objeto, a

artista constrói uma metáfora crítica, onde o público

se perde com a beleza dos desenhos (na

vertical e na horizontal), com a pintura expandida

que transcende a peça em si, mas segue

uma necessidade narrativa de esconder as coisas

menos bonitas no meio da história, fazendo

lembrar as pinturas da Paula Rego, onde as

fábulas revelam personagens deformadas, alteradas

perante as suas depravações. Se olhar-

JOÃO DO VALE

We Are The Lost, 2016

Necrópole, 2017

MARIA PAZ

Mátria, II, 2021

184


185

MARIANA BARROTE

Terráqueo, 2022

SOFIA LOMBA

Laced Bodies Series, 2021

mos para trás, deixamos de ver o desenho no

chão, quase como uma referência a Orfeu, que

assim perde o que mais ama.

Numa aproximação pela grande escala

ao trabalho de Mariana Barrote, está o labirinto

de desenhos negros sobre branco de Sofia

Lomba, num conjunto de peças que apela também

ao (ser) feminino pela delicadeza da seda

que escolhe, e onde sentimos um conjunto de

formas orgânicas suaves quase abstratas. Revela-se

assim de forma clara a alusão ao sexo

feminino, à fecundação e à ideia de semente.

A semente que é literalmente o símbolo da fecundação

vegetal, é também misturada nas formas

orgânicas que tanto nos parecem vegetais

como humanas dos desenhos de Sofia Lomba,

e cria a ponte para o vídeo de Sara Rodrigues e

Rodrigo Camacho/Landra, colocado num plasma

horizontal no chão. Neste vídeo, a dupla de

artistas conta a história da bolota, desde a sua

intensa presença na alimentação humana, até

um abandono em detrimento de outros alimentos,

resultantes das viagens intercontinentais

e da mudança de hábitos alimentares. Aqui, a

dupla aproveita-se de uma crescente curiosidade

em torno da alimentação saudável - que se

verifica recentemente - para inserir as plantas

alimentícias e outras espécies comestíveis que

crescem de forma espontânea nos terrenos, e

que habitualmente ficam subaproveitadas.

No vídeo, além da explicação de como

tratar a bolota para a poder comer, assistimos

também a um ritual estético de apreciação

deste alimento que nos remete muito para a

ideia de origem, e de aproximação à terra - e


a que assistimos olhando para o chão - e um

estar natural: um frasco que nos é apresentado

na entrada do Mira serve como apelo aos

sentidos (contendo bolota triturada), e o seu

cheiro leva-nos facilmente para o cacau devido

à proximidade olfativa.

Como uma “cereja no topo do bolo”,

e numa metáfora alimentar como bem calha,

a dupla Sara Rodrigues e Rodrigo Camacho

apresenta ainda uma performance que oferece

ao público a prova do chá a partir de bolota,

confecionado pelos próprios - no dia 23 de abril

- em que a exposição se expandiu ao Mira Artes

Performativas, e à Associação Malmequeres de

Nôeda, com um conjunto de ações performativas

que foram em si mesmas ações de liberdade

individual e coletiva.

Junto a este vídeo, no Espaço Mira encontramos

a instalação da artista Patrícia Timóteo

que, aparentemente encurralada num canto,

propõe-se expandir o lugar através da projeção

de slides - fazendo uso de um retroprojetor - e

de uma superfície plana que parece sair da parede

para receber também ele uma projeção.

SARA RODRIGUES E RODRIGO CAMACHO/LANDRA

o esquecimento é premeditado, 2022

186

[frame]

o esquecimento é premeditado, 2022

[performance]


187

PATRÍCIA TIMÓTEO

I calm my mind, 2021-2022

MIGUEL ÂNGELO MARQUES

Since the beggining of times there was an impulse,

an inextinguisahble fire...and we’ve succumbed to it, 2021-2022

Muito interessada nos formatos e nos suportes

como matéria, as peças mais recentes de Patrícia

Timóteo parecem questionar o que é forma/

fundo e o que é suporte/matéria e tema/teoria.

As imagens que cria são construídas a partir do

corpo, mas noutros projetos aproximam-se de

uma quase teoria da cor, cristalizando o tempo

em que são concebidas, numa apologia a

um novo realismo a que poderia fazer sentido

regressar nos dias que correm. A sua pintura

expandida realizada através de luz comunica

à distância com a pintura simbólica de Miguel

Ângelo Marques, que faz o fecho da exposição

num painel múltiplo preenchido de pinturas,

que tanto nos parecem estudos de cor como

aproximações à história da arte. De forma muito

simbólica, e fazendo lembrar um Atlas Mnemosyne

warburgiano, vemos elementos que

se repetem e nos confrontam, como o fogo, o

cavalo, a água, o pé (ou o calcanhar) e que regressam

dos nossos sonhos para nos avisar ou

cobiçar um futuro risonho. A pintura de Miguel

Ângelo Marques apela a uma identidade coletiva,

de construção de um conhecimento comum

e identificação da repetição - quando ela acontece

- que nos poderá avisar, de forma a não cometermos

os mesmos erros do passado.

A esperança que se faz sentir ao percorrer

a exposição no Espaço Mira intensificou-

-se no dia 23 de abril na série de performances

evocativas da liberdade, onde pudemos

assistir a Rebecca Moradalizadeh, numa ação

de pós-memória, em que a liberdade acontece

através da vivência e repetição de gestos

ancestrais de preparação do alimento em cima


de um tapete no exterior; Sara Rodrigues e

Rodrigo Camacho /Landra (já mencionados);

Inês Tartaruga Água, cuja performance partiu

de uma reutilização de meios analógicos, restos

de uma vida tecnológica que já não existe -

os CD’s - para a criação de paisagens sonoras,

como o som do vento por exemplo.

Já no espaço vizinho Malmequeres

188

REBECCA MORADALIZADEH

[performance]


189

INÊS TARTARUGA ÁGUA

[performance]


de Nôeda, Mariana Camacho concebeu uma

performance que parte da desconstrução da

música popular para se apropriar dela, e com a

sua voz particular, fazer-nos viajar por memórias

musicais inevitáveis; Vicente Mateus usou

também um tapete para colocar a sua bateria

que ensaia, estuda e provoca, alterando também

o lugar do público, que entretanto se senta

no palco; Ece Canli faz uma investigação do

folclore ancestral turco, através dos cânticos

populares, que nos faz conhecer através da

sua voz, e o eco (efeito) que nos parece lugar

de imaginação ou delírio, convida-nos a sair

do nosso corpo por um instante; Leonor Parda

tira-nos da nossa zona de conforto através

da palavra dita, força oriunda de testemunhos

pessoais, revelando-nos fragilidades, numa

composição sonora que interpreta um texto-

-objeto; e finalmente Filipe Moreira conclui o

ciclo de performances com uma apresentação

no Mira - Artes Performativas, fazendo-nos

lembrar o momento de crise das artes, como

VICENTE MATEUS

190

LEONOR PARDA


MARIANA CAMACHO

191

ECE CANLI


se estas fossem um luxo, uma comodidade, enquanto ele próprio

se enrola numa teia metafórica e real.

Após a viagem de lugares e de sentidos que se construiu

nesta exposição com múltiplas direções, será de facto útil destacar

que alguns destes nomes que pudemos conhecer são filhos

de artistas de gerações estabelecidas, são eles hoje artistas com

20 e tal anos de idade, que começam a desenhar os seus percursos

artísticos numa época em que já nada os poderá surpreender.

Talvez ainda possam vir a ser surpreendidos com um

público que aí vem, e que o Mira contribuiu para que se fizesse

nascer, para que esta germinação de novas energias não se

compadeça com a apatia do pós-pandemia e que as palavras de

liberdade e de esperança ecoem durante tempo suficiente, pelo

menos até ao próximo 25 de abril, em 2023.

192

FILIPE MOREIRA

[filme, performance]


193

[registos performances e concertos]

MIRA | Artes Performativas e Malmequer da Noêda


194


Q U E M

É

MORTO

S E M P R E

APARECE:

EX

VOTOS

195

PARA O SÉC.XXI

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA

JOANA MENDONÇA

07 MAI / 04 JUN . 2022


196


197


A VIDA E A MORTE

E AS PINTURAS DE MIGUEL CARNEIRO

198

JOANA MENDONÇA


199 Entramos no Espaço Mira para visitar uma exposição individual de pintura de

um artista que vive e trabalha aqui na cidade do

Porto. Somos rapidamente resgatados por uma

sensação imersiva de ocupação deste espaço

expositivo de uma forma inesperada: telas que

vão até ao teto, bancos corridos para sentar -

qual museu de arte contemporânea - despojos

do processo criativo da pintura dispostos no

chão, como as paletas, perdão, os pratos que o

artista usa para pintar.

Não nos podemos deixar levar pelo facto

de estar perante uma exposição de pintura

de um artista que fez o seu percurso académico

na Faculdade de Belas Artes do Porto.

É que Miguel Carneiro deseja mais do que

fazer-nos entrar no espírito crítico (às vezes,

sarcástico) das suas peças: a informação que

nos dá é sensorial, e completa-se com o facto


de ser posta em prática através de tinta de esmalte,

um material utilizado por pintores amadores

- por ser mais barato, ou por ser a única

tinta que conhecem - e que não é obviamente

o caso de Carneiro.

Aluno de Eduardo Batarda - como qualquer

contemporâneo que tenha passado pelo

curso de pintura, como eu - o artista evoca o

professor nos seus trabalhos de ilustração, citando-o

como homenagem, usando a ironia e

o sarcasmo nessa mesma medida. Desde os

anos da academia em que imprimia serigrafias

para realizar fanzines e livros de artista 1

até a fundação da Oficina Arara, o “estilo” de

Miguel Carneiro esteve sempre associado à

linguagem da ilustração. Achava eu. Até agora.

Se olharmos com atenção para estas séries

de pinturas, vemos que o que se mantém é o

carácter narrativo das ilustrações, mas agora

sobre tela, pladur ou MDF.

Nesta exposição que enche o Espaço

Mira de uma forma original, Miguel Carneiro

aproxima-se de um tema global como a morte

através da simbologia da sua representação,

literal e metaforicamente. A travessia para a

morte, a barca que nos transporta, os animais

condenados ou sagrados, brindados com o

vinho que representa o sangue de Cristo: um

conjunto de elementos que podemos retirar

dos livros da Bíblia, do velho testamento muito

provavelmente, onde a história da vida de Cristo

nos era contada de uma forma mais crua,

mais direta. Este vinho é utilizado de forma

[vistas parciais]

200

1

A título de exemplo, ver exposição realizada em Serralves acerca de publicações de autor:

serralves.pt/ciclo-serralves/1903-biblioteca-na-biblioteca/, consultada a 19 junho 2022;


201


Tábuas do Ofício, 2021-2022

202


simbólica, não apenas interpretado como um

elemento visual que faz também parte da exposição,

ao ser selecionado um vinho sem rótulo,

direto do produtor. Simbologias implícitas

sempre, mas livres de interpretação.

Quem é vivo sempre aparece, diz a sabedoria

popular, acerca de um amigo que desejamos

ver, mas que por alguma razão, nos vai deixando

pendurados.

203

Pendurados ficam aqueles que esperam

por algo que não chega. Assim como os

esqueletos dançantes que nos fazem lembrar

algo que já vimos antes.

O “quem é morto ...” de Miguel

Carneiro remete para ele próprio, que há

muito não “aparecia” na cena artística com

uma exposição de pintura, mas também para

a consciência de que ao criar algo há um

universo referencial que transportamos, e

por isso nunca estamos sozinhos: trazemos

também os vivos e os mortos.

Através do interesse pela cultura popular

e pelos provérbios que se eternizam na

língua portuguesa, Carneiro pega altera os

sentidos das frases populares, utilizando-as

por vezes de forma politizada, fazendo sugerir

que se insere numa linha de crítica institucional,

de quem vive aqui e agora numa estrutura

socialmente envolvida. Mas isto de ser contemporâneo

tem muito que se diga, pois logo

a seguir tira-nos o tapete ao introduzir ele-


mentos decorativos kitsch como as molduras

ou as estruturas douradas das pinturas. Levamos

ou não a sério as suas provocações?

Afinal o que Carneiro faz é uma pintura

que nos arrebata tanto pela sua banalidade

como pela provocação, porque de facto já vimos

aquilo antes, que é o que ele chama “pintura

funcional” ou “pintura como ofício” roubada

à tradição de pintura dos ex-votos que tinha

como função ser um exercício de gratidão,

uma pintura devota, e não apenas um exercício

de contemplação estética. Nesse sentido, estamos

perante um tipo de pintura improvável,

que considera o público antes do artista, mesmo

que este público não exista ainda. Almeja

um consciente coletivo, em vez do artista intelectual,

e funcionam como um todo, mesmo

tendo sido realizadas em diferentes fases.

Destaque para os flyers realizados em

risografia que saem livremente da exposição

pela mão dos visitantes, e são eles próprios

também reproduzidos a partir das pinturas

que só têm palavra escrita: surgem numa linha

de continuidade das pinturas dos ex-votos em

que o texto aparecia como uma legenda na parte

inferior da pintura, mas que condicionava o

processo criativo de Carneiro, acabando por se

autonomizar em pinturas independentes.

Finalmente, essas pinturas aproximam-se

muito da estética do cartaz pintado

à mão do estabelecimento de comércio tradicional

do qual ainda se sentem uns resquícios

em algumas ruas da cidade do Porto.

204

Interpretação livre, mais uma vez.


205

Quim-dos-Ossos

A Hora do Mocho

Sexta-Feira

Segunda-Feira

2021


O que diria Eduardo Batarda da utilização

de pratos de loiça como godés e de tinta

de esmalte a ser tratada de forma delicada

como se fosse acrílico (que o mesmo despreza

o óleo, como todos sabemos). Muito se pode

encontrar de sua influência na obra de Carneiro,

mas não na técnica. Aí parece que se

esforça para usar meios e recursos erróneos,

substâncias que não foram feitas para as ditas

belas artes, mesmo que alguns artistas ao longo

do século XX o fossem experimentando.

Esta exposição pode também ser sentida

pelo público como uma instalação, pela

quantidade de elementos tridimensionais que

ocupam o espaço para serem vistos: peças de

mobiliário, estruturas de onde se penduram

pinturas, os próprios bancos para sentar e o

inevitável elemento figurativo quase fantasmagórico

que nos recebe à entrada.

É a primeira vez, desde que me recordo,

que vejo a parede de pedra do espaço Mira a

ser utilizada de forma plena, como uma parede

de exposição: acima dos nossos olhos, as

pinturas obrigam-nos a deslocar o olhar, e até

descobrir peças escondidas criteriosamente.

Os mortos estão mais vivos do que os

vivos, pela expressividade com que são representados,

e pelo simbolismo que transportam:

quase todas as frases ou imagens são icónicas

das inúmeras referências ao Dia de los Muertos

em Yucatan, México, onde um ato de fé coletivo

permite que num certo dia do ano, os mortos

sejam mais importantes do que os vivos.

É um facto que os artistas estão moribundos

em Portugal, desde há muito tempo, e

Tábuas do Ofício, 2021-2022

Mistral, 2021

Os Vivos são o Regresso

dos Mortos, 2020

O Último a Cair

que Feche a Porta, 2021

206


a pandemia de COVID 19 não é a origem disso.

Carneiro é parte do Coletivo Arara que perfaz

10 anos de existência e uma constituição que

se vai alterando, e que se tornou muito ativo

no Porto com a chegada forçada da Troika,

e a integração do vocábulo austeridade no

nosso dia-a-dia. O espaço público pouco habitado

(nos anos 2000/2010) e a capacidade

de intervir em contextos culturais na zona do

Porto eram palcos parcos para este grupo,

que conseguiu marcar esta década e saltar

para a seguinte.

207

[vista parcial]

Pendurado, 2021

Oxímoro,2021


A Contra Cidade, 2020

208


Tábuas do Ofício, 2021-2022

209

Miguel Carneiro deixa a sua marca, nas diferentes

abordagens, sendo esta exposição

mais um patamar dessa história recente.


210


Í N T I M O

A

POLÍTICO:

UM

AVATAR

COLETIVO

211

CURADORIA:

TEXTO:

DURAÇÃO:

JOSÉ MAIA & JOÃO TERRAS

JOÃO TERRAS

18 JUN / 23 JUL . 2022


212


213


ÍNTIMO A POLÍTICO:

UM AVATAR COL ETIVO

214

JOÃO TERRAS


215 É no lugar da potência do conto que Desirée Desmarattes em Krik Krak se

permite aceder à potência tanto da forma de

contar do outro, como do que nos chega do

outro; tal como quando Miguel F olha a casa

para olhar a cidade em working class zeroes

(#1 + #2); tal como quando Natacha Bulha

revisita as memórias e heranças para narrar

o plural a partir do singular em A cal da nossa

casa e Aterra em Terra, Enterra A terra;

tal como quando Claire Sivier, no vídeo The

Journey Home?, explora as conectividades

entre passado e presente das comunidades

centrado nas ancestralidades; quando Vanessa

Fernandes em Every monster needs a

place to stay olha a gravação na escrita no

corpo como algo irreversível mas irreflexivo;

tal como Vijay Patel em Irmãos Quimera se

ensaia nos mitos e nas quimeras, lugar esse


da única verdade; ou ainda no poema escrito e visual de

Odair Monteiro, da máscara à pele, no espelho convexo que

é esta instalação, estamos todos a olhar a história a partir da

raíz, como se ainda fosse possível com este esforço escrever

sobre o irreversível.

Como diria aquele velho, sobre esse esforço,

“ainda há tempo”.

216


217

[vistas parciais]


ÍNTIMO

A

POLÍTICO:

UM

AVATAR COL ETIVO

218

COLETIVO INTERSTRUCT


219 Como podem diferentes narrativas - pessoais, íntimas, particulares - encontrarse

e desencadear um discurso político coletivo,

transformador, subversivo, contra-cultura?

Em tempos de ruptura marcados por

uma aparente aproximação entre indivíduos

proporcionada por novas redes de informação

e comunicação, a fragilidade dos laços humanos,

a solidão, o narcisismo, o medo e o ódio

ao outro, a assimilação ou degeneração das

ideologias e organizações políticas populares

parecem simultaneamente negar qualquer vislumbre

de um mundo mais solidário que exige

empatia e vínculos, onde o bem-estar colectivo

se assuma como pilar político e civilizacional. A

agenda política e uma certa ideia da cidadania

ocidental podem criar um sentimento de não

pertença como fenómeno do nosso sistema

neoliberal, colonial e patriarcal.


Como quebrar as narrativas atuais de

marginalização, gentrificação, solidão e _______?

O entendimento e a relação com os vários

aspectos da nossa intimidade, a partilha de

sentimentos e o nosso próprio ser refletem-se

nas muitas camadas da nossa herança cultural

e constituem o ponto de partida para desvendar

os contextos políticos que acompanham o

lugar onde vivemos e a descoberta da nossa

própria identidade para estabelecer conexões

entre a memória coletiva do passado, as experiências

do presente e a imaginação acerca do

futuro (talvez utópico?).

InterStruct Collective

O InterStruct visa fomentar um diálogo

em torno do interculturalismo, proporcionando

uma plataforma discursiva onde pessoas de

diferentes origens culturais podem colaborar,

propor intervenções e criar projetos artísticos

de importância social. Este fórum valoriza a

inclusão e incentiva a empatia e autorreflexão

como base para quebrar ideologias e estereó-

220


221

[vistas parciais, inauguração]

Artistas participantes:

CLAIRE SIVIER

DESIRÉE DESMARATTES

MIGUEL F

NATASHA BULHA COSTA

ODAIR MONTEIRO

VANESSA FERNANDES

VIJAY PATEL

tipos adversos. O nome InterStruct é composto

por dois elementos: o prefixo inter significa

“entre”, e o radical struere, em Latim, significa

“construir” ou “montar”.

O coletivo foi criado posteriormente em

2018 e está sediado na cidade do Porto cujo

contexto social é também mote para muitas das

suas criações. O InterStruct está em constante

evolução e reformulação. Não há hierarquia

organizacional, uma vez que todas as decisões

são tomadas coletivamente Esta abordagem

fluída permite uma maior simbiose entre motivações

individuais e coletivas. Ao que se sabe,

acrescento, faltava falar. É o avatar coletivo que

a InterStruct aqui procura. E para aqui chegarmos

permitam-me que também eu surja nesse

avatar, que também eu indague pela procura

da história, pelo cruzamento de memórias pessoais

e coletivas para, polifonicamente, múltipla

e convexamente, tentar relatar um desses

discursos astigmáticos da história, onde descemos

ao escuro, onde acedemos à ausência

da luz, para aí nos ser possível olhar a nu, a cru,

despir a história e as histórias, e narrar na procura

de uma voz que não uma.

Quando nos contam algo, a primeira

coisa que penso é que a história se deveria

contar com todas as vozes ao mesmo tempo,

com todas as mentiras ensimesmadas, com

todos os delírios em colapso. E quando não

sabemos da história a única forma que eu

vejo de vê-la ou escrevê-la é numa assemblage

de potências, no caos. Quando penso em

construir uma história coletiva, lembro-me da

cultura moche que existiu no norte e centro


do Peru entre 80 a.C. a 870 d.C. Quando me falaram pela primeira

vez dos Moche começaram por dizer: “ao que se sabe”.

Ao que se sabe é o mesmo que dizer que ainda existe tudo

por saber. Dos Moches apenas nos chegaram os objetos, os

desenhos e as pinturas, todos os escritos, corpos, casas e

ruas, foram seladas por aqueles que chegaram àquela terra e

se permitiram escrever sobre a mesma. Mas a história conta-

-nos que é irreversível, e também para escrevermos sobre a

história dos Moches só o podemos fazer a partir de imagens,

como o fazemos na arqueologia. Para falar da história dos Moches

precisamos de que todos olhem aquelas imagens, falem

com aquelas imagens e digam daquelas imagens. E ainda assim

dos moches só sabemos as imagens.

Quando temos mais do que dois olhos passamos a ter

um espelho, e aquilo que o coletivo InterStruct nesta galeria

apresenta é um espelho, múltiplas camadas de ecrãs e formas

constituindo um mesmo filme com desviantes narrativas.

É esse o olhar astigmático que falava em cima. Estar dentro

de uma história como num espelho, olhando-nos e olhandoos,

é esse o primeiro avatar, o espelho. No espelho somos o

que não vemos, é o lugar mais próximo do espírito que encontramos,

é o lugar mais próximo do híbrido onde podemos estar,

é o impalpável, não por acaso é o espelho a matéria usada

em muitas das magias, das máscaras, das sacralizações e

profanações, e tanto mais aqui diríamos, por fim, um espelho

coletivo seria um espelho com muitos ângulos.

222

PAUSA


223

[vistas parciais, inauguração]


ODAIR MONTEIRO

Máscara

“Todos os dias uso a mesma máscara

Todos os dias a máscara é negra

Todos os dias uso a mesma máscara

Todos os dias a máscara é branca.”

Nunca somos só nós,

Somos nós e as nossas máscaras.

NATASHA BULHA COSTA

Aterra em Terra, Enterra A terra

Sobre o que “se” define ser “terráquea”, o que

“herdamos” à nascença e que nos acompanha,

apesar de ser invisível e de estar bem “enterrado”

em nós. Pretende-se que quem queira

ouvir o áudio que a acompanha suba a rampa

e desça para apanhar os auscultadores, relacionando-se

com a terra (enterra/aterra em

terra) na posição mais confortável que achar

(sentar-se, deitar-se, ficar de pé, encostar-se à

rampa…) e que o volte a colocar no mesmo sítio

para a pessoa seguinte.

224

VIJAY PATEL

Irmãos Quimera

Padrão, textura, cor e forma contêm afetos

políticos que moldam, expõem e comunicam

modos de estar na sociedade. Desvios das

relações normativas entre signos e corpos

têm o potencial de gerar múltiplas questões


ao colher novas formas. Esse hibridismo

pode ser especialmente impactante com as

borboletas quimera - que possuem genomas

de ambos os sexos - pois as suas asas podem

ter uma a variedade de características de machos

e fêmeas biológicos. A palavra ‘quimera’

tem origem no monstro grego cuspidor de

fogo – composto por cabeça de leão, corpo

de bode e cauda de serpente – referindo-se

também a ilusões imaginárias e inefáveis.

MIGUEL F

working class zeroes (#1 + #2)

225

Zero como anulação, multiplicação, brecha,

margem, centro e periferia. Um lugar de conflito

a várias vozes, as que fazem do dano colateral

casa, de um lugar na cidade uma batalha

permanente, da ausência de renda, herança ou

palmadinhas nas costas uma habilidosa corda

bamba onde o trabalho é somente uma maldita

obrigação. working class zeroes (#1 + #2),

são os dois primeiros capítulos de uma ensaio

aberto entre ficção e documentário, que partiu

de um processo de escrita em diário iniciado

durante um período de trabalho numa fábrica

têxtil nos subúrbios do Porto no início do primeiro

confinamento de 2021.


CLAIRE SIVIER

The Journey Home?

The Journey Home? explora a relação entre a

diáspora afro na atualidadee suas conexões

com rituais e ancestrais. A obra surgiu a partir

da memória da artista em sua primeira experiência

no Nine Night na Jamaica enquanto

criança. Sempre a ponderar essa jornada além

da vida terrena, baseada na intersecção de

jornadas religiosas e ancestrais transformadoras,

o pragmatismo da ciência e a imaginação

sem fim… onde é o lar? Uma pergunta ininterrupta

nunca respondida, até…

DESIREE DESMARATTES

Krik Krak

Performance e som - CLAIRE SIVIER

Filme e edição - MIGUEL F

226

Quando os haitianos contam uma história,

eles dizem “Krik?” e o ouvinte responde

“Krak!”. O clipe cria um vínculo entre as narrativas

do meu pai, que deixou o Haiti nos

anos 1960 dentro da ditadura e as minhas,

que cresci numa infância protegida e alegre

na Alemanha. O processo foi inspirado por

trechos das suas estórias que recordo. Claro,

essas eram apenas as boas lembranças,

já que meu pai mantinha grande parte disso

longe de nós de modo a proteger-nos.

Como o filme também se baseia em

diferentes camadas incluindo imagens analógicas

de meu pai, ele configura um mapa


emocional e multiperspectivo de histórias e

experiências. Um encontro íntimo com um lugar,

que está profundamente conectado a histórias

locais e globais de migração, preconceitos,

laços familiares e liberdade.

VANESSA FERNANDES

Every monster needs a place to stay

A partir da escrita livre e irreflexiva o corpo é

tatuado, cravado e marcado numa forma de

purga e encontrando lugar para as palavras

se expressarem através da inscrição do inconsciente.

227

NATASHA BULHA COSTA

A cal da nossa casa

Todos os anos, fez-se costume as mulheres

do sul de Portugal tomarem como parte da sua

lide doméstica a caiação das suas casas rurais.

Depois de já não a conseguir realizar, por

motivos de incapacidade física, a minha avó

passou essa tarefa para o meu pai. Relaciono

assim esta obsessão pela branquitude “barata”

da casa com o próprio “branqueamento” da

minha pele, casa ambulante que habito, dando

atenção especial à espessura das camadas

sucessivas de cal que ocultam as “cicatrizes”

e “aveludam” as carnes mestiças.


DESIRÉE DESMARATTES, MIGUEL F & VIJAY PATEL

Heimat

O projeto Heimat - Homeland - Terra Natal - série de residências

realizadas em diferentes cidades de onde membros

do InterStruct são originários - parte do desejo de discutir o

significado de terra natal através da discussão entre pessoas

com diferentes origens etnoculturais. Codificação, armazenamento,

recuperação e performatividade da memória foram

pontos centrais para a pesquisa da primeira residência realizada

em Reken na Alemanha.

Cada elemento sonoro, objeto, sujeito e lugar presentes

na instalação audiovisual Heimat I está associado a memórias

pessoais e coletivas específicas. Esses elementos foram reduzidos

aos seus elementos simbólicos essenciais, transformando-se

em impressões que foram pontos de referência comuns

nas nossas conversas e um trampolim para desencadear

e partilhar memórias latentes. Desenvolvemos um sistema de

codificação para este mapeamento, que traça conexões entre

objetos, sujeitos e lugares (A-L), ideias-chave (1-59) e estímulos

auditivos (I-IX), inspirado por inscrições que anualmente

são feitas nas fachadas das casas de Reken por altura da comemoração

do Dia de Reis. Todas as gravações foram feitas

durante o período de seis dias de residência na casa dos pais

da Desirée Desmarattes.

228


229


FICHAS TÉCNICAS

25 DE ABRIL

E 1 DE MAIO NO MIRA

JORGE LOURENÇO

Não poder nem dever, 2021

escultura: metal e vidro

66x180x35 cm

DYLAN SILVA

Sem título, 2021

pintura-instalação, ecoline s/papel

dimensões variáveis

VITOR ISRAEL

Glória II, 2021

Glória I, 2016

Guerra e Paus, I e II, 2015

pintura-escultura: acrílico sobre madeira

dimensões variáveis

PEDRO MACHADO, JOANA TEIXEIRA & BRUNO CASSEMIRO

Alive, 2021

video mapping

ARÍCIA LIMA, CHRYSTIAN FERRAZ & GUILHERME TOLEDO

Thing in a box, 2021

video mapping

MULTIPLEX 2022

MIGUEL SILVA, LUCAS MAUES, SARA CAMPOS & FRANCISCO BERNARDES

Psychedelic Garden, 2022

video mapping s/ vasos com plantas

200x160cm

RUI TEIXEIRA, JÚLIA SILVA & CAROLINA GUEDES

Butterfly Effect, 2022

video mapping s/ papel, tinta e spray

200x350cm

VINÍCIUS FERREIRA

Brio, 2021

vídeo, full HD, cor, som mono, 6’20’’

AIDA CASTRO & MARIA MIRE

Vulcanismo, 2021

projeção vídeo HD, cor, 2’29’’

Acidente 3, 2021

vídeo HD, cor, 1’5’’

VITOR MOREIRA, VANDA FERREIRA, RITA CARVALHO & JOANA PINHO

O que vestem os sonhos, 2022

video mapping s/ um vestido branco num manequim

207x203cm

INÊS XARÁ, ARTUR PINHO, DIOGO SÁ, ADRIANO ABREU & DIANA FERREIRA

Sónia, 2022

video mapping s/ papel

240x145cm

COLETIVO LAB.25

Azimute, 2021

vidro, impressão em vinil, ferragens,

lâmpadas tubulares LED, circuito elétrico

133x70x93cm

O FUTURO CORRE PARA

NÓS A GRANDE VELOCIDADE

MULTIPLEX 2021

ANA SANTOS, BEATRIZ CORREIA & RENATO VALDOLEIROS

To be continued, 2021

video mapping

ANA CATARINA, ANA NOGUEIRA, DANIELA SILVA & LEONARDO BOU ANNE

Raio X, 2022

video mapping s/ cartão

177x117cm

SOFIA OLIVEIRA, DÉBORA ARAÚJO, MATEUS MARTINI & BRUNA NOGUEIRA

Illusion, 2022

video mapping s/ parede

dimensões variáveis

RÚBEN GOMES, RODRIGO RANGEL, CÁTIA SÁ & CATARINA RODRIGUES

Oppositum, 2022

video mapping s/ papel

41x30cm

230

ANTÓNIO MORAIS, FRANCISCO PEREIRA & JOSÉ LOUZADA

Infinity, 2021

video mapping

HUGO SILVA, MARIA TEIXEIRA & RICARDO FERREIRA

Unknown, 2021

video mapping

CARLA LOUREIRO, LEONOR BESSA, EMANUEL & LUCAS SILVEIRA

Alter-, 2022

video mapping s/ superfície espelhada

dimensões variáveis

$EM VER

CELESTE CERQUEIRA

DIEGO GARCIA, INÊS BARROS & MARIA INÊS REGO

Reflexo do Escuro, 2021

video mapping

ANA RIBEIRO, BERNARDO COSTA & CRISTIANA FERNANDES

Apartamentos Martins, 2021

video mapping

AGOSTINHO ALVES, CAMILA FREITAS, INÊS VAL &

FRANCISCO RAMA

Art with Motion, 2021

video mapping

G7/G20, 2019-2021

técnica mista s/ papel

dimensões variáveis

Ecrãs, 2021

marcador, pastel de óleo e tinta spray sobre pvc

dimensões variáveis

GUARDA-SÓIS

ALUNOS FINALISTAS ESAP

BERNARDO CASTRO

Brutalismo, 2021

acrílico s/ madeira

648 x 100 cm


231

BEATRIZ FARIA

Similis Mutatio. A mudança do corpo em

similaridade com a natureza, 2021

fotografias

59,4 x 84,1 cm (x2)

TERESA PINHAL

PET, 2021

impressão s/ papel de poliéster,

acrílico e madeira

135 x 91 x 27 cm

MARIANA COSTA

Sem título, 2021

fotografia e trapos

175 x 290 cm

LUCIANA RODRIGUES

Deformação marinha, 2021

acrílico s/ plástico

184 x 409 cm

INÊS SIMÕES

(Des)contexto, 2021

fotografias

90 x 59 cm (x4)

30 x 50 cm (x2)

LUIZA SIGAUD

Notas sobre o consumo, 2021

publicação, papel

29,7 x 21 x 1 cm

JOANA COUTO

Pedido de Socorro, 2021

vídeo, 2’13’’

BÁRBARA FLORES

Carta de prisão, 2021

vídeo, 7’

JOLANDA FONTE

Human Shades, 2021

vídeo, loop

JOANA CARDOSO

Onde as fragas têm nome, 2021

vídeo, 16’43’’

OLGA WARDEGA

About moss I, 2021

musgo sobre metal

20 x 20 x 5 cm

About moss II.

What’s left after F, 2021

gesso, musco e cola

20 x 10 x 5 cm

MIGUEL MARTINS

The clock is running, 2021

impressão s/papel

21 x 14,8 cm

PATRÍCIA PEREIRA

Sem título, 2021

bordado s/tecido

168 x 90 cm

BRUNA ROCHA

Vivência única, 2021

madeira, fios, molas, fotografias

106 x 23 x 159 cm

ARTHUR COELHO

Carne de sol, 2021

2 fotografias

50 x 75cm / 20 x 30 cm

GIOVANA MOURA

1, 2021

vídeo (através de código QR)

2’50’’

JOSÉ LÁZARO LOURENÇO

Ossos do ofício, 2021

materiais diversos

dimensões variáveis

SOFIA ALVES

Borboleta, 2021

madeira, fio

dimensões variáveis

OLGA WARDEGA

Shapes from the stones, 2021

giz sobre parede

160 x 100 cm

AS LUZES DO TIGRE

ANDRÉ SOUSA

PICADA/ , 2017-2018

óleo s/ papel, tubo de cobre

240x140cm dupla face

“LIVRO DOS JOGOS”, 2021

materiais diversos

250x500cm + 98x112cm

CINE-SIRENA, 2021

acrílico s/ pinho

234x350cm

MAPEAMENTO

(THIS IS MAPPING), 2014-2021

vídeo, 107’

SOLTAR A CADEIA

SOLTAR A CADEIA, 2021

HDV, 16:9

vídeo, cor, som 54’

ZUM ZUM

SÉRGIO LEITÃO

LINGVISTA / THE LINGUIST, #1, 2021

texto s/ papel

29,5x42cm

capa plástica

33,5x44cm

ZumZum, 2021

instalação com capas de livros

dimensões variáveis

ZumZum _ atelier, 2021

instalação com materiais fotográficos,

pranchetas, pastas, cadernos e elementos gráficos


ZumZum #2, 2021

vídeo 11’57’’

ZumZum #3, 2021

14 serigrafias sobre papel offset

49x64,5cm (cada)

LINGVISTA / THE LINGUIST, #2, 2021

texto s/ papel

29,5x42cm

capa plástica

33,5x44cm

TEMPO, TEMPO, STOPPZEIT!

KLANGZEITFIGUREN, 2021

vídeo 19’19’’

IN GIRUM III, 2021

vídeo 25’22’’

ZumZum #4, 2021

goma bicromatada s/ papel aguarela

25x35cm

impressões fotográficas s/ papel

30,5x42cm

papel fotográfico virgem em processo de exposição

30,5x42cm

outdoor plástico

200x300cm

200 dados

LINGVISTA / THE LINGUIST, #3, 2021

texto s/ papel

29,5x42cm

capa plástica

33,5x44cm

UM LUGAR SEM PAÍS NO MUNDO

MANUEL SANTOS MAIA

alheava_configura-se em função da origem,

não da memória, mas daquilo que não

aconteceu ainda. (ucronia)_I, 2016

14 desenhos (de série de 40)

32x43cm

alheava_configura-se em função da origem,

não da memória, mas daquilo que não

aconteceu ainda. (ucronia)_III, 2021

missangas e linha de pesca

1700x2cm

colaboração de Maria José Correia

alheava_Primeiro, conheci o desconhecido;

depois, desconheci o que conhecera; mais

tarde, abordei o que conheço como quem

desconhece., 2020

22 elementos de barro, especiarias e sementes

dimensões variáveis

colaboração de Afonso Alexandre e António André Maia

alheava_configura-se em função da origem,

não da memória, mas daquilo que não

aconteceu ainda. (ucronia)_II, 2020

tecido e linha de bordar

250x300cm e 12 elementos de 40x50cm

colaboração de Maria Albertina Marques dos Santos

“um lugar sem país no mundo”, 2018-2021

estrutura com madeira, pedra, missangas e linha de pesca

colaboração de Maria Albertina Marques dos Santos e Anabela Maia

OS MALEFÍCIOS DO TABACO

Os Malefícios do Tabaco, 2021

Instalação com tecido, objectos, água, desenho de luz

e impressões fotográficas s/ papel

Direção técnica de Miguel Ângelo Carneiro

TIRESIAS UND DER KLEINE TOD

Tiresias Und Der Kleine Tod, 2022

Retro-projeção e objeto editorial

Texto de Ece Canli

“DEBAIXO DAS CIDADES,

A REVOLUÇÃO”

CARLA CRUZ & ÂNGELO FERREIRA DE SOUSA

“Grandiosa Romaria em Honra

do Corpo Ausente da Anja”, 2021

instalação com cartazes,

sublimação sobre tecido e vídeo, 6`21``

câmara e edição por Miguel F;

design gráfico por Joana & Mariana

JOÃO DO VALE

Filologia (Pasolini), 2009

óleo sobre tela

100 x 120 cm

We Are The Lost, 2016

caneta de gel sobre madeira respigada

24 x 30 cm

Necrópole, 2017

acrílica sobre pano

70 x 80 cm

MARIA PAZ

Mátria, II, 2021

acrílico s/ papel de jornal

204x 270 cm

MARIANA BARROTE

Terráqueo, 2022

Linóleo, 380 x 160 cm

SOFIA LOMBA

Laced Bodies series, 2021

acrílico s/ seda

320 x 140 cm

320 x 90 cm

SARA RODRIGUES & RODRIGO B. CAMACHO

‘o esquecimento é premeditado’, 0000

vídeo, 9’ (em loop)

PATRÍCIA TIMÓTEO

I calm my mind, 2021 /2022

19 imagens /still digital em formato slide,

retroprojetadas na parede e

projectadas em “cubo” de madeira.

retroprojector e projector de slide

MIGUEL ÂNGELO MARQUES

Since the beginning of times there was an

impulse, an inextinguisahble fire...

and we’ve succumbed to it, 2021-2022

36 pinturas, óleo sobre papel

42 x 30 cm

232


233

QUEM É MORTO

SEMPRE APARECE: EX-VOTOS

PARA O SÉC XXI

Tábuas de Espírito, 2021-2022

esmalte sobre tábuas

tamanhos variados

12 peças

O Ofício dos Ossos, 2022

instalação

390 x 7 cm (x2)

A Teia, 2022

esmalte sobre tábua

125 x 125 cm

Sexta-Feira, 2021

esmalte sobre cartão

45 x 39.5 cm

Quim-dos-Ossos, 2021

esmalte sobre cartão

45 x 37 cm

Segunda-Feira, 2021

esmalte sobre cartão

45 x 37 cm

A Hora do Mocho, 2021

esmalte sobre cartão

45 x 37 cm

Bodas de Fogo, 2021

esmalte sobre tábua

126 x 92 cm

AURORA, 2022

esmalte sobre tábua

125 x 125 cm

Oxímoro, 2021

esmalte sobre cartão

45 x 37 cm

Pendurado, 2021

esmalte sobre cartão

45 x 37 cm

A Nau dos Poucos, 2021

esmalte sobre tábua

84 x 60 cm

Os Vivos São o Regresso

dos Mortos II, 2020

óleo sobre contraplacado

85 x 65 cm

A Hora do Lobo, 2020

esmalte sobre contraplacado

84 x 59 cm

A Porta, 2022

esmalte sobre tábua

84 x 125 cm

As Bruxas de Vielsalm, 2019

óleo sobre tábua

126 x 92 cm

A Contra Cidade, 2020

óleo sobre tábua

126 x 92 cm

Ar de Bicho, 2020

óleo sobre tábua

126 x 92 cm

Queres Esfolado, 2020

óleo sobre tábua

126 x 92 cm

O Último a Cair que Feche a Porta, 2021

esmalte sobre pano cru

175 x 240 cm

Mistral, 2021

esmalte sobre cartão

74 x 90 cm

Os Vivos são o Regresso dos Mortos, 2020

óleo sobre contraplacado

95 x 65 cm

Boca de Incêndio, 2022

cera

37 x 27 x 7 cm

Quem é Morto Sempre Aparece, 2022

esmalte sobre pratos e tigelas de louça

tamanhos variados

Quem é Morto Sempre Aparece, 2022

esmalte sobre tábua

125 x 185 cm

A Carroça, 2021

esmalte sobre cartão

74 x 90 cm

Premonição de Umbanda, 2021

esmalte sobre mdf

60 x 90 cm

ÍNTIMO A POLÍTICO:

UM AVATAR COLETIVO

COLETIVO INTERSTRUCT

ODAIR MONTEIRO

Máscara, 2022

instalação vídeo, som, 1’30’’

3 ecrãs em simultâneo, loop

NATASHA BULHA COSTA

Aterra em Terra, Enterra A terra, 2022

técnica mista

dimensões variáveis

VIJAY PATEL

Irmãos Quimera, 2022

técnica mista

dimensões variáveis

MIGUEL F

working Class Zeroes, 2021-

vídeo, som, 6’

CLAIRE SIVIER

The Journey Home?, 2021-

vídeo, som, 5’19’’


DESIRÉE DESMARATTES

Krik Krak, 2022

video, som, 4’54’’

VANESSA FERNANDES

Every monster needs a place to stay, 2022

vídeo, som, 13’52’’

NATASHA BULHA COSTA

A caiação da nossa casa, 2022

técnica mista

dimensões variáveis

DESIRÉE DESMARATTES,

MIGUEL F,

VIJAY PATEL

Heimat, 2020

vídeo, som, 10’, loop

234


ARTISTAS

235

AIDA CASTRO & MARIA MIRE

ALISA HEIL

ANA DEUS

ANDRÉ SOUSA

ÂNGELO FERREIRA DE SOUSA

ANTÓNIO LAGO

CARLA CRUZ

CELESTE CERQUEIRA

COLETIVO INTERSTRUCT

COLETIVO LAB. 25

DANIEL PINHEIRO

DUDA AFFONSO

DYLAN SILVA

ECE CANLI

FILIPE MOREIRA

GARCIA DA SELVA

INÊS TARTARUGA ÁGUA

JOÃO BROJO & FELÍCIA TEIXEIRA

JOÃO DO VALE

JOÃO SOUSA CARDOSO

JORGE LOURENÇO

JOSÉ OLIVEIRA

LEONOR PARDA

MAFALDA SANTOS

MANUEL SANTOS MAIA

MARIA MIGUEL VON HAFE

MARIA PAZ

MARIANA BARROTE

MARIANA CAMACHO

MAURO CERQUEIRA

MAX FERNANDES

MIGUEL ÂNGELO MARQUES

MIGUEL CARNEIRO

NELSON DUARTE

NUNO RAMALHO

O GRINGO SOU EU

PATRÍCIA TIMÓTEO

PAULO ANSIÃES MONTEIRO

PEDREIRA

REBECCA MORADALIZADEH

RODRIGO B. CAMACHO

& SARA RODRIGUES

SÉRGIO LEITÃO

SILVESTRE PESTANA

SOFIA LOMBA

SUSANA CHIOCCA

SUSANA GAUDÊNCIO

VICENTE MATEUS

VINÍCIUS FERREIRA

VITOR ISRAEL


EDIÇÃO

Espaço MIRA

CONCEÇÃO EDITORIAL

José Maia

DIREÇÃO

Manuela Matos Monteiro

João Lafuente

EDIÇÃO DE TEXTO E REVISÃO

João Lafuente

Manuela Matos Monteiro

Maria Odete Correia

DESIGN EDITORIAL

José Filipe Alexandre

FOTOGRAFIAS

Cristiana Fernandes

Filipe Braga

Manuela Matos Monteiro

Patrícia Barbosa

PLATAFORMAS

Website

miragalerias.net/

Youtube

youtube.com/c/EspaçoMIRA

Instagram

@espacomira

Facebook

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IMPRESSÃO E ENCADERNAÇÃO

NORPRINT Artes Gráficas SA

TIRAGEM

100

DEPÓSITO LEGAL

xxxxxxxxxxx

ISBN

xxxxxxxxxxx

APOIOS

TEXTOS:

André Sousa

Ece Canli

Joana Mendonça

João Sousa Cardoso

João Terras

Susana Chiocca


AGRADECIMENTOS

Arte Capital

Anabela Maia

Escolha Superior Artística do Porto

Jaime Garcia (Pedras & Pêssegos)

João Lafuente

João Sousa Cardoso

Malmequeres da Noêda

Manuela Matos Monteiro

Maria José Correia

Mauro Cerqueira

Mónica Rocha

Patrícia Vaz (Galeria Municipal do Porto)

Sérgio Leitão

Susana Chiocca

Teatro Nacional São João

Universidade Lusófona do Porto



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